Ontem à tarde. Estava sentado a uma pequena mesa, recuado, entre duas barracas, na feira do livro. À frente tinha um pequeno banco. Desocupado. Sobre a mesa havia três livros e uma esferográfica. Era o autor. Estava distante da zona comum onde os seus pares, entre amigos e editores, vão disfarçando, às vezes por horas, a escassez de admiradores. Ele não, estava completamente sozinho. Discretamente, procurei ler o nome e o título do livro. Não me diziam rigorosamente nada. O livro era vendido na barraca em frente, de uma editora menos conhecida. O sucesso de vendas não era coisa evidente. Andei por ali uns minutos, por curiosidade. Ninguém se aproximou da mesa. Subi e desci a feira. Quando por lá voltei a passar, tudo estava igual. O autor, estóico, continuava sentado, com os mesmos três exemplares e a caneta sem préstimo, com um esgar de resignação. Confesso que cheguei a ter a tentação de comprar um livro, mesmo que o tema me não interessasse. Mas não. O homem não precisava de compaixão, precisava de leitores. E eu nunca seria um deles.
domingo, junho 08, 2014
sábado, junho 07, 2014
Conveniências
O meu pai costumava contar que, no tempo da sua juventude em Viana do Castelo, havia um cavalheiro que ficou conhecido por não ter reagido quando um dia a sua mulher foi agredida em público por um homem. A justificação dada, confrontado com a indignação dos amigos da família que o inquiriam sobre a razão pela qual assumira tal passividade, colou-se-lhe à pele para sempre: "não me convinha!"
Lembrei-me da expressão ao ter visto já apoiantes das duas possíveis candidaturas à liderança dos socialistas (outras pode vir a haver, já pensaram?), em artigos, declarações e blogues, a recomendar aos respetivos líderes que se abstenham de discutir, desvalorizando-as ab initio ou considerando-as inoportunas, algumas propostas apresentadas pelo seu adversário. A razão não é dita, mas trata-se de mera conveniência política.
Termino lembrando que o homem de Viana do Castelo não ficou muito bem no retrato da memória local.
sexta-feira, junho 06, 2014
Normandia
Foi em Deauville, na Normandia, depois de um jantar, em 2010. Falava com o "maire" da cidade, a quem havia manifestado a minha admiração pelo facto de, em muitos locais da região, ter encontrado, lado a lado, bandeiras francesas e alemãs, em cemitérios que celebravam as vítimas da guerra em que ambos os países se haviam defrontado de forma trágica, entre 1939 e 1945.
Meses antes, durante vários dias de férias, havia percorrido toda (mas mesmo "toda") a "costa do desembarque", passando pelas célebres praias que os americanos tinham crismado com nomes bem sonantes. Visitara as casamatas alemãs, museus militares e restos das lanchas aliadas utilizadas no "dia D", 6 de junho de 1944. Desde criança que eu era um "viciado" no tema. O meu pai falava-me com entusiasmo desse dia histórico em que os aliados desembarcaram na Normandia, dando um impulso decisivo à derrocada da agressão nazi na Europa. Tornei-me desde então um leitor compulsivo de livros sobre a Segunda Guerra mundial, um assunto sempre muito presente nas conversas e nas prateleiras de livros lá de casa. Viver em França deu-me oportunidade de percorrer, de mapa na mão e de forma organizada, todos esses locais que tanto haviam mobilizado a minha imaginação.
Ao "maire" de Deauville perguntei se aos mais velhos, àqueles a quem a guerra tinha afetado diretamente as suas vidas, não chocava essa convivência com a bandeira do antigo inimigo. Explicou-me que, de facto, para algumas pessoas dessa geração que vivera a guerra "a quente", não terá sido fácil aceitar a normalidade da relação pós-conflito, com um país que lhes infligira tanto sofrimento. Mas esse era o "preço" da nova Europa, da nova amizade franco-alemã à volta da qual se construíra a paz e a unidade económica e política das Comunidades.
O "maire" acrescentou, contudo, algo por que eu não esperava. Disse-me que muitos habitantes da Normandia, no período imediatamente após a guerra, mantinham sentimentos ambivalentes face aos ingleses e aos americanos - que eu pensava, com naturalidade, serem vistos como os libertadores que, de facto, foram. "Convém não esquecer que, para a população civil que habitava a Normandia, a força aérea inglesa e americana era vista responsável por meses de bombardeamentos de posições militares alemãs distribuídas por toda a região, cuja precisão estava muito longe de ser total, frequentemente destruindo casas de civis, provocando vítimas francesas, em muitas noites de terror". Nunca tinha pensado nisso: o "friendly fire" também mata.
Passam hoje 70 anos sobre essa data memorável. As praias da Normandia foram cenário de comemorações sobre a paz reconquistada na sequência do "dia D". Mas a guerra não desapareceu por completo da Europa, primeiro nos Balcãs, agora na Ucrânia. A paz é o bem mais inseguro da História.
Culturgest
É hoje, sexta-feira, às 18h30. Mais uma conferência do ciclo de conferância "Portugal – Propostas para o Futuro", no Pequeno Auditório da Culturgest, com entrada gratuita. O tema não podia ser mais atual: "Que fazer com os Fundos Estruturais no período de 2014/2020?".
No painel estarão vozes qualificadas como Elisa Ferreira, João Ferrão e José Mariano Gago. A moderação estará a cargo de José Manuel Félix Ribeiro. Trata-se de mais uma iniciativa de um grupo de que faço parte, com Fernando Bello, José Manuel Félix Ribeiro, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro, João Costa Pinto e Miguel Lobo Antunes, este último diretor da Culturgest.
quinta-feira, junho 05, 2014
Os amigos e as cerejas
Com a idade, sinto que os amigos são como as cerejas: vão uns atrás dos outros. Desde esta manhã, debatia-me com a ideia de que, à data de hoje, já passou um ano desde que António Pinto da França nos deixou. Há minutos, na caloraça da feira do livro, para onde me "desenfiei" entre duas reuniões e uma tosta a fingir de almoço, dei de frente com Onésimo Teotónio de Almeida, um "browniano" que atravessou o Atlântico para vir à capital do império. E veio à baila um amigo comum que também já se foi, o José Guilherme Stichini Vilela. Por imperativos meus, a conversa teve de ser breve. Mas esta dupla e triste evocação estragou-me, de certo modo, a tarde deste soberbo dia de insuperável sol lisboeta. Ao mesmo tempo, estou grato ao Onésimo por me ter trazido à memória a imagem desse outro amigo. Relembrá-lo, traz alguma melancolia mas também um sentimento de um certo conforto, a certeza que não o esquecemos e que a sua evocação nos deixa marcas. Volto ao princípio: com os anos, a vida torna-se numa espécie de album de recordações. De imagens que já foram a cores e que agora são, inapelavelmente, a preto e btanco.
A cidade proibida
Lembro, como se fosse hoje, as imagens televisivas. Ceausescu está na varanda do edifício da presidência, em Bucareste. À sua frente, espalha-se uma grande e organizada manifestação de apoio, a tentar contrariar os ventos com que as "democracias populares" estavam, por essa época, a ser definitivamente varridas das História europeia. Engorrado para o inverno, o ditador romeno saúda, com um sorriso plástico, a multidão oficiosa que o aplaude, quando, de repente, se começam a ouvir longínquas vozes de protesto, vindas de outros manifestantes algures na praça. Nota-se que Ceausescu fica atónito por aquela contestação inédita, que "não pode" estar a acontecer, num regime como era o seu. A câmara não nos mostra essas pessoas, não faço ideia se se saberá o que lhes aconteceu. Mas, para sempre, passei a ligar a atitude daquela gente, um punhado de pessoas num ambiente altamente hostil, sujeitos à repressão mais selvática, à verdadeira definição da coragem cívica.
Veio-me isto à memória ontem, quando revi a imagem patética daquele cidadão chinês, de saco plástico na mão, que, há 25 anos, na praça de Tiananmen, se colocou em frente dos tanques militares, protestando contra o esmagar da tentativa de liberdade, prestes a iniciar-se. Seria interessante saber o que terá dito aos militares, os mesmos que, curiosamente, travaram o tanque para o não atropelar, minutos antes de reprimirem barbaramente milhares de pessoas. Nunca se soube quem foi esse herói, se ainda é vivo, depois de afastado por amigos, se acaso escapou à razia feita mesmo às portas da "cidade proibida". E que continuou a sê-lo.
quarta-feira, junho 04, 2014
"Granta"
A "Granta" é uma revista/livro que descobri há muitos anos, creio que quando vivi em Londres. Apelativa pelo grafismo elegante, embora sóbrio, incorpora quase sempre um interessante e pretendido "new writing", muitas vezes com autores muito pouco conhecidos, ao lado de nomes consagrados, misturando a ficção com outros registos. Comprei, ocasionalmente, algumas das edições temáticas, às vezes em alfarrabistas, que vou lendo a espaços - porque a "Granta" é uma publicação que se lê sem pressas. É uma revista para se ir lendo.
