sexta-feira, maio 22, 2009

Coincidências (3)

No mesmo dia em que Dick Cheney justifica os interrogatórios violentos aos detidos de Guantánamo, com base em razões de segurança americana, um juíz constata que Leonor Cipriano, a mãe da desaparecida Joana, terá sido sujeita a torturas.

Bénard da Costa (1935 -2009)

A partir da carta escrita pelo Bispo do Porto a Salazar, no final dos anos 50, a vida política política portuguesa passou a contar, de forma cada vez mais interveniente, com a presença de personalidades católicas no seio do campo democrático que se opunha ao salazarismo. Ficou então claro que o Estado Novo não tinha o monopólio do apoio dos católicos portugueses, que parecia incontestado desde o início da ditadura.

João Bénard da Costa, que acaba de falecer, foi uma das figuras que esteve no centro desse novo tipo de actividade cívica dos católicos, o qual acabou por ter significativa expressão política - desde diversos manifestos à organização da Revolta da Sé (1959), de uma participação activa nas listas da Oposição democrática, uma década depois, às movimentações em torno do caso do padre Felicidade Alves ou dos incidentes da Capela do Rato (1971). Pelo meio, chegaria mesmo a ser criado um efémero movimento radical, com forte presença de alguns desses católicos, o MAR (Movimento de Acção Revolucionária).

Mas seria no terreno intelectual, em torno da propagação em Portugal das ideias do Concílio Vaticano II e das reflexões de Emmanuel Mounier e de Teilhard de Chardin, que os então chamados "católicos progressistas", no seio dos quais Bénard da Costa viria a ter um papel decisivo, iriam representar um tempo novo na vida portuguesa. A Moraes Editora e a revista "O Tempo e o Modo" constituíram o eixo prático dessa movimentação, como o próprio Bénard da Costa bem relata, num pequeno mas importante livro chamado "Nós, os Vencidos do Catolicismo".

Este perfil cívico não deve fazer esquecer que Bénard da Costa foi, também, uma figura maior da memória do cinema em Portugal, como crítico de escrita inigualável e, mais tarde, como director da Cinemateca Nacional. Foi uma personalidade de grande valor, das mais importantes da sua geração, que muita falta fará à cultura portuguesa. Ver mais aqui.

quinta-feira, maio 21, 2009

Alexandria

Há dias, num jantar em Paris, fiquei ao lado de um cavalheiro, que se apresentou, mas cujo nome e ocupação, no momento, acabei por não fixar. Na conversa que se seguiu, verifiquei que era um homem muito culto e interessante, com uma visão alargada da vida e das coisas, que conhecia bem a literatura portuguesa, tendo-me também falado com entusiamo de Jorge Sampaio e da sua Aliança de Civilizações, à qual estava também ligado. A certa altura, dei-me conta de uma coisa incómoda: tinha-se já passado uma boa meia hora de charla, ele sabia quem eu era mas, a mim, continuava a escapar-me quem ele era e o que, no essencial, fazia na vida. A conversa divagava por temas diversos e, de certo modo, já começava a ser delicado eu inquirir essa coisa tão básica, a que eu deveria ter tomado atenção, desde o início. Com alguma técnica que a profissão ensina, acabei por chegar lá, sem perguntar directamente: era o director da nova biblioteca de Alexandria, no Egipto. Chama-se Ismail Serageldin e foi vice-presidente do Banco Mundial.

A bibliteca de Alexandria é uma daquelas referências quase mitológicas na História do mundo e, por isso, quis saber como ele sentia o peso dessa responsabilidade. Pareceu-me muito calmo ao abordar, com realismo, a dimensão da magnífica tarefa que lhe compete, para estar à altura da ideia que a sua biblioteca tem no imaginário mundial. E acrescentou: "Confesso que tenho um problema: não me posso queixar do meu antecessor. Deixou o cargo há quase dois mil anos..."

