terça-feira, março 15, 2016

Fortes nos mares

Acabam de ser revelados, pelas autoridades do Oman, pormenores sobre os restos de uma nau de Vasco da Gama. É uma bela notícia que, por um momento, deveria estimular o nosso orgulho naquela aventura ímpar que foram as viagens de Quinhentos.

Recupero aqui um texto que publiquei em dezembro de 2012, escrito aquando de uma viagem ao Oman.

Ele aqui fica.

- Os portugueses chegaram aqui e construíram este forte, depois de terem circundado toda a África. Não é fantástico!

A expressão, de um responsável governamental do Oman, frente à fortaleza de Al-Jalali, o antigo forte de S. João, em Mascate, foi dita perante umas dezenas de pessoas, que logo me olharam, como se acaso os meus antepassados, de lá de Trás-os-Montes ou do Minho, pudessem reivindicar parte dessa glória. E eu, por tabela, como herdeiro natural das viagens que outros fizeram por nós.

- Pois na minha terra, no Benin, também construíram uma bela fortaleza, em Ouidah, disse uma voz, atrás de mim. Sorri silencioso, a lembrar-me do gesto estúpido do funcionário português que, em 1961, na iminência da sua expulsão de S. João Batista de Ajudá, deitou fogo a tudo, inclusivamente ao carro oficial, cuja carcaça hoje faz parte do museu no local.

A tanzaniana logo comentou: "Também construíram bastantes meu país", para logo o iraniano lançar: "há belos vestígios de Portugal na nossa costa", lembrando Ormuz.

Olhei em volta. O meu amigo do Qatar, que me fala sempre de ter nascido junto a um forte português, estava longe, ninguém do Bahrein andava por ali para lembrar o que também ficou por lá, a minha colega queniana não veio na viagem para lembrar Mombaça. Também não havia nenhum marroquino para citar a imponente Mazagão ou Safi, nem ninguém da Malásia para recordar Malaca, ou do Gana para recordar São Jorge da Mina. E, muito menos, algum indiano para citar o belo forte de Diu e o muito que aí ficou. Dos "Palop" não estava ninguém no grupo para inventariar a arquitetura militar portuguesa remanescente (do Cachéu a Luanda, da ilha de Moçambique ao forte de São Sebastião, em S. Tomé). 

Naquele instante, tive pena de não ter, à minha volta, mais vozes internacionais para ajudar ao coro de glória histórica. Até que uma brasileira, casada com um europeu, adiantou: "E então no Brasil!? Conhecem as fortalezas portuguesas no Brasil? São fabulosas!". Mas nem ela se podia gabar de, como eu, de ter visitado a grande maioria delas - a começar por essa maravilha de dificílimo acesso que é o forte Principe da Beira, bem junto à fronteira com a Bolívia.

Isto passou-se ontem, numa viagem da UNESCO ao Golfo, a que me associei, no gozo das minhas últimas férias como embaixador.

O tempo das fortalezas militares já lá vai. Mas Portugal deixou, por aí, um prestigiante mar desses monumentos, marcos de um tempo histórico em que dava algumas cartas. E alguns tiros, porque o poder também se faz disso. E hoje, graças a essa herança, se há ainda coisa em que, pelo mundo, somos fortes é em fortes...

13 comentários:

Anónimo disse...

Isto resume-se numa palavra: FANTÁSTICOS!

Joaquim de Freitas disse...

Aquando da minha primeira visita a Goa, ele lá estava no alto dum pedestal, em frente da Catedral da Velha Goa, onde repousa São Francisco Xavier. Anos mais tarde foi levado para o Museu de Goa. Aqui tudo fala de Portugal.
 
Do outro lado da praça da Igreja do Bom Jesus, a alguma distância, Camões tinha um vizinho ilustre, também sobre um pedestal da mesma altura: o Mahatma Gandhi, o Pai da Índia. Outra civilização.
 
