quarta-feira, fevereiro 15, 2017

"Sobre a diplomacia de prestígio"

Hoje, numa pesquisa na net, encontrei, por mero acaso, este artigo, intitulado "Sobre a diplomacia de prestígio", escrito há 20 anos na "Folha de S. Paulo" por uma grande figura brasileira, o diplomata e político Roberto Campos. Devo dizer que aprendi bastante ao lê-lo, recomendando-o vivamente a quem por aqui passa:

Na historiografia das relações exteriores costuma-se distinguir a "diplomacia de prestígio" da "diplomacia de resultados". Esta se baseia na análise de custos e benefícios. Aquela privilegia a capacidade de manipulação política, valorizando fatores ideológicos e psicológicos.

O grande mestre da "diplomacia de prestígio" foi o general De Gaulle, que conseguiu projetar uma imagem política do poderio francês muito superior à realidade econômica e militar. Mao Tse-tung fez o mesmo na China utilizando o efeito "massa", aliado a um furor ideológico, para criar uma ilusão de sucesso como modelo socialista. Alguns países adquirem prestígio político negativo pela sua capacidade de usinar problemas: Cuba, na América Latina, e Israel, no Oriente Médio.

O chanceler Helmut Kohl, da Alemanha, exemplifica, ao contrário, a "diplomacia de resultados". Manteve perfil político modesto, com alto desempenho econômico, balanceando custos e benefícios até conseguir a reunificação alemã e posição econômica dominante no continente. Reproduziu, num país derrotado, o desempenho do chanceler Bismarck, unificador da Alemanha no século 19.

O Brasil tem exemplo de ambas as coisas. O acordo nuclear com a Alemanha e a política terceiro-mundista foram ilustrações da "diplomacia de prestígio". A laboriosa construção do Mercosul, de outro lado, tipifica a "diplomacia de resultados". Um dos mais frustrantes exemplos da "diplomacia de prestígio" foi nossa longa campanha para obter reconhecimento como grande potência política nas organizações internacionais.


Desde 1923 o Brasil anunciava a sua pretensão de tornar-se membro permanente do Conselho da Liga das Nações (a qual, sem adesão dos Estados Unidos, se tornara um clube "europeucêntrico"). A oportunidade surgiu em 1926, quando, após o tratado de conciliação de Locarno, a Alemanha obteve o apoio franco-britânico para tornar-se "membro permanente" da liga. Para evitar a candidatura da Polônia, houve um veto a novas inserções no conselho. Ficou prejudicada a candidatura do Brasil, que sofria objeções européias e dos próprios latino-americanos, interessados no sistema de rodízio. O Brasil revidou com um veto ao ingresso da Alemanha e acabou, pouco depois, renunciando à sua cadeira na Liga das Nações.

Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em reunião com Vargas, o presidente Roosevelt, grato pelo apoio bélico brasileiro por meio da cessão da base aérea de Natal, declarou que proporia para o Brasil uma posição de relevo na futura ONU, a ser criada após o conflito. Na conferência de Ialta, com Stálin e Churchill, em 1943, Roosevelt aventou a idéia dessa participação especial brasileira. Stálin objetou, alegando que a União Soviética não tinha relações diplomáticas com o Brasil (essas só viriam a ser restauradas em 1945). Na realidade, Stálin queria limitar o CS (Conselho de Segurança) a um diretório tripartite dos Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha. Apenas relutantemente aceitou o acesso dos chamados "países derrotados" -França e China. O Brasil teve de se contentar em inaugurar o sistema de rodízio no Conselho de Segurança, cabendo-lhe um primeiro mandato de dois anos na instalação desse conselho, em 1946.

O tema continuou por muito tempo como brasa sob cinzas no Itamaraty, sem análise realista dos custos (que são muitos) ou dos benefícios (que são poucos). O custo deriva da responsabilidade maior dos membros permanentes do Conselho de Segurança na montagem das operações de paz, com implícita aceitação de maior participação em seu financiamento.

Suscitar-se-iam também rivalidades regionais (agravadas no caso brasileiro por sermos uma ilha de cultura portuguesa num mar hispânico). A vantagem seria a projeção externa de nossa imagem política. Mas essa projeção melhor seria alcançada como subproduto do desenvolvimento econômico, à guisa do que fizeram Alemanha e Japão. Poucas objeções haveria à nossa pretensão se o Brasil voltasse ao milagre de desenvolvimento da década dos 60, pois combinaríamos o efeito "massa" com o efeito "eficiência".

O assunto ressuscita agora porque os Estados Unidos, desejosos de dar reconhecimento ao peso econômico e militar da Alemanha e Japão, concordaram em acrescentar aos atuais membros permanentes do Conselho de Segurança -Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China- mais cinco países.

Duas candidaturas, a da Alemanha e do Japão, são consensuais, confirmando o valor da "diplomacia de resultados", pois essa promoção política seria mero registro de sua ascensão econômica e militar. Os outros três lugares caberiam, respectivamente, à América Latina, à Ásia e à África. Abre-se aqui uma "caixa de Pandora". Na Ásia, o candidato natural seria a Índia, que sofre impugnação do Paquistão, despontando, à margem, a candidatura da Indonésia, que alega representar também a cultura islâmica. Na África, competem o Egito, com maior tradição diplomática, a Nigéria, com potencial econômico, e a África do Sul, como democracia multirracial pós-apartheid.

Na América Latina, além do Brasil, o mais antigo pretendente, há que levar em conta a Argentina, que apóia o rodízio, e o México, que preferiria o "status quo" a um reconhecimento explícito da prerrogativa brasileira. Mesmo na Europa, onde a candidatura alemã é consensual, começam a aparecer ambições latentes na Itália e Espanha...

Mesmo transpostas as dificuldades de seleção, surge a questão do direito de veto, hoje menos importante que na época da Guerra Fria, mas ainda de valor cautelar. Os Estados Unidos prefeririam excluir desse direito os novos membros permanentes, o que seria considerado uma "capitis diminutio" pela Alemanha e Japão. Os países em desenvolvimento, que desejariam no futuro ver abolido o direito de veto, entendem que, na transição, os novos membros permanentes não deveriam sofrer discriminação, tendo direito aos três "vês" -voz, voto e veto. O fato de que, no sistema de rodízio, o direito de veto poderia cair em mãos de países inexpressivos é um complicador adicional...

Atentas essas controvérsias, a ampliação do Conselho de Segurança pode tornar-se paradoxalmente um fator de insegurança pelo atiçamento de rivalidades regionais.

Para complicar as coisas, a recente política de Washington em relação à América Latina é uma obra-prima de "confusionismo". Talvez a idéia subjacente seja o princípio de "divide et impera", de que se serviu o Reino Unido para reger o concerto europeu no século passado. Haverá coisas mais divisórias do que abolir a proibição de venda de armas sofisticadas, com o fornecimento de aviões F-16 ao Chile, país que até recentemente teve tensões territoriais com seus vizinhos? Ou a caracterização da Argentina como aliado especial extra-Otan e, portanto, autorizada a comprar armamentos em condições especiais? Os argumentos de que (a) com a redemocratização foi anulado o perigo de corridas armamentistas porque "as democracias não guerreiam entre si"; ou (b) que os Estados Unidos fazem apenas vendas preventivas para ocupar espaço que russos e europeus ocupariam, parece resultar menos de avaliações políticas sóbrias do que de mera racionalização de pressões da indústria bélica ou do Pentágono.

Como conciliar pregações de austeridade fiscal aos latino-americanos com a liberalização de venda de armamentos? Os militares, aqui e alhures, nunca foram fanáticos no cálculo de custos e benefícios. Os F-16 para o Chile são como o submarino nuclear brasileiro. Excelente idéia, desde que primeiro se encontrem inimigos credíveis que justifiquem a despesa...

Se para a "'diplomacia de prestígio" a questão do CS é importante, para a "diplomacia de resultados" ela é secundária. "Paris vale bem uma missa", disse o rei Henrique 6º ao aderir ao catolicismo, em 1593. Mas certamente o CS não merece uma querela entre o Brasil e a Argentina...
Nossas prioridades devem ser outras de tipo mais utilitário. A primeira prioridade é o fortalecimento do Mercosul, até mesmo como pista de treinamento na harmonização de políticas, coisa indispensável para chegarmos a uma negociação competente na formação da Alca, em 2005.

Uma segunda seria o ingresso do Brasil no clube dos países industrializados -a OCDE-, a exemplo do que fizeram México e Coréia do Sul. A troca de experiências nesse conclave aumentaria o grau de racionalidade em nossa política econômica e talvez contribuísse para melhorar o "credit rating" do Brasil, hoje menos favorável que o de vários países de economia mais débil.

A posição política do Brasil é confortável, independentemente de cabalas diplomáticas. Se a América Latina optar pela designação de um membro permanente para o CS, dificilmente o Brasil seria preterido, em vista de seu peso específico econômico e territorial. Se adotado o rodízio, isso não seria uma derrota. Desastroso, sim, seria qualquer esfriamento na cordialidade tardiamente alcançada entre o Brasil e a Argentina. 

terça-feira, fevereiro 14, 2017

Notícias da geringonça

É indiscutível que os casos TSU e Caixa/Domingues constituíram dois abalos importantes para o governo. 