Nações Unidas

Em menos de uma semana, segundo o Flag Counter (que pode ser consultado na coluna ao lado), este blogue foi visitado por leitores de 35 países. Uau!

quarta-feira, maio 20, 2009

Comuns

A crise que actualmente abala o Parlamento britânico trouxe-nos imagens da Câmara dos Comuns, apinhada como um ovo. E com muita gente de pé. O que algumas pessoas desconhecem é que, na "mãe de todos os Parlamentos", para usar uma expressão bebida da imagem criada por Saddam Hussein, não há lugares sentados para todos os seus membros. Assim, quando se regista uma grande afluência, em dia de debates importantes, muitos têm de ficar de pé.

Tive o ensejo de assistir presencialmente a várias sessões nos Comuns, ao tempo em que trabalhava na Embaixada em Londres. Recordo, em especial, o famoso discurso de despedida de Margareth Thatcher, um dia depois do seu afastamento do poder, em fins de Novembro de 1990. Apesar do abalo sofrido, a senhora Thatcher fez uma notável prestação, num ambiente que acabou por gerar uma quase simpatia colectiva, que a levou a proferir uma exclamação que ficou para a História: "I'm enjoying this!".

Apesar da informalidade que parece marcar os debates, o cerimonial e o corpo de regras da Câmara é imenso e, quase sempre, estritamente respeitado. Até pelos próprios visitantes, sujeitos a determinações muito rígidas, como a impossibilidade de levarem consigo jornais para a tribuna e a total proibição de se tirar notas escritas.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com a comitiva por toda a sala. A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristrocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se degladiam. A certa altura, aproximou-se de mim e disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui." Peculiaridades do sistema político britânico.

Ser português

Isto de se ser português tem muito que se lhe diga.

Hoje, acordei com a notícia, repescada do Independent pelos sites franceses, de que as "galères portugaises" (em inglês, "Portuguese men-of-war", vá-se lá saber porquê), que são das medusas mais venenosas do mundo, estão a invadir as praias do Mediterrâneo. (Aqui entre nós: nunca tinha ouvido falar delas...). Uma "má notícia", portanto.

Durante um almoço, também hoje, recheado de temas europeus, as virtualidades da Estratégia de Lisboa e a urgência da aprovação do Tratado de Lisboa ligaram, na conversa, o nome da capital portuguesa a passos importantes na vida comunitária. Logo, uma "boa notícia".

Em todas estas referência ao nome de Portugal pelo mundo - e, até nos dias que correm, há algumas outras por aí, umas mais prestigiantes que outras - em que categoria de ressonância subliminar devemos encaixar o cão-de-água do presidente Obama?

terça-feira, maio 19, 2009

Médio Oriente

O actual momento do diálogo entre Washington e Tel-Aviv, simbolizado pelo encontro entre o presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu, pode vir a ser, porventura, o acontecimento mais importante no quadro da acção externa desenvolvida pelos EUA, desde a entrada em funções da sua nova administração, embora outros possam ter tido uma expressão mediática mais forte.

Todos estamos muito longe de conhecer o que se terá passado nessa conversa e nas que paralelamente a prepararam, mas, a crer nos sinais que nos chegam, há alguns indícios de poderemos estar a assistir a um significativo tempo de viragem por parte do Governo americano, face de um dossiê que, desde há décadas, tem condicionado sobremaneira a sua política internacional.

Uma relação tão intensa como a que tem ligado, embora com importantes "nuances", sucessivas administrações americanas aos diversos governos israelitas não se justifica apenas, como alguns simplisticamente têm sustentado, pelo peso do lóbi judaico dentro dos EUA. Israel era, igualmente, uma peça importante no complexo jogo de interesses americanos na região - interesses esses a que, aliás, estão ligados outros parceiros ocidentais, a começar pela União Europeia.

O que poderá ter mudado - "poderá", porque não é, em absoluto, certo que isso tenha ocorrido - é a avaliação americana sobre o papel que Israel pode desempenhar, no seu quadro actual de interesses na região. Washington nunca "deixará cair" Israel, nem seria aceitável que tal acontecesse: o Estado israelita é um dado da História e qualquer solução de futuro terá sempre que passar pela sua preservação e pelo direito da sua população a viver em paz, dentro de fronteiras estáveis e seguras.