Nestas terras longínquas, não podia esquecer os seus versos, eu que aqui cheguei em Boeing, nalgumas horas de voo !
 


"Quem eram, de que terra, que buscavam,
 Ou que partes do mar corrido tinham?
 Os fortes Lusitanos lhes tornavam
 As discretas respostas que convinham:
 "Os Portugueses somos do Ocidente,
  Imos buscando as terras do Oriente"
 
 


Não posso esquecer aquele homem tão velhinho, de idade indefinida, que a cor da pele brunida pelo Sol indicava que era filho da Índia, e que, no interior da velha Igreja silenciosa, se aproximou de mim, humildemente, e num Português misto e hesitante, me perguntou : O Senhor fala Português! 
 
Que prazer tive eu de lhe responder que era Português, que falava Português, e que tinha nascido na cidade onde há novecentos anos nasceu Portugal: Guimarães. Os seus olhos perderam-se no espaço e no tempo. Grande emoção dos dois.
 
Os sulcos da face indicavam uma idade respeitável, e tinha quase a certeza que ele tinha nascido Português. O que me confirmou mais tarde, naquele restaurante onde o convidei, onde se comia cozinha portuguesa, e onde à noite , um grupo folclórico português cantava " Uma Casa Portuguesa", no hotel do Forte Aguada.
 
Ele não sabia, mas eu sabia, que existiam ainda outros pedaços da memória de Portugal mais para oriente, até à China.

Septuagenário disse...

Ai se o historiador Rosas lê isto, ainda diz que foi o Marcelo que lhe encomendou o sermão,e que a descoberta da caravela naufragada foi encomendada para a tomada de posse do prof.

Joaquim de Freitas disse...

Grande empresa, começada em 1450 e levou 73 anos para chegar ao cabo da Boa Esperança !
Longa viagem, metódica através dos mitos, das hipóteses e as dificuldades materiais, científicas e sanitárias, viagem para a qual nenhuma referência existia .
75 anos de coragem e de ousadia, de invenção e incrível dificuldade técnica e mental duma progressão que não se mede em anos mas em gerações.

Sim, pensei neles, que foram a continuação lógica do gesto do nosso Primeiro Rei, que a partir de Guimarães, com a sua espada reconquistou a velha terra Lusitana, expulsando os Muçulmanos para lá de Al-Gahrb.

Conhecemos hoje a Geografia da Terra, que as imagens dos satélites nos confirmam cada dia como uma evidência. Mas eles, os descobridores, que, muitos quando partiam dos cais de Lisboa, não sabiam que não voltariam mais, não tinham a compreensão do que os envolvia, nem nunca souberam a importância das suas iniciativas numa imagem, para o momento, ainda imprecisa do mundo.

Pensar que muitas caravelas, à partida de Belém, levavam a bordo entre 1 000 e 1 200 homens, chegavam a Goa só com 200 ! e ainda quase todos doentes do escorbuto , que os minava de tal maneira que deste saldo terrível muitos não escapavam à morte.

Nos fins de semana abandonava o escritório do agente em Bombaim, para vir refrescar-me a Goa, a 40 minutos de voo, em terra .. Portuguesa ! Enfim, foi! Passei horas a pensar nesta epopeia única no género.

Pouco se escreveu nos jornais de bordo sobre os medos e a agonia dessa gente lusitana. Alguns escribas deixavam compreender , com pudor ou grandiloquência, estados de alma que é preciso apreciar na dimensão do espaço-tempo da época, das suas dúvidas e das suas certezas , dos seus conhecimentos e dos seus erros, submetidos aos caprichos da natureza, caprichos que por vezes traziam um pedaço de Império , por acaso, porque não se sabia que havia terra por ali! Assim foi da descoberta do Brasil, por Pedro Alvares Cabral, em 1500, empurrado pelos ventos elísios fora da "volta" habitual para virar para leste, para o Cabo da Boa Esperança , que era a rota planeada.