No primeiro, houve uma evidente leviandade política na expetativa infantil de uma outra atitude por parte do PSD. No segundo, a inabilidade do governo foi ainda mais clamorosa, com erros crassos na avaliação dos constrangimentos jurídicos pré-existentes, espalhando sinais desastrosos na tentativa de "damage control", que se voltaram contra ele. Depois das notas de ontem do primeiro-ministro e do presidente da República, o ministro das Finanças sai obviamente fragilizado deste episódio, sem sequer pode gozar o crédito dos bons resultados financeiros por que se empenhou.

Do lado da oposição, onde o CDS andou apenas a reboque (o deslumbre da candidatura da líder a Lisboa parece obnubilar o partido), Passos Coelho ganhou uma evidente sobrevida no seio do PSD (o que não é necessariamente uma má notícia para António Costa, porque o antigo líder continua a ser o adversário mais fraco que pode ter). Se, no caso da TSU, o seu ganho público foi limitado (e devastador, em termos de credibilidade como partido com sentido de Estado, para um eleitorado mais elaborado), não é ainda claro o que poderá vir a registar a seu crédito com o episódio de Centeno.

Estas semanas podem ter inaugurado, contudo, um tempo novo na relação entre o presidente e o governo. 

Marcelo tem ido mais longe do que a sua "entourage" lhe recomenda, no seu apoio ao governo. À direita, como se esperava, "saltou a tampa" e as críticas já passaram a fase em surdina para se afirmarem abertamente em público. O presidente não dá ares de grande preocupação, mas, intimamente, deve estar a interrogar-se sobre as consequências futuras desta desafetação da sua base política natural de apoio. É claro que a sua popularidade é por ora elevadíssima, mas ter contra ele PSD e CDS é algo que, a prazo, contribuirá para erodi-la. E ele sabe isso melhor do que ninguém.

No lugar de António Costa, eu estaria um pouco preocupado. Cada "frete" que Marcelo Rebelo de Sousa, com desgaste político, faz ao governo é um ponto a débito deste. O presidente tem assim vindo a ganhar "lastro" para poder, um destes dias, fazer uma ou outra jogada de demarcação, que lhe permita reequilibrar um pouco a balança política. E isso vai provocar alguma "estranheza" no seio dos socialistas, em especial se o "tom" presidencial mudar. Não antevejo como provável que Marcelo, acabadas que sejam as operações de estabilização bancária em que se tem fortemente empenhado, volte a disponibilizar-se, de forma tão flagrante, para "escudar" o executivo da forma que o tem feito. Ele vai achar que já cumpriu a sua missão em prol da estabilidade. Talvez a questão da eutanásia seja o primeiro pretexto.

Uma última nota para a geringonça. O caso TSU terá feito ver ao PC e ao Bloco que os riscos do desalinhamento são muito elevados. Ambos devem ter hoje uma maior consciência de que a sua eventual divisão no apoio ao governo PS só pode vir a ajudar a direita. Mas terão mesmo?

segunda-feira, fevereiro 13, 2017

Mais luz

Para o meu pai, que me deixou há uma década, não muito longe do bater da badalada dos seus cem anos, o dia 21 de dezembro era sempre uma alegria: "A partir de hoje, cada dia traz-nos mais dia". Referia-se aos minutos acrescidos de luminosidade que, a partir dessa data, se iam ganhando. Nessa mesma lógica, para ele, o período mais triste do ano era o outono, quando se notava mais que os dias começavam a encurtar. Se eu lhe falava dos meus invernos noruegueses, em que entrava na embaixada ainda na escuridão e, depois de uma jornada contínua, saía já de novo com noite, ele exclamava: "Eu dava em doido!". A luz do dia, para ele, era fundamental. E irritava-se quando eu lhe gabava a beleza dos fins de tarde de outubro, com uma chuvinha leve e os candeeiros já acesos, naquela hora de pré-recolhimento ao conforto da casa: "A noite é uma chatice!", sentenciava, bem sabedor de que as noitadas até de madrugada eram a minha perdição, desde a adolescência, a ouvir rádio e a ler. Nunca se reconciliou com isso, achando (e bem) que eu passei toda a minha vida a desprezar as manhãs: "A luz natural é tudo". Desde miúdo que me lembro de ouvi-lo contar que, à hora da morte, Goethe tinha pedido "mais luz!" E o meu pai acrescentava sempre: "Há, claro, uma explicação filosófica para essas últimas palavras. Eu acho, contudo, que ele apenas queria que abrissem as cortinas da janela..."

domingo, fevereiro 12, 2017

No inverno

Continuando num registo de roupa, ontem brincava com um amigo a propósito do seu magnífico sobretudo bege, coisa "fina", da "Burberry", que devia ter custado uma nota.

E lembrei-me da história que o meu amigo Chico Trindade Lopes costuma contar, sobre uma figura popular de Viana do Castelo, dos anos 60 e 70.

Era o Vilaça, "chofér de praça" que parava na avenida central da cidade, creio que em frente ao "Viana Mar". O que mais distinguia o Vilaça era a sua voz rouca, cava, em que dizia graçolas num tom inconfundível e único. O pessoal mais novo mandava-lhe umas bocas, a que o Vilaça reagia à sua maneira, às vezes um tanto bruta.

Um dia, no tempo frio, o Vilaça surgiu com um longo sobretudo azul, comprido, de grande estilo. A surpresa geral com aquele novo adorno do Vilaça, que contrastava com a modéstia da roupa do resto do ano, foi imensa. O sobretudo era mote para graças, mas o Vilaça não se deixava abater com elas. E, naquela sua rouquidão funda, o Vilaça respondia, forte e desafiante, ao pessoal: "No inverno é que se vê quem tem roupa!". E arrumou a conversa! Grande Vilaça!

A idade da bombazine

Há dias, dei-me conta de que ando, cada vez mais, de calças de bombazine. No passado, a bombazine era, para mim, sinónimo de fim-de-semana. Recordo-me de brincar dizendo que "calças de bombazine, camisolas de losangos e o Expresso na mão" eram o "traje" oficial  de certos cavalheiros frequentadores das Pousadas, nos sábados e domingos "off season". Um amigo costumava gozar com outro, que vivia em Londres, e que era useiro e vezeiro em andar de blazer com calças de bombazine, com ou sem lencinho a pingar do bolso, que "ele se vestia como ele achava que os ingleses se vestiam". 

Agora, mais do que uma vez por semana, vejo-me de calças de bombazine, do Outono ao fim da primavera. Como não tenho um "from-nine-to-five" regular, concluí que as calças de bombazine são como que um traje da reforma, por mais ativa que ela seja. Pronto, entrei na idade da bombazine. E, estranhamente, dou-me muito bem com isso.

sábado, fevereiro 11, 2017

Acordo & desacordo

("Por que é que te vais meter, uma vez mais, nesse vespeiro que é a discussão sobre o Acordo Ortográfico?", comentou ontem um amigo a quem disse que ia escrever sobre o assunto. "Porque não quero dar razão a quem acha que tenho vontade de ser consensual", respondi-lhe.)

Concordo com o que Augusto Santos Silva disse sobre o Acordo Ortográfico - um tratado internacional aprovado pelo governo português, aprovado esmagadoramente pela Assembleia da República, ratificado pelo presidente da República e com os instrumentos de ratificação devidamente depositados. Um instrumento jurídico que está, desde há vários anos, em vigor na ordem jurídica portuguesa, adotado no ensino oficial, usado pelos serviços do Estado, por muita comunicação social e por milhões de cidadãos - entre os quais me incluo.

Reconheço que há quem não goste do Acordo. Estão no seu pleno direito e ninguém, aliás, os obriga a orientarem-se pelas suas regras. Mas não admito argumentos de autoridade - por exemplo, atirarem-nos à cara com os escritores que se recusam a adotá-lo. Em democracia não há "assinaturas" qualificadas, vozes que têm mais peso do que as de outros. Era só o que faltava!

É sabido que a história dos anteriores acordos ortográficos passou também pelo seus contestatários, pessoas a quem as mudanças provocaram seguramente dores de cabeça (seguramente curadas com algo comprado nas "pharmácias"....) Os acordos, como sempre se provou, são feitos para as gerações seguintes. Ninguém gosta, naturalmente, de mudar a maneira como aprendeu a escrever. 

Custa-me dizer isto, mas acho que o militantes anti-Acordo se estão progressivamente a assemelhar aos nossos monárquicos, promotores obstinados de uma causa que, embora já perdida, entendem dever continuar a alimentar. Desejo-lhes idêntica sorte.

(Vá! E agora, quem quiser pode desancar-me com paletes de consoantes mudas e de telhas circunflexas de que sentem tantas saudades...)

sexta-feira, fevereiro 10, 2017

Obra aberta


Chama-se "Obra Aberta" e é um programa da "Rádio Renascença", gravado com público no Centro Cultural de Belém, transmitido cada segunda-feira, às 23 horas.

Ontem coube-me emparceirar com o professor e escritor Helder Macedo, que coincide ser um bom amigo poessoal.

A conversa, de cerca de uma hora, moderada por Maria João Costa, versou sobre livros. No meu caso, deixei algumas notas da minha ligação umbilical a essas folhas ligadas em forma de volume, de que vivo rodeado. E falei de alguns dos muitos livros (porque são mesmo muitos!) que ando a ler.

Quer o Helder Macedo quer eu coincidimos na recente e excelente biografia de Manuel Teixeira Gomes, de José Alberto Quaresma. Aproveitei para chamar a atenção para um interessante estudo que o Helder faz sobre Teixeira Gomes no seu recente "Camões e outros contemporâneos". E dei a minha impressão sobre as razões que podem ter motivado o relativo apagamento da figura muito interessante de escritor, diplomata e político que Teixeira Gomes foi - mas, sobre isso, direi algo daqui a dias.