Mas é óbvio que o quadro global de insegurança que se vive em toda a região, que vai de Israel ao Paquistão, sob um espectro de fortes tensões globais de natureza cultural e interétnica, poderá ter levado Washington a, por uma vez, decidir não permanecer tão permeável, como era seu hábito, à leitura das "soluções" de segurança que Tel-Aviv ciclicamente testava nas suas relações de proximidade. Até por uma razão bem simples: porque todas elas falharam.

O que os EUA poderão ter aprendido é que, não apenas se revelaram erradas as estratégias de defesa/agressão aplicadas por Israel, em particular no quadro da sua relação com os palestinianos, como esse mesmo curso de tensões, sucessivo e crescente, se transformou num factor indutor de outras dinâmicas de instabilidade, muitas das quais têm já hoje uma quase completa autonomia face ao próprio quadro israelo-palestiniano. E se constituíram, elas próprias, em preocupações com projecção à escala global.

Além disso, Israel poderá estar a ser, aos olhos da nova administração americana, o pior inimigo de si mesmo. Com efeito, algumas declarações e tomadas de posição oriundas de Tel-Aviv relevam já do que parece ser a adopção de uma estratégia de "quanto pior, melhor", reveladora de algum desnorte e de uma política de "navegação à vista" que não prenuncia nada de sustentável.

As coisas, porém, não se esgotam por aí. Nesta complexa equação insere-se, necessariamente, a questão nuclear na região e, muito em particular, o problema iraniano. E todos sabemos que, quando se trabalha no quadro de expressões políticas assentes em radicalismos, a racionalidade quase sempre não é a filosofia prevalecente.

Tudo o que atrás se escreveu parte do princípio de que há condições para que alguma coisa mude na política americana face a Israel. Já muitas vezes se pensou isso, no passado, e tal não aconteceu. O que nos faz pensar que, desta vez, algo poderá ser diferente é a percepção de que Washington estará a entender - depois do Afeganistão, do Iraque, do Paquistão - que há um quadro novo, no qual se projectam os interesses que entende dever defender, em cujo âmbito o factor Israel tem já um peso inferior na equação final.

A ver vamos.

segunda-feira, maio 18, 2009

Mudança


O importante pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, que tinha, desde 1993, o seu atelier em Barjac, no sul da França, ter-se-á incompatibilizado com a vizinhança e decidiu mudar-se para Portugal, com todas as suas obras, provocando uma reacção de alguns meios franceses, que vêem com desagrado este "déménagement" artístico.

A "Floresta Cultural" de Kiefer será instalada no vale Perdido, na Herdade da Comporta.

Para exemplo de alguns portugueses, continua a haver quem nos considere um local simpático para viver.

domingo, maio 17, 2009

Mourinho(s)

Há muito quem discuta o seu estilo pessoal, quem deteste a sua assumida arrogância, quem se irrite com a sua constante propensão para a provocação mediática. Mas se, no mundo futebol, são apenas os resultados que contam, José Mourinho é um vencedor. Agora foi na Itália, levando o Inter ao título.

Que tal aproveitar o ensejo para felicitar também o outro Mourinho, seu pai, antigo guarda-redes e treinador do Vitória de Setúbal, que mandava o filho observar as equipas adversárias, actividade em que este terá aperfeiçoado as suas qualidades de planificador táctico? Mas será alguém ainda se recorda ainda desse outro Mourinho? E será que isso tem alguma importância?

Memória

Foi ontem, no Consulado-Geral em Bordeaux. Eram umas dezenas de eleitos em autarquias francesas, cujo ponto comum era uma relação, próxima ou longínqua, com Portugal. A grande maioria não se conhecia entre si mas todos responderam a um convite pessoal que eu havia endereçado, numa carta a cada um, para, em conjunto, reflectirmos sobre o modo como entendiam que a memória de Portugal, que os une, que conservam e que querem promover, pode passar a ser tratada no futuro. E o papel que entendem que a Embaixada pode ter em tudo isso, sem intuitos de controlo ou enquadramento, sem prejuízo da autonomia devida à sua condição de eleitos do quadro das instituições francesas.

