domingo, fevereiro 17, 2019

Palma Carlos


Há horas, em Faro, deparei com uma avenida dedicada a Adelino da Palma Carlos. Se se perguntar quem é, muito poucos, nos dias de hoje, saberão identificar esta cara e esse nome como o primeiro chefe do governo após a Revolução de abril. 

Palma Carlos foi um advogado escolhido, aos 69 anos, para chefiar esse I Governo Provisório. Figura relevante da “barra” dos tribunais, ex-bastonário da sua profissão, tinha sido afastado de funções docentes por razões políticas e só muito mais tarde foi contratado como antigo professor da Faculdade de Direito de Lisboa. Era-lhe associada uma aura liberal. Embora lhe não fosse creditada qualquer atividade relevante contra o Estado Novo - que se sabia que o detestava, sempre sem o incomodar muito - Palma Carlos, que fora membro da Maçonaria, tinha frequentemente defendido opositores políticos da “situação”. A sua forte aceitação nos meios económicos privados terá também sido um dos fatores na base da sua escolha pelo presidente António de Spínola.

O seu percurso na política ativa ia ser muito breve. Deixar-se-ia rapidamente enredar numa tentativa de reforço do poder de Spínola (que ficou conhecido, no jargão da pequena História, como o “golpe Palma Carlos”), ao que se diz, inspirado por Sá Carneiro, o que fez com que o Movimento das Forças Armadas rapidamente retificasse o erro de “casting” e forçasse a sua substituição pelo coronel Vasco Gonçalves. Palma Carlos só voltaria a ressurgir na política muitos anos mais tarde, associado a Ramalho Eanes, na efémera aventura do Partido Renovador Democrático (PRD).

Ontem, ao ver o nome de Adelino da Palma Carlos naquela artéria da cidade onde nasceu, dei comigo a pensar que ele será, com forte certeza, a personalidade política com relevo institucional que hoje está mais esquecida, dentre todas as que surgiram nesses primeiros anos de democracia.

sábado, fevereiro 16, 2019

Caídos em tentação



A direita democrática espanhola decidiu atravessar uma linha vermelha. A fotografia que mostra os líderes do Partido Popular e do Ciudadanos, lado a lado com responsáveis do Vox, um grupo de extrema-direita ainda sem presença parlamentar, representa um tempo novo e triste da vida política na nossa imediata vizinhança. Tudo isto fora já prenunciado no anterior entendimento regional na Andaluzia, mas este “dar de mãos” a nível nacional tem um significado substancialmente diferente.

Por décadas, as forças políticas saídas da sábia transição espanhola tinham conseguido evitar a sua mistura formal com quantos propunham políticas de ódio e de discriminação, feitas da exploração dos medos e de sentimentos mesquinhos. Mas havia quem dissesse que, escondido nas catacumbas do PP, vivia sempre algum franquismo envergonhado. A verdade é que conseguir arrancar a um espanhol ”de derechas”, em conversa, uma condenação aberta de Franco e do franquismo foi sempre uma quase impossibilidade – ou então sou eu quem tem andado em estranhas companhias. 

Da trágica Guerra Civil dos anos 30 do século passado, haviam sobrado as famosas “duas Espanhas”: a vencedora e a humilhada. Franco não se havia limitado a ganhar o conflito interno, em que as atrocidades se dividiram, com “vantagem” para o seu lado. Após a guerra, efetuou uma terrível barbárie seletiva, à sombra do nacionalismo e da cruz. E isso não foi esquecido.

O caráter sinistro do regime do ditador galego conduziu a que, mesmo no auge da “realpolitik” da Guerra Fria, a sua aceitação acabasse por ser lenta. Salazar, apesar de não conseguir fazer ingressar Portugal na ONU em 1945, iria obter, pela mão da paternal Albion e pela utilidade das Lages para a América, um irónico “slot” no “mundo livre” da Nato, em 1949. Franco não. 

A Espanha, contudo, era demasiado importante, económica e estrategicamente, para que a quarentena se mantivesse. Com a recuperação económica, a benção americana e o pragmatismo europeu, somados à sua normalidade democrática sob instituições pujantes, o país regressou naturalmente ao “mainstream“ das nações. Tudo isto tendo, como pano de fundo, tensões autonómicas e um terrorismo defrontado com admirável coragem. 

