Um programa de televisão trouxe-nos, ontem à noite, Régis Debray e Jean-Pierre Chevènement, num debate interessante, onde o conceito do "sagrado" serviu a Debray para uma brilhante incursão filosófica e a Chevènement para abordar a "sacralização" que, a sua ver, importa manter como elemento identitário do poder de Estado.
Debray e Chevènement fazem parte das minhas memórias de juventude. Com o primeiro, "viajei" os tempos em que andara com Guevara nas matas da Bolívia, nessa desesperada e infausta tentativa de criar "um, dois, três, mil Vietnames". Com o segundo, segui as páginas dos "Cahiers" do CERES (Centre d'Études e Recherches Socialistes), o início da aventura cívica desse homem quase solitário, em quem o soberanismo não matou, por completo, uma certa ideia de Europa. Ambos trabalharam com Mitterrand, embora de modo desigual. Hoje, Debray escreve filosofia e ensina. Chevènement também escreve sobre as águas políticas que ainda teima em agitar.
Há cerca de dois anos, fui apresentado a Jean-Pierre Chevènement. Perguntou-me várias coisas sobre Portugal e quis saber por onde andava Otelo. Otelo é, por aqui, um nome recorrente na memória dos tempos de abril, um período que se liga fortemente à imagem contemporânea de Portugal.
No ano passado, falei com Régis Debray, para convidá-lo a vir à Embaixada, para um debate com uma figura portuguesa, sobre as diferenças no conceito de República, entre a França e Portugal. Não recusou em absoluto, mas foi dizendo que o tema não estava já no centro das suas preocupações (eu lembrava-me dos seus "Que vive la République!" e do "La République expliquée à ma fille"). Sugeriu-me que convidasse... Jean-Pierre Chevènement.
Por razões várias, o meu projeto não teve sequência. Ontem, ao vê-los, juntos e cúmplices de um passado onde cruzaram as suas fidelidades, lembrei-me deles noutros tempos. E, sei lá bem porquê!, também de mim, nesses mesmos tempos.
16 comentários:
Não sei se isto é filosofia mas adquiri uma certeza: os tempos, mudam as vontades.
E se é filosofia, ela aplica-se também e sobretudo a Chevènement.
Compartilhei no movimento associativo muitas ideias com membros ativos do CERES. Antes de maio de 1981 e logo imediatamente a seguir onde elas ainda se podiam exprimir na politica francesa. Depois, os tempos mudaram as vontades...
Mas sinto grande harmonia com este seu texto!
José Barros
regis debray é daquelas figuras miticas de tempos passados que sobrevivem activas como cohn bendit e alguns mais.
nos anos 60 de gaulle nomeou embaixador na bolivia um militar seu amigo, dominique ponchardier. Esse embaixador viveu os tempos agitados da bolivia nos anos 60(mas nunca houve tempos tranquilos por lá)quando o che foi assassinado. Numas memórias diplomaticas com um belo título - la mort du condor - descreve os seus anos de embaixador em la paz e não só refere a morte do che como, creio (li o livro há muitos anos)um encontro com regis debray.
Pochardier tem um percurso em alguns aspectos coincidente com o guevara dada a sua actividade guerrilheira na resistencia francesa. E tambem com regis debray. Foi tambem escritor policial. E amigo de deGaulle que o encarregou de operações militares e missões diplomáticas.
Tudo isto vem por associação mas o que interessará é ver se debray vai à embaixada falar de algo, talvez o mais facil seja em vez de lhe dar o tema pedir-lhe que seja ele a escolher o assunto.
Fiquei a saber que é hoje.
Então muitos Parabéns !
Feliz dia de Aniversário e que continue por muitos anos a partilhar connosco muito mais do que "duas ou três coisas" que é o que o Senhor Embaixador tem feito aqui neste seu tão interessante site.
Parece que se esgotaram antecipadamente as felicitações.
Hoje sim, é a página 64 do livro da vida.
Uma vida de carreira vivida com o sucesso que a sabedoria e experiência têm feito, e a preparação de um futuro que desejamos longo, feliz e saudável, acompanhado da grande embaixatriz que existe por detrás do grande embaixador.
Hoje é dia de festa, cantam as nossas almas.
A salva de palmas ficará para outra ocasião.
Um grande, grande abraço
Guilherme
Feliz dia de aniversário!
Se possível, sem arrelias.
E com sol!
Muitos parabéns.
:)
Parabens Dr. Embaixador.
