O debate sobre a identidade nacional, que o governo francês estimulou nos últimos tempos, tem aqui sido objecto de tomadas de posição muito contrastantes.
Para alguns sectores, tal discussão comporta o risco de derivas no sentido do isolamento de comunidades de origem estrangeira cujas expressões culturais públicas se afastam daquilo que a França tradicional tem por "norma". Nessa perspectiva, as comunidades muçulmanas aparecem como as primeiras visadas e a tentação do apelo a políticas mais restritivas à imigração acabará por ser a resultante final do exercício.
O governo assume uma outra perspectiva. Na sua ideia, é importante tentar identificar aquilo que entretanto mudou na sociedade francesa, permeada por imigrações de várias origens, hoje marcada por expressões sócio-culturais muito diversas oriundas de núcleos de cidadãos nascidos já em França. Essa identificação é feita em paralelo com o sublinhar dos elementos que se entendam relevantes para a fixação de uma matriz identitária, histórico-cultural, colada à especificidade de "ser francês".
Como pano de fundo para esta discussão está a tomada de consciência, para muitos franceses, de que o país onde nasceram era muito diferente daquele em que hoje vivem e que essa mudança foi também produto da presença de estrangeiros e, agora, de novas gerações, já nascidas francesas, deles originários. O modo como a sociedade francesa olha para este facto varia imenso.
Porque este debate assenta muito na questão da introdução da "diferença", sem o qual não teria razão de ser, acaba naturalmente por ser potencialmente mais agressivo para comunidades com origens sócio-culturais que se afastam do padrão europeu tradicional. Quero com isto dizer que ele não afecta diretamente, por exemplo, a comunidade de origem portuguesa.
Estamos longe do fim desta polémica, mas talvez ela acabe por ter de consagrar uma ideia simples que alguém, há dias, apresentou num debate televisivo: gostem ou não alguns cidadãos franceses desta realidade, as regras da cidadania democrática vão acabar por obrigá-los a aceitar essa coisa comezinha de que é francês quem tenha um bilhete de identidade francês.