“O senhor não tem o monopólio do coração”, lançou Giscard d’Estaing a François Mitterrand, com maestria, no debate presidencial de 1974. Qualificado de “candidato do passado”, Mitterrand retorquiria a Giscard, em 1981, que ele era “o candidato do passivo”. Mais um septanato decorrido, o mesmo Mitterrand, presidente recandidato, calaria o seu “challenger”, o primeiro ministro da maioria hostil, Jacques Chirac, quando este sublinhou que ali não estavam um presidente e... um primeiro-ministro, mas apenas duas pessoas com estatuto idêntico, com o soberbo: “Tem toda a razão, senhor primeiro-ministro”. Chirac começaria a cair aqui.
Alguns desengravatados na linguagem argumentarão que os tempos já não estão para “punhos de renda”, que a linguagem franca é a regra do jogo, que os dias que correm convocam outro tipo de discurso. Imagino que sejam as mesmas pessoas que não se escandalizam com as javardices insultuosas ditas pelo presidentes dos clubes, que assim ditam o tom à turbamulta alarve das claques, com as violências consequentes.
Pode ser que sim, e as ruas da amargura em que se transforma, em certas tardes, o nosso debate parlamentar parece dar-lhes razão. É claro que o tempo do “olhe que não, olhe que não”, entre Soares e Cunhal, já lá vai há muito, que a elegância do confronto político parece francamente perdida.
Mas o bom senso, e até o sentido prático de deixar abertas algumas portas para o diálogo, talvez recomendasse que se preservasse uma reserva de urbanidade. É que a política também se faz à porta fechada e o que se diz em público, se passar determinados limiares, pode condicionar certas pontes que o futuro pode revelar necessárias.
Tenho vindo a pensar mais nisto desde que testemunhei, um pouco atónito, o nível verbal das trocas entre Donald Trump e Hillary Clinton. E, na passada quarta-feira, ao constatar o “grau zero” a que chegou o confronto de Marine Le Pen com Emmanuel Macron, interroguei-me sobre o efeito que este tipo de linguagem poderá vir a ter junto dos respetivos eleitorados.
Mas depois, pensando melhor, cheguei a conclusão de que estamos perante um fenómeno bi-unívoco, isto é, os líderes cada vez mais refletem o nível do eleitorado que os apoia e o seu êxito parece ser proporcional à simbiose que demonstram com essa base. Só assim se explica que passem impunes atentados flagrantes à verdade dos factos – como Trump ousa todos os dias e Le Pen deixou patentes no debate.
Este é um tempo político perigoso, feito de caricaturas, de simplismos, de linguagem primária, que subordina a razão à emoção. Se a isto somarmos a dispensa da ética, a legitimação dos egoísmos e da discriminação e a ausência de respeito pelos outros, está criado um caldo de cultura que, no passado, deu no que deu.
10 comentários:
"Tenho vindo a pensar mais nisto desde que testemunhei, um pouco atónito, o nível verbal das trocas entre Donald Trump e Hillary Clinton. E, na passada quarta-feira, ao constatar o “grau zero” a que chegou o confronto de Marine Le Pen com Emmanuel Macron, interroguei-me sobre o efeito que este tipo de linguagem poderá vir a ter junto dos respectivos eleitorados."
Senhor Embaixador, convença-se de uma coisa, as pessoas cada vez ligam menos à política e aos políticos. As gerações, até aos anos 80 do século passado ainda vão votando, a partir daí o descrédito nos políticos é tão grande que se alheam totalmente da política. Sejam em Portugal seja no resto do Mundo de uma forma geral.