Há meses, vi que a "Granta" ia publicar uma edição em português (a "Granta" tem outras edições, além da original inglesa, sendo que a francesa, talvez não por acaso, nunca existiu), sob a batuta culta e de bom gosto de Carlos Vaz Marques, figura que só conheço dos "media", mas que verifico ser sempre garantia de qualidade em tudo aquilo em "que se mete". A "Granta" portuguesa é igualmente excelente. E acho magnífico que, num tempo de crise, haja coragem para avançar com este tipo de iniciativas. Leiam o seu nº 3 "Casa". Eu já comecei a ler.
Pikkety
Portugal tem coisas curiosas.
Anda para aí toda a gente a falar do livro de Thomas Piketty, "O Capital no século XXI", que já foi considerado um dos livros económicos da década, por uma figura tão ilustre como Paul Krugman. Trata-se de uma obra de economia que, ao que vejo, recupera certas categorias inspiradas no famoso livro de Karl Marx, "O Capital". Quando o livro saiu em França, no final de 2013, não teve um sucesso estrondoso, o que só aconteceu depois de ter circulado em versão inglesa. Hoje, não se fala noutra coisa. A versão portuguesa ainda demorará uns meses.
O debate em torno das teses do livro já começou. Hoje, recebi um mail com uma boa dezena, não apenas de recensões críticas, mas também de artigos, a favor ou contra. Entre nós, a sensação que tenho é que se iniciou uma polémica em torno do livro... na maioria por gente que o não leu e que apenas tem (já) opiniões "sobre" ele, feita à luz do que escreveu quem, de facto, o leu. Não querendo "perder o pé" ao que está na moda, a muito do nosso "impressionismo" doméstico basta a opinião dos outros. E, por isso, já hoje vi comentários sobre a análise feita à obra por Vitor Gaspar (que, claro, a leu cuidadosamente), por parte de quem só quer aproveitar a onda para mandar bitaites, as mais das vezes cavalgando até a maré política.
País curioso, este.
terça-feira, junho 03, 2014
Spam
Já não é a primeira vez que algumas pessoas se queixam de que colocaram um comentário neste blogue e ele não apareceu. Às vezes, não muitas, foi o meu "lápis azul" que exerceu os seus direitos, por não me apetecer dar cobertura a ataques a terceiros ou a insultos que passam as margens do meu sentido autoflagelatório.
Mas hoje, carregando na tecla do "spam" dos comentários, fui por lá descobrir, entre mais de sete centenas de mensagens que a presciência do blogue travou, mais de duas dezenas de anódinas mensagens, que os leitores devem ter estranhado não terem aparecido publicadas. Tarde embora, os comentários integram agora os "posts" a que respeitavam.
A esses amigos, peço desculpa pela minha imprevidência ao não ter cuidado em visitar a caixa de "spam" há quase dois anos.
A hora do presidente
Vai para nove anos, o país elegeu um
presidente da República que, tal como os seus três antecessores no regime
democrático, jurou "cumprir e fazer cumprir a Constituição". O país
já não terá mais nenhuma oportunidade de, pelo sufrágio, manifestar a sua
avaliação sobre a prestação da pessoa que escolheu para a chefia do Estado.
Alguns adivinham que este seu segundo mandato será julgado com grande
severidade pelo juízo histórico, pela inoperância do que deveria ter sido
a sua magistratura de influência, pela parcialidade com que se situou no
terreno político, por episódios menos edificantes que entretanto protagonizou,
enfim, por uma leitura negativa sobre a sua capacidade de estar à altura das
exigências do difícil momento que Portugal atravessa. Outros vão mesmo ao ponto
de considerar que o modo como o professor Cavaco Silva exerceu o seu mandato
contribuiu para uma degradação da própria posição da chefia do Estado no quadro
interinstitucional. Outros não.
Nestes dias complexos que atravessamos, a responsabilidade das instituições torna-se ainda mais evidente, pela exigência acrescida que lhes é colocada face ao modo como afirmam e dignificam os valores que souberam decantar de cerca de quatro décadas de regime democrático. Umas têm uma legitimidade democrática direta, outras resultam do compromisso que o Estado encontrou para garantir os "checks and balances" que o consenso maioritário do país, expresso no texto constitucional, concordou ser indispensável para limitar o poder dos órgãos de soberania e articular a sua mútua interação.
O Tribunal Constitucional é um desses órgãos. Resulta da vontade maioritária e qualificada da democracia representativa, foi criado para preservar a integridade da lei constitucional, para dar aos cidadãos a certeza de que a administração do Estado tem uma "linha vermelha" que não pode ultrapassar. As decisões que profere não estão, nem podem estar, imunes ao escrutínio e à eventual censura pública. Mas a sua dignidade institucional não pode ser posta em causa, em especial pelos restantes órgãos de soberania: a sua existência e a forma da sua composição dependem apenas dos eleitos diretos do povo, pelo que só se o mesmo consenso maioritário e qualificado que o criou vier a modificar-se é que o seu lugar na arquitetura do Estado, ou o desenho da sua estrutura, podem ser revistos. E esse consenso está muito longe de existir, pelo que a instituição Tribunal Constitucional tem democraticamente de ser respeitada e preservada.
Ora o país elegeu o chefe do Estado para ser o garante do normal funcionamento das instituições, como portador de um mandato direto e único, fonte de legitimidade incontestável e referente de equilíbrio do sistema. Por essa razão, o presidente da República não tem o direito ao silêncio, que não quero adjetivar, perante os desafios institucionais de que o Tribunal Constitucional está a ser alvo. Tem mesmo o dever, se quer estar minimamente à altura da sua responsabilidade democrática, de sair a terreiro e deixar a palavra serena sobre a necessidade de respeito pelos órgãos da República. O professor Cavaco Silva tem, nesta questão, uma oportunidade única para redimir o seu mandato. Esperamos que a não perca.
Nestes dias complexos que atravessamos, a responsabilidade das instituições torna-se ainda mais evidente, pela exigência acrescida que lhes é colocada face ao modo como afirmam e dignificam os valores que souberam decantar de cerca de quatro décadas de regime democrático. Umas têm uma legitimidade democrática direta, outras resultam do compromisso que o Estado encontrou para garantir os "checks and balances" que o consenso maioritário do país, expresso no texto constitucional, concordou ser indispensável para limitar o poder dos órgãos de soberania e articular a sua mútua interação.
O Tribunal Constitucional é um desses órgãos. Resulta da vontade maioritária e qualificada da democracia representativa, foi criado para preservar a integridade da lei constitucional, para dar aos cidadãos a certeza de que a administração do Estado tem uma "linha vermelha" que não pode ultrapassar. As decisões que profere não estão, nem podem estar, imunes ao escrutínio e à eventual censura pública. Mas a sua dignidade institucional não pode ser posta em causa, em especial pelos restantes órgãos de soberania: a sua existência e a forma da sua composição dependem apenas dos eleitos diretos do povo, pelo que só se o mesmo consenso maioritário e qualificado que o criou vier a modificar-se é que o seu lugar na arquitetura do Estado, ou o desenho da sua estrutura, podem ser revistos. E esse consenso está muito longe de existir, pelo que a instituição Tribunal Constitucional tem democraticamente de ser respeitada e preservada.
Ora o país elegeu o chefe do Estado para ser o garante do normal funcionamento das instituições, como portador de um mandato direto e único, fonte de legitimidade incontestável e referente de equilíbrio do sistema. Por essa razão, o presidente da República não tem o direito ao silêncio, que não quero adjetivar, perante os desafios institucionais de que o Tribunal Constitucional está a ser alvo. Tem mesmo o dever, se quer estar minimamente à altura da sua responsabilidade democrática, de sair a terreiro e deixar a palavra serena sobre a necessidade de respeito pelos órgãos da República. O professor Cavaco Silva tem, nesta questão, uma oportunidade única para redimir o seu mandato. Esperamos que a não perca.
segunda-feira, junho 02, 2014
Informando Klow
Como é sabido, entre a Bordúria e a Sildávia mantém-se, de há muito, um tenso conflito, ao pé do qual a luta pela liderança dentro do PS não passa de um mero arrufo. Um comentador deste blogue, muito atento à vida das embaixadas, conseguiu - imaginem! - obter o telegrama que o embaixador da Sildávia (residente em Paris mas acreditado em Lisboa) enviou hoje às suas autoridades em Klow, ainda a propósito da situação política portuguesa. Sem surpresas, o tom é algo diferente do do seu colega da Bordúria. Aqui fica, para as devidas comparações:
"Sendo embora residente em Paris, não deixo de seguir o que se passa em Portugal, país onde estou acreditado, Estado nosso amigo e cada vez mais nosso aliado, graças à minha acção persistente e incansável. A nossa firme atitude contra a Bordúria, após o grave incidente de fronteira na ribeira Tentenokayas, em que invasores expansionistas borduros caçaram e grelharam um cabrito sildavo, em clara violação dos acordos de Nogent-sur-Marne de 1990, tem-nos grangeado vivas simpatias da parte de todos os partidos responsáveis de Portugal e o eco destes incidentes na imprensa local excedeu as minhas melhores expectativas ( ver meu 111).
