sexta-feira, novembro 18, 2016

Presidentes e reis


Leem-se por aí comentários críticos da cena em que o presidente Rebelo de Sousa conversa com a rainha britânica sobre temas leves e, muito em particular, da vénia e do beija-mão que a antecederam. Não nego a cada um tem o direito de dizer o que lhe apetecer e, no caso vertente, de aproveitar esta oportunidade "soberana" para exercitar o seu jacobinismo. 

Por mim, que também tenho esse direito, e que talvez saiba alguma coisa "da poda", gostava de deixar claro que me pareceu perfeitamente adequado o comportamento do chefe de Estado português. E, mais do que isso, não considerei que o meu feroz republicanismo tivesse ficado minimamente afetado pela cena, onde não vi a menor sujeição de um regime sufragado a uma magistratura hereditária e não eleita. Mas, enfim, eu não sou do "Podemos"...

Marcelo Rebelo de Sousa, num gesto de educação e de respeito pelas regras do protocolo, fez uma vénia ao saudar a senhora e beijou-lhe a mão. Recordo-me do "escândalo" também provocado em algumas almas, já há alguns anos, quando Obama teve uma atitude precisamente similar. O nosso presidente esteve bem no gesto. Ponto.

Quanto ao facto da conversa ter assente no pormenor das visitas da raínha a Portugal, e a circunstância de Rebelo de Sousa ter mencionado ter sido testemunha presencial das mesmas, só quem não conhece o ambiente destes encontros se pode espantar com o facto desta interlocução tratar de minudências irrelevantes. A soberana britânica não se ocupa das questões políticas, sendo, no plano dos poderes formais, aquilo que se costuma designar como "uma raínha de Inglaterra" - sendo, aliás, a própria... A evocação feita pelo presidente foi, assim, em tudo adequada, configurando uma nota de simpatia pela vetusta homóloga de um país com o qual Portugal tem uma relação histórica muito antiga. E os chefes de Estado, sejam presidentes ou reis, são isso mesmo: símbolos da continuidade do passado histórico dos respetivos países.

9 comentários:

Carlos Duarte disse...

O meu conhecimento protocolar é manifestamente fraco, mas a ver problema não vejo na conversa (que é e deve ser de circunstância, ESPECIALMENTE com câmaras a filmar), nem na vénia (com beija-mão), mas sim na primeira vénia quando entra na sala onde decorrerá a audiência. O facto da mesma ser feita em simultâneo com o membro da "royal household staff" parece-me francamente errado.

Anónimo disse...

Tenho imensa simpatia e respeito pela rainha Isabel II, uma vida inteira consagrada à representação e defesa dos interesses do Reino Unido (e não só). Contudo, o meu barrete frígio estremece quando vejo o chefe de Estado do meu país em salamaleques com um dos seus pares, como foi aquando do encontro com o papa - outra pessoa por quem tenho imensa consideração - ou agora com esta visita. Assim sendo, quanto à sua "ferocidade republicana", parece-me não passar ela de mais um tigre de papel.

La Mère Supérieure disse...

Se não fosse essa atitude do chefe do Governo Português, não teria ido. Receber grosseria dentro da própria casa, ninguém merece.

Alain Demoustier disse...

so what......

Anónimo disse...

Muito bem Senhor Embaixador.

O nosso Presidente fez o que o Protocolo manda. Nem mais, nem menos.
Não há nenhum sinal de reverência no plano político, de submissão aos ditames de uma uma monarquia, de sujeição de Portugal a outro país. Tudo isso é ridículo e só mostra um grande desconhecimento do assunto.

A generalidade das pessoas gosta de dizer coisas, sem que isso tenha algum significado que não esse mesmo: o de se dizerem coisas. e ainda bem, porque é sinal de que estamos a viver em democracia.

Agora, correspondência com a realidade, apoio nos factos, na legislação, na doutrina, na jurisprudência ou no uso consuetudinário, "está quieto ó mau", que isso era pedir muito.

josé ricardo disse...

