Os telejornais preparam-se afanosamente. Já por lá se vêm os primeiro mapas com as chamas. Falta muito pouco para os inenarráveis diretos, para os microfones, tipo corneto, nas mãos das Sónias Cristinas (de onde é que saem, todos os dias, essas novas meninas do jornalismo televisivo ofegante?) de cabelo ao vento, de rapazes de léxico restrito e camisa aberta até ao quarto botão, sempre com chamas ou fumos "do rescaldo" por detrás, berrando evidências, entrevistando populares de balde ou mangueira na mão, revoltados com o mundo e esvaídos de cansaço, a quem colocam questões profundas como "o incêndio esteve quase a atingir a sua casa, não foi?", "acha que os bombeiros são suficientes?" ou o inevitável clássico "como é que se sente?", para tudo esperando respostas inéditas. Chega depois o comandante dos bombeiros, falando, grave, no número de "homens envolvidos no combate ao sinistro", lamentando a escassez de meios aéreos, insinuando supostos incendiários ("Não deixa de ser estranho que tenham surgido três frentes simultâneas..."). Depois, momento áureo, é ouvido um membro do governo em pose estival, com presidentes de Câmaras e presidentes de Juntas ligeiramente atrás, que inventaria o dispositivo e dá nota das rigorosas medidas "já implementadas". Em fundo de cena, a costumeira legião de patetas passeando-se de telemóvel no ouvido, para serem vistos pela prima, lá em casa.
De canal em canal televisivo, o verão noticioso é assim. O mesmo, todos os anos. Só que ninguém pergunta a ninguém se foi feita, a tempo, a limpeza das matas, se se respeitaram as distâncias de segurança entre as residências e as áreas de mato combustível, se foram tomadas as medidas de precaução necessárias, que todos conhecem e ninguém pratica.
Pena é que isto não faça parte do "memorandum of understanding" da "troika"...
10 comentários:
Genial Post! Oportuno. E com humor q.b!
P.Rufino
Senhor Embaixador. A narração, como sempre é perfeita. Eu proprio me "marro" - em linguagem luso-franco-emigra dos anos 70 -. E se nos quizessemos um pouco debruçar sobre a questão da compra de submarinos que tão pouca falta fazem nos combates aos incêndios! Oremos para que "Deus" lhes dê azas...
boa descrição
A propósito da proliferação das "Sónias Cristinas" e dos "colegas de camisa aberta" no jornalismo luso, esta manhã ouvi na rádio esta pérola – "os últimos dados permitem rever em baixa o número de mortos"... Isto para dizer que o número de vítimas do atentado em Oslo era inferior ao previsto.
O fantasma da Moody´s persegue o nosso jornalismo!
Isabel BP
Perfeito e hilariante!
Boas férias.
É Sr. Embaixador duas tragédias contadas com humor é coisa deveras difícil... deve ser do tempo de férias, mas que está estupendo, isso está! :)
Eu digo duas, pois não há coisa que tanto me atormente como a destruição massiva dos ecossistemas e o sofrimento de tantos e tantos animais.
Depois a segunda tragédia, é a manipulação das mentes, por parte dos Media e a insistência destes, em manter os povos inconscientes da dura realidade que está a acontecer, tanto cá, como no resto do mundo. Não há notícias importantes?! Claro que há!... e a toda a hora! a 3ª Guerra Mundial está quase no auge e ainda temos a grande maioria dos povos alienados e adormecidos! Tudo para arder e tudo para privatizar!... E o povo na praia a ser brutalmente roubado e a serem-lhes extirpados sem pudor, todos os direitos de cidadania!
A mim dá-me a sensação que vivo no Matrix e que escolhi o comprimido vermelho, apesar de ser portista!
Que tragédia!
Continuação das merecidas férias.
1. O jornalismo televisivo está assim. Espalhafato, vazio e ignorância generalizada. Há uns anos ouvi um comentador desportivo denominar a Arábia Saudita como país africano (não uma, não duas, mas muitas vezes). Os jogadores eram negros, claro...
2. É por termos tão interessantes reportagens que os nossos telejornais chegam a durar hora e meia. Em França, um país onde não acontece nada, ficam-se pelos 30/35 min.
3. Aparecem o Presidente da Câmara, e o Vereador e o Presidente da Junta, mas a ida a esses sítios faz parte de programações partidárias/governamentais. A aparição de membros do governo no meu concelho (Moura) é mais rara que ver um pinguim na savana. E, sim, há esse hábito de as pessoas se colarem a quem fala. Sou frequentemente censurado por familiares e amigos por "nunca aparecer" quando há reportagens no meu concelho...
Continuação de Boas Férias, na frescura de Moledo.
Senhor Embaixador
As Sónias Cristinas e as Carlas Alexandras, os garbosos peitos peludos dos moçoilos de camisa aberta até ao quarto botão, os recaldos e os envolvidos no combate ao sinistro, são, continuam a ser o triste retrato de Portugal.
Com o voyeurismo do costume e os autarcas do costume, a falarem do que já implementaram.
Os rapazes da troika querem as nossas golden shares porque essas é que brilham, não as labaredas que os teriam que fazer pensar um pouco mais!
Até me dói concordar tanto com o teor e o estilo deste post.
Nascido entre florestas transmontanas e tendo dedicado cerca de doze anos de vida profissional à proteção contra incêndios (incluindo uma embaixada de um grande país, num outro país estrangeiro, é verdade), tenho pelo fogo um enorme respeito e uma dobrada sensibilidade.
Incêndios florestais surgem no verão mas que se protegem no inverno, limpando combustível, diminuindo a carga térmica e abrindo clareiras, da mesma forma como deveríamos, agora mesmo, estar a precaver as cheias e enxurradas que vão ocorrer e de que vamos ver inúmeras imagens, com o mesmo espalhafato e os mesmos protagonistas, no outono e no inverno que se avizinham.
Pergunto-me porque razão existe tanta gente que o Estado sustenta a troco de nada e sem nunca ter feito ou contribuído nada para o merecer, tanta gente para quem se poderia fazer um programa cívico mínimo, que seria muito útil vigiando e limpando as nossas florestas, pequenas riquezas que ainda nos restam.
... mas as nuvens, o mar, e tudo enfim... ficaram mudos, riram-se de mim...
Um abraço, continuação de boas férias, e cuidado com os joelhos.
Subscrevo o Primeiro comentador.
Isabel seixas
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