quarta-feira, agosto 11, 2010

Humberto Delgado (2)

Há dias, falei aqui de Humberto Delgado. Tinha comigo, desde há mais de um ano, o livro "Humberto Delgado - biografia do general sem medo", de Frederico Delgado Rosa. Não o tinha lido, à espera de tempo para um trabalho de mais de 1300 páginas. O autor é neto do general e, por regra, mantenho sempre uma grande desconfiança no rigor deste tipo de obras, quando há relações familiares entre biógrafo e biografado. 

Numa conversa recente, Artur Santos Silva recomendou-me que lesse o livro. Não perdi o meu tempo, mas igualmente confirmei algumas das minhas preocupações.

O livro é, de longe!, a mais bem informada obra existente sobre Humberto Delgado - e julgo ter lido  muito de quanto se escreveu sobre o general. A recolha informativa é excelente, servida, aliás, por uma muito boa escrita. Apesar da sua extensão, o livro lê-se como um romance.

Mas há um "mas": o texto é manifestamente "biased", às vezes a roçar o hagiográfico, tomando sistematicamente por más as posições de todos quantos - no regime ou na oposição - se opuseram frontalmente a Delgado, às suas ideias e às suas propostas, assumido estas como quase indiscutíveis. O modo cruel como são tratadas algumas das personalidades portuguesas da oposição ao salazarismo, no exílio no Brasil ou na Argélia, diabolizando-as e crismando-as de uma forma que se aproxima da abordagem feita em obras desprezáveis, desvalorizam desnecessariamente este trabalho, o qual, nem por isso, deixa de ser de grande mérito e de constituir um apoio historiográfico da maior valia. Cuja leitura, recomendo, claro.

6 comentários:

Anónimo disse...

Então poderemos encontrar-nos também com uma versão personalizada do
"Quem há-de gabar o avô senão o Neto" sem contemplações...

Comodamente vou ficar pelo Seu Abstract... Até que gosto de auferir de conhecimento muito mais sustentado que o Meu, só porque não se nega a evidência, e nem sempre sigo as sugestões, mil e tal páginas, ainda nem acabei o Roberto o Bolano,de qualquer forma acho bem que faça parte do acervo das bibliotecas, isso posso empreender, e obviamente que nutro uma paixão por Humberto Delgado.
Isabel Seixas

patricio branco disse...

a sua resenha/opinião sobre a biografia de HD (embora realçando tambem aspectos positivos)é o suficiente para já não ler o livro que, infelizmente, já tinha comprado.

ECD disse...

Concordo totalmente. O lado negativo do livro é mesmo a "descrição enviesada " do ambiente oposicionista no Brasil e em Alger. Nisto, o autor seguiu de muito perto a literatura de cordel e de faca e alguidar, alguma dela patrocinada por gente de muito duvidosos pergaminhos oposicionistas.
Todavia, esta parte não deixa de ter interesse. Veio não só mais uma fez demonstrar que do que se passou, por exemplo, em Alger muito pouco está ainda esclarecido, como ainda recordar-me as apimentadas descrições dos acontecimentos feitas por Adolfo Ayala* na tertúlia do Café Le Mahieu. Ayala que acompanhou Humberto Delgado desde a Revolta de Beja e foi importante actor dos acontecimentos de Alger tinha todo o direito de não ser imparcial. Frederico Rosa, no seu papel de cientista, não! Uma mancha grave, num livro globalmente importante

Sobre os portugueses em Alger, cruzar o texto de Frederico Rosa, por exemplo, com o de Judith Manya (http://www.msh-clermont.fr/IMG/pdf/06-MANYA_51-58_.pdf) ou de Dawn Raby (http://www.jstor.org/pss/3513929)



* Adolfo Ayala (1912-1994), militante antifascista desde os anos 1930, ex-secretário de Delgado em Alger e, no exílio em Paris, durante vários anos ‘veilleur de nuit’ do Foyer Internationale de Jeunes no Boulevard Saint-Michel ; regressou a Portugal em 1974, tendo, graças a António Brotas, trabalhado como funcionário administrativo do Ministério da Educação durante vários anos.

Anónimo disse...

Não conheci os personagens da oposição referidas na obra, nem conheço os meandros dos romances de cordel referidos. O que li com muito interesse e entusiasmo (só comparável com a leitua de Afonso Henriques, esse mesmo o nosso primeiro monarca, de José Mattoso) foi essa obra em referência acerca de Humberto Delgado e o que sei, de ciência certa, é que Humberto Delgado, cujo perfil humano, político e psicológico, é de fácil apreensão através da leitura desta obra, com todos os seus defeitos, tinha uma virtude rara que não merece ser denegrida de forma alguma, nem por via do seu biógrafo/familiar (pois quem seria capaz de meter mãos a tal empresa?): CORAGEM, CORAGEM, o que tem faltado a muitos dos nossos políticos do presente e do passado recente. Espero que outras obras venham a lume para que se faça justiça a Humberto Delgado já os seus algozes, na verdade, a ela escaparam. É Portugal no seu pior!...

Anónimo disse...

Quanto ao asilo do General Delgado na Embaixada do Brasil sugerimos o livro/diário do Embaixador Álvaro Lins "Missão em Portugal"(Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1960).

Vale!

Minda disse...

Memórias de uma estudante em Paris.
Conheci o Adolfo Ayala, que foi secretário Humberto Delgado, como recepcionista do Foyer Internacional des Étudiants, no Blv St Michel perto da Sorbonne em Paris, onde eu estive alojada de 1966 a 1968 como estudante de psicologia. Ele também habitava lá e com frequência abrigava por algumas noites o que suponho seriam jovens fugidos da ditadura. Também na sala da cave do Foyer assisti a algumas sessões de debates por militantes refugiados da ditadura.
Nos piores confrontos do Maio de 68 entre estudantes e polícia. a jovem diretora do Foyer abria as portas para os estudantes que vinham correndo Boulevard abaixo fugindo às cargas policiais e logo rápidamente as fechava recusando firmemente a entrada aos polícias. Assim carregávamos almofadas e cobertores dos quartos para a cave onde eles passavam a noite para não serem presos. Ainda conservo um filme de 8 mm que fiz às escondidas nessa madrugada (11 ou 12 de Maio) nas ruas do Quartier Latin após os maiores confrontos, quando os polícias revistavam as escadas e prendiam os estudantes que encontravam por entre os destroços dos pavimentos das ruas le das barricadas de quiosques e carros incendiados; também no dia anterior a essa noite de maior "batalha", filmei as cargas policiais da varanda por cima da Farmácia da Rue Souflot (ao fundo da qual é a entrada principal da Sorbonne).

Fora da História

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