A recente crise no PS português insere-se no drama geral das sociais-democracias na Europa que, apanhadas nos laços de uma malha normativa europeia que apenas permite aos Estados a execução de uma política ordo-liberalista (ver meu 222) , se debatem como peixes fora de água acabados de pescar, à procura de uma palavra a dizer. De um lado, o radicalismo idealista, filho da ética da convicção e sem necessidade de atender à responsabilidade, que alguns traduzem num simples "rasgar o memorando", que eles sabem impossível de rasgar; do outro, os que estão prontos a alinhar na Grande Missa Europeia, que à alternância veio substituir a mera dança de cadeiras e que aparecem a público, com grandes promessas de mudança, para depois virem simplesmente fazer o que lhes mandam - a França está muito perto daqui para se poder esquecer o resultado dessas políticas.
Os que os "rebeldes" do PS podem representar é a possibilidade de um outro jogo: de, através de uma plataforma com forças políticas diferentes, para além da clivagem tradicional esquerda-direita, se construir uma política "patriótica" (sem medo da palavra) de defesa dos interesses da economia portuguesa contra os telecomandados pela nova "ideologia alemã". Será possível? Talvez não, mas é a única saída. Renzi não hesitou em apunhalar Letta e o capital de entusiasmo ali está. Servirá para alguma coisa? Tentemos. Navegar é preciso.
Longa vida a Sua Majestade Muskar XV e que o espectro da abdicação de um rei de um país aqui vizinho nunca possa assombrar a nossa amada Sildávia!
a) Klopstock"
Juan Carlos
Fui oficialmente educado a detestar a Espanha. Desde os livros da escola primária, o "perigo castelhano" só me não perturbava o sono por mera inconsciência juvenil e porque, em casa, as coisas era faladas de outra forma. No liceu, a História do (velho) Mattoso era um apelo profundo à reconquista de Olivença e um aviso subliminar à perfídia eterna de Madrid. Com a idade, comecei a olhar para outras Espanhas, de Unamuno a Llorca. Percebi que, por ali, nem tudo começava em Primo de Rivera e acabava no primarismo de Franco. Emocionei-me com as tragédias da Guerra civil e com a sorte dos vencidos, de Guernica a Madrid, das Asturias a Barcelona. Cedo fiquei ao lado de uma das "duas Espanhas". Quando entrei para a diplomacia, encontrei ainda, pelos corredores, os resquícios de uma cultura anti-Espanha, instilada por décadas de doutrinação salazarenta. Só Juan Carlos de Bourbon, que hoje anunciou que vai resignar, reconciliou Portugal, em definitivo, com a Espanha, como um todo. A Europa fez o resto. A Espanha, e com ela a península, devem muito à sabedoria de um homem que demonstrou sempre ser um bom amigo de Portugal. Em Espanha, eu teria sido "juancarlista". Embora o nome do novo rei não soe muito bem aos nossos ouvidos lusitanos, espero que consiga seguir o exemplo do pai. No que nos respeita, melhor é impossível.
Informando Szohôd
"Há uma semana, aqui em Portugal, o PS ganhou as eleições europeias por uma vantagem de cerca de 4% sobre a coligação de direita. Dentro e fora do partido, surgiram de imediato vozes a considerar esse resultado como pouco expressivo, atendendo em particular ao elevado desagrado que a política do governo havia criado no país e que, aliás, reduziu a maioria a um resultado muito baixo, sem paralelo na História democrática recente. Essa leitura interpretou negativamente o facto do PS ter captado apenas 32% dos 72% dos votos que não beneficiaram os candidatos da maioria e atribuiu isso a uma prestação insatisfatória do atual líder socialista, António José Seguro, nomeadamente pela formulação do que foi considerada uma pouco convincente alternativa política.
Convirá notar que Seguro tem no seu palmarés de líder da oposição duas vitórias eleitorais (autárquicas e europeias) e, nesta última, deixou a quase 10 pontos o PSD (a coligação teve 28%, podendo presumir-se que isso corresponde a 22 ou 23% para o PSD e 6 ou 5% para o CDS). Acresce que Seguro assumiu a liderança do PS após uma derrota fragorosa deste partido, em junho de 2011, que largos setores da opinião pública ligaram a um juízo fortemente negativo sobre o saldo financeiro dos últimos anos de gestão socialista. Seguro herdou um PS internamente dividido e preso ao compromisso assumido com a "troika", ainda subscrito pela anterior liderança, de cujos principais protagonistas se afastou e cujo património político foi acusado de não defender. Ao longo do programa de ajustamento, confrontou-se com um governo que, dia após dia, foi recebendo de quase todos os setores da comunidade internacional vagas constantes de elogios - que acabou por instalar em muitos e diversos meios internos a ideia de que não havia uma real alternativa à política de austeridade - e com um presidente da República cuja atuação muito favoreceu, na globalidade, a maioria no poder. Na sua gestão da oposição, Seguro foi obrigado a colocar-se no caminho muito estreito entre o cumprimento das metas internacionais previstas no acordo com a "troika" e a propositura de outras alternativas em matéria de política económica, sendo que a maioria das ideias que apresentou vieram a encontrar escasso eco externo e abertamente contrariavam as orientações do BCE, da Comissão Europeia e do FMI. A perceção desta relativa "solidão" internacional de Seguro não terá deixado de ter consequências na sua credibilidade interna.
As linhas positivas que alguns detetam na prestação do líder socialista não convencem, contudo, os seus críticos internos, que os resultados das eleições europeias estimularam a abandonar o silêncio tático que vinham mantendo, decidindo apoiar com entusiasmo a esperada candidatura à liderança de António Costa, o popular presidente da Câmara de Lisboa. O antigo ministro, apreciado em áreas à esquerda e à direita do PS, é dado por muitos como tendo uma imagem pública capaz de melhor mobilizar a oposição para uma vitória nas eleições legislativas previstas para 2015. Trata-se de um dos mais experientes políticos portugueses, de quem muito também se fala como futuro candidato presidencial. Em 2011, Costa escusou-se a disputar a liderança do PS contra Seguro, após a saída do anterior PM Sócrates, tendo recusado também a possibilidade de o voltar a desafiar no Verão de 2013, quando outra crise idêntica, embora menos tensa, atravessou o partido. Há quem diga que este não seria ainda o seu "timing" mas que, se recusasse este novo ensejo, poderia estar a comprometer definitivamente as suas ambições. Não se conhece ainda a Costa o corpo de ideias que possa vir a apresentar como programa para uma futura liderança da oposição, mas o desagrado que deixou claro quando o PS aprovou o Tratado Orçamental e a sua atitude, mais entusiástica do que a de Seguro, favorável a uma reestruturação da dívida pública são elementos que podem indiciar a sua adesão a uma linha mais confrontacional no plano externo - o que também é reforçado pelo leque de apoios partidários que tem vindo a recolher. Mas será errado presumir-se que Costa possa ser tentado a dissociar-se de uma política de responsabilidade, em matéria financeira internacional, se acaso vier a ascender à liderança da oposição.
Sob forte pressão, Seguro decidiu sublinhar a sua legitimidade e não facilitar a iniciativa desafiadora de Costa, recusando-se a convocar um congresso do partido, escudado nos estatutos e num aparelho que maioritariamente (pelo menos, por ora) o apoia. Em contrapartida, e num movimento de surpresa, sugeriu a realização de um processo eleitoral do futuro candidato socialista a primeiro-ministro, através de umas inéditas "eleições primárias", seguindo aparentemente o modelo francês de 2012, esclarecendo já que se demitirá de secretário-geral do PS em caso de derrota no sufrágio. Os observadores não adiantam prognósticos quanto ao saldo final deste debate.
Neste entretanto, o governo, confrontado com mais uma recusa do Tribunal Constitucional em aprovar algumas das últimas medidas de austeridade que tinha acordado com a "troika", o que pode redundar num novo pacote de impostos, pode contar com a supracitada situação no principal partido da oposição, entretido nas suas guerras fratricidas, e, por essa via, fragilizado na sua capacidade de combate. Segundo alguns meios, cuja credibilidade não é possível precisar, esta situação poderia levar o primeiro-ministro a propor ao presidente da República uma "clarificação" política, através de uma antecipação das eleições legislativas para o segundo semestre deste ano, confiante em que algumas melhorias na situação económica do país e um eventual descalabro visível na oposição poderiam desenhar um cenário que acabaria por lhe ser favorável.
Mas, neste país, atlântico na franqueza, europeu nos costumes visíveis, mediterrânico nos hábitos públicos e levantino na insuperável capacidade para tornar complexas as coisas mais simples, nada é mais imprevisível do que o futuro daquilo que hoje se toma por certo. O que, aliás, é muito pouco".
(Tradução do telegrama que o embaixador da Bordúria em Lisboa enviou há minutos às suas autoridades em Szohôd)
domingo, junho 01, 2014
Auguinha
A janela é da antiga prisão de Caminha. Passei por lá ontem e lembrei-me de uma história que o meu pai evocava, dos tempos em por aquela terra trabalhou, vai quase para nove décadas.
Na então vila de Caminha, havia um pobre diabo, daqueles que era (e infelizmente é) muito comum encontrar em todas as localidades: um pouco atrasado de espírito, fazia recados, vivia de expedientes e, não raramente, era alvo fácil da chacota popular. Perdi-lhe o nome, que o meu pai referia quando contava o que se segue.