Durante mais de duas horas, quase sempre em francês - única língua que era acessivel a todos, dado que alguns falam pouco português - discutimos temas tão diversos como a participação eleitoral, as geminações, o apoio às associações, as televisões portuguesas no exterior, o ensino de português, as questões culturais, a imagem de Portugal e dos portugueses, as novas migrações portuguesas para França, etc. E, o que pareceu significativo, falaram quase todos os presentes, dando conta da diversidade das suas preocupações.

Para mim, foi um dos momentos mais ricos, em termos de aprendizagem, desde que cheguei a França. Da reunião saiu a base para a possível criação, até ao final de Maio, de uma plataforma informática em que, os que assim o pretendam, podem vir a colocar as suas questões, os seus anseios e mostrar as suas realizações em áreas que possam ser do interesse comum. E a poderem interagir entre si. Veremos se esta ideia tem pernas para andar.

Este exercício, agora iniciado na reunião da Aquitaine, procurarei reproduzi-lo em outras áreas de França. Com tempo, mas com determinação.

sábado, maio 16, 2009

Ainda o "Le Monde"

Ontem, revelei a minha ligação afectiva ao jornal "Le Monde". Mas tenho uma história que prova bem que essa afectividade não é um exclusivo meu.

Estávamos em 1976. Surgira em S. Tomé e Príncipe uma greve dos professores cooperantes portugueses... por cuja pré-selecção eu próprio tinha sido responsável, pouco tempo antes. Aparentemente, os nossos docentes sentiam estar a haver alguma discrepância entre as condições que lhes haviam sido prometidas, antes de partirem de Portugal, e a realidade local com que então se defrontavam. A coisa parecia séria, as aulas estavam suspensas e a "batata quente" foi passada para as minhas mãos, porque eu fora o elo de ligação com as autoridades santomenses. E aí fui eu despachado de Lisboa, viajando através de Paris e de Libreville, no Gabão, para o cumprimento da minha primeira missão externa. Cinco meses depois de entrar para o MNE, imaginem!

Chegado a S. Tomé, o embaixador português, Amândio Pinto, homem simpatiquíssimo, sem dar mostras de qualquer agastamento por terem mandado um "miúdo" para resolver um problema diplomático, perguntou-me logo se eu queria encontrar... o primeiro-ministro, Miguel Trovoada, que era também responsável pela pasta da Cooperação. "O primeiro-ministro!?", inquiriu o recém-admitido adido de embaixada que eu era. "Claro, não há qualquer problema", disse o embaixador. E, com a maior naturalidade, pegou no telefone e ligou ao primeiro-ministro. Para meu espanto, de neófito, meia hora depois, lá estávamos no respectivo gabinete.

Ao cumprimentar o chefe do Governo de S. Tomé, que veio depois a ser presidente da República, dei-me conta de que, sobre a sua secretária, tinha um exemplar do jornal português "O Século". E, pelo título de uma notícia, percebi que aquele jornal teria, pelo menos, duas semanas. Aí, não resisti: "Vejo que está a ler um Século antigo. O senhor primeiro-ministro quer o Monde de ontem?". Trovoada fez um olhar surpreendido: "Mas como é que você tem o Le Monde ontem?". Expliquei-lhe que saíra de Paris na tarde da antevéspera, já com o Monde desse dia (aliás, com a data do dia seguinte) debaixo do braço. Miguel Trovoada, homem que muito frequentara a França, sorriu, encantado com a possibilidade de ter notícias frescas da Europa, e, logo ali, disse que mandaria um carro à nossa Embaixada, para recolher a novidade informativa. O nosso embaixador prontificou-se a ser ele a mandar entregar-lhe o jornal, de imediato.

Para a pequena história, assinale-se que o governo santomense fez algumas concessões que permitiram acomodar as reivindicações dos nossos professores e me deram ensejo de com eles negociar o fim da greve. E que o jovem adido de embaixada que eu era regressou, impante, a Lisboa, com a missão bem cumprida.

Será que o "Le Monde" teve alguma coisa a ver com isso?

sexta-feira, maio 15, 2009

Filinto Elísio

Conhecemo-nos há dois anos no Brasil, chama-se Filinto Elísio, é um poeta de Cabo Verde que Pedro Támen qualifica como "uma voz original e genuína" e acaba de publicar "Li Cores & Ad Vinhos", numa magnífica edição da portuguesa Letras Várias.

