O olhar trocado entre os nossos convidados não iludia. Havia um qualquer mal-estar entre todos eles, cuja razão não entendíamos. O resto do jantar iria confirmar que havíamos cometido uma "gaffe" diplomática.
Estávamos na Noruega, em 1979. Era o meu primeiro posto, como funcionário diplomático. A Noruega era e é um país de ótimo bacalhau, Não se estranhará, assim, que, mal lá chegado, eu tivesse procurado abastecer-me do produto. Nunca mais esqueci o nome, com sonoridades medievais, do cidadão português que passou a ser o meu fornecedor: Pero Diniz de Paiva.
Resta dizer que a imagem de Portugal e dos portugueses, nomeadamente em França, continua muito ligada ao consumo do bacalhau seco. Ainda que, nos dias de hoje, alguns outros países - a começar pelo Brasil - sejam muito mais importante consumidores do que nós, os portugueses passam por ser compulsivos fanáticos dos vários modos de cozinhar o antigo "fiel amigo" - e digo "antigo" porque os preços hoje já não permitem usar com propriedade o dito "p'ra quem é, bacalhau basta".
Os portugueses, aliás, contribuem voluntariamente para manter essa imagem, ao terem criado, um pouco por todo o mundo, mais de uma centena de "Academias do Bacalhau", uma rede de confrarias de jantaradas, originalmente surgidas no seio das comunidades portuguesas, a qual, ainda este ano, reunirá o seu "Congresso" em Paris.
Estávamos na Noruega, em 1979. Era o meu primeiro posto, como funcionário diplomático. A Noruega era e é um país de ótimo bacalhau, Não se estranhará, assim, que, mal lá chegado, eu tivesse procurado abastecer-me do produto. Nunca mais esqueci o nome, com sonoridades medievais, do cidadão português que passou a ser o meu fornecedor: Pero Diniz de Paiva.
O primeiro jantar "formal" que organizámos foi, como é natural, dedicado aos primeiros norugueses de quem nos havíamos tornado amigos. Num gesto que pretendemos fosse de gentileza, numa espécie de celebração da relação luso-norueguesa, decidimos apresentar um prato de bacalhau.
À chegada à mesa desse prato principal, eu havia decidido revelar aos presentes a intenção subjacente à nossa escolha. Os nossos convidados sorriram com simpatia e agradeceram o nosso gesto, iniciaram a degustação e... começaram, discretamemente, a pôr de lado o bacalhau, fingindo apenas que comiam. Não havia qualquer dúvida: não apreciaram o que lhes tinha sido oferecido. A nossa primeira iniciativa social fora um fracasso.
Ao contarmos o sucedido, dias depois, a um outro amigo, tudo ficou explicado. O bacalhau seco, para certa geração norueguesa, era um produto que ficara associado a um período trágico da vida do país, ao tempo da ocupação nazi. Como era barato e de fácil conservação, era usado em abundância pelas comunidades rurais isoladas, recordando assim tempos tristes e de miséria. Oferecer um prato de bacalhau seco em Oslo equivaleria, julgo eu, ao gesto catastrófico que hoje seria servir "peixe seco" à nova burguesia de Luanda.
Ao contarmos o sucedido, dias depois, a um outro amigo, tudo ficou explicado. O bacalhau seco, para certa geração norueguesa, era um produto que ficara associado a um período trágico da vida do país, ao tempo da ocupação nazi. Como era barato e de fácil conservação, era usado em abundância pelas comunidades rurais isoladas, recordando assim tempos tristes e de miséria. Oferecer um prato de bacalhau seco em Oslo equivaleria, julgo eu, ao gesto catastrófico que hoje seria servir "peixe seco" à nova burguesia de Luanda.
Mas - convém que se diga - o bacalhau, na sua versão de peixe fresco, continua a ser hoje um produto muito apreciado na (muito duvidosa, na minha opinião) gastronomia noruguesa. Seco é que nunca! Ou melhor: só para exportar, a "preços nórdicos", nomeadamente para os pobres portugueses, espalhados pelo mundo...
Resta dizer que a imagem de Portugal e dos portugueses, nomeadamente em França, continua muito ligada ao consumo do bacalhau seco. Ainda que, nos dias de hoje, alguns outros países - a começar pelo Brasil - sejam muito mais importante consumidores do que nós, os portugueses passam por ser compulsivos fanáticos dos vários modos de cozinhar o antigo "fiel amigo" - e digo "antigo" porque os preços hoje já não permitem usar com propriedade o dito "p'ra quem é, bacalhau basta".
Os portugueses, aliás, contribuem voluntariamente para manter essa imagem, ao terem criado, um pouco por todo o mundo, mais de uma centena de "Academias do Bacalhau", uma rede de confrarias de jantaradas, originalmente surgidas no seio das comunidades portuguesas, a qual, ainda este ano, reunirá o seu "Congresso" em Paris.