O Bloco de Esquerda foi uma lufada de ar fresco num determinado momento da vida política portuguesa. O "cheiro" de uma oportunidade no quadro partidário, num tempo em que o PCP dava (ainda mais) sinais de anquilosamento e o PS se afundava no pragmatismo do poder, criou um movimento que diluiu barreiras que até então se pensava serem intransponíveis: entre comunistas críticos, maoístas de origens contrastantes e trotskistas disponíveis a um compromisso. Desde sempre "eleito" de uma comunicação social complacente, o Bloco ganhou um espaço público fortemente desproporcionado face à sua real importância democrática. Por um certo tempo, reconheço que trouxe um discurso novo e desempoeirado à cena política doméstica, antes de ter mergulhado na furiosa adoção do "politicamente correto" sectário.
Servido por figuras com inegável capacidade intelectual, de Miguel Portas a Francisco Louçã, passando por Fernando Rosas e Luis Fazenda, bem como João Semedo ou José Manuel Pureza, o Bloco deu mostras de estar unido nos momentos de "fluxo" dos ciclos políticos e de revelar fáceis fissuras nos tempos de refluxo. O seu ADN algo autoritário (Stalin e Trotsky não foram dos maiores democratas...) veio facilmente ao de cima em crises que envolveram figuras que lhe estiveram próximas mas que, por qualquer razão, se afastaram do seu controlo, como foi o caso de Rui Tavares, Daniel Oliveira ou Joana Amaral Dias, e agora parece acontecer com Ana Drago. Numa marca organizativa politicamente adolescente, pareceu ter sempre pudor em assumir em pleno a chefia de Louçã, até cair numa patética liderança bicéfala, que a opinião pública nunca tomou muito a sério.
Mas a crise do Bloco é ideológica, não de forma. Paladino das causas fraturantes, o Bloco nunca teve a humildade do trabalhoso compromisso com a realidade, preferindo trilhar os fáceis caminhos da "pureza" doutrinária. Sem as "tropas" sindicais do PCP, não foi capaz de criar uma linha original que desse ao eleitorado comunista uma razão para deslocar para ele o seu voto. Ao PS, cuja ala esquerda procurou seduzir, deu uma irrecuperável "bofetada" histórica, ao ter contribuído para o derrube do seu governo em 2011, numa "coligação" aberta com a direita unida, devendo ainda ter de explicar se afinal preferiu a "troika" que depois aí veio e que o seu voto (bem como o do PCP) também contribuiu para chamar.
Nos últimos tempos, esgotadas as temáticas dos direitos, o Bloco dedicou-se a adubar um crescente radicalismo político, colando-se a tudo quanto "mexesse" contra o governo, alimentando o discurso velho e relho contra o "grande capital", que a desregulação financeira facilitou, favorecendo hipóteses "albanesas" de saída da crise (como o abandono da UE), demonstrando assim uma clara irresponsabilidade política e um desnorte estratégico que o colocavam fora de qualquer solução política construtiva. Adepto do "crescimento", pugna contudo por um modelo de sociedade que afasta o investimento produtivo e a criação de emprego, projetando a menos apelativa imagem de um país que pretende estimular a entrada de capital exterior, que parece ser, até prova em contrário, a única forma desse "crescimento" surgir. Num clássico tropismo tradicional da extrema-esquerda, passa o tempo a clamar pela "unidade", ao mesmo tempo que se "balcaniza" cada vez mais em grupos e iniciativas, heterónimos da sua cissiparidade endémica. Agora, o seu estertor anuncia-se e apenas a oportunista tribuna mediática permite que a sua bancada parlamentar sobreviva até às legislativas.
De certo modo, tenho pena ao ver este fim pouco glorioso do Bloco. É que, olhando para ele, não consigo deixar de sentir uma certa nostalgia por uma "movida" política de que, há décadas atrás, me senti próximo. E dou comigo a pensar que o voto de muitos portugueses, como se viu nas últimas eleições europeias, continua a ser desperdiçado de forma frustrante em formações que, podendo acolher os frutos do seu descontentamento, não têm a menor hipótese, pelo irrealismo do que propõem, de contribuir para a construção do nosso futuro coletivo.