Com os anos, o sistema partidário crispou-se a níveis insuspeitados, hoje com o nacionalismo centralista e os nacionalismos separatistas a confrontarem-se. Mas não deixa de ser uma má surpresa ver alguns por lá derivarem agora para o vale dos caídos em tentação anti-democrática.

quinta-feira, fevereiro 14, 2019

MFA


Hoje, estive no Instituto de Defesa Nacional, na sala onde reuniu a mítica Assembleia do MFA, em 11 de março de 1975, a recordar, com alguns “camaradas de armas” da época, como testemunhas presenciais, essa noite que mudou o curso da Revolução de abril. 

Tratou-se de um rememorar, para um documentário televisivo, esse tempo de alguma turbulência e muita esperança, onde os confrontos, felizmente, foram reconduzidos a uma decantação num regime de liberdade.

quarta-feira, fevereiro 13, 2019

O euro e nós


Fundação


Nasceu há dez anos, que ontem se comemoraram. É incontroverso que a Fundação Francisco Manuel dos Santos ganhou já um espaço próprio na sociedade portuguesa. António Barreto foi o seu primeiro presidente, seguido de Nuno Garoupa, agora de Jaime Gama. É uma estrutura leve, de gente empenhada, onde David Lopes é a alma inquieta e imaginativa que faz mexer toda a máquina. Todos os portugueses conhecem a Pordata, que nos ajuda a conhecermo-nos melhor como sociedade. Muitos de nós comprámos, lemos ou consultámos algumas das pequenas monografias em livro, ou os "Retratos" tirados a temas insuspeitados, editados nesta década pela Fundação. E aprendemos bastante com isso.

Gostava aqui de deixar um abraço a dois amigos cujo entusiasmo esteve na origem desta magnífica iniciativa: a José Soares dos Santos, o membro da família proprietária do grupo Jerónimo Martins que é diretamente responsável pela Fundação, e. muito em especial, a Alexandre Soares dos Santos, seu pai, um homem determinado, com ideias próprias e firmes, por vezes controversas, uma grande figura de empresário que me habituei a admirar e respeitar. Por estes dias, ambos têm fortes razões para estarem orgulhosos com o trabalho que a Fundação que tiveram iniciativa de lançar e apoiar.

A FFMS, com o seu impressionante património de realizações, dá uma bofetada diária a quantos, querendo iludir a importância desta iniciativa de responsabilidade social de um grupo económico central na economia portuguea (e não só), se entretêm na ironia depreciativa em torno de tudo quanto tem sucesso e prestígio.

Cair na tentação


Este é o título do artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias” e que pode ser lido aqui.

terça-feira, fevereiro 12, 2019

ADSE

A ADSE não é financiada pelos nossos impostos. É totalmente suportada pelos descontos dos funcionários públicos. Se estes viessem a ter de usar o SNS, caso a ADSE acabasse, o SNS implodiria, a prazo. 

Quem hoje usa o SNS, por não poder pagar a medicina privada, deve assim “rezar” pela sobrevivência da ADSE. Quem, estando nestas condições, por meras razões de chicana ideológica, tomar as dores dos donos dos negócios da saúde contra o Estado ou é masoquista ou ainda não percebeu nada.

segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Rio de Janeiro


Nunca percebi (para se ser percebido, no Brasil, tem de se dizer “entendi”) a geografia do Rio de Janeiro. A imbatível beleza daquela cidade tem a ver precisamente com a bizarria do seu desenho urbano, que é, também ela, uma das razões que explicam muitos dos seus problemas sociais. Quando, nas muitas idas por lá, me coube em sorte ter de me deslocar a um lugar fora dos sítios mais comuns e conhecidos, senti-me quase sempre perdido. E, porque frequentemente distraído num “bom papo” com quem me transportava, rapidamente perdia as referências mínimas de orientação. Hoje, continuo a conhecer muito mal o Rio.

Por isso, não consigo dizer, nem aproximadamente, o local da cidade onde ficava o estúdio de televisão onde, há bem mais de uma década, fui para uma conversa noturna sobre a língua portuguesa e o Acordo Ortográfico, com o linguista Evanildo Bechara e, imaginem!, Fáfá de Belém. 

Foi o Araújo, o excelente potiguar (nascido no Rio Grande do Norte) que é (ou era) o motorista do nosso consulado-geral no Rio, quem me levou. Já nem recordo como o debate decorreu, mas apenas que, à saída, notei que não havia grande pressa em que abandonássemos o local. Vi o Araújo preocupado, no hall de entrada: “É melhor esperar um pouco. Há uma confusão na vizinhança”.

