A propósito do post que ontem aqui publiquei sobre o PCP, ocorreu-me que parte da tensão que ainda hoje se vive entre aquele partido e o Bloco de Esquerda encontra a sua justificação no conflito ideológico que, desde o início dos anos 60, se instalou na "esquerda da esquerda" portuguesa. E que, na realidade, nunca se apagou por completo, até aos dias de hoje.
Não me proponho revisitar aqui a história da multiplicidade de tendências que surgiram, a partir de 1964, na extrema-esquerda portuguesa, numa cascata de organizações que tinham como ponto comum a diabolização do PCP e o apelo à "reconstrução" do "verdadeiro partido comunista". Mas vale a pena lembrar que esse longo e complexo tecido de organizações acaba, em grande parte, por convergir numa organização frentista que, logo em 1976, consegue eleger um deputado para a Assembleia Constituinte, a UDP - União Democrática Popular. A UDP, ou o que dela restava, acaba por ter um papel fundamental na criação do Bloco de Esquerda, em 2000.
Mas não esteve sozinha. Outro dos componentes do Bloco foram os trotskistas, nomeadamente os que eram oriundos do Partido Socialista Revolucionário.
Há um profunda ironia em ver juntas no mesmo partido pessoas que emergem de correntes estalinistas e trotsquistas, as duas alas mais ferozmente antagónicas do movimento comunista internacional. Não sei se, pelo mundo, um facto como estes é comum.
O Bloco tem ainda uma terceira componente, constituída por figuras que, entretanto, se tinham afastado do PCP mas não ingressaram no PS, parte dos quais tinham criado a Política XXI.
A essa amálgama vêm ainda a somar-se (poucos) nomes que haviam estado no MRPP (a única das organizações maoístas, embora também ferozmente anti-PCP, que não nasceu da divisão de 1962) e outros militantes autónomos, em especial de meios católicos radicais e promotores de causas "fraturantes".
O Bloco parece-me ser isso - mas admito que outros tenham uma diferente leitura da que faço. E devo dizer que, acompanhando com alguma atenção, desde há décadas, a "cissiparidade" endémica da extrema esquerda portuguesa, fico surpreendido com a capacidade de união que uma formação com tanta diversidade tem conseguido manter ao longo destes anos.
O PCP manteve sempre à distância, sem a menor exceção, todas as organizações situadas à sua esquerda, dos maoístas aos trostskistas e anarquistas, embora dando sempre mais atenção crítica aos primeiros. Antes do 25 de abril, Álvaro Cunhal escreveu mesmo um pequeno livro onde fazia a denúncia desses movimentos, a que deu um título que é auto-explicativo: "O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista". Já depois do 25 de abril, um militante comunista, José Manuel Jara, publicou "A farsa dos pseudo-radicais em Portugal" (1974) e "O Maoísmo em Portugal" (1975), onde pretendeu prolongar e desenvolver a denúncia de Álvaro Cunhal.
Nada indica que pontes entre o PCP e o Bloco de Esquerda possam vir a ser construídas, não obstante a vizinhança de assentos no plenário de S. Bento. As velhas querelas mantêm-se e, em certa medida, ambas as formações têm um espaço de crescimento potencial que é comum e, por isso mesmo, continuam em natural disputa entre si.
António Costa não os conseguiu sentar à mesma mesa a assinar o acordo que sustenta o seu governo. Mas, "chapeau!", tem sido suficientemente hábil para os manter a bordo da "geringonça", que tem funcionado melhor do que muitos supunham. A começar por mim.
Não me proponho revisitar aqui a história da multiplicidade de tendências que surgiram, a partir de 1964, na extrema-esquerda portuguesa, numa cascata de organizações que tinham como ponto comum a diabolização do PCP e o apelo à "reconstrução" do "verdadeiro partido comunista". Mas vale a pena lembrar que esse longo e complexo tecido de organizações acaba, em grande parte, por convergir numa organização frentista que, logo em 1976, consegue eleger um deputado para a Assembleia Constituinte, a UDP - União Democrática Popular. A UDP, ou o que dela restava, acaba por ter um papel fundamental na criação do Bloco de Esquerda, em 2000.