Na então vila de Caminha, havia um pobre diabo, daqueles que era (e infelizmente é) muito comum encontrar em todas as localidades: um pouco atrasado de espírito, fazia recados, vivia de expedientes e, não raramente, era alvo fácil da chacota popular. Perdi-lhe o nome, que o meu pai referia quando contava o que se segue.
A gandulagem da cidade nem sempre se portava bem, "metia a unha" ou armava rixas, pelo que, de quando em vez, ia parar aos calabouços, que tinham esta janela para a rua. Porque o serviço "hoteleiro" da prisão não era estrelado, através das grades pediam água a quem passava. A tal figura popular, chamada a ajudar, apiedava-se deles e lá ia procurar com que lhes matar a sede.
A gratidão não era, contudo, a melhor das qualidades desse pessoal. Quando se viam cá fora, em lugar de premiar aquele que os ajudava em momentos menos fáceis, voltavam à gozação ao homem, achincalhavam-no e riam-se dele. O tal pobre diabo reagia então, avisando de que, no futuro, se tivessem problemas, não poderiam voltar a contar com ele, dizendo: "Hádes querer auguinha!"
sábado, maio 31, 2014
Tweets do início do fim de semana
- Um segredo bem guardado: há uma maneira do Tribunal Constitucional não vetar as leis do governo. Basta elas serem conformes à Constituição!
- A decisão do Tribunal Constitucional é uma coisa séria. O governo deveria ter aprendido que não pode brincar com as leis e atuar como se elas não existissem.
- A Constituição é o consenso qualificado do país. O governo tem maioria mas não tem legitimidade para violar unilateralmente esse consenso.
- Tentar desqualificar politicamente o Tribunal Constitucional é um ato vergonhoso de desrespeito pela Justiça. E um insulto à idoneidade profissional dos juízes,
- A diabilização do Estado, o desprezo pelos direitos e a cobardia de atacar os mais fracos teve um travão na decisão do Tribunal Constitucional. Uma decisão honrada.
- Os que protestam contra a Constituição, estariam aos gritos se a sua liberdade fosse limitada. É a Constituição que o impede, sabiam?
- Quem acha justo que entre o salário de um jovem e a pensão de um idoso só este último pague CES?
- Será que a ninguém no governo perturba o facto de estar a ter como alvo de medidas reformados e idosos, pessoas que não podem regressar ao mercado de trabalho e estão numa fase fragilizada da vida?
- Há algo que não entendo: como é possível que alguém não considere como obscenos cortes em rendimentos de pessoas que ganham pouco mais de 20 euros por dia.
sexta-feira, maio 30, 2014
Alberto Costa e Silva
Há alguns meses, contei por aqui um episódio. Um dia, numa intervenção pública que proferi no Rio de Janeiro, no início das minhas funções no Brasil, afirmei que era chegado o tempo de abandonarmos a retórica nas relações bilaterais e passarmos a preenchê-las com a substância do relacionamento humano, cultural e económico desses novos tempos. No final dessa minha fala, o antigo embaixador brasileiro em Portugal, Alberto Costa e Silva, aproximou-se de mim e disse: "Não despreze a retórica, Francisco. Ela tem sido historicamente essencial ao nosso relacionamento bilateral. Foi ela a "almofada" de afetividade que permitiu sustentar as nossas relações, quando as coisas correram mal". Tomei nota dessa observação e, com os anos, vim a dar plena razão àquele nosso amigo.
Há minutos, uma jornalista quis saber a minha opinião pelo facto de acabar de ser atribuído a Alberto Costa e Silva o "Prémio Camões". Fiquei imensamente satisfeito com a decisão, que distingue uma personalidade riquíssima da cultura brasileira, que é igualmente um bom amigo de Portugal e uma das figuras da intelectualidade brasileira que maior atenção tem dado às questões africanas. Se há alguém que pode, com legitimidade, ser visto como representando bem a lusofonia que está na matriz do Prémio Camões, essa figura é o meu amigo Alberto da Costa e Silva.
Um forte abraço, Alberto.
Diplomacias
Sob a experiente condução jornalística de Anabela Mota Ribeiro, o embaixador Marcello Mathias e eu próprio discutimos hoje, em seis páginas do "Jornal de Negócios", como vão as coisas pela Europa pós-eleições, bem como a situação portuguesa. Foi um exercício bem interessante, para o qual infelizmente, não há link.
Sarsfield Cabral
Ainda antes do 25 de abril, um pequeno livro publicado pela editora Moraes chamou a minha atenção. Chamava-se "Uma perspectiva sobre Portugal" e era assinado por Francisco Sarsfield Cabral, um nome que eu me habituara, desde há uns anos antes, a ler na imprensa. Era um texto com que, à época, não concordava, porque transmitia uma leitura da sociedade e do futuro do país que eu identificava com uma visão demasiado conservadora. Isso mesmo escrevi numa nota crítica que o "Comércio do Funchal" então publicou. Lida hoje, a quatro décadas de distância, devo confessar que essa "perspectiva" de FSC (brincamos muito com a coincidência das nossas iniciais, que partilhamos com Francisco Sá Carneiro e com o jornalista Filipe Santos Costa) traduzia já uma forma refrescante de olhar as coisas, num tempo cinzento pouco dado ao brilho das ideias inovadoras.
Sarsfield Cabral é um jornalista, licenciado em Direito, que dedicou toda a sua carreira a "descriptar" a economia, a trazer para o leitor, o espetador ou o ouvinte uma leitura mais simplificada, mas nem por isso caricatural, dos aspetos económicos da sociedade. Isto parece coisa pouca, neste tempo em que qualquer estagiária televisiva de "corneto" na mão se arroga a mandar bitaites sobre a "saída limpa" ou o "défice estrutural". Mas não era assim, há umas décadas: quase ninguém na imprensa fazia esse esforço de simplificação, com rigor e precisão. Salvo Sarsfield Cabral e Daniel Amaral, não recordo mais nomes (mas admito que outros houvesse) que se tivessem destacado nessa pedagógica tarefa.
Só anos mais tarde, depois de muito o ler, vim a conhecer pessoalmente Sarsfield Cabral. Com ele tive, a partir de então, várias agradáveis conversas, públicas e privadas, sobre a Europa, de que sempre foi um fiel e ardente defensor, nomeadamente ao tempo em que chefiou a delegação da Comissão Europeia em Lisboa, depois de ter passado um período no MNE. Épocas houve em que não estivemos totalmente de acordo, embora no essencial sempre coincidíssemos. Mas criámos uma sólida relação pessoal, revestida já das vestes da amizade. Lembro-me agora que cheguei a desafiá-lo para uma aventura profissional, que ele entendeu não poder aceitar.
Li ontem que lhe acaba de ser atribuído um importante prémio de carreira, no seio da comunidade católica. Tinha já a intenção de fazer hoje uma nota neste blogue, a esse propósito. Para minha agradável surpresa, acabei por encontrá-lo, há horas, num jantar-palestra, onde lhe dei um forte abraço de parabéns. Mas quero aproveitar esta nota para aqui testemunhar a minha admiração sincera pelo grande profissional do jornalismo que é Francisco Sarsfield Cabral. Que, repito, é também um amigo.
quinta-feira, maio 29, 2014
Demissões
O período desses anos 90 era fértil em viagens. Eu acompanhava, com grande frequência, António Guterres nos contactos internacionais com os seus pares, nesse tempo de grande atividade e iniciativa de Portugal no plano europeu. A política interna, porém, não parava e algumas tensões resultavam em crises.
Um dia, em Paris, Guterres recebeu a notícia da demissão de Jorge Lacão, creio que de líder do grupo parlamentar. Telefonemas e mais telefonemas. Passaram umas semanas e, creio que estávamos em Londres, Manuela Arcanjo demitiu-se de secretária de Estado. Nova crise. Durante uma outra viagem, pouco tempo depois, um outro abandono de alguém, de um qualquer cargo que já não recordo. Mais problemas.
Passaram umas semanas. Numa outra viagem, no "Falcon" oficial, o primeiro-ministro recordou as três demissões e gracejou que parecia que não podia sair do país: demitia-se logo alguém! Acrescentou, sorrindo: "espero que, durante esta viagem, ninguém se demita!".
No percurso entre o aeroporto e a cidade, levei no meu carro um funcionário do MNE que tinha ouvido o comentário de António Guterres e que sublinhou a curiosa coincidência das ocorrências descritas pelo chefe do governo. A certo passo, recebi uma chamada por telemóvel. Porque o meu companheiro de viagem era um homem em cuja discrição eu confiava muito pouco, respondi por monossílabos e expressões vagas àquilo que me estavam a dizer, para não se perceber o assunto. Notei a curiosidade imensa do pendura, pelo que achei que tinha uma bela oportunidade para testá-lo. À saída do carro, sem mais pormenores, disse-lhe: "O primeiro-ministro ainda não sabe uma demissão de que acabo de ter conhecimento". E referi o nome de um político socialista medianamente conhecido, acrescentando em voz baixa: "Mas não se pode dizer rigorosamente nada! É secreto!".
