A expressão em título ficou-me de um daqueles longos arrazoados que um cronista chamado Marcelo Rebelo de Sousa publicava na página dois de um semanário que, há quase quatro décadas, nos habituava a ter notícias frescas. O cronista mudou de ramo e o semanário traz agora opiniões a fingir de "caixas".
"A escolha do silêncio" foi o título um dia escolhido pelo cronista para qualificar a ausência de palavras de Ramalho Eanes, que ao tempo se refugiava atrás de uns óculos escuros que lhe davam um ar (para mim) pouco sossegante, numa qualquer semana política desses anos 70 ou 80. Eanes optara por não dizer nada sobre uma determinada situação ocorrente e o país, reverente perante aquela intimidante farda política, fazia uma elaborada exegese da ausência da palavra. A hipótese dele não ter nada para dizer nem sequer era colocada.
Lembrei-me, há dias, da expressão, por uma razão completamente diferente, quando estava a almoçar no "Chana do Bernardino", na Aldeia da Serra, na serra da Ossa (um bela opção para refeiçoar, podem crer).
Sentaram-se cinco pessoas numa mesa ao nosso lado: um casal com um filho e uma filha, mais uma empregada. Olhei-os de soslaio, à entrada, e logo os esqueci. Minutos depois, estranhando o silêncio, olhei a mesa. Estavam, os cinco, cada um deles especado a olhar para o respetivo telemóvel. Agitaram-se, por segundos, quando tiveram de interromper as respetivas tarefas individuais para formular os pedidos. Mas logo regressaram, concentrados, ao mutismo absoluto.
Passou um quarto de hora. Veio a comida. Pai e mãe trocaram umas palavras. Os rebentos, aí com 15 e 12 anos, mantiveram o olhar atento aos ecrans e, com sorte, iam conseguindo espetar uma garfadas nas vitualhas, que emborcavam como mera atividade secundária. A empregada, a quem ninguém deu a confiança de dirigir uma única palavra, pousou por minutos o aparelho, enquanto comeu e olhou a paisagem, através da janela. Alguns sons ecoaram na escolha das sobremesas. Depois, o marido pagou a conta e saíram, sempre num silêncio quase sepulcral, com os miúdos ainda a tropeçar nas cadeiras, sem largar a máquina, seguramente a caminho do banco do carro, onde prosseguiriam a operosa atividade comunicativa e informativa.
Aquela família ilustrava, como ninguém, a "escolha do silêncio", que cada vez mais por aí se pratica. Quantos dos leitores se reconhecem neste retrato? Sinceramente.