Cerca de 100 pessoas estiveram a ouvi-lo, ontem à noite, na Embaixada de Portugal em Paris, apresentado pelo professor Luis Silva. As Embaixadas de Cabo Verde e de Portugal juntaram-se para esta iniciativa, numa parceria de lusofonia que espero possa frutificar.

O pássaro da foto? É de Cabo Verde.

Angola

O embaixador do Congo em Paris, Henri Lopes, contou-me, há dias, uma história curiosa, passada em 1974.

Na capital do Congo, Brazaville, estava situada aquela que era a principal representação externa do MPLA no exterior. Nesse tempo, o movimento defrontava-se com uma cisão chamada Revolta Activa, então chefiada por Mário Pinto de Andrade. A Organização de Unidade Africana (OUA) procurava encontrar uma solução para aquela fractura política e Henri Lopes, que era então primeiro-ministro do Congo, havia sido encarregado de tentar uma reconciliação. Em algumas conversas, Neto dera sinais de poder aceder a essa ideia, pelo que foi marcada uma reunião no gabinete do primeiro-ministro congolês.

Assim, numa manhã, Neto e Lopes falavam do tema, com o presidente do MPLA a dar indicações claras de que, nos termos de algumas condições, um compromisso era possível. Num determinado momento, porém, chega a notícia de que uma revolta tinha tido lugar em Portugal. Era dia 25 de Abril.

Ao espanto de Agostinho Neto sucedeu-se, de imediato, a sua decisão de pôr fim a qualquer mediação ou entendimento. O MPLA e a Revolta Activa acabaram por agravar as suas tensões, que chegou a momentos de alguma violência, mesmo em Brazaville. Os membros da Revolta Activa não viriam a ter qualquer papel no início da independência angolana.

É curioso como, aqui por Paris, se encontram histórias esparsas que se ligam à nossa aventura africana.

Ana Moura

Foi um sucesso - dizem-me - o espectáculo que a fadista portuguesa Ana Moura levou ontem a cabo no La Cigale, aqui em Paris.

O facto da ubiquidade não ser, pelo menos até ver, um atributo dos diplomatas impediu-me de estar presente, como desejaria. Fica o registo.

Turquia

O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, deixou bem claro, na sua visita à Turquia, o compromisso de Portugal com as regras por que se regem as candidaturas de adesão à União Europeia: "Os critérios do alargamento são os critérios de Copenhaga. A identidade cultural dos povos, a religião que maioritariamente professam, não faz parte desses critérios". Esta declaração é da maior importância e reforça a posição de um país, como Portugal, que tem deixado bem evidenciada a sua atitude de respeito pela crediblidade do processo negocial que está em curso e que, na nossa perspectiva, deve prosseguir, sempre segundo critérios bem objectivos.

Portugal compreende e respeita as dificuldades que, por razões de ordem interna, e nalguns casos essencialmente conjuntural, alguns países registam, quanto à aceitação da candidatura turca. Os tratados europeus dizem, sem ambiguidades, que, para que uma nova adesão se possa concluir, será necessário o voto positivo de cada Estado, de cada parlamento e, em alguns casos, a submissão dessa mesma proposta a um voto popular interno. Essa será sempre uma decisão final que competirá a cada país e que teremos de respeitar, competindo a esse mesmo país arcar com o custo político da posição que vier a tomar - positiva ou negativa. Porém, iniciado que seja o processo, nenhum Estado pode obstaculizar formalmente ao prosseguimento do processo negocial, embora lhe assista o direito de, no âmbito deste, ir sustentando as objecções que entender, eventualmente dificultando a conclusão dos diversos capítulos de negociação. Essa é uma matéria que releva da responsabilidade de cada um.