Depois, falei do magnífico "O impostor", de Javier Cercas, já publicado há algum tempo, um retrato de uma figura bizarra da pequena história contemporânea espanhola, num recorte trágico-irónico sobre esse tema de difícil tratamento que continua a ser a sua sangrenta Guerra Civil. De Cercas, notei também a recente reedição do "Soldados de Salamina" e lembrei a importância da leitura do "Anatomia de um instante", um livro já com alguns anos, imprescindível para entender o significado profundo da "tejerada" de 23 de fevereiro de 1981.

Finalmente, dei conta do surgimento do "Tenho cinco minutos para contar uma história", de Fernando Assis Pacheco, uma coletânea de histórias lidas pelo próprio na rádio, em 1977/78, que acaba de sair, agarrando temas do quotidiano, numa linguagem ágil, rica, com o humor e a ironia que eram a imagem de marca dessa figura fascinante que nos deixou com menos de 60 anos.

Fiquei com a sensação de que aquela hora foi demasiado curta para o muito que os livros nos trouxeram à ideia. Mas o ótimo é inimigo do bom e foi muito bom ter estado à conversa com o meu querido amigo Helder Macedo.

E se a Europa...


Há dias, alguém notava que, em escassas dezenas de anos, foi possível incutir no sentimento nacional a noção de que não há um futuro para Portugal fora da Europa. O projeto integrador passou a fazer parte do “politicamente correto” português, constituindo uma bizarria insana querer desenhar, for a dele, alternativas para o nosso destino coletivo. De certo modo, a Europa, como alguns já tinham defendido, foi a substituição do projeto imperial, colonial ou ultramarinista – dependendo do arrebatamento histórico de cada um.

Durante muito tempo, o PCP era a única força política que, começando por não acreditar na possibilidade de Portugal entrar nas então Comunidades Europeias, defendeu, a partir da adesão,  uma integração relutante, marcada por um soberanismo que pedia meças à direita mais cética. Não deixa de ser irónico que uma força política tributária de uma cultura histórica internacionalista se tenha acabado por transformar no partido paladino das fronteiras, defensor da preferência nacional, feroz crítico da globalização, oposto à NATO. Ninguém espere, contudo, que eu especule, a partir daqui, com a nova agenda americana que há dias nos saiu em rifa…

Hoje, o país está “colonizado” pela ideia europeia, tida como referente da democracia de que usufruimos, fonte de ajudas das quais Portugal parece não poder prescindir, terreno de partilha de valores que marcam a nossa opção civilizacional. Dos vários patamares de integração – e nós estamos em todos – aquele que oferece  mais dúvidas é o da moeda única, sendo que Schengen também tem os seus detratores. Mas a opção europeia faz parte da nossa paisagem indiscutida como país.
Portugal tem 900 anos, a nossa integração na Europa tem quarto décadas. Portugal existiu, como Estado soberano e independente, muito antes de quaisquer ideias de unir as nações do continente. Vale agora a pena fazer uma pergunta incómoda: e se a União Europeia, tal como a conhecemos vier a diluir-se ou mesmo a acabar como projeto politico? Que Portugal há para além da Europa?

Esta provocação tremendista, que há alguns anos pareceria ridícula, não pode deixar de ser feita. A capacidade de manutenção de Portugal no euro é vista, por muitos, como duvidosa. Os sinais de que uma Europa com regresso das fronteiras pode vir a nascer são muito fortes. Marine Le Pen anuncia, em caso de vitória, um referendo sobre a permanência da França na União Europeia – o que, por si só, significaria um inevitável cisma com a Alemanha. Noutros países acumulam-se dúvidas sobre o projeto comum. Do outro lado do Atlântico, os sinais de uma desafetação face ao nosso projeto integrador são mais do que evidentes – e nós sabemos que a América é um poder europeu. Como cereja no topo do bolo, há que pensar que, em Portugal, o sentimento eurocético só tem condições para prosperar.

Falaremos mais sobre isto.

quinta-feira, fevereiro 09, 2017

Da vida

Às vezes, somos tentados a pensar que, por uma análise racional ou racionalizada, somos capazes de superar traumas fortes que ocorreram na nossa vida. Cada vez me convenço mais de que isso é uma ilusão: podemos pôr entre parêntesis esses episódios, mas as cicatrizes lá ficaram e, quando olhamos para elas, a memória surge tão ferida como estava nesse instante.

Vem isto a propósito do 25 de abril. 

As memórias dessa data são muito díspares. Para alguns, como é o meu caso, olho para a data com um sorriso histórico e, pela alegria que ela me proporcionou, chego a absolver com alguma ligeireza alguns erros imperdoáveis que então se (e o "se" aqui também é reflexo) cometeram.

Mas quando me confronto com gente que, por vezes sem culpa própria, sofreu na pele as consequências da Revolução, seja por ter visto interrompida a sua vida nas colónias, seja por eventos traumáticos, disruptores da normalidade do seu quotidiano de então em Portugal, fico com a sensação de que nunca será possível, por maior esforço que essas pessoas façam, conseguir que elas passem uma esponja sobre a memória negativa que transportam consigo. 

Na maioria das vezes, nem sequer estamos perante "fascistas" encapotados, remoendo vinganças e ansiando por um impossível retorno aos dias da ditadura. Estamos face a pessoas conservadoras, que vivem bem o país democrático de hoje, que apenas nunca se reconciliaram com o que um dia lhes aconteceu, afetando o que tinham por normal nesse seu quotidiano. Não vale a pena, com essas pessoas, tentar argumentar, procurar discutir o passado que, entretanto, e em definitivo, mudou. É um exercício desgastante e inútil para os dois lados, conducente mesmo a potenciais momentos desagradáveis, que a nada conduzem. 

Para voltar ao princípio deste texto, o sentimento que vive dentro dessas pessoas não muda, não mudará nunca através de uma discussão, morrerá com elas.

Lembrei-me disto numa conversa que hoje tive.

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Labirinto

Ainda a propósito das "secretas", que já hoje aqui referi, lembrei-me de um amigo com quem falo muito raramente. Quase sempre, é ele quem me liga. 

Desde os anos 80, altura em que o conheci, as suas conversas telefónicas são sempre tidas sob o implícito pressuposto de que estamos a ser escutados. O que até pode ser verdade, mas é totalmente irrelevante, porque os temas de que falamos são de lana crapina e, não tendo nós qualquer informação privilegiada no domínio político (o que dá imenso sossego), os nossos diálogos acabam por ter a profundidade de meros comentários de jornal - sobre o governo, figuras políticas, diplomatas que ele conheceu, etc.

Mas ele insiste sempre: "Então o seu amigo de lá de cima sempre aceitou o cargo?". Confuso, arrisco um nome e, do outro lado, quase que pressinto o desagrado com o escusado "outing". Por vezes, o tom envolve gente assim "desenhada" de forma críptica que aquilo se torna para mim num labirinto, uma espécie de batalha naval oral. 

E a conversa prolonga-se, sempre, sem exceção, no mesmo registo: "Disseram-me que, há dias, esteve a almoçar junto ao rio com o homem do banco?". 

Se a interlocução estivesse, de facto, a ser gravada, e com os bancos pelas ruas da amargura como andam, podia deduzir-se grossa marosca. Com que então "com o homem do banco"?! Negócios? "Inside trading"? Crédito suspeito? Mas não, tratava-se simplesmente de um amigo meu que trabalha num banco (atividade, até ver, ainda não punível por lei), que já não via há muito tempo e com quem fui comer um peixe a um restaurante, junto ao Tejo, com imensa gente conhecida à volta. Chato, confirmei: "Sim, é verdade, estive com Fulano a a almoçar há dias". O silêncio reprovador do outro lado da linha deu a entender que eu tinha feito mais um escusado "leak". E tudo continua nesse registo, tornando a conversa num labirinto complicado.

É assim este meu amigo. Há dois ou três anos, organizámos - eu e um grupo de pessoas de quem ele gosta - um almoço num restaurante. Aí, a coreografia foi diferente. Quando pronunciava o nome de alguém mais importante, via-o a olhar para os lados, porque, sabe-se lá, "as paredes têm ouvidos"... 

Aquele meu amigo é que deveria ter ido para as "secretas".

Memória pessoal dos tratados europeus


Fez ontem 25 anos que foi assinado o Tratado de Maastrich. Dei por mim a pensar onde estava ao tempo dos grandes documentos estruturantes da integração europeia.

Imagino que, em 1957, quando foi assinado o Tratado de Roma, eu me dedicasse laboriosamente a completar a minha "terceira classe", em Vila Real, na "escola do trem", sob a orientação do professor Pena. A única Europa que me interessava estava toda no "Cavaleiro Andante", cuja coleção completa (ora pois!) está agora ali à minha frente, bem encadernada.

Nos tempos do Tratado de Maastricht, em 1992, eu andava por terras já então bem relutantes ao exercício, isto é, vivia em Londres. Lembro-me bem do primeiro-ministro John Major, qual Chamberlain a agitar o papel da paz, a chegar, exultante, ao reino, proclamando "game, set and match!". Está-se agora a ver melhor o resultado real da partida.

Três anos depois, ao tempo em que eu era subdiretor-geral dos Assuntos Europeus, André Gonçalves Pereira convidou-me para ser o seu "deputy" no "Reflexion Group" que a União Europeia tinha entretanto criado para preparar a revisão do Tratado de Maastricht. A meio desse processo, tornei-me secretário de Estado dos Assuntos Europeus. No ano seguinte, seria o "chief negotiator", por Portugal, do novo tratado que resultou da Conferência Intergovernamental que, entre 1996 e 1997, fixou o Tratado de Amesterdão.