“Confusão” era o “understatement” para um tiroteio intenso que, com um pouco mais de atenção, comecei a ouvir lá por fora. Não eram tiros isolados, eram disparos de metralhadora. “É bandido contra bandido”, disse alguém, com naturalidade. Um outro conhecedor esclareceu: “Aquilo é lá ao fundo da rua”. Foi nesse instante que acordei para uma realidade preocupante: o “fundo da rua” era a ladeira por onde tínhamos entrado e por onde, em princípio, devíamos sair. 

Olhei a cara experiente do Araújo, que me pareceu não ter a serenidade habitual. Mas logo chegou um outro suposto “expert”, que me recordo ter aconselhado, para minha imensa surpresa e, devo confessar, algum súbito desconforto: “Sigam pela rua em direção ao sítio de onde vêm os tiros, mas voltem logo na primeira à esquerda. Não se assustem, aquilo é só lá no final, as balas cruzam de um um lado para o outro, vêm dos dois lados, mas nunca entram neste rua”. Anotei aquele “nunca”, definitivo, pretendidamente “rassurant”. E fiz por acreditar.

Já não me lembro da reação de Bechara, mas a Fáfá, que tinha um táxi à espera, continuava, ou tentava parecer, divertida, naquele seu imparável sorriso da brasileira que mais ama Portugal. E eu lá fui, com o valente e dessa vez silencioso Araújo, pelas ruas que acabaram por nos conduzir, sãos e salvos, de volta ao palácio de São Clemente, o edifício que alberga o nosso Consulado-Geral. 

Não anotei a espécie, nome e graduação do álcool forte que o nosso cônsul-geral, António Almeida Lima, então me deve ter dado a beber, à chegada. Só sei duas coisas de ciência certa: que foi, com certeza, uma dose dupla e que a não bebi na varanda traseira onde, por mais de uma vez, haviam chegado no passado tiros saídos da vizinha favela Dona Marta, como a parede atesta.

Ao ler, há pouco, notícias sobre a (in)segurança no Brasil, lembrei-me deste episódio ocorrido no Rio que passou pela minha vida, para citar alguém conhecido.

domingo, fevereiro 10, 2019

A insídia é tão fácil!

Há pouco, numa primeira página de jornal, sob o título “Tudo em família”, deparei com algo que, por muito que possa sugerir-se como jornalismo, não passa de uma mera insídia: a criação da ideia de que a carreira profissional dos filhos de gente conhecida, lá no fundo, tem sempre a ver com a notoriedade conseguida pelos pais. Um pouco adiante, dentro do jornal, a coisa aparece adociada com uma nota de chamada mais normal: “Já diz o provérbio popular: filho de peixe sabe nadar”. Porém, no cômputo geral do que ficou escrito, com o título da capa a marcar tudo, a “suspeitazinha” ficou  instilada.

Nesse mundo doentio dos mitómanos das teorias da conspiração, do “não é por acaso que”, do “não há coincidências”, do “toda a gente sabe que”, da ideia recorrente de que a corrupção e o tráfico de influências andam hoje aí por todo o lado, de tanta gente frustrada com o quotidiano de si e dos seus, aberta ao despeito pelo sucesso alheio, o efeito ficou conseguido. E, claro, para um leitor, nada é mais cómodo do que deparar com uma notícia que conforta os seus preconceitos. Depois, no conjunto de casos citados, alguém virá pescar um ou outro tido como suspeito, como argumento generalizador para lançar lama sobre todos os restantes. E a nenhum foi dada a hipótese do contraditório para poderem dizer a sua parte da verdade.

Há sempre, neste tipo de artigos, uma inescapável componente de apelo à inveja, um dos mais medíocres sentimentos comuns da espécie humana. Por detrás da revelação escandalizada das ligações pais-filhos, tenta-se sempre sedimentar, de forma implícita, a sugestão de que, não fora o destaque dos pais, aos respetivos filhos a vida não teria corrido tão bem, que o sucesso destes se deve, essencialmente, à saliência pública dos primeiros. 

É óbvio que não é possível negar que, algumas vezes, isso pode ter ocorrido. Por essa razão, sempre entendi importante que fosse denunciado, alto e bom som, quem usufruiu de “cunhas” ou de empurrões profissionais indevidos. Mas, atenção!, sempre devendo prová-lo, caso contrário ficamos no mero campo da difamação, que hoje tem pasto adubado na “cultura” das redes sociais. O “achismo” e a conversa de café, dos que “ouviram dizer que”, não passam disso. De intriguistas e difamadores.