Le bruit et l'odeur, Chirac.
https://www.youtube.com/watch?v=eERFYd1DuDE
O dinheiro fácil acabou
“O BCE voltou a reduzir as compras de obrigações soberanas portuguesas para um novo mínimo. No mês passado, as aquisições do banco central ao abrigo do programa alargado de compra de activos foram de 526 milhões de euros, o montante mais baixo de sempre, segundo dados divulgados esta terça-feira pela entidade liderada por Mario Draghi. Foram menos 137 milhões que em Março e o montante compara com as compras de 1.405 milhões de euros registados no mesmo mês do ano passado”.
Jornal de Negócios. Rui Barroso ruibarroso@negocios.pt
02 de maio de 2017 às 15:21
" a sinbiosidade do povo e dos politicos", Sr. Embaixador o povo na sua totalidade e sempre mais inteligente que OS politicos.
Vox" populi vox dei". Mas as burocracias de Bruxelas sempre tem evoluido pra frente. Ex. Rejeicao referendo frances 2005, Portugal Nunca teve referendo do tratado Lisboa etc..... Deus queira que o povo Frances tenha senso e coragem de delegar Le pen a voltar a Europa a Mastrich......
Quanto a Trump/ Hilary eleicoes Sao em poesia e governar EM PROSA.
O tem que ir aplicando poesia porque se nao a casa rapidamente lhe faz o Impeachment.
Indica em larga medida que estamos numa fase final, há uma decadência profunda na política como na sociedade. Não tanto no sentido promiscuo como a igreja russa tenta vender o ocidente mas na promiscuidade dos valores culturais e políticos. Nada é certo tudo é incerto. Indica claramente que as sociedades ocidentais viverão em breve uma revolução ou uma catástrofe auto-destruidora. O pensamento simplifica-se os chavões tomam lugar explicativo, tudo é emotivo e cada parte vive como se tivesse razão absoluta e inegável. Passamos ao discurso da não alternativa. As portas já não se deixam entreabertas e como tal já só se pode antever respostas bruscas. Vivemos o antecipar de um embate, seja com a Polónia, a Hungria, Portugal ou Espanha, seja a vontade vingadora de destruir a Grã-Bretanha. Somos hoje comandados por uma elite política profundamente simplista disposta a tudo o que lhe assegurar o lugar no club europeu.
Caro embaixador, concordando consigo quanto ao grau zero em que anda a política, ou o confronto político, mesmo assim impressiona-me que passe como cão por vinha vindimada no que diz respeito às responsabilidades que desde há muito, e mais acentuadamente a partir da crise financeira de 2008, cabem aos dirigentes dos países desenvolvidos, nomeadamente aos da UEM. Porque esquecemos que a política austeritária de Heinrich Brüning ajudou e muito à tomada do poder pelos nazis? E não mascaremos isso com a hiperinflação alemã, em 1923 os nazis tentaram tomar o poder e falharam, mas em 1933, com os preços em queda e uma galopante deflação foi o que se sabe.
Como alguém disse "...os guardiães do capitalismo ocidental, como os Bourbon antes deles, não aprenderam nada..."
As dificuldades económicas das economias afectadas pela crise são evidentes: fortíssima recessão, desemprego extraordinariamente elevado, emigração massiva e enormes dívidas de difícil liquidação. Tudo isto é conhecido. Contudo a desordem constitucional da zona euro é um ponto essencial. Dentro da zona euro, o poder está agora concentrado nas mãos dos governos dos países credores, principalmente a Alemanha e num trio de burocracias não eleitas – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional…… Os políticos que face a estas mesmas pessoas são consideradas responsáveis não têm nenhum poder. Este divórcio entre a responsabilidade e o poder está no centro de toda a noção da governança democrática. A crise da zona euro não é apenas económica. É igualmente constitucional.
Regressando ao grau zero: o que vem Macron trazer de novo? Ele que é conhecido pelo seu "bougismo". Tudo mexe, tudo muda, tudo é relativo. Naturalmente, questionar o poder atual e as suas políticas não quer necessariamente dizer que se vota por Le Pen. Isso do tudo a preto e branco, do "ou por nós ou contra nós" lembra outras eras.....que não se deseja que voltem.
