quarta-feira, março 30, 2011

A economia e a democracia*

A imprensa europeia tem estado particularmente atenta, nos últimos dias, à situação política portuguesa, com especial destaque para a reprovação pelo parlamento do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que desencadeou o pedido de demissão do primeiro-ministro José Sócrates.

Diversos líderes europeus, tal como muitos comentadores internacionais, abordaram a situação criada em Portugal, alguns deles emitindo juízos de valor sobre o sentido da decisão parlamentar portuguesa.

Ninguém terá dúvidas que, mais do que em qualquer outro lugar, esta questão foi e é objeto de uma elevada polémica em Portugal. Governo e oposição têm mantido um forte debate sobre as possíveis consequências do voto que não aprovou o PEC: o executivo diz que o mesmo vai no sentido das recomendações da Comissão e do Banco Central Europeu, que estava autorizado a executar, e a oposição considera que o governo ultrapassou o mandato que tinha para assumir compromissos na ordem externa. Esse debate, que não se encerrou ainda, acaba por ser o pano de fundo em que se projeta a ideia de convocação de eleições antecipadas.

Pelo modo como a opinião pública internacional tem vindo a pronunciar-se sobre este assunto, fica a sensação de que não se terá, porventura, interiorizado devidamente que o sistema europeu assenta, primeiro do que tudo, na afirmação democrática das instituições representativas dos seus Estados.

Poderá dizer-se que, algumas vezes, a racionalidade técnico-económica de algumas decisões poderia, em tese, estar isenta de desacordos de natureza nacional, que acabam por influenciar a eficácia do sistema colectivo.

É um erro pensar assim. No estádio que vivemos da construção europeia, a responsabilidade principal dos governantes continua a ser perante as instituições do seu país, que lhes concede a legitimidade para governar e tomar decisões.

Tal como, no passado, alguns tratados europeus caíram ou tiveram de ser retificados por referendos em alguns Estados, a Europa tem de aprender a viver com a diversidade dos seus modelos institucionais, com a diferente força dos seus governos na sua ordem interna e, por essa via, com os efeitos, paralisantes ou não, que certas posições nacionais possam vir a gerar sobre o processo coletivo. Isto é válido para o voto parlamentar que, em Portugal, estaria na origem da crise política, tal como aceitámos, com naturalidade, a decisão irlandesa de realizar um sufrágio, ou como agora aguardaremos o resultado do voto finlandês, com o seu impacto na aprovação do novo Mecanismo de Estabilidade.

No caso português, aconselho que se olhe menos para a árvore e um pouco mais para a floresta. Assim, devemos notar, em prioridade, que Governo e o principal partido da oposição, tendo estado em lados opostos na questão da aceitação do projeto de PEC, afirmaram, contudo, a sua comum e plena adesão às metas de redução do défice, não apenas para este ano, mas também para os próximos dois anos, sem a mais pequena divergência entre si no tocante àquilo a que Portugal se comprometeu perante as instituições internacionais. 

* Tradução do artigo que hoje publico no diário económico "Les Echos" (30.03.11). Texto original aqui ou link aqui.

Fico muito grato a Vasco Campilho pelo simpático post que publicou, a propósito deste artigo, no Albergue Espanhol.

5 comentários:

Vasco Campilho disse...

Este artigo é para mim um verdadeiro exemplo daquilo que é no actual contexto defender Portugal, na sequência daquilo que defendeu dever ser a diplomacia democrática. Está de parabéns por dar o exemplo num momento particularmente exigente para a profissão diplomática.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Este seu texto é exemplar de como pessoas com diferentes orientações ideológicas podem, afinal, compatibilizar-se, sempre que se trate de defender Portugal.
É uma pena que aqui dentro não se pense assim. Mas também é verdade que nem todos os que deviam, sabem "ouvir" e "entender"!

Helena Oneto disse...

E um prazer ler um artigo sobre a situação económica e política de Portugal que não seja negativo ou destructor. O Senhor descreveu a situação grave que atravessa o país de forma objectiva e com seriedade.

Gostei muito do texto e Vasco
Campilho.
Parabéns aos dois Senhores!

Mani Pulite disse...

PARABÉNS.VOCÊ NUNCA NOS DESILUDE.O QUE NOS UNE É A DEMOCRACIA E A LIBERDADE.DEFENDER PORTUGAL É DEFENDER A LIBERDADE E A HONESTIDADE DAS NOSSAS INSTITUIÇÕES.PENA QUE OS DIRIGENTES SOCIALISTAS QUE PARTILHAM DESTES VALORES SE CONTEM HOJE PELOS DEDOS DE UMA MÃO.

Anónimo disse...

Antídoto para o facciosismo...
Esse antídoto chama-se
Seixas da Costa

Prova de moderação no trato,
de ponderação no julgamento
e de rectidão no comportamento.

In Vasco Campilho(2011)

Subscrevo, com admiração Claro
Parabéns
Isabel Seixas

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...