No percurso entre o aeroporto e a cidade, levei no meu carro um funcionário do MNE que tinha ouvido o comentário de António Guterres e que sublinhou a curiosa coincidência das ocorrências descritas pelo chefe do governo. A certo passo, recebi uma chamada por telemóvel. Porque o meu companheiro de viagem era um homem em cuja discrição eu confiava muito pouco, respondi por monossílabos e expressões vagas àquilo que me estavam a dizer, para não se perceber o assunto. Notei a curiosidade imensa do pendura, pelo que achei que tinha uma bela oportunidade para testá-lo. À saída do carro, sem mais pormenores, disse-lhe: "O primeiro-ministro ainda não sabe uma demissão de que acabo de ter conhecimento". E referi o nome de um político socialista medianamente conhecido, acrescentando em voz baixa: "Mas não se pode dizer rigorosamente nada! É secreto!".
Chegámos ao hotel. Uma hora depois, no hall, um membro do gabinete de Guterres aproxima-se de mim: "Você quer saber que aquele tipo do MNE referiu por aí a alguém que "Fulano" se demitiu. Tem sido imensamente gozado, porque, como se sabe, "Fulano" não ocupa nenhum cargo! Não podia ter-se demitido!". Verifiquei a eficácia do teste e tomei nota do sentido de discrição do diplomata. Que nunca me falou do assunto. Até hoje.
Lembrei-me disto ontem, quando vi que Jorge Lacão se demitiu.
quarta-feira, maio 28, 2014
Eu e os Stones
Numa noite dos anos 90, fiquei preso num "rush" de trânsito na praça das Flores, em Lisboa. De um "carrão" à minha frente vi então saírem Mick Jagger e a sua mulher (da época), Jerry Hall. Estavam a entrar para jantar no restaurante "Conventual". Fiquei com o episódio na memória, até porque tinha almoçado nesse belo e já desaparecido restaurante nesse dia.
Ontem, andando à hora de almoço pela zona do Cais do Sodré, deu-me para ir à procura de um restaurante que não conhecia, de que me haviam falado muito bem, a "Casa de Pasto". Há minutos, vi na RTP que Mick Jagger foi lá jantar ontem à noite.
Caramba! Mick Jagger, em matéria de restaurantes de Lisboa, tem mesmo bom gosto! Da próxima vez que voltar por aí, posso dar-lhe mais umas dicas.
Em tempo: dizem-me agora que Mick Jagger foi também ao "Salsa & Coentros". Ora bolas! Era era uma das dicas que eu tinha para ele!
Em tempo: dizem-me agora que Mick Jagger foi também ao "Salsa & Coentros". Ora bolas! Era era uma das dicas que eu tinha para ele!
Ainda as Europeias
Estive ontem na SIC Notícias, como convidado de Ana Lourenço, para falar sobre as eleições europeias, em Portugal e no resto da União. A conversa pode ser vista aqui.
terça-feira, maio 27, 2014
Realismo
Terá a Europa sabedoria para parar e refletir sobre o que aconteceu nas recentes eleições europeias? Terão as suas instituições suficiente elasticidade estratégica para poderem acomodar mudanças à altura dos desafios limite com que está confrontada? Terão as suas lideranças capacidade para pilotarem um processo de reorientação que ainda salve o projeto europeu?
Não sou dado a alimentar premonições catastróficas, mas tenho a sensação, porventura exagerada pelo impacto do passado fim de semana, de que o projeto europeu volta a atravessar um dos seus tempos mais delicados. Já tivera um desses períodos, a partir do momento em que a crise financeira se desencadeou, quando descobriu, com patética surpresa, que não dispunha de mecanismos para acorrer à assimetria diferenciada das situações que tinham ocorrido no seu seio. Agora, o desafio é outro, embora decorrente do anterior. A Europa é confrontada com tensões nos seus variados equilíbrios nacionais que revelam que se instalou, numa maioria dos seus cidadãos, uma desconfiança muito profunda sobre se o projeto de integração responde aos seus anseios ou se não é, ele próprio, fautor do problema. E o facto dessa atitude assumir formas e modelos muito diversos, numa cumulação perversa de agendas nacionais de preocupação, agrava a minha interrogação sobre se a Europa, enquanto estrutura funcional, terá hoje mecanismos para poder responder, de forma eficaz, a esse imenso desafio.
“What went wrong?” titulava, há anos, um livro sobre o curso da civilização árabe. Definitivamente, e se queremos ser práticos, temos de deixar-nos de discursos grandiloquentes e passar a uma “desconstrução” fria das razões deste mal-estar, do que “correu mal” e porquê, sem subscrevermos necessariamente as teses eurocéticas, mas igualmente sem nos deixarmos embalar pelas sereias do politicamente correto bruxelense. Há uma diversidade nacional de situações a atender, mas parece haver alguns elementos comuns que lhes estão na génese.
Sem pretender simplificar, neste curto espaço, uma realidade muito complexa, quero crer que foi o excesso de ambição que prejudicou a Europa. Ambição em queimar etapas no aprofundamento das suas políticas, sem atender suficientemente à sua imensa diversidade interior, sem cuidar em instalar previamente mecanismos compensatórios à altura da dimensão do projeto. Ambição em colocar sob a pressão da globalização, económica e humana, um tecido económico muito desigual e com tradições culturais díspares e frequentemente contraditórias. Ambição em querer responder estrategicamente, com alguma precipitação temporal, à demanda gigantesca que o alargamento ao seu Leste representava. Pode não ser popular afirmar as coisas assim, mas acho que chegou o tempo de olharmos de frente a realidade.
E como a História não admite becos, temos rapidamente de criar uma saída para este impasse.
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"
segunda-feira, maio 26, 2014
"The day after"
Os resultados? Surpreendido? Só um pouco.
Surpreendeu-me a catástrofe AP com 28% (que significaria 21-22% (!!!) para o PSD e 7% ou menos para o CDS), quando aguardava um resultado sobre os 30-31%. Curiosamente, pelo "body language", acho que, para os próprios, não foi nenhuma surpresa e, como "compensação", se alegraram-se com o resultado obtido pelo PS.
Não me surpreendeu a vitória do PS, mas sim a escassez do resultado, que estimava poder rondar os 35-36%. Apesar disso, ter cerca de 4% a mais que toda a direita reunida está longe de poder ser considerado um mau resultado.
Espanto, isso sim!, com a força de Marinho Pinto, que nunca pensei que chegasse sequer aos 4%.
Quanto ao resto, nada de novo: o PCP confirmou a subida, o BE ficou onde era esperado e o Livre também. Ah! e aguardava mais abstenção.
Voltando ao "fenómeno" Marinho Pinto. Um discurso justicialista, de denúncia, nas margens do "anti-sistema", compensou. Até o relativo "primarismo" da mensagem, numa espécie de registo "Zé Povinho", que as pessoas entendem com facilidade, ajudou. Mas, atenção!, não é (até agora) um discurso populista, anti-partidos. Foi ainda prejudicado por não ter havido debates televisivos. Se souber gerir a sua imagem com inteligência, o que não está garantido pelo seu caráter de "looner" impulsivo, pode tornar-se num caso sério na política portuguesa. Veremos também se o MPT, ao longo dos próximos meses, consegue conviver com a proeminência obsessiva da sua figura e se o caráter meramente instrumental desta eleição (as suas ambições são claramente outras) não atrapalhará uma afirmação futura. Ganhou de quem? Do PS, claro, de quem passa a ser um temível adversário e de algumas franjas desiludidas de apoiantes da maioria, que para ele canalizaram o seu descontentamento. Aproveito para deixar ao Marinho Pinto, velho companheiro de debates de café, no final dos anos 60, lá por Vila Real, um abraço de felicitações.
domingo, maio 25, 2014
O empate
Foi hoje de manhã. Encontrei-o à saída da sala de voto, em Vila Real. Já nos não víamos há um bom par de anos. Abraços, perguntas pela família, pela vida, o habitual.
De repente, no meio da conversa animada, o sorriso desapareceu, a cara fechou-se, notei-lhe um súbito silêncio, o olhar desviou-se e, por segundos, seguiu o percurso lento de uma senhora, já de avançada idade, de bengala, que se cruzava conosco, no corredor daquela escola.
Hesitei dizer alguma coisa, mas, perante aquela quase perturbação, não resisti: "Há algum problema?". Distendeu um pouco. "Problema não há! Mas viste aquela gaja?". Referia-se à senhora. "Sim. Mas não a conheço. O que foi?" Sorriu ao de leve, como que embaraçado. "É minha vizinha. É uma chata no nosso condomínio! Não lhe falo!". Isso via-se, mas eu continuava sem perceber nada.
"Ó pá! Eu sei que isto pode parecer um bocado estúpido, mas eu tenho a certeza de que a velha vota sempre ao contrário de mim. E, por um "galo das arábias", não é a primeira vez que a encontro numas eleições. Nestas ocasiões, fico sempre com a ideia que o meu voto não valeu a pena. Ela "empata" o meu voto." Demos umas boas gargalhadas, em seguida.
Fiquei com a sensação de que a raiva daquele meu velho amigo - que me disse que às vezes lê este blogue - era maior neste dia de grande abstenção, em que ele teria a secreta esperança de que a vizinha não tivesse aparecido. Não tive tempo de explicar-lhe que, com jeito e diplomacia, podia combinar um "pairing" com a senhora, como alguns deputados trabalhistas e conservadores faziam, faltando ambos às votações, não alterando o sentido global do resultado, comprometendo-se à ausência sob palavra de honra. Mas depois pensei que, com os liberais ao barulho e com o novo UKIP a baralhar ainda mais as contas (logo à noite logo veremos quanto), nem o velho "pairing" já funcionará como antigamente.
