O Casaquistão assume, durante 2010, a presidência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Convirá dar uma ideia do que é a OSCE. Trata-se de uma organização que decorre do processo de "détente" entre o Leste e o Oeste, consagrado, em 1975, pelo Acto Final de Helsínquia. A OSCE teve um papel relevante na estruturação do diálogo que envolveu a então URSS e o mundo ocidental, muito em especial no enquadramento dos processos de regulação dos armamentos convencionais de ambos os lados dessa "trincheira" política. Com o fim da União Soviética e da Guerra Fria, a organização passou a juntar todos os Estados que dela emergiram, a generalidade dos países europeus, bem como os Estados Unidos e o Canadá. Tem hoje 56 países, dos 192 que a ONU comporta.
Com sede em Viena, a OSCE funciona hoje como um barómetro de certas tensões internacionais, quer de ordem militar e de segurança, quer de natureza puramente política - como questões de democracia, Direitos Humanos, protecção de minorias, etc. É uma organização com uma dinâmica muito dependente dos equilíbrios do diálogo russo-americano. O facto de decidir por consenso torna-a refém fácil de quaisquer situações polémicas que ocorram no seu vasto espaço.
Dentro da OSCE foram-se desenhando, ao longo do tempo, dois mundos diversos: o dos Estados "a oeste de Viena" - o ocidente - e o mundo dos países "a leste de Viena". Este último, grosso modo composto pelos Estados resultantes da implosão soviética, e não obstante algumas diferenças mantidas dentro de si, tem uma leitura muitas vezes desconfortável da atitude do primeiro, que interpretam como algo "patronizing" e promotora de "lições" de Democracia e regras básicas do Estado de direito. Acresce que os chamados "frozen conflicts" (Nagorno-Karabach, Transnístria e a situação na Geórgia - com a questão da Ossétia do Sul e da Abcásia) contribuem para alguma crispação do diálogo em Viena.
Até hoje, só Estados do ocidente tinham presidido à organização. A presença do Casaquistão, o mais importante Estado da Ásia Central, à frente da OSCE constituirá, assim, uma "première" e, ao mesmo tempo, um forte desafio à organização, tanto mais que ela tem uma estrutura central relativamente débil, muito dependente da capacidade de liderança das presidências. Soma-se a isso o facto do Casaquistão se propor organizar uma Cimeira dos chefes de Estado e de Governo da OSCE, durante o corrente ano, a qual, a ter lugar, pode assumir um papel decisivo numa reorientação futura da organização.
Portugal presidiu à OSCE em 2002, depois de ter realizado uma sua Cimeira em 1996. Coube-me presidir ao Conselho Permanente da OSCE na fase decisiva da nossa presidência, concluída na reunião ministerial do Porto, em Dezembro desse ano. Porque vivíamos o tempo posterior ao 11 de Setembro, tentámos colocar o tema do combate ao terrorismo no centro da nossa agenda, por nos parecer que era uma área com condições de federar uma leitura comum ao "oeste" e ao "leste" de Viena. Essa perspetiva prevaleceu e a presidência portuguesa ficou, na história da OSCE, como a última que conseguiu fazer aprovar as suas conclusões por unanimidade.
Em 2004, fui convidado pelas autoridades casaques para, na sua capital, Astana, fazer uma exposição sobre a nossa experiência enquanto presidência, estando já então o Casaquistão a alimentar a sua vontade de vir a assumir tais funções. À época, foi para mim muito interessante detetar o que poderia vir a ser uma agenda de preocupações e intenções dessa futura presidência, que se afastava, em alguns pontos de uma perspectiva mais "ocidental". Veremos, agora, como ela se objetiva.
Portugal é visto, no seio da OSCE, em particular pelos países situados "a leste" de Viena, como um parceiro muito construtivo, dialogante e sempre preparado para ajudar a "construir pontes". Sem nos afastarmos um milímetro dos compromissos assumidos noutros contextos, nunca interpretamos a organização como uma espécie de terreno para a batalha ideológica, mas sim como um espaço privilegiado para o diálogo. É talvez essa a nossa diferença e é com ela que procuraremos ajudar a presidência casaque a ter sucesso.