O tipo de insinuações como o que decorre da notícia de que acima falei é profundamente injusto para filhos ou filhas de gente com algum nome público, mas que subiram na vida exclusivamente por mérito e pelo seu valor pessoal, que têm uma confirmada e reconhecida qualidade própria e que até, algumas vezes, chegaram mesmo a ver a sua afirmação pessoal prejudicada pelo “ruído” criado no seu percurso profissional pelo nome do seu progenitor ou progenitora. 

Escrevi o que acabei de escrever sabendo bem que este texto não vai bem com o “trend” prevalecente nas redes sociais, que os “likes” hoje não abundarão. Mas é isto o que penso e, para mim, isso é o mais importante.

Famílias

Ontem, numa conversa entre amigos e conhecidos, veio à baila a questão do celibato dos padres. Com os agora revelados escândalos, em que certos setores da igreja católica têm andado envolvidos, da pedofilia a outros abusos sexuais, quiçá também potenciados pelos ambientes pouco naturais, face à natureza humana, em que a vida sacerdotal se processa, o sentido das coisas parece apontar, a prazo, para a necessidade do quotidiano dos sacerdotes poder vir a evoluir para uma maior similitude com a dos cidadãos comuns, como, aliás, já acontece em outros sistemas religiosos.

A generalidade das pessoas presentes na conversa, com a minha exceção todas católicas, que se desenrolava num registo ligeiro, pareciam partilhar um relativo consenso sobre a inevitabilidade dessa futura dinâmica familiar dos sacerdotes. 

Até que eu, que sou “de outra freguesia”, lancei uma questão: “E depois, como é? Durante os conclaves em Roma, as mulheres dos cardeais vão fazer compras para o Corso? E a mulher do papa? Vai com elas?” 

Senti que o consenso que até então se desenhava face ao fim do celibato sacerdotal sofreu alguma fragilização perante aquele meu atrevido cenário social futuro...

sábado, fevereiro 09, 2019

As estrelas de Bragança


Durante muitos anos, para quem era da minha terra, de Vila Real, a cidade de Bragança quase não existia. A estrada para lá era difícil, as curvas de Murça exigiam, no final, que se bebesse um quarto de Pedras na “Mira”, para atenuar o enjoo, quando, a caminho, se parava em Mirandela, para nos abastecermos das alheiras da Adelina. Às vezes, no percurso, comia-se (e ainda se come bem) no “Maria Rita”, no Romeu, ou, em Macedo, na saudosa “Estalagem do Caçador”, com uma inesquecível e bizarra decoração. Fora essa jornada forçada, que raramente fazia parte dos nossos percursos turísticos, Bragança era apenas o caminho para Espanha (e, em especial, para França), via Quintanilha e Zamora.

Recordo que se chegava a Bragança sempre arrasado, com a vista do castelo (ela aí está!). Era uma terra muito fria no inverno, onde nos cruzávamos com gente de samarra, e uma brasa infernal no verão, com aquelas terras e gentes a viverem uma injusta distância do mundo, que só as estradas do défice e da democracia viriam a atenuar. Vá lá, depois de arribados, havia por ali a simpática Pousada de São Bartolomeu, com uma lareira magnífica. Mas, na sala ao lado, sempre se jantou apenas assim-assim.

Onde se comia em Bragança, nesses tempos dos anos 70? Lembro-me apenas do “Lá em casa”, com coisas de caça, e do “Solar Bragançano”, naquele primeiro andar com ar de pensão de província, junto à Sé, onde se conversava sobre vinhos (pouco variados, então) com o patrão. No resto, que me perdoem, a cidade era um verdadeiro deserto culinário. Um dia, chegou-me a informação de que, fazendo uns quilómetros mais, em Gimonde, o “Dom Roberto” apresentava algumas coisas simpáticas. Ao lado, surgiu depois o “Quatro”. Hoje também há por lá o “Abel”, com excelente posta. 

Mas voltemos a Bragança. Tudo mudou por ali (por aqui, porque hoje estou em Bragança!). A cidade tem hoje um imenso orgulho na renovada Pousada, onde funciona o restaurante do Óscar Gonçalves, como o seu irmão e escanção António Luis a dirigir superiormente a sala. Trata-se do “Restaurante G”, que há semanas obteve uma esplendorosa estrela do Guia Michelin. Para mim, que assisti, ano após ano, à construção desse sucesso, foi uma imensa alegria. E espero que o tenha sido também para Bragança (a medalha de ouro da Câmara Municipal não deve tardar, se é que já não saiu), como o é para todo o Trás-os-Montes. 