O meu voto
Naquele ano de 1969, eu tinha pela primeira vez a possibilidade legal de votar. E era ano de eleições legislativas, as únicas a que um cidadão português tinha então direito, depois da ditadura ter abolido, anos antes, a eleição direta para o presidente da República, assustada que ficara com o "fenómeno" Humberto Delgado. E eleições autárquicas era coisa nunca vista: todos os autarcas eram nomeados pelo regime.
Um dia, vindo a Vila Real em férias, inquiri como poderia inscrever-me nos cadernos eleitorais. Foi-me dito que isso se fazia na Câmara Municipal. Na respetiva secretaria, ao colocar a questão, vi a interrogação circular por vários funcionários. Aparentemente, eu era a primeira pessoa, desde há anos, a suscitar o problema, porquanto a atualização dos cadernos se fazia, por regra, por via oficiosa. Vislumbrei algumas caras conhecidas a manifestarem curiosidade pelo meu zelo cívico. Um deles, amigo da família, baixando a voz, segredou-me, através do balcão: "Não vale a pena votar. Ganham sempre os mesmos!". Outros, mais alinhados com a "situação", pressentindo claramente a razão pela qual eu queria exercer o direito de voto, olhavam-me com um ar algo jocoso, partilhando entre si ironias, à distância. A agitação entre os estudantes universitários, como eu era à época, era conhecida e já havia uns zunzuns de que eu andava metido nessas coisas "associativas" e com o "reviralho". "Sai ao pai", ouvi dizer que alguém do regime comentara um dia, numa tertúlia da "Pompeia".
"Tem de falar com o Sr. Barreira. É ele quem trata disso". Aparentemente, o sr. Barreira era quem "tratava" dos cadernos eleitorais. Era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Defesa central histórico do Sport Clube de Vila Real, com uma altura a rondar os dois metros, trabalhava, se não estou em erro, nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, que acolhia sempre muitos futebolistas. Como andava bastante em serviço externo, o sr. Barreira era pessoa difícil de encontrar. Andei dias até conseguir reunir com ele, o que teve lugar numa pequena sala da Câmara. Levei toda a papelada necessária para o ato de inscrição, que não era pouca. Estava tudo em ordem, podia "ir descansado".
Mas eu não estava descansado. O sr. Barreira ficou claramente surpreendido, e até algo abespinhado, quando lhe disse que necessitaria de uma certidão da minha inscrição. "Aqui não passamos isso!". Respondi-lhe que, por lei, tinha direito a esse documento e mostrei-lhe as disposições legais que obrigavam as autoridades a atestarem, se assim fosse requerido, a inscrição nos cadernos eleitorais. "Mas se eu lhe garantir que está inscrito, não lhe chega?". Não, não me chegava. Nada tinha a ver com a palavra dele, derivava da minha desconfiança face ao regime (mas, claro, isso não lhe disse). "Vou falar com o chefe da secretaria. Mas o senhor está a criar um problema, sem necessidade". Expliquei que não prescindia da certidão (tinha aprendido isso num livro sobre legislação eleitoral, de José de Magalhães Godinho), que, se acaso me a não quisessem emitir, recorreria por requerimento para o Governador Civil. O sr. Barreira olhou para mim e, já mais sério, não se escusou a deixar cair: "Veja lá no que se mete!" Eu sabia no que me metia. E, alguns dias e outras diligências depois, lá obtive a desejada certidão. Que ainda guardo. E espalhei a notícia: depois de mim, várias foram as pessoas que, em Vila Real, se inscreveram nos cadernos eleitorais, nesse ano de 1969, embora não saiba quantos pediram uma certidão. Meses mais tarde, era tempo de "eleições" legislativas e eu por nada do mundo perderia o ensejo de exercer o meu direito de voto. Mesmo tendo a perfeita certeza de que então ganhavam "sempre os mesmos".
É também por isso, porque agora já não ganham "sempre os mesmos", porque lutei e corri riscos para poder ter uma palavra na escolha de quem me representará, que exerço o meu direito de voto. Que é também um dever, mesmo para aqueles que votam em sentido oposto ao meu, para quantos legitimamente decidem deixar o boletim em branco, como forma de marcarem o seu desagrado pelo leque de opções que lhes é proposto. Mas quem opta, pura e simplesmente, por não votar, por não "dizer" algo da sua vontade, perde um pouco a razão para depois vir a protestar contra as políticas que (quem vota) lhes impõem, torna-se num irrelevante "zero à esquerda" (ou "à direita") na vida cívica.
sábado, maio 24, 2014
Candidato
Andar por Vila Real, neste tempo de eleições, lembra-me um ano em que por aqui fui candidato autárquico à presidência da Assembleia municipal. O meu principal adversário chamava-se Passos Coelho - não esse em que estão a pensar, mas o pai, médico na cidade. Foi há 17 anos. A lista pela qual eu concorria como independente, a lista do PS, estava à partida condenada à derrota, num concelho que, à época, era inabalavelmente PSD.
Estando no governo, tinha muito escassa disponibilidade para fazer campanha local. Intervim apenas num grande jantar na cidade, com largas centenas de pessoas, na presença de Almeida Santos, e num comício numa aldeia próxima. É desse que vou falar.
Uma noite, fui com o candidato à presidência da Câmara, Ascenso Simões, à Campeã. As freguesias rurais eram então a chave das sucessivas vitórias do PSD, dado que a cidade já então tinha "virado" à esquerda. Havia, por isso, que tentar inverter aquelas onde o desequilíbrio não era tão acentuado, onde havia hipóteses, ainda que remotas, de ganhar a Junta de Freguesia. A Campeã era uma delas.
O espaço coberto do comício, com toda a gente de pé, não era muito grande. Mas, surpreendentemente, estava bastante cheio. Embora a nossa entrada não tivesse provocado um especial júbilo, notei a juventude maioritária daqueles que nos iam ouvir e, cá para mim, devo ter pensado: "Isto é malta nova! Pode significar alguma coisa".
Lá fomos para o palanque e começaram as arengas. Depois dos responsáveis locais e do candidato à Junta, antecedendo a "estrela" que era o candidato à Câmara, falei eu, aí por uns dez minutos. Sem grande prática deste tipo de exercícios, não trazia a "cassette" que as repetidas intervenções eleitorais sempre justificam. Imagino que deva ter tratado das carências em acessos viários e em saneamento básico, bem como de uma ou outra ideia "desenvolvimentista", provavelmente referindo a Europa, que à época me ocupava.
Para o que aqui interessa, devo dizer que fui verificando que a reação das pessoas não era excessivamente entusiástica, face àquilo que eu dizia, "to say the least". Aquela gente jovem ouvia-me com um ar algo neutro, respondendo com manifesta parcimónia às palmas que, a espaços, alguns "claqueiros" partidários iam estimulando, estrategicamente espalhados pelo espaço do comício. Sem especial jeito para a função oratória, eu continuava a lançar algumas "catch-phrases" que achava adequadas ao terreno, às vezes num tom esforçadamente irónico e humorístico, com o mínimo de agressividade política que a situação justificava. No final, aqui entre nós, fiquei com a sensação que foi com algum alívio que o auditório me viu terminar o discurso. Talvez as palmas, simpáticas, com que foi acolhido o termo da minha intervenção significassem isso mesmo. Pouco mais.
Para o que aqui interessa, devo dizer que fui verificando que a reação das pessoas não era excessivamente entusiástica, face àquilo que eu dizia, "to say the least". Aquela gente jovem ouvia-me com um ar algo neutro, respondendo com manifesta parcimónia às palmas que, a espaços, alguns "claqueiros" partidários iam estimulando, estrategicamente espalhados pelo espaço do comício. Sem especial jeito para a função oratória, eu continuava a lançar algumas "catch-phrases" que achava adequadas ao terreno, às vezes num tom esforçadamente irónico e humorístico, com o mínimo de agressividade política que a situação justificava. No final, aqui entre nós, fiquei com a sensação que foi com algum alívio que o auditório me viu terminar o discurso. Talvez as palmas, simpáticas, com que foi acolhido o termo da minha intervenção significassem isso mesmo. Pouco mais.
Já no automóvel, inquiri da avaliação que os "experts" políticos locais haviam feito do exercício. "Não esteve mal", foi o mais entusiasmante que ouvi. Até que um deles disse, críptico: "A sala estava "composta". A banda foi boa ideia!".
A banda? "Que banda?", perguntei, surpreendido. Foi então que soube que, após o comício, subiria ao palco onde estivéramos uma banda de música "pimba". Aquela gente jovem que enchia o espaço, que eu ingenuamente pensara ali congregada pelo apelo da "boa nova" do socialismo transmontano, mais não estava do que a tomar lugar para o concerto que logo nos sucederia. Estava assim bem explicada a relativa "secura" da receção. No caminho de regresso a casa, fui imaginando a animação que deveria ir então por aquela sala, agora já liberta das palavras da política e tomada pelos êxitos de Ágata, Emanuel & companhia.