As declarações do presidente Cavaco Silva, em nome de Portugal, foram a reafirmação da extrema coerência que o nosso país tem mantido perante esta questão. Na perspectiva portuguesa, a Turquia, que foi um aliado vital do Ocidente durante a Guerra Fria, não pode ser hoje tratada como uma entidade pertencente a um mundo diferente. Tanto mais que Ancara foi, já há muitos anos, convidada formalmente pelos Estados comunitários a apresentar o seu processo de candidatura e dispõe já de um acordo com a actual União Europeia que configura uma real expectativa de integração.

Além disso, os importantes sectores que, naquele país, lutam denodadamente, e por vezes com grande sacrifício e fortes incompreensões internas, pela fixação de um padrão civilizacional e comportamental que aproxime o país do modelo ocidental não merecem ser retribuídos com uma complacente indiferença europeia, muito menos com uma qualquer aberta hostilidade. Todos temos a obrigação de ter consciência de que a questão turca tem uma dimensão estratégica, de longo prazo, que deve estar para além das meras polémicas ou sensibilidades conjunturais.

Edgar Rodrigues (1921-2009)

Em Novembro de 2008, enquanto embaixador português no Brasil, prestei uma homenagem, no nosso Consulado-Geral no Rio de Janeiro, a Edgar Rodrigues, o mais antigo exiliado político português naquele aíd. Foi a enterrar no Rio de Janeiro em 15 de maio de 2009.

Conhecia Edgar Rodrigues apenas por alguns dos seus muitos livros, essencialmente dedicados ao movimento anarco-sindicalista. No Brasil, tive algum trabalho até conseguir contactá-lo, porque não fazia parte dos circuitos tradicionais da comunidade portuguesa. Escrevi-lhe e respondeu-me com uma carta comovente, de grande reconhecimento pelo meu gesto de aproximação.

Edgar Rodrigues era uma figura muito interessante, que viveu quase sempre alheada dos principais grupos políticos que mantiveram oposição ao Estado Novo no Brasil. A sua obra escrita, com várias dezenas de livros, publicados em diversos países, é de grande importância para o estudo dos movimentos sociais em Portugal. Foi objecto de diversas exposições e os seus trabalhos foram reconhecidos por vários investigadores.

Tentei que, ainda em vida, fosse atribuída a Edgar Rodrigues a Ordem da Liberdade. Não consegui.

Sobre Edgar Rodrigues recomendo as seguintes leituras: http://arepublicano.blogspot.pt/2009/05/in-memoriam-de-edgar-rodrigues-1921.html e https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Edgar_Rodrigues

Le Monde

O jornal Le Monde chega hoje ao seu nº 20.000. Para quem gosta das coisas da política internacional, o Monde é uma companhia indispensável de vida. Bem antes da escolha profissional me ter conduzido pelos caminhos da diplomacia, comprar o "Monde" era, para mim, o gesto rotineiro, logo que cruzava a fronteira francesa. Era o meu primeiro "banho de Europa", após ter saído de um Portugal abafado e de imprensa triste. O "Monde" era, para muitos da minha geração, a cara do mundo exterior.

Recordo, nos tempos pré-Abril, como trocávamos informações sobre o que, segundo constava, "vem hoje no Monde" e que a polícia não deixara passar para os quiosques. E, no auge da agitação de 74, lembro-me de conversas com Marcel Niedergang, apresentado pelo José Rebelo (correspondente do Monde em Lisboa), no bar do Hotel Mundial, tentando decifrar-lhe as bizarrias da complexa política doméstica.

Habituei-me ao Monde ainda sem fotografias, com uma publicidade muito escassa, com textos densos e, por vezes, de leitura difícil, mas sempre bastante rigorosos. Nele aprendi coisas sobre temáticas pouco comuns, através dele fui alertado para opiniões diversas e divergentes, em especial sobre a vida política interna francesa. Lembro-me bem dos célebres editoriais de Beuve-Méry, dito Sirius, e tenho saudades das pequenas e deliciosas "caixas" na primeira página de Robert Escarpit. Assisti a diversas reformas gráficas e acompanhei as suas crises e polémicas internas. E no Monde tive a honra de ser publicado, quando a ocasião se proporcionou.

