Hoje, numa pesquisa na net, encontrei, por mero acaso, este artigo, intitulado "Sobre a diplomacia de prestígio", escrito há 20 anos na "Folha de S. Paulo" por uma grande figura brasileira, o diplomata e político Roberto Campos. Devo dizer que aprendi bastante ao lê-lo, recomendando-o vivamente a quem por aqui passa:
Na historiografia das relações exteriores costuma-se distinguir a "diplomacia de prestígio" da "diplomacia de resultados". Esta se baseia na análise de custos e benefícios. Aquela privilegia a capacidade de manipulação política, valorizando fatores ideológicos e psicológicos.
O grande mestre da "diplomacia de prestígio" foi o general De Gaulle, que conseguiu projetar uma imagem política do poderio francês muito superior à realidade econômica e militar. Mao Tse-tung fez o mesmo na China utilizando o efeito "massa", aliado a um furor ideológico, para criar uma ilusão de sucesso como modelo socialista. Alguns países adquirem prestígio político negativo pela sua capacidade de usinar problemas: Cuba, na América Latina, e Israel, no Oriente Médio.
O chanceler Helmut Kohl, da Alemanha, exemplifica, ao contrário, a "diplomacia de resultados". Manteve perfil político modesto, com alto desempenho econômico, balanceando custos e benefícios até conseguir a reunificação alemã e posição econômica dominante no continente. Reproduziu, num país derrotado, o desempenho do chanceler Bismarck, unificador da Alemanha no século 19.
O Brasil tem exemplo de ambas as coisas. O acordo nuclear com a Alemanha e a política terceiro-mundista foram ilustrações da "diplomacia de prestígio". A laboriosa construção do Mercosul, de outro lado, tipifica a "diplomacia de resultados". Um dos mais frustrantes exemplos da "diplomacia de prestígio" foi nossa longa campanha para obter reconhecimento como grande potência política nas organizações internacionais.
O chanceler Helmut Kohl, da Alemanha, exemplifica, ao contrário, a "diplomacia de resultados". Manteve perfil político modesto, com alto desempenho econômico, balanceando custos e benefícios até conseguir a reunificação alemã e posição econômica dominante no continente. Reproduziu, num país derrotado, o desempenho do chanceler Bismarck, unificador da Alemanha no século 19.
O Brasil tem exemplo de ambas as coisas. O acordo nuclear com a Alemanha e a política terceiro-mundista foram ilustrações da "diplomacia de prestígio". A laboriosa construção do Mercosul, de outro lado, tipifica a "diplomacia de resultados". Um dos mais frustrantes exemplos da "diplomacia de prestígio" foi nossa longa campanha para obter reconhecimento como grande potência política nas organizações internacionais.
Desde 1923 o Brasil anunciava a sua pretensão de tornar-se membro permanente do Conselho da Liga das Nações (a qual, sem adesão dos Estados Unidos, se tornara um clube "europeucêntrico"). A oportunidade surgiu em 1926, quando, após o tratado de conciliação de Locarno, a Alemanha obteve o apoio franco-britânico para tornar-se "membro permanente" da liga. Para evitar a candidatura da Polônia, houve um veto a novas inserções no conselho. Ficou prejudicada a candidatura do Brasil, que sofria objeções européias e dos próprios latino-americanos, interessados no sistema de rodízio. O Brasil revidou com um veto ao ingresso da Alemanha e acabou, pouco depois, renunciando à sua cadeira na Liga das Nações.
Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em reunião com Vargas, o presidente Roosevelt, grato pelo apoio bélico brasileiro por meio da cessão da base aérea de Natal, declarou que proporia para o Brasil uma posição de relevo na futura ONU, a ser criada após o conflito. Na conferência de Ialta, com Stálin e Churchill, em 1943, Roosevelt aventou a idéia dessa participação especial brasileira. Stálin objetou, alegando que a União Soviética não tinha relações diplomáticas com o Brasil (essas só viriam a ser restauradas em 1945). Na realidade, Stálin queria limitar o CS (Conselho de Segurança) a um diretório tripartite dos Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha. Apenas relutantemente aceitou o acesso dos chamados "países derrotados" -França e China. O Brasil teve de se contentar em inaugurar o sistema de rodízio no Conselho de Segurança, cabendo-lhe um primeiro mandato de dois anos na instalação desse conselho, em 1946.
O tema continuou por muito tempo como brasa sob cinzas no Itamaraty, sem análise realista dos custos (que são muitos) ou dos benefícios (que são poucos). O custo deriva da responsabilidade maior dos membros permanentes do Conselho de Segurança na montagem das operações de paz, com implícita aceitação de maior participação em seu financiamento.
Suscitar-se-iam também rivalidades regionais (agravadas no caso brasileiro por sermos uma ilha de cultura portuguesa num mar hispânico). A vantagem seria a projeção externa de nossa imagem política. Mas essa projeção melhor seria alcançada como subproduto do desenvolvimento econômico, à guisa do que fizeram Alemanha e Japão. Poucas objeções haveria à nossa pretensão se o Brasil voltasse ao milagre de desenvolvimento da década dos 60, pois combinaríamos o efeito "massa" com o efeito "eficiência".