O dia mais estúpido
A imprensa portuguesa vive, neste sábado, o seu dia mais estúpido. Embora a campanha eleitoral europeia tenha estado muito longe de mobilizar a atenção da generalidade da população, a questão política, fruto das decorrências da situação social e económica, é uma temática muito presente nas preocupações de muitos de nós. E ainda bem. Porém, quem abrir a imprensa de hoje, quem olhar para os telejornais televisivos, ficará com a ideia de que o país se divide entre os adeptos dos Rolling Stones e os dos dois clubes madrilenos que disputam a final da Champions em Carnide. A isso se somam, em páginas e páginas, os "casos" da Justiça, os desastres e outras "buchas" de redação que resultam desta antecipada "silly season", forçada pela bizarra lei que nos governa. E que nos impõe, em exclusivo, as aventuras do "Palito" e as patetices dos treinadores de futebol.
Acho perfeitamente normal que a campanha eleitoral, na ação dos partidos, cesse à meia-noite da antevéspera do escrutínio. Mas considero um atestado de indigência mental aos portugueses o facto da comunicação social portuguesa, em termos informativos equilibrados, não poder trazer hoje uma normal cobertura do que ontem se passou na campanha, que não possam ser publicados artigos de opinião com, por exemplo, uma balanço do que nela foi dito. Com todo o respeito que a democracia me merece, mas também com toda a liberdade que ela me concede, devo dizer que este "black out" informativo me "cheira" muito a censura estadonovista. A nossa democracia não precisa de tutelas. Os portugueses não são, em geral, estúpidos e os que eventualmente o são não seriam nunca em número suficiente para determinarem, por influência perniciosa de última hora, o resultado das urnas.
sexta-feira, maio 23, 2014
Mónaco
Este fim de semana, tem lugar o Grande Prémio de Mónaco, em Fórmula 1. Os automóveis não me dizem rigorosamente nada, nunca dei um passo para ir ver uma dessas competições, fosse no Estoril, fosse noutros circuitos próximos de várias cidades onde vivi. Contudo, talvez tivesse gostado de ter ido um dia "às corridas" ao Mónaco. Como primeiro embaixador português no Principado, teria aliás sido fácil fazê-lo mas, por uma qualquer razão, nunca me organizei nesse sentido. Mas sempre me seduziu aquela feira anual de vaidades, um circuito onde a destreza conta mais do que a velocidade, onde o ambiente circundante, como a imagem ilustra, acaba por rivalizar com a importância desportiva do evento.
Ao longo de alguns anos, estive por diversas vezes no Mónaco, tanto em períodos em que a cidade tinha um ar calmo e quase provinciano como em momentos de grande agitação, em festas nacionais ou no casamento do príncipe Alberto, em que representei o nosso país. E é a propósito do príncipe que recordo aqui uma historieta com alguma graça.
Uma noite, em Paris, ainda antes de estar "acreditado" no Mónaco, fui jantar a casa de uns amigos. O convidado de honra era o príncipe Alberto. É um homem muito cordial, nada "poseur", bom conversador, que me falou com agrado do modo como, pouco tempo antes, fora recebido em Portugal e, muito em especial, nos Açores. Ao final da noite, que se prolongou mais do que esperado, dei-lhe conta que, no dia imediato, estaria presente num almoço com empresários e políticos, em que ele falaria sobre os esforços que o Principado estava a fazer para harmonizar as suas regras fiscais, fugindo às suspeitas que o seu estatuto de "paraíso" estavam a levantar. Simpático, o príncipe, retorquiu-me: "Coitado de si! Esteve aqui a ouvir-me toda a noite e amanhã vai ter de aturar-me de novo..."
No dia seguinte, num conhecido clube, fiquei colocado numa mesa redonda, perto da porta de entrada no salão, onde largas centenas de pessoas iam almoçar e ouvir o príncipe. Pela "geografia" da minha mesa, fui praticamente das primeiras pessoas com quem o príncipe Alberto deparou, ao entrar na sala. Ao ver-me, e recordado da cara com quem estivera a conversar até poucas horas antes, fez um largo sorriso e saudou-me de forma bastante efusiva. Vários dos meus colegas embaixadores, presentes na sala, ficaram visivelmente surpreendidos com o gesto e, no final do almoço, vieram inquirir de onde é que vinha aquela minha "intimidade" com o príncipe monegasco. Aí, confesso, não resisti e, com grande gozo, antes de mais tarde lhes revelar a verdade da circunstância, deixei cair para alguns: "O Alberto?! Oh! Grandes noitadas passámos juntos..."
quinta-feira, maio 22, 2014
A Europa dos medos
A Europa foi construída pelo medo. Foi o medo à reedição do conflito franco-alemão que desenhou os primeiros esquiços do processo comunitário, que viria a redundar na União Europeia que hoje conhecemos. Foi o medo à União Soviética, que despudoradamente se "plantou" no Centro e Leste do continente, que reforçou a unidade dos "seis" que escolheram Bruxelas como sua capital. Por isso, alguns não hesitam ironicamente em colocar Estaline entre os seus "pais fundadores", quase ao lado de Robert Schumann e Jean Monnet.
O processo de densificação e aprofundamento da cooperação entre os Estados, que conduziu a um notável processo de desenvolvimento coletivo e a um tecido cada vez mais ambicioso de políticas comuns, tornou-se sedutor e apelativo, o que levou à vontade de muitos outros Estados de se juntarem ao "clube", com fortes impactos no aumento da diversidade do conjunto, com efeitos detrimentais na unidade do processo.
O medo europeu mudou agora de natureza. Da Europa do entusiasmo, pela partilha positiva de soberanias, com ganhos de escala em que todos teriam a ganhar, com fronteiras abertas que facilitariam as trocas e embarateceriam custos, passou-se, em poucos anos, a um tempo em que as velhas nações se sentiram ameaçadas na sua identidade. E num mundo contemporâneo em que o "politicamente correto" já (ou ainda?) não permite, por lei, determinar a preeminência das suas culturas ou a "preferência europeia", o populismo salta com facilidade e despudor a terreiro e acena com o espetro do estrangeiro, da imigração, do perigo da diferença, da perda da identidade. É o velho medo de volta, só que de sentido contrário. Daí ao apelo ao regresso à comodidade familiar da nação, ao desmantelar do projeto que trouxe paz e segurança por décadas. O regresso à Europa das nações. Que foi o berço da Europa da guerra, convirá lembrar.
Hoje, um artigo do antigo presidente francês, Nicolas Sarkozy, está a marcar o termo da campanha eleitoral europeia. Nele, nomeadamente, propõe-se o fim do acordo de Schengen e a transformação da União num mero diretório de potências que "tomariam conta" dos restantes Estados. Esta é a solução fácil de uma certa linha política aos novos medos que a crise, o desemprego e a crescente incerteza instalaram um pouco por toda a Europa.
Estas ideias devem merecer uma resposta. Como sempre, a resposta ao medo continua a ter um único nome: coragem. Haverá?
A trabalhar numas ideias
Conheço-o há muitos anos. Mas vemo-nos muito pouco. Não posso sequer dizer que sejamos amigos, somos apenas conhecidos, embora com forte cordialidade no relacionamento. Confesso que nunca o levei muito a sério e ele deve tê-lo pressentido ao longo dos tempos, pelo que mantém comigo uma atitude que tem por detrás uma difusa tensão. É uma pessoa culta, bem preparada, informada, com alguma graça, de quem, potencialmente, se espera alguma obra. E da boa. Quando, por acidente, nos encontramos, quase sempre com anos de intervalo, temo imenso perguntar-lhe como anda a sua vida. Porquê? Porque nunca está "em nada", está sempre a caminho de ir fazer alguma coisa. Fala-me de planos, de projetos, de ideias. Nunca de nada feito, concretizado. Não sei bem como e de que vive. Eu receio inquirir, com medo de o poder ofender ou afetar a sua privacidade. Curiosamente, ele, sem limitações, como num "preemptive strike", refere-se, "de cima", à minha própria vida profissional ("então li que agora andas pelas empresas? Olha p'ró que te havia de dar! Largaste as estranjas e as viagenzecas pelos Brasis?). Curiosamente, tem sempre o tempo muito ocupado. Quando nos cruzamos, numa esquina ou num café, nunca vem sem ser de passo apressado, um pouco inclinado para a frente, numa espécie de coreografia de movimento. Transmite quase a ideia de estar a perder o seu tempo, que lhe é precioso, conosco. De papelada na mão, tem uma agenda apertada ("saí agora de um almoço com Sicrano, em que estivémos a explorar uma ideia bem gira. Um destes dias, conto-te"). Refere outros encontros para "logo" ou "amanhã", bem como viagens futuras ("tenho de ir ao Porto para a semana, para estar com Fulano") ou passadas ("estive com Beltrano em Évora, em abril, para tratar de um projeto que estamos a preparar. Sou capaz de ter de ir à Islândia antes do Verão. Conheces alguém por lá?"). Deixa coisas no ar ("tens visto aquele tipo gordo, da Guarda, que era teu amigo? Preciso de falar com ele, para um estudo que estou a preparar") ou em que podemos vir a ser-lhe útil ("se calhar, vamos ter que falar um destes dias sobre uma coisa ligada lá às Necessidades. Dás-te bem como o teu colega em S. Marino?"). Mas logo deixa cair o assunto, que fica invariavelmente para "mais tarde". Quando lhe lembro, quase só para alimentar conversa, uma ideia que em tempos me tinha dito que andava "a trabalhar", na última vez em que faláramos, diz-me, com o despreendimento de quem tem uma "carteira" de tarefas incompatível com essa coisa que se revelou menor: "É pá! Larguei essa cena há muito! Não dava!". E passa à frente, rumo ao futuro que sempre lhe alimentou o presente. Uma coisa é certa: quase todos os nomes que cita, gente com quem falou ou vai falar, são pessoas credenciadas. Cultiva, assim, junto dos amigos, uma espécie de currículo feito dos conhecimentos que alega ter, e que, aliás, nem sequer duvidamos que de facto tenha. O que nos poderia conduzir, no fim da conversa, a ficarmos com a noção de que ele está, de facto, "a colaborar" com esses nomes mais ou menos sonantes, podendo ficar nós na expectativa de o ver associado ao respetivo trabalho. Só que, lá no fundo, todos os que o conhecemos, em especial essas pessoas, sabemos, de ciência segura, que tal acabará por nunca acontecer. Mas ele, ao contrário de nós, não desiste: continuará a "trabalhar numas ideias". Será feliz?
