A revista "Sábado" relata esta semana mais uma "trapalhada" relativa a promoções dentro do MNE, objeto de contestação judicial. Em causa está a promoção de um grupo de funcionários à categoria de "embaixador", parte dos quais já estão aposentados, outros que ocuparam ou ocupam postos da maior importância no quadro externo do MNE, alguns deles do melhor que a "casa" possui hoje nos seus quadros.
Acho absolutamente normal que um funcionário que se sinta ilegitimente preterido em qualquer promoção interponha um recurso. Esse direito foi ganho com a democracia e ninguém o pode contestar. Acho, porém, estranho que a lei não esteja formatada de molde a que os atos de promoção se façam com uma drástica redução das ambiguidades que fazem proliferar estes casos, embora saiba que é impossível garantir em absoluto que, em processos em que intervêm fatores de discricionariedade e subjetividade pessoal, não possam ocorrer problemas. Mas o que me causa mais estranheza, desde há décadas, é a aparente incapacidade do MNE de criar, no seu seio, uma "massa crítica" jurídica como solidez suficiente para tratar deste tipo de questões com rapidez e competência.
( Para quem não saiba, vale a pena deixar aqui uma explicação sobre o conceito de "embaixador". No caso português, a maioria dos funcionários que chefiam missões diplomáticas no estrangeiro possui "credenciais de embaixador", isto é, tem na carreira a categoria de "ministro plenipotenciário", a qual já permite que possam dirigir uma embaixada, se o poder político assim o entender. São "embaixadores de Portugal em...", mas não são ainda "embaixadores" na plena aceção do termo, aquilo que os britânicos designam por "full rank ambassadors" ou os franceses qualificam como "ambassadeurs de France". Entre nós, no passado, designavam-se por "embaixadores de número", porque há um número limitado de lugares (hoje, cerca de 30) a que, por escolha e decisão do poder político, alguns dos "ministros plenipotenciários" podem ascender. Trata-se da categoria mais elevada da carreira e que vai sendo preenchida à medida que se abrirem vagas - as quais, normalmente, ocorrem pela saída de colegas do serviço ativo (a chamada "passagem à disponibilidade"). Mas a tradição manda que quem alguma vez exerceu as elevadas funções de "embaixador" passe, a partir desse momento, a ser para sempre referido na "casa" como "embaixador", sem distinção de ser ou não ser "de número". Noto que, com exceção deste último "degrau", todas as promoções, a partir da entrada do funcionário na carreira, são decididas pelo Conselho Diplomático, salvo no caso da ascensão a "Conselheiro de embaixada" onde, com maior frequência, se recorre a um júri examinador. Noto que o Conselho também é responsável pelas colocações no estrangeiro, salvo para as chefias efetivas de missões diplomáticas, que são decididas pelo poder político. O Conselho Diplomático é um órgão integrado pela hierarquia não política do MNE e por representantes eleitos de cada categoria. Têm sido frequentes, ao longo dos anos, as contestações às promoções decididas pelo Conselho. Embora tenha dele feito parte no passado, como membro eleito, devo confessar que há muito que deixei de acompanhar estas coisas com atenção, mas tenho a sensação que esta é a primeira vez que uma contestação acontece em casos de promoção à categoria de "embaixador". )
Na minha carreira, também tive um incidente com uma promoção.
Creio que em fins de 1986, para minha relativa surpresa, estava eu um dia de passagem em Bruxelas, como funcionário da então direção-geral das Comunidades europeias, recebi de Lisboa a boa novidade de que o Conselho do Ministério (na altura ainda se não chamava "Conselho Diplomático") havia decidido a minha promoção a "conselheiro de embaixada" (eu era então "primeiro-secretário"), juntamente com outros três colegas. Numa carreira que, nos dias de hoje, vive estas questões "a ferro e fogo", numa elevada competição, pode parecer estranho que as coisas tenham sido vistas por mim de forma tão ligeira. Mas foi assim mesmo: sabia que havia quatro vagas, mas tinha optado por não "dar uma palavra" a ninguém (hoje, as "regras" são outras, eu sei!) e "surgi" promovido (iria acontecer-me exatamente a mesma coisa, de novo sem eu ter "mexido uma palha", em 1994, na minha promoção a "ministro plenipotenciário", por muito que isso possa hoje parecer quase incrível. E, dessa vez, só soube da novidade dois dias depois, numa conversa casual com um colega. Ninguém me avisara...). Era inegavelmente muito interessante chegar a "conselheiro" apenas com cerca de 11 anos de carreira e fiquei tão satisfeito que me recordo de ter esportulado um belo jantar no "Ogenblik" a um grupo de amigos, para celebrar o facto.
Mal eu sabia que tinha sido um "falso alarme". As vagas que iríamos preencher foram consideradas inexistentes pelo Tribunal de Contas, que não aceitou a promoção à categoria superior dos colegas que até então as ocupavam. Uma "rixa" administrativa entre Sousa Franco, presidente do TC, e Deus Pinheiro, então MNE, fez o processo andar para trás e eu, e os outros, fomos "despromovidos". O assunto voltou a ser tratado, de novo, em 1988 e, em face de uma nova e idêntica decisão do Conselho, foi-me comunicado, uma vez mais, que tinha ascendido a "conselheiro". Dessa vez, escaldado que estava com a experiência anterior, não "deitei foguetes antes da festa", isto é, da posse. E fiz bem: é que, de novo, o Tribunal de Contas voltou a contestar a decisão do ministro. Passaram mais dois anos e, já estava eu colocado em Londres, quando, em agosto de 1990, tomei finalmente posse do lugar de "conselheiro de embaixada". Perdi quase quatro anos nessa categoria, ou melhor, como nunca tive tenho vocação para me queixar (e, realmente, no que toca estritamente à gestão da carreira, nunca tive razões para isso), apenas "não ganhei" esses anos.
Nota especial sobre este post: a abordagem destes assuntos de promoções na carreira diplomática origina, cpm frequência, ao surgimento de comentários anónimos, acusatórios e personalizados, sobre situações passadas ou presentes, com insinuações sobre irregularidades ou favoritismos. Assim, desde já advirto que, excecionalmente, desta vez só aceitarei publicar aqui comentários devidamente assinados. A menos que esses comentários me digam pessoalmente respeito, caso em que terei todo o gosto de a eles responder, mesmo a anónimos.