Passaram três anos. A União Europeia, decidiu lançar uma nova revisão dos tratados. Portugal, na sua presidência em 2000, dirigiu o lançamento e o primeiro semestre de trabalhos da nova Conferência Intergovernamental (CIG). Presidi à CIG nos primeiros seis meses e voltei a ser o "chief negotiator" daquele que viria a chamar-se o Tratado de Nice, concluído em dezembro desse ano.

Mais três anos passaram. Eu era embaixador na OSCE, em Viena. Aceitei o convite que o governo de então me formulou para integrar uma "task force" para o "aconselhar" nas negociações do malogrado Tratado Constitucional. Já estava embaixador em Brasília quando os referendos negativos na Holanda e em França fizeram naufragar esse projeto.

E no Brasil continuava quando, sob presidência portuguesa, em 2007, foi adotado o Tratado de Lisboa, uma visão reciclada e disfarçada do Tratado Constitucional. Tenho o gosto de constatar que não fiz parte dos "tratantes" desse que é o mais funesto documento da história da integração europeia, que não tenho o menor orgulho que leve o nome da nossa capital.

Esta é a minha memória pessoal dos tratados europeus. Ela aqui ficou.

terça-feira, fevereiro 07, 2017

Secretas


O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação pronunciou-se a favor da fusão entre o SIS e o SIED.

Tenho a maior das dúvidas sobre a autoridade dos pareceres desta entidade  que, ao longo dos tempos, mostrou uma eficácia mais do que duvidosa, sendo "toureada" sistematicamente por aqueles a quem competia vigiar.

Se o Conselho de Fiscalização fizesse melhor aquilo que realmente lhe compete, talvez pudesse ter evitado escândalos que mancharam a imagem interna e externa desses serviços. E de Portugal, por tabela - e sei do que falo, porque senti isso lá por fora.

Leio na imprensa de hoje que os partidos mais à esquerda não deixarão passar esta fusão. "Deus os guarde" nesta atitude que, como se sabe, desagrada a alguns seguidores do "grande arquiteto universal". E mais não digo, porque isto de secretas tem muito que se lhe diga. 

Cavaco


Aníbal Cavaco Silva anuncia um livro de memórias. A editora arranjou-lhe um título modernaço, que sugere as conversas semanais com os primeiros-ministros, tidas às quintas-feiras. Vou ler, claro, não porque espere grande coisa deste volume - a julgar pelo anterior - mas porque sou um incorrigível leitor das coisas políticas. Quero com isto dizer que, à parte os não-livros (coletâneas de discursos), leio dessa área quase tudo o que sai. Confesso mesmo que li as memórias de Américo Tomás... 

Este tipo de livros destina-se sempre a controlar o débito da História a respeito de quem ela trata. A menos que Cavaco Silva nos reserve alguma surpresa, não creio que este volume tenha condições de o salvar daquela que foi uma saída muito triste da política. E, curiosamente, tivesse tido ele outro comportamento como presidente (mas, nesse caso, talvez não se chamasse Aníbal Cavaco Silva) e o saldo poderia ter sido outro. Mas isso é uma longa conversa.

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

"One point up..."

Lembrei-me dele hoje, ao ler, na imprensa americana, um perfil de Trump. Nele se diz que, com convicção ou por mera posição tática, o novo presidente americano, naquela sua arrogância sem limites, quer estar sempre numa posição de força, nunca revelar a menor fraqueza.

Foi aí que me lembrei dele, desse amigo bizarro que tive (e que já morreu há muito). Um dia, vi-o chegar muito pálido e perguntei-lhe se se sentia bem. Não obstante ser por demais evidente que estava com problemas de saúde, disse-me: "Estou lindamente, sinto-me mesmo muito bem", caindo depois, numa evidente exaustão, sobre um sofá. Calei-me. A diferença de idades e a falta de confiança não me permitiam desmontar aquele teatro. 

Passaram uns tempos e os papéis inverteram-se. Eu estava com uma imensa dor de cabeça, talvez mesmo febril, e referi, em frente a ele, que me me sentia pessimamente. Com um sorriso, num argumentário que casava bem com a sua atitude anterior, ele então sentenciou: "Nunca diga isso! Nunca deixe transparecer perante outra pessoa que tem uma fragilidade, em especial de saúde. É que essa pessoa, muito provavelmente, sente-se normal, está sem padecimentos, o que imediatamente o inferioriza a si. Porque, ao pressentir que você tem um problema, ele sente-se logo superior. E nós, nas nossas relações humanas, temos de fazer um esforço para estar sempre acima dos outros". E concluiu com uma máxima em inglês que, embora profundamente pateta, nunca mais esqueci: "If you are not one point up, you are one point down". Este meu amigo, cujas "teorias" (e tinha outras) o não levaram muito longe na vida, nem sequer era má pessoa. 

Foi preciso viver a experiência de Trump para me lembrar desta máxima. É que há mesmo gente assim...

domingo, fevereiro 05, 2017

Artur Barrio


Leio que a Artur Barrio foi atribuído o Grande Prémio Arte da Fundação EDP.

Logo nos primeiros dias da minha chegada a Brasília, em 2005, dei-me conta de que a embaixada, na chancelaria e na residência, dispunha de um acervo muito interessante de pintura e gravura, de autores contemporâneos portugueses, muito maior do que em qualquer outra nossa missão diplomática no mundo. E julgo que assim continua a ser.

Ao visitar, por esses tempos, algumas casas de portugueses residentes em Brasília, ou de brasileiros com ligações ao nosso país, constatei que por lá havia também muitas outras obras bem interessantes. 

Surgiu-me então uma ideia: e se organizássemos, na área de exposições da embaixada, uma mostra selecionada dessas obras? Lembrava-me de que, há muitos anos, em Maputo, o embaixador Paulouro das Neves tinha tido uma iniciativa similar, baseada nas obras na posse dos diplomatas da nossa embaixada. Ora, ali em Brasília, havia condições para fazer algo parecido, mas com muito maior dimensão e representatividade.

De há muitos anos que sou um adepto da "sopa-da-pedra", isto é, procurar organizar coisas sem ou com muito pouco dinheiro. O orçamento do Instituto Camões em Brasília era ínfimo e o que havia estava maioritariamente consignado. Havia, assim, que trabalhar "no osso". As obras seriam cedidas sem custos - e isso era já um bom ponto de partida. O nosso conselheiro cultural, Adriano Jordão, meteu mãos à obra. A diretora de uma importante galeria de arte de Brasília, Karla Osório, encarregou-se da curadoria e obtivemos, para as inevitáveis despesas de estrutura e para o excelente catálogo, da ajuda da Vivo, a operadora telefónica controlada pela então pujante PT (onde isso vai...).

Quando a Karla me trouxe a lista das obras selecionadas, deparei com o nome de Artur Barrio. Confessei-lhe - faço sempre gala de ser muito franco sobre aquilo que não sei - que nunca tinha visto nenhuma obra de Barrio, embora soubesse que ele tinha feito uma exposição em Serralves. Barrio, aprendi então, era um português que tinha ido viver para o Brasil com 10 anos. Esteve depois algum tempo em França, mas manteve sempre a nacionalidade portuguesa.

A escultura de Barrio que a Karla havia desencantado era, de facto, uma bela peça. E integrou as cerca de 70 obras com que, no dia 10 de junho de 2005, inaugurámos a exposição "Arte Portuguesa em Brasília".

sábado, fevereiro 04, 2017

Lula e FHC


Ao ver, ontem, o abraço sentido que Fernando Henrique foi dar a Lula da Silva, por ocasião da morte da mulher deste, Marisa Letícia, não pude deixar de recordar uma ocasião similar, a que assisti, quando Ruth Cardoso faleceu. Impressionou-me então a emoção transmitida no encontro entre os dois, nessa noite de junho de 2008, na Sala S. Paulo.

Ruth Cardoso era uma figura excecional que eu havia tido o privilégio de conhecer e encontrar, por mais de uma vez, em Nova Iorque, por ocasião de reuniões do "executive board" do United Nations Fund for International Partnerships, de que ela fazia parte e cujo "advisory board" integrei durante dois anos, a convite de Kofi Annan. Era uma mulher respeitadíssima e a sua súbita desaparição foi um forte abalo para o marido.

Fernando Henrique Cardoso contou-me um dia que Ruth e ele haviam convidado Marisa e Lula a passarem com eles, creio que um fim de semana, na sua "chácara" perto de S. Paulo, semanas antes de Lula da Silva lhe suceder. "Eu gosto do Lula", disse-me Fernando Henrique, que estava convencido de que um sentimento idêntico existia por parte do novo presidente. Ao que me contou, Lula havia-lhe dito que, por todo o tempo em que permanecesse na presidência, ele teria "um amigo no Alvorada". E teria dito mais: que nunca se referiria negativamente sobre o passado. Nessa conversa, num almoço a dois para que o convidei, no "Carlota", em S. Paulo, creio que em 2006, Fernando Henrique Cardoso disse-me da desilusão que tinha tido com as constantes críticas que Lula passara a fazer ao seu período presidencial. Era verdade. Lula, para exaltar os feitos da sua presidência, passava o tempo a usar uma expressão que ficou nos anais políticos: "Nunca, antes, na História deste país..." "E o Lula sabe que o presidente tem essa queixa dele?", perguntei-lhe. "Claro que sim, mas não se emenda..." E riu-se. E foram muitas as vezes em que Fernando Henrique se viu obrigado a pôr os pontos nos "ii", em declarações ou artigos de imprensa, para refutar argumentos do seu sucessor. Sempre, diga-se, com firmeza nas também imensa elegância, que é o seu excecional timbre.