E se um dia, ao descobrir um novo canto de céu, nas praias duma nova terra, pássaros multicoloridos, frutos desconhecidos e uma infinidade de coisas estranhas traziam a prova material que não era uma miragem, imagino-os todos rezar e chorar de gratidão, e nesse momento, se resolviam anos de reflexão, se esqueciam as dificuldades, as intrigas, os sarcasmos de alguns, e, sobretudo os dias, semanas, ou meses de travessia num incrível desconforto, que a doença, o medo inexprimível e a dúvida omnipresente ritmavam como uma via dolorosa.

Esquecidos o odor nauseabundo dos porões, os alimentos estragados amontoados, que a descoberta da exuberância da vegetação tornavam quase incríveis!

Quando passo em Vila do Conde, vou sempre fazer uma visita à Caravela que lá está ancorada, imagino a vida a bordo, dessa gente incrivelmente corajosa, que um dia continuaram para lá dos mares a façanha do nosso Primeiro Rei.

Em Goa, fazia sempre o tal cálculo : Os Portugueses levaram 93 anos para chegar a Goa, um século e um ano para "descobrir" Cathay" , a China, e mais 26 anos para chegar ao " Cipango" ,o Japão.

Eu fiz a viagem várias vezes em 12 horas!

Quando penso nesta epopeia, dum pequeno povo, corajoso como nenhum outro, que escreveu uma tal História, a partir do gesto dum Rei , que teve de batalhar contra a Mãe e o Avô , quase uma guerra civil, para construir o seu Reino, antes de levar a fronteira até ao Al- Andalus, digo, que merecia largamente um lugar mais glorioso que aquele que é o seu no mundo de hoje.

Anónimo disse...

Não me diga que está com saudades do colonialismo português, aquele pelo qual sempre lutou!!!
Que confusão de sentimentos...

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
Isso foi no tempo dos homens de barba rija!!!
Há fortes e fortins portugueses pelas sete partidas do mundo!
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Ainda eu era um leigo sobre a expansão portuguesa no mundo quando em 1980 visitei Ceilão (Sri Lanka) de sul a norte e surpresamente vou encontrar um forte em Baticoloa e outro em Jafna ainda com os canhões do fundidor Manuel Bocarra entre as ameias. Pedras tumulares com nomes lusos.
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Na Tailândia, o reino onde eu vivo há 38 anos por todo o país existem pedaços de ameias iguais às dos fortes que se topam em Portugal.
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Há pedras, tijoleira e argamassa portuguesa espalhada pelos quatro cantos do globo. São os resto da memória que cada vez mais se vai extinguindo dentro da ignorância do povo português em que o modernismo o fez alhear aos feitos, que tantos hajam sido, do homem luso quinhentista.
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Porém não foram fortes, a expansão da língua portuguesa (franca nos países da Ásia e extremo oriente), mas também a transformação da dieta alimentar nos países do Mundo.
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Os portugueses iniciaram a viagem das plantas e de sementes de uns continentes para outros. A Europa viria a beneficiar com a nova dieta alimentar graças aos portugueses, que depois se seguiriam os espanhóis.
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Incrível como os portugueses, temerários se movimentaram pelas águas de todos os oceanos do Mundo!
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Há ossos, canhões e naus portugueses a repousar no fundo dos mares de todo o mundo....
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Depois de tanta grandeza.... tudo o tempo levou!

Saudações de Banguecoque

Francisco Seixas da Costa disse...

Ao anónimo das 19.04. Tenho o maior orgulho do passado português, que abriu novas perspetivas ao mundo. O seu comentário revela que... não percebeu nada, desculpe lá!

Retornado disse...

Quem teve saudades do colonialismo português, a maioria dessa gente desapareceu sem poder defender-se de uma guerra feroz de 30 anos em Angola e outra de 15 anos em Moçambique e de um colapso governativo terrível na Guiné Bissau.

