O anúncio de um início de reaproximação entre Cuba e os Estados Unidos é um interessante sinal de distensão entre dois países cujo conflito é uma das mais duradouras heranças da Guerra Fria.
Washington nunca aceitou o derrube da sinistra ditadura de Baptista, um títere que se mantinha na lógica da "doutrina Monroe" e que havia transformado a ilha num prostíbulo e num casino, dando um sólido argumento para a revolta titulada por Fidel de Castro. Os refugiados cubanos nos Estados Unidos condicionaram, a partir daí, a atitude americana, tornando a normalização das relações dependente de um "regime change" que nunca veio a verificar-se.
Castro e os seus guerrilheiros, saídos da Sierra Maestra depois de uma saga político-militar que entusiasmou o romantismo de uma certa esquerda à escala global, cometeram o grave erro de reagir às recorrentes provocações americanas através de uma crescente dependência da União Soviética. A aventura da colocação de mísseis russos na ilha, em 1962, levou a um embargo americano que ainda hoje se mantém.
De regime libertador, a Cuba de Castro transformou-se num "exportador" de revoluções pelo mundo, aliás sem grande sucesso. Os "dois, três, muitos Vietnam" da retórica de Che Guevara (que, se fosse vivo, teria visto naquilo que o Vietnam se transformou) acabou por ser um imenso fracasso. Pressentido como executor de um "ousourcing" ditado por Moscovo, que durante décadas pagou as faturas de uma economia abafada pelo embargo, o regime de Fidel de Castro, que identificava a menor dissidência interna com uma traição pró-yankee, acabou por se converter num dos atores centrais da Guerra Fria.
No plano interno, Cuba é uma ditadura intolerante e repressiva. Jogou sempre com o sentimento de anti-americanismo como fator atenuador da leitura que o mundo podia fazer das condições em que o seu povo vive, passando as culpas do regime para as consequências do embargo - de facto, uma medida datada e sem sentido, unilateralmente imposta por Washington e que, bem vistas as coisas, acabou por facilitar fortemente o prolongamento do regime castrista. Cuba é hoje uma sociedade triste, vivendo numa penúria imensamente injusta para a felicidade possível das gerações que sofreram a sua tragédia geopolítica.
Muita água correrá ainda sob as pontes até que as coisas se normalizem entre Washington e Havana. Dos dois lados, os obstáculos à reconciliação são muito grandes e são expectáveis acidentes de percurso. De qualquer forma, a iniciativa papal que levou a este início de diálogo só pode ser saudada.