E Lula sabia. Um dia, numa conversa, referi-lhe isso. Lula "chutou" para o lado: "O Fernando, na realidade, sofre é com o facto dos seus amigos políticos não virem à praça defender a sua herança política". Mas não contestou as razōes de queixa do antigo presidente, de quem, no entanto, se dizia amigo: "Tenho grande estima por ele", ouvi-o dizer por mais de uma vez. Mas nem por isso deixava de criticá-lo, porque, nisto da política, vale quase tudo...

Quero com isto dizer que acho que no recente abraço entre Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso há uma sinceridade que passa muito para além das divergências políticas que, imagino, se devem ter agravado muito nos últimos anos. São dois homens que lutaram muito por um lugar na História do Brasil contemporâneo. A História, porém, ao que tudo indica, não os deve vir a tratar da mesma forma.

sexta-feira, fevereiro 03, 2017

Notícias do anti-americanismo

O anti-americanismo, essa velha doença infantil da esquerda europeia, que curiosamente também afeta algum pós-salazarismo, renasceu por cá de uma forma curiosa, tendo Trump como argumento. E permitiu "flic flacs" que dão vontade de rir.

Senão vejamos.

Assistimos a gente que detesta o liberalismo, e o tem por jurado inimigo, a clamar contra o "ataque à ordem liberal" que Trump empreendeu.

As críticas do presidente americano à NATO provocaram uma curiosa onda de comoção em muitos que sempre acharam que a organização era uma estrutura intrusiva e agressiva. Agora não: parece que está toda a gente num imenso "clube de amigos" da NATO.

Emocionante foi ver pessoas que passaram anos a sublinhar os malefícios da globalização verdadeiramente indignados contra a rejeição dos tratados comerciais multilaterais. Afinal, o livre-cambismo tinha por cá muitos fiéis que se mantinham "na clandestinidade".

Há também os neo-europeístas convertidos à pressa. Gente que vinha a achar que o euro era um projeto condenado, que a Europa comunitária era a fonte de todos os males, escandaliza-se com o apoio de Trump ao Brexit e as suas profecias negativas sobre a moeda única.

Há muitas e boas razões para se não gostar do novo presidente americano, mas convem ser-se sério, não vale tudo...

Do mal o menos?

Tenho saudades do tempo em que desejava que ganhassem os meus.

Tenho saudades do tempo em que, nas eleições americanas, era a favor de George McGovern, porque era a América que me entusiasmava, face às trampolinices de Richard Nixon. Agora, nas últimas eleições, fui a favor de Hillary Clinton, uma mulher a quem nunca perdoei o apoio dado a George W. Bush na invasão do Iraque, uma candidata a quem cabiam as maiores responsabilidades na tragédia da Líbia, uma das culpadas pelo estado de conflitualidade criado na Ucrânia.

Tenho saudades do tempo em que fazia figas para que o SPD alemão arrasasse a CDU aliada ao radicalismo conservador bávaro da CSU. Agora, sinto-me tentado a cantar loas a Angela Merkel, a elevá-la a expoente da consciência da moral europeia, pelo seu gesto humano perante os refugiados, depositando esperanças em que ela possa dar um mínimo de liderança a esta pobre Europa.

Tenho saudades do tempo em que vivia as presidenciais francesas como se fossem no meu país, em que me entusiasmava com Mitterrand e, mais tarde, com a possibilidade de Jospin poder colocar um ponto final às ambições do gaullismo tosco de Chirac. Depois, foi o que se viu: "votei" por Chirac para derrotar o pai Le Pen e agora, perante a inexistência de um candidato de esquerda com um mínimo de hipóteses de vitória, já me satisfaria uma figura de direita menos radical, fosse François Fillon (mas não deve ser) ou um modelo político plástico como Emmanuel Macron. O importante será conseguir derrotar a filha Le Pen na 2ª volta.

Por este andar, para evitar que os (meus) adversários da Segunda Circular vençam a Liga, ainda me verei a resignar-me a que a rapaziada das Antas tenha êxito. 

Estou farto deste "do mal o menos" a que pareço condenado...

O poder da exceção


Há dois dias, ouvimos o novo responsável pela Defesa dos Estados Unidos exigir ao Irão o estrito cumprimento de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, relativa ao seu equipamento militar. Ninguém lhe ouvirá, contudo, uma palavra de exigência a Israel para que cumpra as múltiplas resoluções, aprovadas no mesmo âmbito, que o governo judaico se recusa a respeitar desde há décadas.

Os americanos foram os inspiradores da ordem multilateral em que vivemos, após a Segunda Guerra mundial. As Nações Unidas e as instituições de Bretton Woods (o Banco Mundial e o FMI) devem-se ao seu impulso. Mas é uma evidência que os Estados Unidos tiveram sempre uma leitura muito própria do seu papel no mundo: usam as instituições multilarerais tanto quando podem, delas retirando legitimidade para aquilo que corresponde aos seus interesses, mas recusam-se, por sistema, a aceitar ficar em minoria nessas instâncias, isto é, a acatar uma vontade que não seja a sua. Perante esses casos, decidem ações unilaterais (como fizeram no Iraque, em 2003) ou jogam com a asfixia financeira das organizações (como fizeram na Unesco, em 2011), não pagando as contribuições a que livremente se obrigaram. Este multilateralismo “à la carte” representa a arrogância de uma potência que tem consciência de que a sua força é um fator que pode sobredeterminar muitas coisas. E, mais do que isso, que intimida e, frequentemente, faz vergar os outros.

Note-se que este comportamento americano não é exclusivo das administrações republicanas. Com maior ou menor frontalidade, em todos os ciclos politicos de Washington houve sempre uma reserva dessa espécie de direito à “excecionalidade”. Se o “outro lado” geopolítico do mundo nunca aceitou este autoproclamado estatuto, os aliados ocidentais, temerosos e dependentes, foram-se quase sempre acomodando a este “poder de facto”. 

Apesar desta sua prática, Washington nunca abandonou, sobre o seu compromisso perante o mundo multilateral, uma retórica discursiva de adesão teórica aos seus princípios. E a retórica, mesmo hipócrita, é sempre reveladora da existência de alguma saudável vergonha.

Isso, agora, parece ter acabado. A primeira declaração da nova embaixadora americana nas Nações Unidas é um atestado de rejeição frontal dos fundamentos por que se rege a comunidade internacional. A nóvel diplomata deixou claro que está ali para fazer prevalecer a vontade dos EUA na a ONU, e que “tomará nota dos nomes” dos países aliados que a tal se oponham. E outros sinais já surgiram, entretanto, denunciando que a cartada financeira será usada para condicionar o funcionamento futuro das várias estruturas da organização.

Podemos imaginar a magnitude da tarefa que aguarda António Guterres num contexto como este. Só lhe podemos desejar sorte, porque coragem sabemos que nunca lhe faltará.   

quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Irresponsabilidade

Espero que o Estado português encontre meios para poder ressarcir-se das despesas em que incorre quando lança operações de salvamento para o bando de irresponsáveis que vai para desportos no mar, em tempo de tempestade, ou arriscam passear ou fotografar em zonas proibidas, pondo também em risco as vidas das forças públicas encarregadas do seu resgate.

Sucedâneos

Hoje, em mais um grande texto no Diário de Notícias, Ferreira Fernandes lembra o filme de Elia Kazan, "America, América", a célebre expressão do imigrante ao chegar à vista de Manhattan.

Uma noite, em Nova Iorque, fui convidado para um jantar com a mulher de Elia Kazan, inglesa, a qual, creio, estava acompanhada por uma filha. Kazan ainda era vivo, mas já não saía de casa. O jantar - espero que a minha memória me não traia - era em casa dos embaixadores turcos. Kazan nasceu em Istambul.

Eu teria tido grande curiosidade em conhecer Kazan, não apenas porque ele era um génio do cinema, mas porque teria assim o ensejo de me cruzar com alguém que havia tido um comportamento miserável, aquando do sinistro Comité das Atividades Anti-Americanas, denunciando colegas ao macartismo.

Mas Kazan não estava lá. Os convidados estavam reunidos à volta da sua mulher. Que estava ali, claramente, apenas por ser mulher de Kazan, nome que veio à baila uma única vez, numa breve referência. A ocasião era assim, manifestamente, sem objeto. Foi uma noite que recordo como algo pífia.

Vinte anos antes, em Oslo, eu havia sido convidado para jantar com um chileno, refugiado há poucos meses na Noruega. Ele era a estrela do jantar, muito por se saber que era primo da famosa secretária de Allende, a Payita.

A certo passo, dei-me conta do ridículo da situação: todos olhávamos, com alguma reverência política, para aquela figura, apenas e só pelo parentesco que tinha. (Acabaríamos por nos tornar bons amigos). O nome da Payita acabou por nunca vir à conversa.

À saída, o amigo que me levara ao jantar notou que eu não fizera quaisquer perguntas sobre a Payita. Respondi-lhe: "O que é que tu querias que eu perguntasse? Talvez: 'olha lá! E que tal era a tua prima?' " Acabámos às gargalhadas.


Isto de gente um bocado "ao lado" é como o queijo "tipo Serra"...