Esta aventura do “Restaurante G” nasceu de um outro espaço da cidade, o magnífico “Geadas”, dos pais do Óscar e do Tó Luís, onde ambos fizeram a tarimba. O “Geadas”, que conheço há mais de duas décadas, continua excelente, com o Adérito e a dona Iracema nos comandos. 

Mas Bragança, em matéria de restauração, não parou. Ainda hoje, ao almoço, tive a felicidade de experimentar uma casa de primeira qualidade, que recomendo vivamente: a “Tasca do Zé Tuga”, dentro do castelo de Bragança, do chefe Luis Portugal. Posso dizer uma coisa muito sincera? Há já algum tempo que não comia tão bem! E disse isso ao chefe (quando não saio satisfeito, também digo). Um menu de butelo e um lombelo de se lhe tirar o chapéu, com sobremesas altamente criativas. Parabéns!

Mas há mais em Bragança! No centro da cidade, come-se bastantr bem no “Poças” e, fora, na estrada do Portelo, vale a pena uma visita ao “Javali”, num espaço rural muito simpático, e que vi hoje que já tem uma extensão dentro do castelo de Bragança, quiçá para fazer marcação à vizinha “Tasca do Zé Tuga”.

Uma lacuna, de que me penitencio: ainda não fui ao “Porta”, um espaço de cozinha contemporânea da cidade de que me falam muito bem. A vida não dá para tudo.

Amanhã regresso à minha Vila Real que - lamento ter de dizer - fica, nos dias de hoje, muito atrás de Bragança em matéria de restauração.


Hoje, deixemos as tristezas para trás. Fígados ao alto! E viva Bragança!

Notícias do Brasil (2ª parte)


A representação parlamentar brasileira saiu altamente fragmentada das últimas eleições. Aproveitando essa circunstância, Jair Bolsonaro terá sido aconselhado a constituir o governo de uma forma diferente daquela que tem sido corrente no Brasil, isto é, a não desenhar um executivo pletórico onde pudesse acomodar um conjunto de representantes de partidos que, somados, lhe pudessem garantir maiorias na aprovação de legislação. O seu governo é assim mais pequeno (embora maior do que inicialmente anunciado) e com uma composição atípica. Porque o modelo de suporte parlamentar que visa é diferente.

Vale a pena lembrar que, na tradição parlamentar brasileira, aos partidos do “setor governista” eram atribuídos ministérios que esses mesmos partidos enchiam com o seu pessoal político. Se o partido tinha força quantitativa no Congresso, ocupava todo o espaço dos chamados “escalões” (níveis) de acolhimento de fiéis: eram os ministérios “de portada fechada”. Se se tratava de partidos mais pequenos, a sua ocupação dos cargos ministeriais era mais restringida: tinham de dar espaço, nos “escalões” inferiores, a pessoal indicado por outros partidos. Eram os chamados ministérios “de portada aberta”.

Essa prática era estendida, como modelos adaptados, à plêiade de empresas públicas, com particular interesse por postos de onde saíssem fortes “recursos”. Ficou célebre, em tempos, o modo como um patusco presidente da Câmara de Deputados, Severino Cavalcanti, oriundo do “baixo clero” (deputados menos importantes), eleito inopinadamente por virtude de um dissídio dentro do PT, reclamou para um seu apaniguado um lugar na Petrobrás, que esclareceu que tinha de ser “daqueles de fura-poço”...

Bolsonaro seguiu, ao que se diz por influência dos militares, um outro modelo, que agora se verá se conseguir pôr a funcionar. Assim, além de colocar sete militares (!) em cargos governativos, e mais de 40 em lugares de topo da administração, optou por, na Câmara de Deputados, procurar uma aliança direta com os interesses organizados, em lugar dos partidos. Assim, apoiou-se prioritariamente nas chamadas “bancadas” (frentes de interesses, que atravessam as linhas partidárias) mais representativas de setores conservadores e, em alguns casos, de uma direita muito radical.

É o caso da “bancada evangélica”, onde se acolhem os eleitos oriundos e financiados pelas poderosíssimas igrejas evangélicas (com uma agenda ultra-conservadora para a educação pública e política familiar, recusa do aborto, privilégio das relações com Israel, etc), a “bancada do boi”, com deputados protetores dos interesses de proprietários agrícolas (favoráveis ao desmatamento da Amazónia, à redução dos cuidados ambientais, com grande desprezo pelos interesses e direitos dos indígenas) e a “bancada da bala”, constituída pelos promotores de um alargamento da posse privada de armamento e, simultaneamente, defensores de uma política ultra-securitária, favorável a uma repressão da criminalidade que, em alguns casos, poderia passar as barreiras legais mais elementares e civilizacionais. Há semanas, um relevante bolsonarista reclamava da dificuldade de fazer passar legislação que, em lugar da castração química dos violadores, autorizasse a castração “por facão”...

