segunda-feira, agosto 19, 2013

"Portugal europeu - e agora?"

Como orador na conferência "Portugal europeu - e agora?", organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em 13 e 14 de setembro, foi-me pedido pelo "Diário de Notícias" um curto depoimento, em resposta à questão "Quando se sente europeu?".
 
Aqui fica o texto, a que o DN deu o título de "Nunca me engano de pátria":
 
"Sou um europeu pela razão. Até à idade adulta, olhei a Europa de fora. Vivia num país que tinha por opção o isolamento, tido como virtude patriótica. Dizia um jornal do regime: “Portugal não é um país europeu e tende cada vez mais a sê-lo cada vez menos”. A Europa era o lugar onde estava a liberdade. Desconfiei da Europa “unida”, apresentada num registo demasiado maniqueu, que não ia de par com o meu radicalismo de então. Depois, também pela razão, acabei por tomá-la como sinónimo da democracia em que quero viver. Hoje, sendo europeu, prefiro dizer quando me não sinto como tal: quando olho a triste “realpolitik” externa de Bruxelas, o silêncio cobarde face às manifestações de intolerância cívica de dirigentes europeus, o cínico abandono da solidariedade, agora que as vantagens do mercado único já estão adquiridas para alguns. Sou europeu porque os interesses de quem por aqui nasce se sentem melhor protegidos nesta Europa. Mas nunca me engano de pátria, mesmo sabendo que é politicamente incorreto dizê-lo."

domingo, agosto 18, 2013

"Broadsheet"

Quando vivi na Noruega, no ínício dos anos 80, os dois canais televisivos do país, ambos públicos, bem como os homólogos suecos aí disponíveis, não tinham qualquer publicidade. Para quem chegava de Portugal, inundado de anúncios entre os programas da RTP, achei isso então o "máximo" da civilização.

Porém, logo da primeira vez que fui a um cinema em Oslo, dei-me conta que os filmes eram antecedidos por largos minutos de publicidade, estática ou fílmica. E, para minha grande surpresa, as pessoas achavam imensa graça a esse tempo publicitário, indo mais cedo para o apreciarem e reagindo com palmas e comentários aos vários anúncios. Era uma espécie de compensação pela ausência radical da publicidade televisiva.

Um dos filmes publicitários que fazia mais sucesso promovia o "Dagbladet", um tablóide que estava na moda e que contrastava com o estilo mais sóbrio dos clássicos "Aftenposten" ou "Arbeiderbladet", com uma dimensão maior, ao jeito tradicional dos "broadsheet". O anúncio mostrava duas pessoas a lerem os jornais numa paragem de elétrico. Quando este chegava, o leitor do "Dagbladet" dobrava-o com facilidade e entrava no transporte. O que lia o "broadsheet" (percebia-se vagamente que era o "Aftenposten", líder de vendas), desajudado pelo vento, atrapalhava-se na dobra do periódico e perdia o elétrico. Estas simplicíssimas imagens tinham o condão de pôr a sala sempre a rir às gargalhadas.

Lembrei-me disto, no último sábado, ao ver a "figura" que fiz, numa praia, quando uma rabanada de vento me arrancou páginas do "Expresso", obrigando-me, a correr pelo areal, à cata das folhas. Notei o sorriso complacente de alguns banhistas, agarrados aos bem mais maneirinhos "Correio da Manhã" ou "A Bola" (havia menos "O Jogo", talvez porque era uma praia do sul), bem como de damas achapeladas que se ilustravam com a "Caras" ou a "Lux". Todos tão seguros, aliás, como os possuidores do "Público", este agora bem agrafado, também à sua relutância em aceitar o Acordo ortográfico, o que, com o tempo, lhe conferirá cada vez mais um estilo antiquado, que vai bem com um certo "chique" urbano...   

Espiolhices

É muito curiosa a atitude de "espanto" de alguns poderes europeus quando confrontados com a "evidência" da espionagem americana no seio das suas estruturas diplomáticas ou no âmbito das comunicações à escala global. Pressionados pelas opiniões públicas ou por alguns políticos mais vocais, as chancelarias afetadas reagiram com "indignação" a esta intrusão, a qual, na generalidade dos comentários, se afigura contrastante com "as excelentes relações de cooperação e amizade" existentes entre os EUA e esses Estados.