Dona Marisa


Marisa Letícia foi uma mulher muito bonita. Lula conheceu-a quando era dirigente sindical. Um dia, ela surgiu no seu escritório, como viúva, para tratar de uma questão relativa ao seu falecido marido. Lula confessou mais tarde que "complicou" o processo para forçá-la a ir por lá mais vezes... E casaram.

Era uma mulher simples. Mostrava-se sempre pouco à vontade no cargo de "primeira dama", cujos rituais cumpria a custo. Evitava, tanto quanto podia, ocasiões sociais e nelas, como é sempre típico de quem assim se sente, colava-se a amigos ou a quem lhe desse alguma atenção.

Era muito protetora de Lula e, em especial, uma feroz fiscalizadora dos seus abusos: "Se dona Marisa autorizasse, eu pedia uma aguardente portuguesa aqui ao nosso embaixador", recordo-me de ouvir, um dia, de Lula, num jantar oferecido na nossa residência em Brasília. E ela anuiu, sorrindo.

Marisa era ferozmente "petista" e teve a ousadia, algo irresponsável, de pedir ao jardineiro do palácio de Alvorada desenhasse no jardim, num canteiro, uma estrela de flores vermelhas, o símbolo do PT, episódio que deu algum escândalo.

Quero crer que Lula, sem dona Marisa a seu lado, sentir-se-á ainda mais fragilizado, neste tempo, político e pessoal, altamente complexo que atravessa. Para o meu amigo Luiz Inácio Lula da Silva, deixo um abraço sentido de pesar pela morte de dona Marisa.

Paris e este blogue


Faz hoje precisamente oito anos. Cheguei nessa noite a Paris, ido de Lisboa, para aquele que seria o último posto da minha carreira diplomática. A certeza da data do termo das minhas funções (à época, os diplomatas não podiam permanecer no estrangeiro depois dos 65 anos) permitia-me planear os quatro anos à minha frente com alguma calma. E, nesse dia, iniciei este blogue.

Paris havia sido uma escolha minha. Simpaticamente, tinham-me sido dadas várias outras e interessantes possibilidades em matéria de postos, mas optei pela experiência numa cidade que (pensava que) conhecia bem, com uma cultura que me era muito próxima. Paris era o sonho da minha juventude, para onde, nos anos 60, partira de Lisboa à boleia, como um muçulmano vai a Meca. A partir de então, com a periodicidade que me era possível, fui um visitante frequente da cidade. Aí viver por alguns anos não era uma hipótese que me pudesse ser indiferente. Mas, nos quatro anos que se seguiram, aprendi bem a diferença entre ser turista e residente...

Dois outros fatores me entusiasmavam. A França era um parceiro central do processo europeu e eu tinha uma especial apetência (e, vá lá, conhecimento) pela matéria, pelo que achei que tinha algumas condições para ajudar a promover os interesses portugueses, no plano europeu, junto das autoridades francesas. O segundo fator era a comunidade portuguesa, a maior no exterior. Eu vinha do Brasil, onde os portugueses residentes refletem uma realidade diferente, mas onde tinha começado a entusiasmar-me por essa fantástica aventura que era o mundo expatriado lusitano. Em ambos esses domínios iria ter excelentes experiências.

Vivi dois períodos muito diferentes, em Paris. Nos dois primeiros anos, foi tudo um pouco "business as usual". Os últimos dois anos coincidiram com os tempos da "troika", com fortíssimas restrições financeiras, com cortes drásticos nos orçamentos, salários e pessoal. Foi também um tempo de redução de estruturas consulares, de despedimento de professores que ensinavam português na comunidade.

Não foi nada fácil "representar" da mesma forma os dois tempos, tentando ser completamente leal em ambos, porque um embaixador tem de calar os estados de alma, tem como obrigação obedecer aos governos de turno, representa em última instância o Estado, de que esses governos são apenas gestores conjunturais. E é a imagem externa do Estado, isto é, do país em nome do qual atua, que importa acima de tudo preservar.

Este blogue começou, assim, há precisamente oito anos, no dia 2 de fevereiro de 2009. Sem exceção, aqui deixei, pelo menos, um texto ou uma imagem todos os dias. Às vezes, mais. Lendo-o em retrospetiva, noto nele um retrato contido, nunca oficioso mas sem nunca esquecer as funções que exercia, do modo como fui lendo a realidade desses quatro anos intensos de vida. Um retrato às vezes alegre, outras vezes sofrido. Mas sempre sincero, porque aprendi que a verdade pode dizer-se de várias maneiras. 

Em 2013, o blogue mudaria de estilo e de tom, a partir do momento em que a saída das funções oficiais me desobrigavam de alguma contenção, que até aí era natural. Alguns dos leitores não gostaram, outros apreciaram o que, para quem me conhecia, não era um "outing", mas apenas a vocalização mais livre das minhas ideias. E assim continuou, até hoje. E assim continuará, até que me canse definitivamente deste exercício.

Uma última nota. Saí de Paris há quatro anos, quase dia por dia. Sem a mais leve nostalgia. Quando por lá passo, e continuo a gostar muito da cidade, às vezes quase me esqueço de que vivi por ali. Pode parecer estranho, mas é pura verdade. E deixo um "segredo", que talvez ajude a explicar muita coisa: não há nada como viver em Portugal!

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

Avante!

Um sindicato qualquer anunciou a possibilidade de fazer uma manifestação em frente à sede do PCP para protestar contra a decisão dos comunistas de tentarem rever a legislação que entrega ao município de Lisboa os transportes coletivos da cidade.

Foi preciso vir a "geringonça" para podermos vir eventualmente a assistir a um momento inédito na história do movimento operário português: uma estrutura sindical a manifestar-se em frente à Soeiro Pereira Gomes. 

E não há nada de mais irónico de que isto aconteça no ano em que se celebra o centenário da Grande Revolução Socialista, em 1917, património histórico de que o PCP é o fiel "caretaker" em Portugal.

Avante, camaradas! 

Eutanásia

Não tenho posição sobre a questão da eutanásia. Tenho muitas dúvidas e muito menos certezas. Tenho, porém, duas certezas fortes.

A primeira é a que não quero esta discussão sujeita à demagogia de um processo referendário - esse infeliz instrumento populista onde as emoções, o "achismo" e as pressões ideológicas e irracionais têm o seu pasto preferido.

A segunda é a de que desejo que as pessoas que elejo para tomarem por mim as decisões legislativas - os deputados, o governo e o presidente da República, fiscalizados pelo Tribunal Constitucional em que ibstitucionalmente confio - recolham as melhores informações técnicas, comparem os melhores exemplos estrangeiros e, depois, decidam em consciência.

Mas, por favor, poupem-nos ao espetáculo de um processo referendário, essa infantilização caricatural da democracia. Esta é uma questão demasiado séria para ser deixada na mão de demagogos e de instituições arrebanhadoras de emoções.

Falemos da América, não de Trump


Com óbvia razão, temos concentrado a nossa atenção em Donald Trump. O primarismo caricatural de algumas das suas primeiras decisões, que não desiludiram as piores expetativas, mostra que estamos perante uma agenda radical que poucos pensavam ser possível. Mas é. E porque as coisas são o que são, e porque os Estados Unidos não são uma potência qualquer, o que é decidido em Washington tem uma importância determinante para o mundo. Tem-no para os adversários da América, como o tem para os seus amigos e aliados, como é o nosso caso.

Mas o problema, desculpem lá!, não se chama Donald Trump, chama-se Estados Unidos da América. A América não é vítima de Trump, ele não é um epifenómeno que, coitados!”, os americanos sofrem. Trump foi eleito pelos americanos, ele representa a América e é à América política – ao Congresso, aos Estados, aos nossos interlocutores institucionais, a cada diplomata americano que encontremos pelas esquinas da vida internacional – que devemos pedir responsabilidades por aquilo que Washington faz enquanto este presidente lá estiver.

Trump não está "Home alone" na Casa Branca, tudo o que fez e tudo o que vier a fazer fá-lo porque o povo e os políticos americanos o autorizaram ou o autorizam. Deixar que Trump sirva de alibi às barbaridades que a América possa vir a determinar pelo mundo nos próximos tempos é isentar de responsabilidades os congressistas que o apoiam e podem vir (ou não) a implementar a sua legislação. A América política que passar à prática as determinações do presidente não é uma vítima de Trump, é cúmplice dele. Porquê? Porque está nas mãos dessa América política não aprovar muitas das medidas que Trump decida, reverter na prática grande parte daquilo que está nas suas “executive orders”. E, no limite, “impichá-lo”, como dizem os brasileiros. Nunca esqueçamos isto.

O que se está passar por estes dias em Washington tem laivos de uma revolução, porque abala os fundamentos daquilo que nos habituáramos a ver surgir das bandas do maior país do Ocidente, impulsionador da ordem multilateral que serviu de esqueleto ao mundo contemporâneo, assente numa cultura de valores que haviam funcionado como importante referente ético-político, base, aliás, do  "soft-power" em matéria de valores que fazia parte do nosso proselitismo democrático e de Direitos Humanos.

A reboque dessa nova agenda revisionista, os EUA espalham hoje sinais que deixam dúvidas sobre a sua fidelidade essencial a alianças estruturantes da nossa segurança coletiva, introduzindo imprevisibilidade no seu futuro comportamento face a atores que, como a Rússia, se mostram hostis à preservação de um corpo de princípios que temos por básicos numa ordem global pactuada – e que os próprios EUA foram os primeiros a considerar importante preservar. O que vem sendo dito sobre as Nações Unidas, bem como a filosofia arrogante que acompanha a sua nova postura neste contexto, é de uma gravidade sem precedentes.