O assunto ressuscita agora porque os Estados Unidos, desejosos de dar reconhecimento ao peso econômico e militar da Alemanha e Japão, concordaram em acrescentar aos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança -Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China- mais cinco países.
Duas candidaturas, a da Alemanha e do Japão, são consensuais, confirmando o valor da "diplomacia de resultados", pois essa promoção política seria mero registro de sua ascensão econômica e militar. Os outros três lugares caberiam, respectivamente, à América Latina, à Ásia e à África. Abre-se aqui uma "caixa de Pandora". Na Ásia, o candidato natural seria a Índia, que sofre impugnação do Paquistão, despontando, à margem, a candidatura da Indonésia, que alega representar também a cultura islâmica. Na África, competem o Egito, com maior tradição diplomática, a Nigéria, com potencial econômico, e a África do Sul, como democracia multirracial pós-apartheid.
Na América Latina, além do Brasil, o mais antigo pretendente, há que levar em conta a Argentina, que apóia o rodízio, e o México, que preferiria o "status quo" a um reconhecimento explícito da prerrogativa brasileira. Mesmo na Europa, onde a candidatura alemã é consensual, começam a aparecer ambições latentes na Itália e Espanha...
Mesmo transpostas as dificuldades de seleção, surge a questão do direito de veto, hoje menos importante que na época da Guerra Fria, mas ainda de valor cautelar. Os Estados Unidos prefeririam excluir desse direito os novos membros permanentes, o que seria considerado uma "capitis diminutio" pela Alemanha e Japão. Os países em desenvolvimento, que desejariam no futuro ver abolido o direito de veto, entendem que, na transição, os novos membros permanentes não deveriam sofrer discriminação, tendo direito aos três "vês" -voz, voto e veto. O fato de que, no sistema de rodízio, o direito de veto poderia cair em mãos de países inexpressivos é um complicador adicional...
Atentas essas controvérsias, a ampliação do Conselho de Segurança pode tornar-se paradoxalmente um fator de insegurança pelo atiçamento de rivalidades regionais.
Para complicar as coisas, a recente política de Washington em relação à América Latina é uma obra-prima de "confusionismo". Talvez a idéia subjacente seja o princípio de "divide et impera", de que se serviu o Reino Unido para reger o concerto europeu no século passado. Haverá coisas mais divisórias do que abolir a proibição de venda de armas sofisticadas, com o fornecimento de aviões F-16 ao Chile, país que até recentemente teve tensões territoriais com seus vizinhos? Ou a caracterização da Argentina como aliado especial extra-Otan e, portanto, autorizada a comprar armamentos em condições especiais? Os argumentos de que (a) com a redemocratização foi anulado o perigo de corridas armamentistas porque "as democracias não guerreiam entre si"; ou (b) que os Estados Unidos fazem apenas vendas preventivas para ocupar espaço que russos e europeus ocupariam, parece resultar menos de avaliações políticas sóbrias do que de mera racionalização de pressões da indústria bélica ou do Pentágono.
Como conciliar pregações de austeridade fiscal aos latino-americanos com a liberalização de venda de armamentos? Os militares, aqui e alhures, nunca foram fanáticos no cálculo de custos e benefícios. Os F-16 para o Chile são como o submarino nuclear brasileiro. Excelente idéia, desde que primeiro se encontrem inimigos credíveis que justifiquem a despesa...
Se para a "'diplomacia de prestígio" a questão do CS é importante, para a "diplomacia de resultados" ela é secundária. "Paris vale bem uma missa", disse o rei Henrique 6º ao aderir ao catolicismo, em 1593. Mas certamente o CS não merece uma querela entre o Brasil e a Argentina...
Nossas prioridades devem ser outras de tipo mais utilitário. A primeira prioridade é o fortalecimento do Mercosul, até mesmo como pista de treinamento na harmonização de políticas, coisa indispensável para chegarmos a uma negociação competente na formação da Alca, em 2005.
Uma segunda seria o ingresso do Brasil no clube dos países industrializados -a OCDE-, a exemplo do que fizeram México e Coréia do Sul. A troca de experiências nesse conclave aumentaria o grau de racionalidade em nossa política econômica e talvez contribuísse para melhorar o "credit rating" do Brasil, hoje menos favorável que o de vários países de economia mais débil.
A posição política do Brasil é confortável, independentemente de cabalas diplomáticas. Se a América Latina optar pela designação de um membro permanente para o CS, dificilmente o Brasil seria preterido, em vista de seu peso específico econômico e territorial. Se adotado o rodízio, isso não seria uma derrota. Desastroso, sim, seria qualquer esfriamento na cordialidade tardiamente alcançada entre o Brasil e a Argentina.