Na constituição do governo, acolheu, para além do seu novo partido PSL, uma única formação do núcleo tradicional de partidos brasileiros, sem surpresa, o mais à direita - o DEM (ver história na 1ª parte). Raramente na história da democracia brasileira o DEM (que é um partido ausente de representação em muitos Estados) havia conseguido ser tão poderoso: tem hoje três ministros, um dos quais, Onyx Lorenzoni, no decisivo posto de chefe da casa civil. E, como referi no texto anterior, tem agora também a presidência das duas câmaras do Congresso: a Câmara dos Deputados e o Senado. Para um partido que, nesta eleição, viu reduzida fortemente a sua representação parlamentar trata-se de uma vitória indiscutível.

Um filósofo brasileiro ultra-reacionário, Olavo de Carvalho, que vive nos EUA e é uma espécie de guru de alguns setores próximos de Bolsonaro, terá também tido “direito” a indicar os nomes do ministro da Educação (um colombiano naturalizado brasileiro, que tem uma obsessão contra o método de alfabetização de Paulo Freire, um património e um orgulho para muitas gerações brasileiras), do ministro das Relações Exteriores e do consultor internacional do presidente.

O caso do chefe da diplomacia, Ernesto Araújo, é, provavelmente, o maior erro de “casting” de um governo onde eles não parece faltarem (o caso da ministra evangélica, indicada para a pasta da Família, Damares Alves, é uma fonte regular de episódios hilariantes). 

Funcionário diplomático de nível baixo, o novo ministro das Relações Externas, um fanático anti-multilateralismo, negacionista das alterações climáticas, com uma cultura de extrema subserviência face aos EUA (que não é muito bem acolhida numa escola militar muito nacionalista e às vezes com um ligeiro tropismo anti-“yankee”), fez já uma série de “gaffes” que, ao que parece, terão levado os militares em torno de Bolsonaro a propor a criação de uma espécie de “conselho estratégico”, para regular as decisões com implicações externas mais relevantes.

Há uma tese a correr segundo o qual este bizarro ministro será utilizado para fazer o “dirty work” de “remoções” de chefes de missão tidos como menos simpáticos para o novo poder, como nomeações de diplomatas mais fiéis e ideologicamente mais “like-minded” com o "bolsonarismo" ideológico. Daqui por uns tempos, ele seria “posto com dono” numa embaixada simpática e a chefia do Itamaraty seria entregue a alguém responsável, com outro estatuto, capacidade e prestígio.

Duas notas para dois ministérios bastante poderosos - cujos titulares, não por acaso, acompanharam Bolsonaro em encontro de Davos, onde a impreparação clamorosa do presidente fez passar uma humilhação ao Brasil, reconhecida internacionamente.

Um superministério económico foi entregue por Bolsonaro a Paulo Guedes, um cultor da “escola de Chicago”, admirador do “choque” económico de Pinochet no Chile, restando ver quão longe conseguirá ir num processo intensivo de privatizações que se propôs desencadear, no que poderá vir a ter algumas reticências da área militar e em setores produtivos internos que vivem, há décadas, refugiados no protecionismo.

O segundo importante super-ministério foi entregue ao juiz-vedeta Sérgio Moro, adorado pelos diabolizadores de Lula, que tem na sua pasta a estranha combinação da justiça com a ordem pública.

Há muito quem pense que pelo sucesso, ou não, destes dois ministros passará muito o destino do governo Bolsonaro.

E chegamos, finalmente, aos militares. Aparentemente, a tropa tem um forte “droit de regard” sobre o novo governo. (Devo dizer que nunca pensei que a sua influência pudesse ir tão longe, mas vai). Nos dias de hoje, essas figuras não eleitas, ungidas de uma espécie juízo de “neutralidade” patriótica, quase “sebastiânica”, constituiram-se como um elemento fulcral do novo poder político brasileiro. Estaremos já quase numa espécie de “governo militar”, em modelo de “coabitação” democrática com os civis? Se não estamos lá, não estamos muito longe disso. Na estrutura governamental, dois nomes se impõem: os generais Augusto Heleno e Santos Cruz. O primeiro parece ser o “master mind” do governo, mas o segundo tem também um forte prestígio. Parecem ser eles quem “define a linha” e, embora na reserva, quem promove a articulação com as chefias militares no ativo - que dão sinais de estarem verdadeiramente empenhadas no sucesso deste governo.