No Médio Oriente, caldeirão de insegurança de largo potencial, o que chega de Washington é muito perturbador, em especial ao colocar em causa, num gesto de inédita irresponsabilidade, aquilo que demorou anos a conseguir na tensão israelo-palestina: uma fórmula de sucesso limitado mas com a virtualidade de ter transformado o “status quo” num conflito de baixa intensidade.

Para a Europa, a nova agenda americana, para além dos abalos na NATO, apresenta-se como quase hostil. Se a rejeição do TTIP é uma reversão séria mas admissível como opção nacional (do lado europeu também haveria problemas e uma potencial administração Clinton não dava garantias plenas neste domínio), o aplauso ao Brexit, o estímulo agressivo à sua futura reprodução e a mensagem negativa sobre o futuro do euro constituem a mais frontal bofetada que os EUA alguma vez deram nos seus mais fiéis aliados à escala global. A América que estimulava a unidade europeia, e que forçou o acolhimento no seu seio dos países libertos da tutela de Moscovo, desapareceu, pelo menos por ora.

Às perspetivas de conflito comercial na Ásia, que acarretam riscos político-militares cujas consequência estão longe de se confinarem nas áreas de interesse americano, somam-se ainda declarações de extrema sensibilidade sobre os equilíbrios no âmbito nuclear, pela indução de dúvidas sobre a pertinência do atuais instrumentos de combate à não-proliferação.

Neste rol de recuos sobre o que havia sido consensualizado – que o foi, as mais das vezes, sob impulso americano, o que é ainda mais irónico – destacam-se ainda atos e declarações detrimentais para marcos civilizacionais como os acordos climáticos, que põem em causa entendimentos laboriosamente conseguidos, libertando os infratores internacionais do isolamento constrangente a que haviam sido acantonados.

Quase que custa dizer que restamas questões migratórias, acompanhadas por um discurso estigmatizante e discriminatório, que nos faz recuar décadas, ou declarações fora de qualquer classificação sobre a legitimidade da tortura e de outros comportamento dignos de tempos de barbárie.

Fica aliás a sensação de que agora, no domínio dos princípios, já nada está adquirido, tudo pode voltar atrás – um movimento relativizador cuja gravidade pode ser medida pelo modo eufórico como algum extremismo internacional está a acolher esta nova agenda. E Europa, palco de tensões políticas onde estas preocupações estão muito ancoradas, e que contou em tempos com outra América para limitar a sua expansão, será a primeira vítima deste desvario.

Volto ao que disse. Esqueçamos Trump. Falemos da América e das ações do seu novo presidente. Mas, a partir de agora, não libertemos os Estados Unidos das suas responsabilidades por via de um voyeurisme” divertido sobre a figura patética que os americanos escolheram para os representar.

(Artigo hoje no "Público")

terça-feira, janeiro 31, 2017

François Fillon


François Fillon foi primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy, durante os cinco anos de mandato deste. O presidente não teve razões de queixa deste homem discreto que, bem pelo contrário, sofreu constantes humilhações por parte do hiperativo chefe do Estado francês. 

Fillon surgiu na política sob a asa de Philippe Séguin, um gaullista "social", soberanista e antieuropeu - e poucos já recordam que Fillon esteve ao lado do "non" no referendo a Maastricht. A deriva contra a Europa desapareceu do seu discurso, mas igualmente dele sumiu a dimensão social. 

Fillon tentou explorar o filão da direita pura-e-dura decente, isto é, um conservadorismo radical, com raízes ideológicas numa democracia-cristã (que, em França, nunca gerou um partido com futuro) que o choque com alguma liberalidade fraturante de costumes e com a recusa ativa do multiculturalismo tem vindo a fazer crescer. Escrevi "decente" porque, ao contrário do oportunismo de Sarkozy, Fillon cuidou sempre em colocar uma barreira entre si e o Front National. (Basta lembrar a sua recusa do obsceno "ni-ni" - "ni FN, ni PS" - que alguma direita seguiu, quando teve de optar entre a extrema-direita e os socialistas, na segunda volta das legislativas, quebrando a regra "republicana" que, por exemplo, havia levado Chirac ao poder).

Depois da saga da disputa pela liderança do partido da direita (e Fillon, significativamente, tem assumido essa marca política com frontalidade), surpreendeu ao surgir como o vencedor das primárias desse setor, derrotando Alain Juppé (e, sem surpresa, Sarkozy, de quem a França está mais do que farta), um gaullista que garantia com facilidade o voto de muita esquerda, numa segunda volta presidencial contra Marine Le Pen. A imagem gasta e algo arrogante de Juppé tê-lo-á feito perder o "appeal" face a um Fillon mais moderno. Tudo parecia indicar que bastava Fillon surgir como a barreira a Le Pen para que o tapete vermelho de acesso ao Eliseu começasse a ser desenrolado.

Só que a vida traz surpresas, ao virar da curva. Ao adotar um discurso "mãos limpas", que jogava bem com o sentimento de uma França cansada dos "affaires" de interesses, que marcam historicamente a sua vida política, Fillon colocou-se a jeito perante qualquer deslize pessoal nesse âmbito. E ele surgiu, com revelações comprometedoras de nepotismo com dinheiros públicos, numa sucessão de trapalhadas que pode vir a afetar as suas ambições presidenciais. Os últimos dias não têm sido fáceis para Fillon, a quem se está a aplicar a sugestiva imagem aeronáutica cunhada por Jacques Chirac: "Les emmerdes, ça vole toujours en escadrille..."

José Fernandes Fafe


Os diplomatas que investem a sua vida numa longa e exigente carreira que, apenas para alguns, culmina na ascensão à chefia de uma missão, com a categoria de embaixador, não veem com muito bons olhos, e julgo que compreensivelmente, a nomeação de embaixadores "políticos". Estes foram em algum significativo número no passado, em especial após a Revolução de abril, sendo que, nos tempos mais recentes, a frequência desse tipo de nomeações caiu muito e ficou centrada em lugares de perfil mais especializado. Hoje, não há mesmo nenhum. Mas, para sermos honestos, há que dizer que algumas dessas personalidades exteriores que passaram pela carreira - na minha pessoal opinião, apenas uma muito pequena minoria - constituiram-se como um real valor acrescentado para o serviço diplomático.

Há um nome de um embaixador "político", que sempre mereceu o meu maior respeito, uma figura moral e um grande homem de cultura, cuja ação diplomática trouxe um evidente contributo para a defesa e promoção dos interesses de Portugal, nos quatro postos onde desempenhou funções. O seu nome é José Fernandes Fafe.

Precisamente no dia de hoje, alegre data republicana, José Fernandes Fafe completa a bela idade de 90 anos. Tenho pena que me não seja possível dar-lhe um abraço nesta ocasião. Mas faço-o por esta via. E vou contar uma história leve com ele ocorrida em Angola.

Estávamos na primeira metade dos anos 80. Chefiava a nossa missão em Luanda José Stichini Vilela, como encarregado de negócios, no intervalo entre dois embaixadores. Fernandes Fafe deslocara-se a Angola, vindo de S. Tomé, na qualidade de embaixador itinerante para os países lusófonos, acompanhado do professor Luís Filipe Lindley Cintra, outra magnífica figura da cultura portuguesa, para contactos no âmbito universitário.

Stichini Vilela convidou, naturalmente, Fafe e Cintra para jantar, na véspera do seu regresso a Lisboa. Foi para todos os presentes uma conversa com imenso interesse, com dois interlocutores extraordinários, duas personalidades serenas e complementares, que muito nos enriqueceram, num tempo em que, em Luanda, se vivia algum isolamento. Despedimo-nos dos convidados, depois do jantar, desejando-lhes boa viagem para Portugal.

No dia seguinte, fomos informados que o único voo diário da TAP para Lisboa havia sido suspenso e que os visitantes teriam de ficar mais uma noite no hotel. O então cônsul-geral português, Fernando Andresen Guimarães, tomou a iniciativa de organizar um novo jantar em sua casa, incluindo os convivas da noite anterior. Nova noitada de "bom papo", como dizem os brasileiros, e nova despedida coletiva a Fernandes Fafe e Lindley Cintra.

A grande surpresa viria na manhã subsequente. Afinal, também nesse dia, por uma qualquer razão técnica, o voo da TAP não se realizaria. Eu era então primeiro-secretário da Embaixada e, com gosto, propus-me fazer em minha casa um terceiro jantar aos nossos visitantes. Recordo-me que foi uma noite igualmente agradável, finda a qual brincámos com a possibilidade do voo também não ter lugar no dia seguinte. 

À despedida, Fernandes Fafe voltou-se para aqueles que haviam sido os seus sucessivos anfitriões e perguntou: "Os meus amigos gostam de Raymond Chandler?". Julgo que todos dissemos que sim, no meu caso porque fui um fanático da literatura policial. "E estas três noites não lhes fazem lembrar Chandler?". Ficámos perplexos, sem resposta, não percebendo onde queria chegar com a questão. Com um sorriso, Fernandes Fafe acrescentou: "então não se lembram do livro dele, do "The long goodbye" ("O longo adeus?")?

Longa vida, querido embaixador José Fernandes Fafe!

segunda-feira, janeiro 30, 2017

A nova banha-da-cobra

Há atualmente uma estação de rádio que, pelo tipo de música que passa, deve ser escutada por imensas pessoas idosas. Quer em música portuguesa, quer em antigos êxitos estrangeiros, é um fartote de nostalgia, para quem estiver para aí virado. Até aí, tudo bem. Cada um ouve o que gosta e é até excelente que uma camada etária mais avançada possa encontrar as sonoridades que aprecia.