O que mais me surpreende nas reações em face destas "revelações" é que a opinião publicada ainda lhes confira alguma importância. É que só uma grande ingenuidade pode fazer crer que se tratou de uma "surpresa" para alguém que os EUA andem a espiolhar os seus aliados. Há pilhas de livros que provam que, desde sempre, Washington sempre fez isso com regularidade. Mas também é mais do que óbvio que outros países, com maior ou menor sucesso, tentam a todo o custo obter informação classificada alheia e que, sem ser necessário dizê-lo, este jogo "do gato e do rato" é uma rotina vetusta nas áreas da "intelligence" internacional. Surpresa para alguém? Não brinquem...

O caricato de toda esta história foi a suposta "espionagem" detetada na representação da União Europeia em Washington. A menos que Langley possa estar interessado em conhecer os comentários pessoais que João Vale de Almeida e a sua equipa façam dos seus interlocutores americanos, é uma evidência que, em quaisquer matérias de natureza substantiva, os EUA não necessitarão de espiar a delegação europeia, tendo, com toda a certeza, amigos fiéis e relações privilegiadas dentro da União que, quando necessário, de bom grado lhes darão tudo quanto precisarem saber da vida interna da Europa.  

sábado, agosto 17, 2013

Um país de parvos?

Que afã de obras municipais vai pelo país! Que cuidado em pavimentar o caminho que leva às assembleias de voto! Que insulto à inteligência dos portugueses!

Algaraviadas

É muito curiosa a expetativa criada em torno da possível reação do Tribunal Constitucional às medidas previstas no Orçamento geral do Estado. Foram os políticos quem desenhou as normas constitucionais. Foram os políticos quem preparou o Orçamento, ferido ou não de inconstitucionalidades. E, no fim de tudo isto, o eventual "odioso" de uma decisão passa para os juízes do Tribunal Constitucional. Ou será que o facto desses mesmos juízes serem escolhidos por via política leva a que, de certa forma, sejam vistos por alguns como uma espécie de câmara informal de representação da balcanização ideológica parlamentar?

Escrevi isto no blogue em 24 de março. Não tiro uma linha, claro.

sexta-feira, agosto 16, 2013

Jacques Vergès

Acabo de saber que morreu Jacques Vergès. E, nesta minha atitude preguiçosa de verão, aqui deixo o que sobre ele escrevi por aqui, há dois anos e meio:
 
"Jacques Vergès é uma espécie de "advogado do diabo". Aos 86 anos, esteve, há semanas, na Costa do Marfim a preparar a fundamentação para sustentar juridicamente a teimosia de Laurent Gbagbo em não abandonar o poder. No passado, entre muitas outras figuras, defendeu o terrorista Carlos, o nazi Klaus Barbie, o exterminador Pol Pot e outras figuras de recorte controverso. Saddam Hussein e Slobodan Milosevic estão entre os que não aceitaram a sua ajuda. George W. Bush é um nome que já anunciou desejar defender, no caso de ser possível a sua inculpação.
 
Membro da resistência francesa na 2ª guerra mundial, foi militante comunista e anti-colonialista, mantendo-se sempre próximo das ideias radicais de esquerda. É filho de pai francês e de mãe vietnamita, tendo vivido na ilha de Reunião e na Argélia, onde se tornou mundialmente famoso pela defesa com sucesso de uma militante da FLN, que viria a ser sua mulher. A sua história pessoal tem um "buraco negro" entre 1970 e 1978, período em que, sem explicação até hoje, desapareceu  de cena - o que gerou lendas sobre a sua eventual presença junto dos Khmers Vermelhos, do Cambodja, ou em campos da guerrilha palestiniana.
 
Mas a que propósito falo hoje dele aqui? Porque Vergès, numa iniciativa inédita mas muito curiosa, apresenta, duas vezes por semana, um espetáculo num teatro parisiense. Num monólogo de mais de hora e meia, em cenário do um escritório de advogado, fala dos criminosos e dos seus casos, contando histórias e desenhando perfis, tentando demonstrar que a sua famosa "estratégia de rutura", com que orienta as defesas, acaba por ser um modo de melhor fazer conhecer as pessoas por detrás dos crimes. A forma como apresenta a sua relação com a justiça torna a sua apresentação, apesar de algo monocórdica, bastante atrativa na substância. Com o caráter chocante que sempre confere a tudo em que se envolve, Vergès dá à sua prestação teatral o título de "Serial plaideur", da mesma forma que, em 2007, se prestou a ser a cara do filme com o nome de "O advogado do terror".
 
