Qualquer que venha a ser o desfecho do braço-de-ferro entre a Grécia e os instituições europeias, a reunião de ontem do Eurogrupo (o grupo dos países UE que adotaram o euro) ficará na pequena história europeia por um episódio interessante.
O comissário francês Pierre Moscovici terá apresentado ao ministro grego das Finanças um texto de compromisso, cujo conteúdo foi agora divulgado. Trata-se de um documento muito bem construído em que é feita menção à difícil situação económico-social que a Grécia atravessa, reconhecimento que sempre pareceu, a muitos observadores, essencial para que Atenas pudesse vir a aceitar outras medidas. Numa lógica muito própria dos compromissos europeus, o texto "trabalhava" semanticamente algumas questões delicadas, sem, no essencial, mudar radicalmente as posições de ambas as partes. Era como um salvar de face que poderia abrir a porta a algum acordo.
Subitamente, ao que agora se sabe, o presidente do Eurogrupo, fez retirar de discussão o documento que Moscovici apresentara a Varoufakis e regressou à linguagem mais dura que o Eurogrupo já avançara na reunião da passada semana. Para Moscovici, a humilhação terá sido dupla: teve de recuar perante o ministro grego, dando o dito por não dito, e teve de ser ele próprio, na conferência de imprensa final, a dizer a frase mais dura que a UE disse à Grécia: que nada podia ser aceite que não representasse uma "extensão" do programa - precisamente a frase que os gregos não queriam ver utilizada.
O que se terá passado nos corredores de Bruxelas? Que sombra imperativa se terá projetado nas negociações? A história o dirá um dia.
18 comentários:
Deutsche Uber Alles é provavelmente o que se terá passado.
Tudo a caminhar alegremente para um abismo qualquer, uns caem de mais alto, outros de mais baixo. Encontrar-se-ão, talvez, noutro dia para mais algumas alegrias.
O que se terá passado? O senhor sabe a resposta: Schäuble!
o que me parece fascinante é este regresso da polarização direita-esquerda, e a galope... muitos na direita sentem-se/sentiam-se inconfortáveis com essa dicotomia (" termos como esquerda e direita já não fazem sentido" e disparates afins) mas agora é a esquerda que parece querer "superar' essa realidade apelando a uma argumentação sobre a Grécia dos homens de boa vontade, consensual, humanitária até... dito de forma mais directa: Moscovici é da esquerda ,não é um comissário neutro para além da dicotomia... Sclaube claro que é alemão mas não é esse o ponto...
Muito bom. Deduções de Poirot comparadas com esta análise são obscurantismo. Tudo isto por causa de pouco mais que "pocket money", uns trocados. Mas...
Será que com este episódio, em análise semântica, a elite política pró-Europa / Euro estará sim interessada em rever, já, "membershipes".
Será?. Afinal seria perder um excelente pretexto para conseguir recriar, reajustar, o clube.
A Grécia (e outros que tais) definitivamente "are not one of us", ou melhor: "sind nicht einer von uns".
Uma saída "voluntária" da Grécia aparece como uma soberana ocasião (no pun intended) e, semânticamente falando, redefinção da "€urozona", agora que os mercados do Sul já forão bem gemifrados (só dão despesa) e há muito poder de compra a conquistar lá para os Orientes....
O que se terá passado?
Na reunião do Conselho viu-se Passos Coelho a caminhar ao lado de Merkel e ligeiramente inclinado para ela, com ar de exigência, enquanto ela avançava rapidamente com cara de poucos amigos.
Será que...?!
O que não percebo é porque é que a Comissão meteu a foice na seara do Eurogrupo. Parece-me voluntarismo fora de sítio.
Um bocadinho de respeito pelas competências de cada órgão é o mínimo que se pede.
Caro Zuricher: informe-se melhor. Tal como o presidente do BCE e o presidente do Grupo de Trabalho do Eurogrupo, o Comissário dos Assuntos Económicos e Monetários estão presentes no Eurogrupo. Lia as regras
Caro Embaixador, sei que estão presentes. Aliás, Moscovici estava lá. Mas em que qualidade estão presentes? Decisores? Voto igual ao dos outros? Ou observadores?
É por estas e por outras que a abstenção nas eleições é cada vez maior em todos os Países.
É por esta e por outras que estão a aparecer cada vez Partidos mais radicais e com grande aceitação junto das populações.
Os blocos centrais dos vários Países ou mudam de registo ou vai haver muitos Syrizas, Podemos e FN espalhadas por aí.
Era urgente estancar qualquer hipótese de sucesso grego, mesmo que aparente. Os povos irresponsáveis do Sul da Europa devem ser postos em sentido, não vão ter a tentação de querer ter voz nos destinos da UE. Nós por cá, por enquanto, vamos fazendo o papel de bem comportados. À custa de tanto sofrimento... mas isso não importa...