Mas de facto o colonialismo português é muito pior que o colonialismo petrolífero chinês.

Anónimo disse...

Foi pena não ter alguém da terra correspondente para referir o castelo de S. Jorge. Afinal foi dos primeiros dessa enorme gesta colonizadora! Aliás, façanha bem enaltecida até aparecer o petróleo...
Mas o grande erro foi pararem de mudar a capital do reino depois de Afonso III (a não ser momentaneamente, 2 vezes, por motivos "circunstanciais", mas logo reposta)... O baluarte teria que estar bem erguido na frente da intervenção... e não ficar no remanso preguiçoso e vicioso da retaguarda no cais do Sodré...

AV disse...

Há anos visitei o forte de Bahrain, também conhecido pelo forte de Portugal, outra belíssima construção no Golfo Árabe/Persa. O guia, que inicialmente não tinha percebido a minha nacionalidade, digressou em grande sobre a crueldade lendária dos portugueses e sobre a sua opressão sobre os locais, para algum gozo dos meus colegas. Uns dias mais tarde comentei isso com um colega do Oman, que me disse 'Não se preocupe. Vocês já foram há muito tempo e nem foram dos piores. Agora os ingleses, sim, maus mesmo!'. Não pude deixar de me lembrar que o meu professor de História dos Descobrimentos, Luís Filipe Thomaz, sempre nos dizia que a nossa passagem por aquelas paragens e por outras áreas de influência do muçulmana tinha sido um grande desencontro. Eles tinham uma cultura mercantilista, dada à negociação, e não percebiam porque é que nós tínhamos que desatar logo aos tiros a qualquer lado a que chegássemos. Só no Japão, outra cultura de guerreiros, houve um verdadeiro encontro e ainda assim, dizia ele, devido a um incidente, que teria mais de acaso do que de deliberado.

Anónimo disse...

Caro Embaixador,
Claro que o passado português abriu novas perspectivas. Mas há pormenores sinistros que nós (os mais velhos) ignorávamos. Designadamente a escravatura que o salazarismo sempre tentou ocultar e talvez também a Primeira República. Claro que os Portugueses não foram os primeiros a escravizar outros povos. Os Ingleses, os Holandeses e os Castelhanos, com mais meios navais e humanos, ultrapassaram-nos imenso neste domínio. Sem esquecer evidentemente os Arabes que já tinham industrializado a escravatura quando o Gama partiu para a India.Poderíamos até afirmar que no tráfico os Lusos muito aprenderam com a concorrência.
Atenciosamente

PS: não sou o anónimo das 19:04

Anónimo disse...

Aquele anónimo que fez a pergunta que fez, denota vergonha pelo nosso passado coletivo, sendo assim vá para África ou fazer companhia ao Lula e á Dilma ao BrASIL, QUE SÃO DOS QUE PIOR FALAM DE NÓS, MAS SEM NÓS NÃO PASSARIAM TODOS DE TUPINIQUINS, QUER GOSTEM OU NÃO.

Retornado disse...

Com tudo o que se passa com esta invasão da Europa por árabes do médio oriente e africanos, principalmente da África sariana francófona, e também muitos da áfrica anglófona, Portugal deve sublinhar a histórica teimosia em não querer abandonar as suas colónias africanas.

É que a Europa está a pagar a irresponsabilidade com que abandonou aqueles países.

Foi Salazar que tinha razão? aquela invenção de países estava impreparada? a História tem que avançar de qualquer maneira? O neocolonialismo não compensa?

A Europa vai pagar com língua de palmo, Portugal não tem culpa do que se passa nest momento na Europa.

Embora saibamos que há bissau-guineenses em Lampedusa e junto ao arame de Ceuta, fizemos tudo para evitar tal calamidade .

Viva o 25 de Abril!

Por esta hora, e nesta precisa data, um grupo de quase duas dezenas de "implicados" no 25 de Abril reune-se numa almoçarada que te...