A juristas conhecidos que venham a Paris - com especial dedicatória ao meu velho amigo Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados - recomendo esta provocatória "performance" do seu incómodo confrade francês, em cena até 11 de abril."

Comidas (3)

Depois de algumas notas atualizadas sobre LisboaTrás-os-Montes e Alto Douro, neste dia em que se iniciam as festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, aqui fica, "revisto e aumentado", o meu guia dos restaurantes do Minho, uma das melhores zonas gastronómicas portuguesas.

quinta-feira, agosto 15, 2013

As pragas do Egito

Nestes dias de verão, volto a recorrer a textos do passado para evocar o presente. Aqui fica um post de há um ano e meio, que creio curioso revisitar:

Há uns anos, visitei, na sua casa no Cairo, um antigo e proeminente embaixador egípcio, que havia tido uma carreira brilhante, iniciada nos tempos de Gamal Abdel Nasser, que se prolongara pelo mandato de Anwar Al Sadat e se concluíra sob a égide de Hosny Mubarak. Era um homem altamente preparado, com imenso "mundo", que havia feito o circuito das mais importantes missões diplomáticas egípcias.

A conversa derivou, a certo passo, para a política, tendo eu evocado a sucessão de Mubarak. O tempo - foi há quase dez anos - das "primaveras árabes" estava ainda longe, mas ousei perguntar se não teria chegado o momento para uma abertura do regime, em direção ao pluripartidarismo, atenta a necessidade de esvaziar as tensões políticas.

O meu interlocutor olhou-me nos olhos e, embora nada surpreendido com a minha pergunta, para ele natural num observador ocidental, retorquiu-me: "Infelizmente, ao final desta minha vida, cheguei à conclusão que o Egito só pode ser gerido por um regime autoritário. As pessoas não estão educadas para a democracia e, se acaso esse sistema viesse aqui a ser introduzido, os extremistas islâmicos acabariam por transformar este país num polo de instabilidade. E os primeiros a sofrer seriam vocês, na Europa e na América, podem crer!".

Um amigo irlandês que me acompanhava nessa conversa olhou-me, na tentativa de perceber como iria reagir, já que tinha sido eu a suscitar a questão. Por respeito pelo idoso diplomata, arranjei um circunlóquio para evitar contraditá-lo, para lhe louvar as vantagens da liberdade, para lhe dizer que, também entre nós, havia quem dissesse que o povo português não estava preparado para a democracia e que, afinal, o sistema tinha-nos conquistado, sem sobressaltos de maior.

Há pouco mais de um ano, voltei ao Cairo. Recordo-me de ter notado, de forma muito nítida, o aumento de véus na cabeça das mulheres, em especial das jovens adolescentes. Confirmei que essa crescente tendência estava a impor-se, com muita rapidez, desde a minha última visita. Um outro egípcio, bem mais liberal, que tentava ajudar-me a interpretar a evolução do país, simplificou a realidade nestes termos: "Para as jovens egípcias, o véu é hoje uma espécie de farda...". Para logo acrescentar, baixando a voz: "Esperemos que não haja guerra!".

Hoje, lembrei-me destas duas conversas que tive no Egito.

quarta-feira, agosto 14, 2013

O Porto e o poder


Acabo de ver na SIC Notícias um debate sobre as eleições autárquicas, dedicado ao Porto. Por uma vez, sem políticos e apenas com comentadores sem "agenda", o que tornou o debate mais interessante e neutral. É pena que as televisões não percebam que ganham muito mais em convidar jornalistas e politólogos, deixando-se de "tempos de antena" com catrefadas de deputados e aparelhistas partidários, que já se não podem ouvir.

Seguindo o tema do debate, e por preguiça estival, aqui deixo o que há dias disse numa intervenção pública, onde também falei do Porto e do seu poder à escala nacional:

"Curiosamente, sendo embora a segunda cidade do país, o Porto só com a democracia consegue obter uma expressão significativa a nível do poder central. Se olharmos para a história da ditadura – e mesmo da primeira República - verificaremos que a influência política do Porto, como cidade, junto do poder central, foi sempre muito escassa durante o século XX. E, curiosamente, é uma evidência que o Porto tinha, em particular nesse tempo, um forte tecido de instituições, formais e informais, desde logo na área empresarial, mas igualmente no domínio cultural e no terreno social.