quarta-feira, maio 21, 2014
De esquerda
Um velho amigo, que a saúde fez sair da vida ativa prematuramente, tinha uma fórmula imbatível para analisar quantos se diziam "de esquerda". Ao tempo do 25 de abril, com o surgimento de partidos das várias esquerdas, desde as extremas a alguns tão moderados que quase se diluíam na direita, muitos de nós, sob o radicalismo da época, interrogavamo-nos sobre se tal pessoa ou tal formação eram mesmo de esquerda. Aí surgia o António, com um sorriso, a esclarecer: "para mim, as coisas são muito simples: a esquerda "sou" eu e é pela aproximação ou não às minhas ideias que eu "meço" se uma pessoa ou um partido é ou não de esquerda".
Sempre achei a fórmula muito prática, embora conceda que, ideologicamente, é um tanto arrogante.
Sempre achei a fórmula muito prática, embora conceda que, ideologicamente, é um tanto arrogante.
terça-feira, maio 20, 2014
Agora "deu-me" para o Twitter (@seixasdacosta). Alguém me convenceu da graça que tem poder "meter" mensagens em 140 carateres. Não sei quando me vou cansar. Mas não custa tentar.
Lei de Murphy
Quando alguma coisa pode correr mal, acaba por correr mal. Às vezes, esta "lei de Murphy" funciona.
Uma das tragédias da situação económico-financeira portuguesa é que o essencial daquilo que pode influenciá-la é totalmente independente da vontade nacional. Foi assim para a descida dos juros, que permitiu o ambiente desanuviado em que se processou a "saída limpa" da fase "troika" do processo de ajustamento, como, no dia de hoje, o está a ser para o "mau humor" dos mercados, que reverte essa tendência para todos os países da periferia. Por mais bem "comportados" que sejamos.
Ao que dizem os especialistas, os tais mercados antecipam uma evolução europeia mais cética a partir de domingo mas, no que é mais importante, já perceberam que o Banco Central Europeu está limitado no seu leque de opções para contrariar as tendências deflacionistas e, muito em especial, que se sente sem legitimidade política para avançar no chamado "quantitative easing" - um neologismo que designa a sua possível ida ao mercado de produtos da banca e de outras instituições financeiras privadas, que iria muito para além da sua tradicional intervenção de atenuação das dívidas públicas.
Por tudo isso, e não por qualquer teimosia negativista, é que alguns prudentes observadores eram favoráveis ao "programa cautelar" e condenaram o facto do governo o não ter tentado, deixando aos parceiros europeus o ónus da sua inviabilidade conjuntural.
Mas pode ser que isto - a atitude dos mercados - não seja mais do que o surgimento de nuvens passageiras, que trazem uma chuva de verão e algum arrefecimento. Como hoje também está a acontecer com o nosso clima. Pode ser. Seja ou não seja, nada podemos fazer para o evitar. E essa é a nossa sina.
segunda-feira, maio 19, 2014
A direita
Não sei se tem ainda a ver com efeitos do 25 de abril, mas, contrariamente à esquerda, que se afirma abertamente, a direita portuguesa esconde-se quase sempre por detrás de alguns heterónimos - como "conservador", "liberal" (este, quase sempre a medo, porque "neo-liberal" surge com carga negativa) ou, no máximo das ousadias, sob o conceito de "centro-direita" (durante muito tempo ser "do centro" era a mesma coisa). Muitos comentadores desse setor (Marcelo Rebelo de Sousa dizia ontem na TVI que 2/3 dos comentadores são ligados ao PSD) ou procuram neutralizar-se ou usam um curioso eufemismo - "não são de esquerda".
Porque as sociedades só ganham em ser transparentes, gostaria de ver a direita portuguesa assumir-se como tal. Temos hoje, por exemplo, talvez o governo mais à direita da nossa História democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros dizer isso mesmo, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, quando alguém afirma que se trata de um governo de direita sente-se que ficam ofendidos, como se isso fosse um insulto, como se tivessem vergonha de não ser de esquerda.
Alguns dirão: mas se nos afirmamos como "de direita", a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", liga-nos ao tempo da ditadura. Sabem por que é que isso acontece? Porque muita direita se sente na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, porque deixa cair, a espaços, alguns elogios ínvios a parte desse passado, porque não soube criar um "firewall" entre um pensamento contemporâneo de direita e as brumas sinistras da ditadura. Vê-se isso muito nos blogues ditos "liberais". Muitas das pessoas de direita em Portugal não fizeram ainda o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando o fizerem, quando conseguirem assumir uma denúncia aberta desse passado, a esquerda mais agressiva deixará de ter espaço para os atacar por isso, fazendo-o apenas no terreno das ideias atuais. Enquanto a direita democrática continuar envolvida num conúbio com a direita cavernícola, com o caceteirismo miguelista, isso não será possível.
Por isso, no dia em que nasce o jornal informático "Observador", marcado por uma linha claramente de direita, aliás muito consentânea com os apoios financeiros de que dispõem e com os objetivos de sociedade que pretende, sinto pena em não ver isso mesmo assumido com clareza pelos seus responsáveis. Mas não: o máximo que surgiu, nos textos que acompanharam o lançamento do seu "site", foi a nota de ser de orientação "liberal". Ora bolas!
Já é tempo da direita portuguesa, a direita democrática que não tem realmente "esqueletos no armário" do tempo do Estado Novo, afirmar com orgulho o que é, defender as suas ideias e os seus projetos, ir à luta, sem disfarces. Embora, nem por um momento, alguma direita nisso acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.
Em tempo: porque o "esbatimento" entre esquerda e direita faz parte do debate, aqui deixo o clássico pensamento do filósofo francês Alain: "Lorsqu'on me demande si la coupure entre partis de droite et partis de gauche, hommes de droite et hommes de gauche, a encore un sens, la première idée qui me vient est que l'homme qui pose cette question n'est certainement pas un homme de gauche".
Em tempo: porque o "esbatimento" entre esquerda e direita faz parte do debate, aqui deixo o clássico pensamento do filósofo francês Alain: "Lorsqu'on me demande si la coupure entre partis de droite et partis de gauche, hommes de droite et hommes de gauche, a encore un sens, la première idée qui me vient est que l'homme qui pose cette question n'est certainement pas un homme de gauche".
Parabéns
Este é um blogue sportinguista. Assumido. Mas, sejamos justos, esta foi a época do Benfica, durante a qual ganhou, e bem, tudo o que por cá havia para ganhar, tendo perdido, por um conjunto de azares, circunstâncias e culpas várias, uma taça europeia. Não vou relativizar estas vitórias com a invocação de quaisquer desculpas. Ganhou e, pelo futebol que mostrou, ganhou merecidamente.
O Benfica é dirigido por um treinador cuja expressão às vezes roça o caricato, tem um presidente com uma "gravidade" que custa, muitas vezes, a levar a sério. Devo confessar que, sempre que os vejo na televisão, ambos me fazem rir. Mas convém não esquecer que esse presidente, há precisamente um ano, contra tudo e contra todos, apostou na continuidade desse mesmo treinador, mesmo depois de uma época dececionante. E tinha consigo toda a razão. E o treinador, para além da bizarria do seu estilo, provou que é um homem que sabe muito de futebol. Chama-se a isto profissionalismo e boa gestão. E isso, no futebol, como Pinto da Costa o tem provado no Porto há muito tempo, é a condição essencial para o sucesso.
Por tudo isso, aqui deixo os meus parabéns, sinceros, aos meus amigos benfiquistas. Neste ano em que Eusébio desapareceu, esta foi a melhor prenda póstuma que lhe poderiam ter dado. Sendo o Benfica o clube português com mais adeptos, a maioria do povo português deve andar mais satisfeita. Esta é a única maioria à qual, nos dias que correm, desejo alguma alegria (embora "breve", como escreveu Virgílio Ferreira).
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B & B
Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...