Espero que continue durante muitos anos a deixae as suas lufadas de ar fresco na blogoesfera.
Bem haja
Muitos parabéns, Senhor Embaixador, pelo dia de hoje e por este "outros tempos" ricos em esperanças de viver num mundo mais justo, livre e feliz.
Caro José Barros,
Gostei muito do seu comentario que subscrevo.
Outros tempos bem interessantes também, seguindo a Sua sugestão ao pesquisar sobre as personalidades referidas achei digna de nota a frase que precedeu a primeira demissão de
Jean-Pierre Chevènement,Le 22 mai 1981, il est nommé ministre d'État, ministre de la Recherche et de la Technologie. Il démissionne le 22 mars 1983 pour protester contre la « parenthèse libérale » et lance sa célèbre phrase : « Un ministre, ça ferme sa gueule ; si ça veut l'ouvrir, ça démissionne ».
Os tempos mudam as vontades, é verdade, como diz o comentador José Barros.
Mas eu ainda mantenho vivo o encantamento que sobre mim exerceram estes dois homens!
Francisco
Eu também acho que os tempos mudam as vontades. O nosso Lula e alguns dos seus companheiros são completamente diferentes daquela epoca da ditura no Brasil.
com amizade e carinhod e Monica
Um pouco de saudosismo pode ficar bem mas... não sei.
Caríssimo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa,
Como diria L. Camões "mudam-se os tempos mudam-se as vontades". Como diria J. Cortesão mudam-se os tempos não se mudam os ideais...
Na verdade, importa voltar sacralizar os Estados e os Estados supranacionais para se almejar a regeneração da Globalização desregulada por efeito da "financiarização da economia" (por via do "Capitalismo de Casino" - na consabida expressão do Dr. Mário Soares) e para se pôr cobro à crise de valores que tem contaminado a História da Humanidade nas últimas décadas.
A humanização das sociedades contemporâneas o exige. Dizia-o Charlie Chaplin com os "Tempos Modernos" de 1936, di-lo José Gil com "Em busca da identidade" em 2009. Fundamentalmente mudaram as conjunturas, mas as estruturas são as mesmas, um pouco mais complexificadas, para destituir aos cidadãos a liberdade de consciência.
Nessa medida, revejo-me em algumas das posições críticas de Jean-Pierre Chevènement.
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Tive a sorte de poder conviver algum tempo com Chevènement. Impressionou-me imenso a sua linguagem simples, o seu excelente francês, a sua clareza de pensamento o realismo inultrapassavel, a sua qualidade intelectual e cívica. Admiro o seu pensamento "souveraniste". Vale a pena ler os seus livros:Être socialiste aujourd'hui; Pour l'Europe, votez non !; e Sortir la France de l'impasse. Este último mereceu mesmo um prémio. Vejo que faz anos, Senhor Embaixador. Os meus parabéns. Felicito-o também pela apoio que deu a um ilustre Dominicano que teve de se socorrer da medicina de Paris. Uma boa acção.
As filosofias são assim mesmo .
Servem enquanto servem , depois , nascem outras e assim por diante!!
Nesses tempos eram os Che guevaras e outros que incendiavam e radicalizavam os movimentos de libertação do povo, como eles diziam !
Hoje já está tudo libertado e portanto agora o problema é outro! Hoje o problema já não é a opressão no trabalho mas a falta dele. Aquela máxima do "Trabalho liberta " já perdeu o significado porque não há trabalho. Eu diria talvez que a reforma liberta ou a emigração liberta!!
Talvez essas filosofias da "mata da Bolivia" hoje fizesse sentido na CHina onde trabalham crianças a coser as botas do Ronaldo mas lá não há coragem para ir pregar filosofias libertárias !
Parabéns pelos 64. Para muitos, bom bom são os 65 !
Ogman
Tente de novo o convite, Senhor Embaixador. Agradecemos se conseguir mais momentos para alguns "convites" a algumas figuras que podem suturar e sustentar as próximas etapas por que vamos passar, tendo em conta a experiência política e cívica que tiveram na defesa dos trabalhadores e no tratamento social que se deve a todos os cidadãos.
Boa notíca, a propósito: a criação de um Banco para a Indústria em França...
Nota: Aqui ser anónonimo para mim significa apenas um sinal de humildade perante alguns dos seus amigos, de quem recebo sempre com júbilo - de forma mais erudita ou coloquial - a proficiência dos seus comentários.
A todos os amigos que tiveram a simpatia de mandar mensagem pelo aniversário, aqui deixo um abraço grato
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