Mas não esteve sozinha. Outro dos componentes do Bloco foram os trotskistas, nomeadamente os que eram oriundos do Partido Socialista Revolucionário.
Há um profunda ironia em ver juntas no mesmo partido pessoas que emergem de correntes estalinistas e trotsquistas, as duas alas mais ferozmente antagónicas do movimento comunista internacional. Não sei se, pelo mundo, um facto como estes é comum.
O Bloco tem ainda uma terceira componente, constituída por figuras que, entretanto, se tinham afastado do PCP mas não ingressaram no PS, parte dos quais tinham criado a Política XXI.
A essa amálgama vêm ainda a somar-se (poucos) nomes que haviam estado no MRPP (a única das organizações maoístas, embora também ferozmente anti-PCP, que não nasceu da divisão de 1962) e outros militantes autónomos, em especial de meios católicos radicais e promotores de causas "fraturantes".
O Bloco parece-me ser isso - mas admito que outros tenham uma diferente leitura da que faço. E devo dizer que, acompanhando com alguma atenção, desde há décadas, a "cissiparidade" endémica da extrema esquerda portuguesa, fico surpreendido com a capacidade de união que uma formação com tanta diversidade tem conseguido manter ao longo destes anos.
O PCP manteve sempre à distância, sem a menor exceção, todas as organizações situadas à sua esquerda, dos maoístas aos trostskistas e anarquistas, embora dando sempre mais atenção crítica aos primeiros. Antes do 25 de abril, Álvaro Cunhal escreveu mesmo um pequeno livro onde fazia a denúncia desses movimentos, a que deu um título que é auto-explicativo: "O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista". Já depois do 25 de abril, um militante comunista, José Manuel Jara, publicou "A farsa dos pseudo-radicais em Portugal" (1974) e "O Maoísmo em Portugal" (1975), onde pretendeu prolongar e desenvolver a denúncia de Álvaro Cunhal.
Nada indica que pontes entre o PCP e o Bloco de Esquerda possam vir a ser construídas, não obstante a vizinhança de assentos no plenário de S. Bento. As velhas querelas mantêm-se e, em certa medida, ambas as formações têm um espaço de crescimento potencial que é comum e, por isso mesmo, continuam em natural disputa entre si.
António Costa não os conseguiu sentar à mesma mesa a assinar o acordo que sustenta o seu governo. Mas, "chapeau!", tem sido suficientemente hábil para os manter a bordo da "geringonça", que tem funcionado melhor do que muitos supunham. A começar por mim.
5 comentários:
A FAP-CMLP foi criada em 1964, o BE em 1999.
Quanto ao resto é a sua opinião.... o BE neste momento disputa mais eleitorado com o PS do que com o PCP.
Tem razão quanto à FAP o anónimo da 1.56
Não será "cissiparidade"
Nunca andei pela esquerda da esquerda. Mas um dia, em eleições da Escola onde lecionava, votei na lista da UDP.
Incoerência? não! A lista da UDP tinha Graça.
Onde está a Graça? não sei, há décadas que a não vejo, mas bem gostava de saber. Era uma colega muito competente, tinha uma cara linda e os olhos muito azuis... e muito meiga.
Para poder contar esta estória, só mesmo anónimo
Confesso, caro embaixador, que, embora a sua síntese histórica me seja proveitosa, a fronteira ideológica entre os dois partidos é artificial. Ou seja: é muito mais o que os une do que os separa. No fundo, é um pouco como o PSD (o verdadeiro) e o PS. Do mesmo modo, estou propenso a crer que apelidar de extremistas estes dois partidos não corresponde a uma verdade alicerçada no pragmatismo dos nossos dias (quando muito, encaixar-se-á numa ótica historiográfica).
Na minha humilde opinião, o governo que cessou funções era tão extremista quanto o bloco ou o PCP. Convém lembrarmo-nos que a democracia é defendida por todos os partidos com assento parlamentar.
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