As eleições primárias em França, cuja resultante final deverá conduzir à seleção de François Fillon como candidato da direita democrática às eleições presidenciais de 2017, mostraram um país que parece propenso a retomar uma agenda conservadora.
A experiência socialista, inaugurada por François Hollande, não vai deixar uma marca muito impressiva, quer na história do país, quer na da esquerda europeia. Com grande probabilidade, Hollande não será reeleito e, ao que tudo indica, arrastará consigo, nesta impossibilidade, os candidatos que emergirem na sua área política.
O seu quinquénio, contudo, parecia ter-se iniciado de forma interessante. Um discurso de tons realistas dava ares de poder reconduzir os socialistas franceses a uma agenda « possibilista », afastando-se de um tropismo radical que, depois da experiência de Lionel Jospin, tomara conta do discurso do partido. Os socialistas franceses, quiçá por terem parado no tempo na contemplação nostálgica do período Mitterrand, mantinham uma leitura mítica da realidade, de que as « 35 horas » e a generosidade do « 60 anos » para as reformas eram as bandeiras mais patentes. A esquerda francesa, por escolha ideológica, obstinava-se em não olhar de frente os tempos e isso refletira-se na sua inelegibilidade.
Curiosamente, acabaria por ser uma figura cinzenta, que tinha em bonomia o que lhe faltava em carisma, quem aproveitou o cansaço que Sarkozy induzira no país e, « furando » por entre as visões contrastantes de outros candidatos, se conseguiu impor. Hollande, o « presidente normal » mas improvável, recuperou alguns clichés caros à retórica do socialismo francês, como foi o caso do combate « à finança », credibilizado pelas culpas desta na crise económica que se vivia, bem como a diabolização das « grandes fortunas », a que juntou algumas notas de pragmatismo que pensava poderem combater o declínio económico relativo da França.
O resultado não foi brilhante, porque os sinais transmitidos resultaram contraditórios e, muito em particular, não conseguiram projetar uma imagem de autoridade política que, naquele país, está sempre indissociavelmente ligada a qualquer mandato presidencial com sucesso. As constantes mudanças no governo, que atingiram máximos históricos, criaram uma perceção de desnorte e incoerência. No plano europeu, Hollande não conseguiu o que o estilo Sarkozy havia obtido: uma sensação coreográfica de paridade simbólica com Angela Merkel. A França de Hollande, à semelhança do seu presidente, tornou-se « normal », ou talvez mesmo banal. E isso não fez bem a um país que tem o ego da Torre Eiffel.
Às trapalhadas pessoais descredibilizantes em que Hollande se envolveu somou-se uma realidade económico-social que evoluiu de forma muito desfavorável. A economia francesa não foi sensível aos hesitantes e pouco coerentes estímulos dados pelo governo e as tensões sociais, com a onda de insegurança provocada pelo terrorismo e por um crescente questionamento identitário, colocaram a França em contra-ciclo com os socialistas. Salvo uma imensa surpresa, o próximo ciclo político vai pertencer à direita. Resta saber qual.
Sarkozy, com naturalidade, tentou o « remake ». O país mostrou estar cansado definitivamente da figura e do seu estilo e, muito provavelmente, do oportunismo que consistiu tentar mimetizar, com credenciais democráticas, o discurso de Marine le Pen. A olhar pelos números das eleições primárias, François Fillon e Alain Juppé terão revelado maior autenticidade. O segundo, muito provavelmente, pagou o preço da assunção de um discurso em que procurou fazer uma « ponte » entre visões diferentes, procurando alargar a sua base potencial de apoio a setores fora da direita tradicional, na lógica de que um candidato desse setor que, em 2017, venha a disputar uma segunda volta nas presidenciais com Marine le Pen, terá de contar com os eleitores da esquerda. Este calculismo não passou. François Fillon será, assim o candidato da direita democrática francesa, em 2017. Curiosamente, um candidato quase tão « normal » como Hollande o foi em 2012.