Num
intervalo de escassas horas, saudámos um Filipe, titular da soberania de um
país amigo e aliado, e comemorámos a restauração de independência de Portugal –
a data em que, vai para quatro séculos, conseguimos afastar-nos da tutela
incómoda de um outro Filipe com idêntica origem, reafirmando orgulhosamente a
nossa independência.
Lembrei-me
disto ontem, em Vila Real, quando, com o grupo de amigos que, invariavelmente
nessa data, se reúne junto do busto a Camilo Camilo Castelo Branco, patrono do
liceu em que estudámos, entoava com patriótica inconsciência o anti-castelhano
Hino da Restauração.
A
História dá muitas voltas e, sem que os factos necessariamente se desmintam,
aos vilões de ontem sucedem-se as figuras simpáticas de hoje (ou vice-versa,
como, na mesma pessoa, ocorre por estes dias com Fidel). Por isso, a prudência
de
atitude
aconselha a que nos não deixemos aprisionar pelas caricaturas e pelos mitos. Sem perder de vista o passado, devemos olhar essencialmente o futuro,
que é o lugar onde vamos passar o resto das nossas vidas e onde a comunidade
nacional a que pertencemos encontrará (ou não) razões e forças para se manter
independente – seja isso o que for, nos tempos que correm.
O
1º de dezembro é uma data interessante, quiçá equívoca, porque em seu torno se
unem os saudosos da dinastia dos Bragança e aqueles que, há mais de um século,
lhes deram como destino definitivo as prateleiras da História. Daí o incómodo
que a todos atravessou quando um fugaz epifenómeno politico - anti-grisalho e
modernaço – tentou, por algum tempo, abafar a data.
O
presidente português, que dá mostras de viver o nosso percurso histórico sem
complexos nem traumas, trouxe os reis espanhóis às vésperas da Restauração. Fez
bem. Filipe VI, que hoje simboliza a unidade espanhola, tem a legitimidade que
lhe foi conferida por uma Constituição que o povo daquele país sufragou, de
forma esmagadora. E sucede a alguém que, num momento muito difícil, se mostrou
em sintonia com a vontade democrática da Espanha.
Aliás,
se atentarmos bem, as monarquias europeias que hoje restam derivam todas de
soberanos que, em momentos-chave, revelaram saber interpretar o interesse
essencial dos seus povos.
A
Espanha vive num regime monárquico. Só temos que respeitar essa opção – ou
gostaríamos que, um dia, numa visita a uma qualquer monarquia, o presidente da
nossa República fosse hostilizado por monárquicos?
Custa-me
ter de constatar, como republicano que sou e sempre serei, que o triste
espetáculo protagonizado pelo Bloco de Esquerda, na receção aos reis espanhóis
na Assembleia da República, prova que afirmar-se republicano não é
necessariamente sinónimo de ser democrata – que é, muito simplesmente, saber
respeitar as livres opções dos outros.