O Senhor Augie Cardoso escreve : « . Deus queira que o povo Frances tenha senso e coragem de delegar Le pen a voltar a Europa a Mastrich......”
Este comentário permite de pensar que o Senhor Cardoso ouve demais os sermões de Billy Graham. Que Bush também seguia.
Trazer Deus para a política e mistura-lo com le Pen prova que não leu a sua Bíblia:
Mas é verdade que o presidente recheava os discursos com versículos bíblicos e dizia orar antes de qualquer decisão. Vivendo na terra dos gringos, o Senhor Cardoso deveria ter–se lembrado, entretanto, que Jesus nunca permitiu que ambições políticas desfigurassem a sua missão espiritual – O meu reino não é deste mundo. Vale conferir o absurdo que fez com que a indústria bélica americana grava versículos bíblicos nos rifles e metralhadoras.
Como os amigos SS de le Pen gravavam nos cinturões : “ Got Mit Uns”.
Então Deus não virá interferir nas eleições francesas, Senhor Cardoso.E quanto aos franceses, têm bom senso para manter a religião fora do Estado e da politica.
De Alberto Gonçalves, no Jornal i,
Um excerto da entrevista:
"Mas no que diz respeito ao mundo árabe não é nada liberal...
Isso é outra questão.
Eu sou pela liberdade, o mundo árabe é que não.
Na versão dita extremista, é o grande perigo dos nossos tempos.
Nada nos ameaça mais que isso. Desde logo, demograficamente: vamos chegar a um ponto em que os atentados já não serão necessários. Eles vão ganhar pelo número. Já são maioritários nalgumas zonas, já podem decidir os equivalentes a juntas de freguesia na Alemanha e no Reino Unido. Devemos ser restritivos na imigração, devemos averiguar as intenções de quem entra, devemos prender os imãs que promovam a luta armada em mesquitas. É o mínimo."
O que é o mundo arabe caro anonimo das 20h40? a Tunisia ou o Yemen? A Arabia Saudita ou o Libano? os arabes sunitas ou os arabes xiitas ou os coptas, os catolicos, os ortodoxos, ou sei-la os pobres seguidores de joao baptista que até ha a invasao americana ainda os havia pelo iraque? (https://en.wikipedia.org/wiki/Mandaeism)
Nao precisar o que se diz corre o risco de tornar os artigos de opiniao equivalentes a conversas de café e como tal irrelevantes.
O problema nao é arabe, é religioso e sendo religioso nao é muçulmano, pois existem varias comunidades muçulmanas que sao totalmente pacificas e integradas (por exemplo os ismaelitas).
O radicalismo muçulmano dos dias de hoje tem uma origem e uma historia relativamente modernas. Para atacar esse problema nefasto, é melhor compreender melhor o fenomeno, descortica-lo do que lançar alarmidades para o povo. Pouco adianta o esbracejar a medico que nao conhece a cura a uma doença grave, e se na sua inquietude enxerga mal a doença, sujeita-se a tirar um braço ao doente para curar uma doença do figado, ou dos rins.
Claro que tudo começaria por fazer um forte ataque a varias estruturas seja nos paises do golfo, seja na turquia, seja no egipto, e que houvesse umas criaturas la no norte da europa que acordassem para a vida e deixassem de pensar que a irmandade muçulmana é uma espécie de equivalente muçulmano da democracia crista.
A mim tb me parece importante o seguinte as dificuldades com as integraçoes e afins acabam por revelar mais os problemas de identidade ou de escolha politica do proprio ocidente que qq outro assunto. Dividem-no mais e por isso tornam-no mais fraco. E a razao do alarmismo que o meu amigo espelha é tb essa, é a propria sociedade perceber que essa dissonancia nao estara a ser resolvida e portanto sentir-se inquieta.
Muito bem observado, anónimo das 5.44.
Enviar um comentário