À primeira vista, não me pareceu nada errado. Mas eu não percebo da poda. No entanto, parece-me bem que surjam estas vozes críticas, venham de onde vierem. Nestas coisas, Mário Soares há, efetivamente, só um. Por muito que Marcelo (queira) se aproxime(ar). O lado de presidente da Junta da Fundação da Casa de Bragança vem, inevitabilidade, ao de cima.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Como diz o Miguel Esteves Cardoso :

O Presidente da República foi ao Palácio de Buckingham ver a Rainha. A visita e a conversa foram registadas num vídeo de alta definição que está, por exemplo, no site do PÚBLICO.

Depois de lhe dar um beijinho na mão, o Presidente desatou a falar. Contou à Rainha que se lembrava das duas visitas de Estado que ela tinha feito a Portugal. Na primeira, em 1957, Marcelo observa: “I was a child.” A Rainha, agradecendo a referência à diferença de idade entre eles (ela tem 90 anos, ele faz 68 em Dezembro), conseguiu, sabe-se lá como, interrompê-lo e respondeu, com ironia majestática: “I’m sure you were.”

O Presidente Marcelo continuou: “In Terreiro do Paço, you know, that big square.” A Rainha, mostrando as suas boas maneiras, mas querendo também pô-lo no lugar, disse um longuíssimo “yeeeesss…” (tradução: “Não faço a mais pequena ideia do que está a falar”).

O Presidente intuiu que a Rainha já visitou muitos big squares ao longo da vida e decidiu avivar-lhe a memória: “And the carriage…” E a Rainha, entrando em royal repetition mode, num tom “Nós não acreditamos no que nos está a acontecer”, murmurou: “The carriage…”

Aí o Presidente recorreu ao rigor: “With General Craveiro Lopes…” Aí a Rainha, ouvindo o nome do grande general, deve ter sido inundada por recordações daquele dia maravilhoso à beira-Tejo.

É então que o Presidente revela tudo: “I was there, in the front row!” E a Rainha: “Were you?” Mas o Presidente Marcelo ainda não tinha terminado: “And then, in 85, I was invited for dinner on Britannia…” E a Rainha, ao lembrar-se do iate real que lhe tiraram e já tendo desistido de qualquer manobra de disuassão, limita-se a repetir: “Were you?…”

Fulminante, e sem perder uma batida, o Presidente explica: “Because I was leader of the opposition…”

Infelizmente o vídeo termina aqui, abruptamente. Se calhar a Rainha perdeu a paciência e disse ao Presidente: “Oh, do shut up, for God’s sake!” O mais provável é a Rainha ter continuado a registar a excitação de ouvir estas recordações do Presidente com mais um “Were you?”, enquanto executava a complexa manobra diplomática de andar para trás, passo a passo, até escapar do salão.

Sim a conversa foi um pouco ridícula, pela primeira vez vi Marcelo Rebelo de Sousa intimidado, nervoso e sem saber o que dizer. Foi tudo menos natural

Joaquim de Freitas disse...

Belo texto histórico do Senhor Mello Breyner ! Quando escreve: “Aí a Rainha, ouvindo o nome do grande general, deve ter sido inundada por recordações daquele dia maravilhoso à beira-Tejo.”…

Podia ir mais longe, até ao forte de São Julião da Barra, para evocar a memória doutro General Português, Gomes Freire de Andrade, enforcado por ordem do Beresford…

Também gostei desta frase: “O mais provável é a Rainha ter continuado a registar a excitação de ouvir estas recordações do Presidente com mais um “Were you?”, enquanto executava a complexa manobra diplomática de andar para trás, passo a passo, até escapar do salão.”


“complexa manobra diplomática de andar para trás, passo a passo,” .. Pudera, os Portugueses, desde o drama de Serpa Pinto, na África portuguesa, habituaram-se a andar para traz, passo a passo. Com os ingleses nunca se sabe! Podem atirar nas costas! Como fizeram!

Enfim, não perdoo ao Presidente Português de não me ter mencionado, porque aquando da primeira visita, eu também là estava, “ in the first row”, à varanda da minha casa, em Guimarães, quando veio ,com o Filipe fazer-nos uma visita!

Mas enfim, o nosso Presidente é jovem e não se recorda de tudo.

Constantino Ubaldino disse...

Sr. José Tomaz, apenas suposições! Colocando palavras na boca de sua Majestade, sem tê-las pronunciado!

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...