Não me conheço interessado sobre questões internacionais sem ter o Monde à minha frente. Durante décadas, visitei centenas de bancas de jornais, em aeroportos ou hotéis, por esse mundo fora, sempre em busca do último Monde. Sou fiel ao Herald Tribune, gosto muito do Financial Times, faz-me falta o Economist. Mas - e sei que esta opinião é hoje minoritária -, se tivesse que escolher um único jornal para ler, ele seria o Monde, embora reconheça que é talvez uma atitude que tem algo de sentimental. Por isso, todas as tardes, espero-o como se espera um amigo que sabemos que nos visita em cada dia. Embora, neste caso, sempre anunciado com a data do dia seguinte...

quinta-feira, maio 14, 2009

Bayrou

François Bayrou é, actualmente, a mais destacada figura política do centro político francês - um lugar ideológico que, até agora, não tem por aqui uma história de grande sucesso na ascensão a lugares cimeiros nas principais instituições do Estado, se descontarmos o caso pontual de Alain Poher, cuja derrota eleitoral, contra George Pompidou, significou o seu ocaso político.

Antigo ministro, actual deputado, candidato nas últimas eleições presidenciais, François Bayrou tem vindo a tentar afirmar um projecto próprio, o qual, como agora se verifica, passa por uma oposição muito forte ao presidente Sarkozy. É nesse quadro de combate político que se insere um feroz libelo que lançou contra o chefe de Estado, na forma do seu livro "Abus de Pouvoir", que acabo de ler. Embora noutro tempo e noutro contexto, este livro não deixa de nos recordar o "Le Coup d'État Permanent", de François Mitterrand, talvez o mais violento livro de que me recordo, publicado por um político no activo, contra o General de Gaulle.

Recordo um episódio em que entra François Bayrou. Estávamos em 2000, durante a presidência portuguesa da União Europeia. Era o tempo do isolamento da Áustria pelos outros "catorze", por virtude do acesso de um partido de extrema-direita ao poder, em Viena. Coube-me apresentar essa decisão ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, no início de uma sessão que acabou por ser bastante turbulenta. Num determinado momento, fui objecto de uma violenta intervenção de Jean-Marie le Pen, a que me recordo de ter respondido com rispidez. Bayrou saiu em minha defesa e, de certo modo, acabou por ajudar a equilibrar o debate.

Mas este post serve, essencialmente, para sublinhar que existe em França, de há muito, uma tradição, por parte dos actores políticos, de mobilizarem o debate através da publicação de livros, o que permite contrastar teses e fazer assentar a polémica num confronto de ideias, que não exclui, bem entendido, o corrente uso de picardias pessoais. Ministros, deputados, senadores e outras figuras conhecidas recorrem, com frequência, à expressão publicada das suas posições, o que não deixa de ser fascinante para um observador atento à realidade política francesa.

Não sei se o nosso mercado livreiro teria elasticidade para tal, mas creio que seria muito salutar se a vida política portuguesa fosse pontuada, com mais regularidade, com obras de ideias produzidas por políticos nacionais no activo.

Holocausto

Hoje de manhã, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, aqui em Paris, Eduardo Lourenço dizia que, se pensarmos bem, a escravatura pode ser considerado o primeiro holocausto. Nunca me tinha ocorrido, mas, como quase sempre, ele tem razão. Porém, nem todos são da minha opinião.

À noite, com amigos seus, tive o privilégio de ter Eduardo Lourenço a jantar em casa, falando-nos do mundo e da Europa que o fascina e intriga. Quem, no nosso país, reflecte em profundidade sobre a Europa e o papel de Portugal nela, senão Eduardo Lourenço?

quarta-feira, maio 13, 2009

Desconseguir

Li ontem que um responsável de um jornal português teria afirmado que a publicação de um suplemento ia ser "descontinuada". À parte a tristeza pelo fim do caderno, nada de mais grave se passa, em matéria de correcção do português: a palavra existe. Não é bonita, lembra o anglo-saxónico "discontinued", mas está aceite pelos dicionários.

Porém, se assim é, não percebo porque não se adoptam outras fórmulas semelhantes, de que a mais elaborada será, com certeza, a que se ouve muito em Angola: "Conseguiste chegar a tempo ao banco? Desconsegui".

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...