A propósito
de algumas previsões catastróficas sobre o futuro do mundo, sob pressão da
desregulação geopolítica que por aí vai, alguém lembrava que é da lei da vida
que a solução para os problemas, em regra, só emerge quando estes se tornam prementes. É
então que a “criatividade” surge, nem que para tal tenha de recorrer-se a um
“novo normal”.
Recordo-me
do tempo em que as “exceções” concedidas ao Reino Unido ou à Dinamarca eram
vistas com um horror ortodoxo, por parte da burocracia bruxelense. A ideia de
que todos tínhamos obrigatoriamente de caminhar ao mesmo passo era a regra do
jogo, porque, de certo modo, subsistia a esperança de que, mais cedo ou mais
tarde, esses países “tresmalhados” haviam de ser conduzidos ao “redil” da
pureza dos tratados.
Um dia, porém,
em especial na perspetiva dos alargamentos, alguém se deu conta de que, para o
projeto coletivo poder avançar, talvez fosse sábio estudar mecanismos de
integração diferenciada, as chamadas “cooperações reforçadas”, garantindo, numa
União cada vez mais diversa, uma flexibilidade que permitisse acomodar vontades
e capacidades diferentes. Os tratados europeus passaram a incorporar esses mecanismos
e à Comissão, vestal sagrada do património comum, foi conferida a função de
velar para que esses modelos heterodoxos fossem compatíveis com o padrão
integrador regular.
Nos dias
que correm, o caso britânico parece poder
vir a trazer para a União uma nova onda de potencial flexibilidade, introduzindo
mesmo o conceito das exceções eternas, isto é, dando a alguns Estados a
faculdade de se não obrigarem, para sempre, a compromissos que aos outros são
exigidos.
Se hoje
trago aqui a questão da integração
diferenciada é para chamar a atenção para uma contradição em que a Europa está
a incorrer e que, em certa medida, pode vir a prejudicar fortemente a gestão do
seu futuro.
Como atrás
ficou expresso, cada vez mais a União Europeia constata que, em determinados
casos, na ausência de vontade política ou de condições objetivas, tem sentido
dar a oportunidade aos Estados de se colocarem fora da observância de certas
políticas. A única limitação será a necessidade dessa sua auto-exclusão não
afetar a funcionalidade global do sistema, razão pela qual, como disse, a
Comissão europeia funciona como o “árbitro” comunitário na condução desses
processos.
Mas, se
assim é, se se aceita crescentemente uma adoção diferenciada às políticas, por
que razão a União Europeia não procede, de forma idêntica, logo nos processos
de adesão? Por que diabo, sempre que a negociação destes se inicia, se parte do
princípio de que os novos Estados aderentes têm, obrigatoriamente, que aceitar
todo o acervo comunitário? Porque não encarar modelos de integração diferenciada,
desde o primriro momento e para sempre?
Alguns
objetarão que os “períodos transitórios” são precisamente isso. Não é verdade!
Esses modelos derrogatórios temporários continuam a basear-se na ideia de que,
um dia, todos adotarão a totalidade das políticas. Ora não é necessário que
assim seja, devendo poder formatar-se uma adesão à medida de cada país.
Uma
perspetiva deste género poderia facilitar, por exemplo, um processo como o da
Turquia. Alguém acredita que será viável algum dia aplicar àquele país, sem
imediata rutura do sistema, a Política Agrícola Comum e outras políticas que o
gigantismo relativo do país tornam de implausível adoção? Porque não assumir
isto e evitar estar a negociar com Ancara uma adesão plena, na lógica
tradicional da totalidade dos “capítulos”, que todos sabem impossível? Este
“teatro” interessa a quem?
Talvez não seja tarde.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")
8 comentários:
Alguém acredita que será viável algum dia aplicar àquele país, sem imediata rutura do sistema, a Política Agrícola Comum e outras políticas que o gigantismo relativo do país tornam de implausível adoção?
Não entendo este argumento. A Turquia tem 814 mil quilómetros quadrados e a França tem 643 mil quilómetros quadrads. Portanto, a Turquia não é um país tão gigantesco assim - é apenas 25% maior do que a França. Se a Política Agrícola Comum já é aplicada a toda a União Europeia - que é muito mais vasta do que a França - por que razão não será também aplicável à Turquia?
É muito simples, Luis Lavoura. As contribuições para o orçamento comunitário são feitas em proporção do PIB de cada país. A Turquia pagaria assim muito menos que a França. Sendo que a PAC gasta cerca de 40% do orçamento da UE, quem pagaria os fundos para a Turquia? Os agricultores franceses? Aconselho-o a ler alguma coisa sobre a UE
Muito mais importante que o dossiê da PAC da EU, é a política de Erdogan.
Como seria possível aceitar na UE um país, cujo chefe, Erdogan, islamista, que se considera descendente dos Hunos de Atila, e fervente adepto da « supremacia » turca, que , segundo ele deve dirigir essa região da Asia, uma espécie de arianismo à moda de Hitler, que admira, que nunca admitiu a culpabilidade da Turquia no genocídio arménio e muitos outros – .
Erdogan é actualmente o homem mais perigoso da Europa. Monopolização do poder, ultraliberalismo, conservantismo socio religioso, politica internacional neo-otomana articulada sobre a hegemonia estadunidense, autoritarismo.