Mas há um terceiro nome, que a cada dia que passa tem vindo a ganhar mais evidência, mas também alguma polémica: é o vice-presidente Hamilton Mourão. Um filho de Bolsonaro confessava, há dias, que a escolha de Mourão para a vice-presidência havia sido feita para travar um eventual processo de “impechment” de Bolsonaro. O raciocínio era simples: o general Mourão dera provas de ser um radical desbocado, atribiliário e cáustico, um ultra que trazia as piores memórias do regime militar. Assim, ninguém se atreveria a afastar Bolsonaro porque, se isso acontecesse, seria pior a emenda do que o soneto...

Ora Mourão, empossado que foi do cargo de vice-presidente, decidiu passar de Dr. Jeckyll para Mr. Hyde. O seu discurso suavizou, deu mostras de rara compreensão perante o caso de um deputado de extrema-esquerda que se disse perseguido, teve uma linguagem contemporizadora para com a questão do aborto e, em vários outros dossiês, tem-se revelado, dia após dia, cada vez mais distanciado de certos aspetos mais radicais do discurso do “bolsonarismo”.

Um líder evangélico fez já um video quase a insultar Mourão, o filósofo Olavo de Carvalho, lá dos Estados Unidos, tem vindo a dizer em “tweets” cobras e lagartos do vice-presidente e a “famiglia” de Bolsonaro já deu claras e públicas notas de estar à beira de um ataque de nervos. O próprio presidente, no leito do hospital onde recupera dos efeitos do atentado, ao que parece descontente com as liberdades auto-assumidas pelo seu vice, decidiu avocar, mesmo nesse estado físico, a plenitude dos poderes presidenciais. Tudo isto a fim de evitar que Mourão continue a utilizar a presidência interina para mostrar estatuto, “gravitas” de Estado e um já indisfarçável tropismo para se sugerir como alternativa futura ao presidente. Ah! E, de caminho, o vice-presidente tornou-se a coqueluche dos diplomatas estrangeiros em Brasília, que correm a visitá-lo. Há dias, também recebeu uma delegação palestiniana, à qual quase garantiu que a promessa de Bolsonaro a Netanyahu, de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, afinal pode não ser para levar a serio.

Enfim, neste novo e nóvel governo brasileiro, tudo aponta para que se esteja a “armar uma estrangeirinha” dos demónios. Logo veremos.

sexta-feira, fevereiro 08, 2019

Pensar o futuro da Gulbenkian


Tive um grande prazer em ser convidado pelo Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian para passar a integrar um corpo de 12 conselheiros, portugueses e estrangeiros, que teve hoje a sua primeira reunião, no início de um exercício que tem como objetivo aconselhar a instituição a refletir o seu trabalho no futuro, conforme pode ser lido aqui.

A luta dos enfermeiros

Custa-me muito ver uma classe tão prestigiada e respeitada como sempre foram os enfermeiros, que em toda a vida nos habituámos a ver como nossos “aliados” em momentos difíceis, terem-se deixado conduzir por uma luta venal extrema, com laivos de crueldade, muito à revelia do sentimento profissional de solidariedade com o sofrimento do próximo que tinham sabido cultivar, e que agora os aliena do público utente e projeta deles uma imagem muito negativa. As lutas sindicais são legítimas e insubstituíveis em democracia, mas a esta faltou o bom-senso e a afirmação permanente do primado do sentido de serviço público, até para preservação do bom nome da classe, que se liga intimamente ao respeito que, com certeza, quererá conservar na sociedade. Este é um triste momento para a imagem dos enfermeiros portugueses - é preciso dizê-lo. E estranho muito que, talvez por temor corporativo, alguns enfermeiros com maior sentido de responsabilidade não tenham tido a coragem de vir a terreiro dizer aos seus colegas que o que é demais é erro.

Brasil


Há dias, deixei aqui a promessa de um segundo texto sobre o Brasil, complementar do que escrevi. Não a cumpri. Fá-lo-ei quando tiver tempo, coisa que não tenho tido, embora possa não parecer.

quinta-feira, fevereiro 07, 2019

A questão europeia


Estão à porta as eleições para o Parlamento Europeu. Entre os deputados a eleger pelos “27” (ou pelos “28”, se o Brexit se atrasar) haverá, com toda a certeza, uma percentagem de eurocéticos, ou mesmo de anti-europeus, superior a qualquer anterior legislatura, o que tornará aquele areópago numa instância mais contrastante e polémica. E isso não ocorrerá sem consequências negativas para a eficácia daquela instituição, cujos poderes, à luz dos tratados, têm vindo a crescer. Esse vai ser um problema europeu, para os próximos cinco anos.