David Caldeira
Seria útil, com toda a probabilidade, reler ou voltar a estudar "Studien über die Deutschen" de Norbert Elias! Há coisas dos alemães e sobre os alemães que foram minuciosamente e cirurgicamente estudadas por um alemão, que nos explicam muito do que vimos no passado e que se prolongam até à data. Recomendo!!! Isto para além do "Processo civilizacional" do mesmo autor, obviamente.
" Subitamente, ao que agora se sabe, o presidente do Eurogrupo, fez retirar da discussão o documento que Moscovici apresentara a Varoufakis e regressou à linguagem mais dura que o Eurogrupo já avançara na reunião da passada semana".
Pois é, mas o facto de o COM FR ter dito à Grécia que ela teria de aceitar algo que correspondesse a uma "extensão" do programa, faz adivinhar uma estratégia concertada PRES COM/EM no sentido de obrigar a GR a aceitar o que não pode anunciar, a seco, em Atenas.
O que se terá passado nos corredores de Bruxelas?
Muito provavelmente o que se terá passado foi uma acção concertada entre o COM FR Moscovici e o PRES EUROGRUPO, no sentido de fazer a GR aceitar a proposta COM e a que seguramente teria aposto reservas, se ela tivesse continuado em cima da mesa naquele dia.
Nas negociações da UE isto é um clássico: apresentar o insustentável como linha de compromisso e, depois de o adversário recuar, oferecer um
" second best" que, aos seus olhos, até parece melhor do que no impacto inicial. E assim, em Atenas, Tsipras pode convencer os seus eleitores de que foi ele que conseguiu que a UE recuasse para essa proposta que, recordo, Varoufakis, anda a dizer há 3 dias que a GR podia assinar.
As coisas são mais simples do que parecem.
Veremos se na 6ªf não haverá um acordo, uma extensão do programa, a continuação da austeridade, tudo sob a capa de uma semântica nova.
Tudo vai acabar bem Senhor Embaixador, apoiado nessa "ambiguidade criativa" que há muito substituiu os "murros na mesa" que acabaram em "tropas no terreno".
O Senhor David Caldeira tem um humor decapante !!!! E tem razão, quando escreve , às 11:01 :: " Nós por cá, por enquanto, vamos fazendo o papel de bem comportados. À custa de tanto sofrimento... mas isso não importa..."
BEM COMPORTADOS :
No mesmo dia em que a Grécia recebeu o não do Eurogrupo, Portugal recebeu um sim. A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, foi a Bruxelas pedir o aval da zona euro à ideia do Governo de reembolsar antecipadamente o empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI). No final, a economia nacional foi muito elogiada, quer pelos parceiros europeus, quer pelo Fundo, e acabou por ser um exemplo do sucesso da austeridade.
SOFRIMENTO:
Alguns funcionários do Consulado Geral de Portugal em Londres pediram apoio social do Governo britânico porque o salário que recebem é considerado demasiado baixo para poderem subsistir na capital do Reino Unido.
Um funcionário, que pediu para manter o anonimato, disse à agência Lusa que o pedido que fez no ano passado "foi aceite automaticamente" porque as autoridades britânicas reconheceram as dificuldades e atribuíram-lhe um subsídio para pagamento da renda de alojamento. Do ordenado, que ronda as mil libras [cerca de 1350 euros] por mês, queixa-se este funcionário, não resta nada ao fim do mês depois de pagar o T1 que divide com um amigo, transportes e alimentação na cidade com um dos mais elevados custos de vida do mundo.
A maior cobardia consiste a demonstrar o seu força sobre a fraqueza de outrem.
assinado :) Um PM de algures.
Ao Senhor Joaquim Silva Rodrigues
Tinha lido Norbert Elias. Creio que é um autor que é perfeitamente actual , quando se constata a frequência com a qual se chama Deus para ajudar a justificar a guerra por todo o lado.
E não são só os islamistas! E se nos cintos dos SS o "Got Mit Uns" já existia quando exterminavam industrialmente os Judeus, creio bem que os tempos se aproximam em que o "choque das civilizações" será considerado cada vez mais realista e plausível nas relações internacionais.
A reacção contra o laicismo , o comunitarismo que se instala, como porta de saída para as tensões entre etnias e religiões , deixa prefigurar uma espécie de des-civilização da sociedade.
Tem razão: é preciso reler o autor.
De Freitas por favor informe-se melhor. Os cintos das SS diziam " Meine Ehere Heisst Treue", os do exército é que diziam "Gott Mit Uns", uma tradição que já vinha dos tempos da monarquia.
Para as SS Deus não existia e tinha de ser destruído.
O actual Governo grego tem de deixar de lado a demagogia e as promessas que não pode cumprir, pois não tem dinheiro para isso.
O estilo do seu novo Minitro das Finanças é de uma arrogância impressionante. Vamos ver onde isto leva a Grécia e a Europa.
Ao anónimo de 18 de fevereiro de 2015 às 20:09 :
Desculpe, tem toda a razão: Sabia-o mas confundi a Whermacht com os SS. Muito obrigado.
J. de Freitas
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