Senhor Luís Lavoura : Imaginemos a mão-de-obra turca na EU. País das leis mais sinistras contra os sindicatos, não conformes às regras da EU.
A Turquia é o segundo país da OCDE a ter mais desigualdades depois do México. 38 Bilionários, mas mais de metade da população com um salario inferior a 230 euros/mês, e o trabalho infantil é ainda de 18%.
Ah, não, à Turquia! O neo -otomanismo visa a dar à Turquia uma posição regional como no passado, e a submissão à ordem estado-unidense é clara : o seu partido alinha sempre com as posições israelitas e a cooperação militar entre eles é importante.
Não esquecer que a Turquia é a base de operações sob patronagem estado-unidense, para as operações militares da ASL (Exercito sírio livre !), constituída de mercenários pagos e organizados pela CIA. O que deve ter custado um avião e um piloto aos Russos.
Erdogan gostaria de intervir militarmente na Síria; são os seus generais que o retiveram. O que seria uma loucura, porque se encontraria em guerra complexa na qual seria oposto aos EUA, à Rússia, ao Irão, ao exército sírio, o PYD e Is, tendo como únicos aliados a Arabia Saudita e as monarquias podres do golfo.
Este louco pode muito bem ser um dia a faísca que mete o fogo ao barril de pólvora na região. E quando penso que é nosso aliado, na NATO !
Francisco Seixas da Costa,
todas as coisas "simples" só o são após terem sido devidamente explicadas. Você agora explicou bem (agradeço), mas antes tinha dado uma explicação mal amanhada.
Boa tarde,
No que diz respeito á inglaterra talveza sua participação no projecto europeu tenha sido só temporária. Uma experiência.
Agora retornaremos ao velho normal
Deixo um extracto da série Yes Minister de...1980 - Episódio 5
"
Sir Humphrey: Minister, Britain has had the same foreign policy objective for at least the last five hundred years: to create a disunited Europe. In that cause we have fought with the Dutch against the Spanish, with the Germans against the French, with the French and Italians against the Germans, and with the French against the Germans and Italians. Divide and rule, you see. Why should we change now, when it's worked so well?
Hacker: That's all ancient history, surely?
Sir Humphrey: Yes, and current policy. We 'had' to break the whole thing [the EEC] up, so we had to get inside. We tried to break it up from the outside, but that wouldn't work. Now that we're inside we can make a complete pig's breakfast of the whole thing: set the Germans against the French, the French against the Italians, the Italians against the Dutch... The Foreign Office is terribly pleased; it's just like old times.
Hacker: But surely we're all committed to the European ideal?
Sir Humphrey: [chuckles] Really, Minister.
Hacker: If not, why are we pushing for an increase in the membership?
Sir Humphrey: Well, for the same reason. It's just like the United Nations, in fact; the more members it has, the more arguments it can stir up, the more futile and impotent it becomes.
Hacker: What appalling cynicism.
Sir Humphrey: Yes... We call it diplomacy, Minister.
"
Ó senhor Joaquim Freitas, já lhe disse o senhor tem que se tocar, não encherga que já toda a gente viu aqui que é sectário e dogmático. O que tem a dizer de Sarkozy? só fala do Lula e do Sócrates e o Sarkozy, diga lá o que tem a dizer. Ou o Sarkozy não lhe paga como os outros para ser advogado do diabo? quem bandidos defende, bandido é.
Senhor Joaquim Freitas:
Imaginemos a mão-de-obra turca na EU.
Ela já está na EU: a Alemanha tem cerca de quatro milhões de turcos, a Áustria também tem muitíssimos turcos. No estado de Berlim tudo o que é oficial vem escrito, conjuntamente com alemão, em turco. Se não fosse a mão-de-obra turca, a Alemanha colapsaria.
Senhor Luís Lavoura : Os Turcos sempre tiveram uma relação especial com a Alemanha. Até assinaram um tratado de não agressão com Hitler, que procurou atraí-los para o “ Eixo”!
São realmente 4 milhões, um milhão menos que os Muçulmanos em França. Mas mesmo Kohl achava que eram e são demais, e tinha um projecto de reduzir de metade a presença turca. Mas não sei se foi porque o filho se casou com uma Turca, o facto é que abandonou o projecto. Mas, como diz, talvez porque agora os Turcos contribuem muito à competitividade da Alemanha na Europa. Eles são os principais “beneficiários” das leis Hartz, dos baixos salários e dos dois “jobs” para chegar ao fim do mês.
Constituem um suporte para a fraca demografia alemã. E a prova, é que há cada vez mais Turcos que se naturalizam, porque existem tensões em certos pontos da Alemanha, e particularmente em Berlim.
De qualquer maneira, não é porque existe uma relação especial da Alemanha com a Turquia que devemos aceitar a sua entrada na EU. O imenso reservatório de mão-de-obra ainda existente na Turquia e o pouco ou nenhum respeito da democracia nas relações entre os trabalhadores e o governo turco, devem servir de indicação do que nos espera se os aceitarmos.
E depois, como poderíamos aceitar de estender as fronteiras da Europa, que são já largas demais, até à fronteira do Iraque e da Síria?
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