Fui ontem ao lançamento do novo livro de Manuel Pedroso Marques, "Os Exilados - não esquecem nada mas falam pouco". Com a sala a abarrotar, a fila para a aquisição do livro era tão grande que desisti de o comprar na ocasião (fá-lo-ei mais tarde). Mas dei um abraço ao autor, pessoa que estimo e considero. E dei por bem empregue o tempo, porque a evocação feita por Manuel Vilaverde Cabral e pelo autor deram-me alguns motivos para pensar.
O exílio foi sempre algo que me fascinou. A ideia de que alguém, por perseguição política do governo do seu país, é obrigado a abandoná-lo e a reconstituir vida noutro país é algo que, de há muito cativou a minha imaginação. A literatura sobre a matéria (aliás, pouco abundante no caso português) ajudou ao resto.
Na apresentação que fez do livro, Vilaverde Cabral distinguiu os exilados de outros "E" - os emigrados e os expatriados - elaborando um pouco sobre o modo como essas categorias, de diferente tipologia, se cruzaram no Portugal fora de Portugal, ao tempo da ditadura. Deu alguns exemplos e pistas para reflexão.
Na minha vida diplomática, cruzei diversos portugueses que haviam saído do país para fugir à perseguição política. Encontrei alguns a quem o 25 de abril não estimulou o regresso a Portugal. Parte deles tinha, entretanto, organizado a sua vida pessoal e profissional no estrangeiro, as oportunidades que o novo Portugal lhes oferecia eram, provavelmente, muito menos apelativas do que aquelas que os países de acolhimento lhes proporcionavam. E foi sempre muito interessante para mim, que sempre fui um "voyeur" curioso da luta exterior contra a ditadura, ouvir essas pessoas sobre esses tempos de chumbo, sobre quem então haviam conhecido, os grupos com que haviam colaborado, as ações em que haviam estado envolvidos. Falei com alguns deles no Brasil e em França, mas também no Reino Unido e nos Estados Unidos. E com vários outros já em Portugal. E aprendi bastante.
Desde logo, aprendi a complexidade e o peso psicológico da condição de exilado. Fiquei ciente de que as culturas de exílio, com o secretismo e a desconfiança que lhes são inerentes, são pasto fácil para a conflitualidade, para a intriga, para algumas traições e para o "vir ao de cima" daquilo que de mesquinho pode existir em qualquer de nós. Mas também ouvi casos de despojamento, de solidariedade, de ajuda desinteressada, criadores de amizades duradouras, de cumplicidades para o resto da vida. Porém, o facto da política - e a política de um emigrado tem, com naturalidade, algum radicalismo associado - sobredeterminar todo o contexto em que a existência no exílio se processa acaba, com alguma naturalidade, por marcar fortemente esses núcleos, onde também se disputam ambições e projetos pessoais e coletivos contrastantes. Ouvir falar sobre o exílio português no Brasil nos anos 50 ou 60, sobre as tensões em Argel nos anos 60 ou 70, bem como sobre esse microcosmo que foi Paris na década que antecedeu o 25 de abril, ensinou-me muito sobre o exílio. E, em definitivo, esclareceu-se sobre quão violenta a ditadura foi para essas pessoas, a quem destruiu a estabilidade, as carreiras e, muitas vezes, a própria esperança.
Por tudo isso, logo que puder, vou ler o livro de Manuel Pedroso Marques.