Foram anos
terríveis. A vida correu-lhe mal. A empresa onde trabalhava fechou, o novo
emprego é precário, a pensão dos velhotes foi cortada, a mulher caiu doente. O
filho, sem ocupação, emigrou. Vendeu a casa, prescindiu de ter férias. A certo
passo, sentiu-se como que impotente perante os desafios da vida. Mas aguentou.
Com a passagem do tempo, adaptou-se (que remédio!), diminuiu ambições, baixou as
expetativas, resignou-se. Agora só quer esquecer os anos em que quase desesperou.
Um destes
dias, cruzou-se na rua com um amigo que já não via há muito. No meio daquela
conversa do "como estás?", ao amigo deu para perguntar-lhe pelo
passado recente, inquirir das maleitas, físicas e materiais, da família (que
continuavam), se a nova ocupação já era mais estável (não era), se o filho
afinal tinha uma atividade compatível com os seus estudos (não tinha).
Sentiu-se incomodado.
Que diabo! Logo agora, quando ele só queria olhar em frente, o amigo falava-lhe
do que o atormentava, trazia-lhe à ideia a fragilidade da vida que conseguira. As
coisas não iam bem, era evidente. Mas ele olhava à volta e via outros em
situação ainda pior. Na desgraça coletiva, comparava-se e sentia-se menos mal.
E logo vinha aquele amigo “chover no molhado”…
Às vezes,
ao ouvir algumas mensagens da campanha eleitoral socialista, dou comigo a
pensar se os portugueses, num tempo em que querem ver-se livres de fantasmas,
em que desesperadamente pretendem encontrar razões para sorrir, desejam ser
confrontados com um discurso onde prevaleça a crítica do passado e a denúncia
do que lhe fantasiam como melhorias no presente.
Muitos sabemos
que o “oásis” que o governo nos vende é rotundamente falso, que os índices de
desemprego são manipulados, que o regresso aos mercados vive da firmeza do BCE,
que a retoma é débil, que as empresas estiolam por falta de crédito. Já
percebemos os truques oficiais que, em época pré-eleitoral, alambicam algumas facilidades
fiscais, colocando nos NIB mais alguns euros.
O
português - você e eu – é um ser desencantado que, ao olhar hoje o futuro, tem
de ter razões concretas para mudar o que está, no novo ciclo que aí vem. Não
chega desconfiar deste pessoal que nos enganou no último quadriénio, porque a
lógica do “the devil you know…” pode acabar por impor-se.
O cidadão eleitor tem de sentir que as novas propostas que são colocadas à sua frente são credíveis e que o seu futuro pode mudar para melhor se forem postas em prática, tituladas por gente capaz e de bem. Ser alternativa é isso: transmitir confiança e configurar a esperança.
O cidadão eleitor tem de sentir que as novas propostas que são colocadas à sua frente são credíveis e que o seu futuro pode mudar para melhor se forem postas em prática, tituladas por gente capaz e de bem. Ser alternativa é isso: transmitir confiança e configurar a esperança.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")