Estranho, contudo, que ninguém fale de uma outra realidade, paralela a esta, a qual, a meu ver, pode ter efeitos bem mais graves no funcionamento da União: refiro-me à composição da nova Comissão Europeia, que estará em funções no final do corrente ano, depois de aprovada pelo novo parlamento.

A Comissão, que tem o exclusivo da iniciativa legislativa, é uma instituição composta por personalidades - uma por país - indicadas pelos Estados membros, designadas pelos respetivos governos, em diálogo com o futuro presidente. Em princípio, os comissários designados devem “esquecer” a sua nacionalidade, mas a realidade da vida aponta quase sempre noutro sentido, isto é, quase sempre carreiam para dentro do colégio as linhas políticas que marcam os governos que os escolheram.

Durante muitos anos, a Europa habituou-se a viver sob a égide de duas grandes famílias políticas – uma conservadora, outra social-democrata. Essas correntes foram hegemónicas ao longo de toda a história europeia, com expressão natural na composição das sucessivas Comissões. Mantinham algumas diferenças entre si, mas as suas parecenças foram sempre bem maiores do que as suas dissemelhanças, pela circunstância de olharem o desenvolvimento do projeto europeu sob um prisma basicamente comum. No trabalho coletivo dentro da Comissão, sob a coordenação de um presidente oriundo da família política dominante no conjunto dos governos nacionais, as suas eventuais diferenças geralmente esbatiam-se, sob esse “template” europeísta.

Tudo isso pode agora mudar. Há governos europeus, alguns que hoje são membros “rebeldes” das famílias políticas tradicionais, que não quererão perder o ensejo de enviar para o seio daquela instituição figuras que consigam defender a sua “diferença” e até, porque não?, a sua vontade de contestar o próprio projeto europeu. É a democracia que lhes confere esse direito. A menos que aconteça um “milagre”, os anos que aí vêm serão muito difíceis para a Europa.

(Artigo que ontem publiquei no “Jornal de Notícias”)

quarta-feira, fevereiro 06, 2019

Pantaleão


O leitor deste espaço há-de convir que não se encontra um Pantaleão por dá-cá-aquela-palha, em cada esquina da vida. Eu nunca tinha encontrado nenhum. Mas há pouco, cruzei-me com um Pantaleão, precisamente numa esquina: era angolano, da Huíla, e condutor do Uber que eu tinha chamado. Está por cá há sete meses. Inquiri de onde lhe vinha o nome: era de um avô. Não, o Pantaleão não era preto (como o leitor poderia suspeitar), era branco e o avô era da Madeira (por cá, há Pantaleões na Madeira e em Gondomar, fiquei a saber, porque ele me disse).

Perguntei-lhe se tinha lido o livro de Vargas Llosa, "Pantaleão e as visitadoras". Nunca tinha ouvido falar. Disse-lhe para o ler. Malandro (com a permissão dos leitores deste casto blogue), acrescentei, para o estimular: "Mete tropa e muitas gajas ..." O nosso Pantaleão ficou entusiasmado. No fim da viagem, tomou nota, por escrito. Disse-me que vai comprar o livro.

Se acaso de outro tipo de pessoa se tratasse o Pantaleão com que hoje me deparei, e se esse outro já tivesse lido, quanto mais não fosse por curiosidade onomástica, a saborosa novela de Vargas Llosa, então talvez tivesse valido a pena eu ter-lhe revelado, se o não soubesse, que é dedicado a São Pantaleão (na imagem) um dos belos mosteiros no monte Athos, na Grécia - um lugar que faz parte de algumas das já muito escassas coisas que integram a minha agenda de curiosidade pendente, para usufruto ainda neste "vale de lágrimas", tal como livros, vitualhas, copos, viagens e outros prazeres lúdicos (eu escrevi lúdicos, não lúbricos!) que acho que ainda valerá a pena ver, consumir ou experimentar, antes que as pilhas acabem.

Enfim, fiquei hoje a saber que, em Lisboa, até há Pantaleões. Isto é que é uma cidade cosmopolita!

A questão europeia


Intitula-se "A questão europeia", o artigo que hoje publico na minha coluna semanal no "Jornal de Notícias" e que pode ser lido aqui.

O fundo da reforma

A quem se atrever a dizer que, num mês, este governo não fez nada que se visse, deixo esta impressionante imagem de uma reforma de fundo - l...