Só que idade rima frequentemente com doenças e padecimentos vários. E se a isso somarmos alguma falta de "instrução" (que belo era este termo antigo, do tempo da "lavoura" do dr. Paulo Portas) e cultura, estará criado o ambiente propício para que a fragilidade destas pessoas possa ser explorada por mensagens enganosas.

Nessa tal rádio para a "terceira idade" (também já não se diz, não é? Agora é "seniores" que se convencionou chamar a quantos são simplesmente velhos), ouvi há dias uma das mais obcenas propagandas a uma milagrosa mezinha. Juntando depoimentos obtidos sabe-se lá como, os "senhores óvintes" ficam a saber que esse produto pode ter efeitos positivos do cancro à hipertensão, dos diabetes ao colesterol.

É simplesmente arrepiante constatar que é permitido difundir publicidade enganosa desta forma, creio que com o clássico "se telefonar no prazo de uma hora, receberá dois pagando só um". É uma imensa fraude, que recorda os cobertores e os tacho dos vendedores da banha-da-cobra - esse histórico unguento milagroso, que "curou" gerações de papalvos.

Não há instâncias oficiais que ponham cobro a isto? E o Infarmed? Não há associações médicas que desmascarem esta fraude? E onde anda a Deco, de que sou sócio, perante este escândalo?

domingo, janeiro 29, 2017

Ai Carmela!


As ideias são como as cerejas. Ao ler, há pouco, um comentário de Jaime Nogueira Pinto sobre Carmen Franco (a detestada Carmela), mulher de Francisco Franco, no seu livro sobre cinco ditadores europeus, veio-me à memória um dia, há uns anos, em que entrei numa casa de venda de CD nas Ramblas, em Barcelona.

Andava então à procura de canções da Guerra Civil espanhola, entre as quais versões da famosa "Ai, Carmela", mas também era comprador de cânticos fascistas, embora tivesse já diversos "Cara al sol!", "El camarada" e "Falangista soy!"

(Aos saudosos das ditaduras ibéricas, recomendo irem almoçar à marisqueira "Casa Olga", em La Guardia, na Galiza, onde a dona trauteia pelas mesas o hino franquista "Cara al sol". Por contraste, faz-me lembrar a "roja" mulher espanhola do Gil, comunista dono da "Casa dos Frangos", em Colares, que, nos tempos da outra senhora, cantarolava o "Ai Carmela!" quando passava junto de mesas com gente "de confiança")

Coleciono músicas ligadas à história revolucionária (e reacionária). Meses antes, em Milão, com a ajuda da minha colega Josefina Carvalho, havia descoberto algumas preciosidades do cancioneiro popular do fascismo italiano, que complementavam lindamente uma coletânea de sinal contrário que adquirira antes em Roma (com o magnífico "Bandera Rossa" em destaque). O João Lima Pimentel nunca me copiou umas coisas germânicas "hard" de que é orgulhoso possuidor, e que eu prometi trocar por excelente coros do Exército soviético com que, por vezes, me delicio. Em Paris, guardei muita canção da Resistência, embora tenha ficado com a sensação de que Pétain, Laval e o pessoal de Vichy não foram muito inspiradores neste domínio. Cá por Portugal, tenho uma coleção (que acho) imbatível das canções do 25 de abril e, claro, toda a parafernália dos hinos do tempo do Estado Novo, do "Hino da Mocidade" ao "Angola é nossa".

Mas voltemos às Ramblas. A casa de discos não era muito grande (é ou era à direita de quem desce), mas, por qualquer razão, talvez porque nenhum lugar de Barcelona é mais icónico (palavra que, com "viral", está conjunturalmente em moda) quando se fala do conflito fratricida que (até hoje) dividiu a Espanha, achei adequado fazer a compra naquela avenida. Caramba! Para um ex-sonhador como eu, ainda por ali passava o Orwell (não o do "1984", tão popular nas últimas horas, mas o da "Homenagem à Catalunha").

O rapaz que me atendeu tinha ar de ter nascido já depois de Franco ter mandado assassinar o catalão Puig Antich pelo garrote.

- Tem músicas da Guerra Civil?

O tipo olhou para mim com estranheza.

- De quê?

- Da Guerra Civil? Dos que eram contra Franco. E também dos fascistas.

Voltou-se e, num catalão compreensível, sintetizou a minha pergunta para o compartimento das traseiras, com ar de quem estava a falar de coisas de Marte (e estava, sem o saber, numa perspetiva romana). Dali saiu um cavalheiro, com uma década a menos do que eu na idade, com um fácies fechado.

- Já não temos dessas coisas.

- "Já"? Quer dizer que já teve?

O homem sorriu um pouco, mas não muito.

- A música agora é outra.

Até hoje fiquei sem perceber se era legítimo ter feito uma leitura não linear da frase.

("For the record", consegui depois, noutro local, o que queria. E ainda há pouco ouvi, com perdão dos ouvidos/olhos mais sensíveis: "La mujer de Paco Franco/No cocina con carbón/Pues cocina con los cuernos/de su marido el cabrón/ai Carmela! ai Carmela!") 

sexta-feira, janeiro 27, 2017

Não estamos com gente disso!


Esqueçamos por um instante Donald Trump. Falemos dos Estados Unidos da América que aí estão e dos novos desafios que eles colocam à Europa.

A América amiga (e historicamente promotora) da unidade europeia desapareceu, por ora, do horizonte. Todos nos recordamos do tempo em que Washington era o grande defensor do alargamento da União aos países que se haviam libertado da tutela soviética – e até da Turquia. Agora, temos perante nós uma administração que se regozija com o Brexit, que pretende mesmo que o exemplo floresça e que acaba de designar como representante diplomático em Bruxelas alguém que acha que o euro acabará em 18 meses. No topo da cereja, temos o abandono frontal do TTIP, numa colagem aos inimigos do comércio livre e a quantos favorecem uma nova onda protecionista, lida como a defesa possível face aos malefícios da globalização.

Um outro desafio não deixa de ser também altamente relevante. A Europa mostrou um evidente seguidismo face à anterior administração americana no que respeita ao seu relacionamento com a Rússia. Foi Washington quem mais entusiasmou os seus aliados europeus – excitando mesmo o sentimento anti-Moscovo da « nova Europa » traumatizada pela Guerra Fria – na irresponsável aventura de forçar uma mudança na Ucrânia, onde conseguiu fazer depor um presidente livremente eleito, apenas e só porque era pró-russo e não facilitava um desequilíbrio estratégico do país em favor do Ocidente. A Europa deixou-se arrastar nesse aventureirismo e, com isso, suscitou uma reação estratégica por parte de Moscovo que, para já, fez perder a Crimeia à Ucrânia. Em contra-retaliação, a União Europeia decretou sanções económicas contra a Rússia, que vieram agravar ainda mais a recuperação dos seus setores que, no pós Guerra Fria, tinham vindo a conquistar importantes segmentos de mercado russo.

Ora, neste novo contexto, a América parece, pelo menos nos primeiros tempos, privilegiar um diálogo estratégico com Moscovo, visivelmente com vista a desengajar-se, tão cedo quanto possível, de responsabilidades militares no Médio Oriente, facilitando a emergência de um tandem Moscovo-Ancara para combate simultâneo ao Daech e aos inimigos do poder sírio. Como compensação estratégica, Washington reforça as « mãos livres » de Israel, numa estratégia de contenção potencial do Irão, quiçá complementado, a prazo, com a colocação do eixo sunita como um dos novos elementos de poder regional.

Onde fica a Europa, neste puzzle? Para já, em sítio nenhum, a ler bem as posições de Washington. Uma coisa é certa : este « namoro » americano com Moscovo é desconcertante para o investimento feito pela União Europeia no caso ucraniano, e basta ler as parcas reações desse lado da Europa para o sentir.

E chegamos a um outro e decisivo desafio. Poder europeu desde a Segunda Guerra mundial, os EUA criaram a NATO como escudo de defesa desta parte do mundo face à então ameaça soviética. Ganharam, entretanto, a Guerra Fria e, simultaneamente, impuseram o alargamento da organização, criando uma confortável « buffer zone » face a Moscovo, em particular para um país como a Alemanha. No seu afã de afirmação hegemónica, nunca tendo conseguido gizar um modus vivendi são com a nova Rússia, os americanos levaram a NATO longe demais, cederam às pretensões quase revanchistas dos recém-convertidos e foram criando um “build-up” de tensão militar que roça a irresponsabilidade, em particular sabendo-se que, do outro lado, está um poder autoritário, sob desespero económico, que assenta toda a sua nostalgia de grande potência no seu arsenal militar.

Aqui chegados, o que é que ouvimos da nova América? Que a NATO está obsoleta, que cada um deve pagar a sua defesa e que os EUA não estão dispostos a gastar o seu dinheiro na defesa dos outros. Seria necessária uma imaginação muito forte para conseguir desenhar um discurso que pudesse fazer sorrir mais Moscovo.

Será a Europa capaz de aproveitar este contexto desfavorável para ganhar alguma autonomia estratégica, reforçando-se como poder autónomo, no desenho das suas opções próprias? Como dizia um velho amigo meu, quando descria na capacidade dos outros para qualquer coisa, “não estamos com gente disso”. É, pelo menos, o que eu penso.

... e logo se vai ver!

Ver aqui .