Tudo indica que Salazar nunca gostou do Porto, talvez porque a cidade projetasse uma sofisticação, quiçá algo snobe e elitista, que se contrapunha ao ruralismo esclarecido que ele próprio representava e que Coimbra, com Lisboa, aqui também através da universidade, era suficiente na sua tarefa de cooptar o pessoal político. Graças à sua força económica – recordo que então se dizia: “o Porto trabalha, Lisboa diverte-se” -, o Porto como que se isolou um pouco no processo político à escala nacional, mantendo uma dinâmica própria, uma burguesia longe do cosmopolitismo do dinheiro “novo” de Lisboa, mais Clube Portuense e muito pouco Linha do Estoril. Porém, o Porto burguês não era maioritariamente anti-regime, muito longe disso. O peso da igreja e a proteção dos negócios encontraram sempre no Porto um terreno sólido de apoio ao salazarismo.

Mas o Porto da ditadura foi também aquele que deu o maior banho de multidão a Humberto Delgado, em 1958, como já tinha proporcionado o maior comício a Norton de Matos, nove anos antes, na Fonte da Moura. E é o Porto que gera um bispo que atazanou o ditador e, verdadeiramente, abriu caminho às vias católicas dissidentes à escala nacional. Esse é, alias, o mesmo Porto que produziu Sá Carneiro, esse inesperado incómodo que veio a revelar a fraude da abertura marcelista.

Foi o 25 de Abril que levou o Porto a perder esse seu isolamento. Com Sá Carneiro e as suas adjacências, o Porto entrou para a partilha do poder político central. E por lá tem ficado, no passado de forma bastante mais influente, nos tempos que correm apenas através de alguns “tokens”, destinados a garantir uma presença simbólica. Quando se forma um novo governo, à esquerda ou à direita, a pergunta deve surgir: “E do Porto, quem é que se põe?”. Eu sei que pode soar um tanto cruel estar a dizer isto, mas esta parece ser a realidade. Não obstante a inegável excelência de muito do pessoal político que os governos foram buscar ao Porto, nas últimas décadas, isso só marginalmente quis significar o peso real da cidade no jogo político nacional.

O Porto desenha um modelo curioso, sendo quase um “case-study”. A cidade do Porto assume um discurso reivindicativo, uma mostra de mal-estar permanente, uma queixa de quem se sente mal tratado. Até as distritais portuenses dos dois partidos do novo rotativismo sofrem desta obsessiva necessidade de terem uma idiossincrasia própria, um discurso façanhudo e de cara dura frente aos aparelhos de Lisboa. Com regularidade, como recentemente se viu, o Porto convoca os poderes económicos e os nomes sonantes para a retoma dos vários episódios dessa espécie de batalha virtual com Lisboa. Mas, com o tempo, mas sempre com o sobrolho cerrado, nas entrevistas e proclamações, o Porto lá vai conseguindo o seu novo aeroporto, as suas novas pontes, o seu metro, as vias que o seu jogo de cintura interna consegue arrancar.

Mas convém que fique muito claro: essa guerrilha política, nas formas curiosas, típicas e mediáticas que por vezes assume, não deixa de ter uma indiscutível legitimidade. Porque é verdade que, neste país, continua a haver uma macrocefalia muito evidente em torno e em favor de Lisboa. Só que o Porto, por muitas queixas que tenha, consegue, apesar de tudo, ter uma capacidade reivindicativa, e uma capacidade de imposição, muito maior do que todas as outras urbes de província."

Em tempo: Houve quem tivesse lido este post como "ofensivo" para com o Porto. Porque estou à vontade nesse domínio, aconselho os leitores mais desatentos a lerem aqui, aqui e principalmente aqui.
 

terça-feira, agosto 13, 2013

Palhaçada

A comédia das impugnações e contra-impugnações das candidaturas autárquicas ameaça transformar-se num fator para uma ainda maior descredibilização das instituições portuguesas. 

(Desde já digo que não tenho a menor opinião sobre se um autarca que cumpriu três mandatos numa determinada autarquia tem ou não o direito de se candidatar noutra autarquia diferente. Reconheço bons argumentos a favor da possibilidade dessa recandidatura, como também me parecem válidas as objeções à facilitação dessa prática. Mas não é isso que está aqui em causa.)

De um lado, temos a cobardia - porque é disso que se trata, deixemo-nos de histórias! - das direções políticas do PSD, do PS e do PCP (ainda não percebi o que pensa o CDS), as quais, em lugar de terem uma atitude aberta face à necessidade de anular a aparente ambiguidade da lei que deixaram criar, parece estarem agora conluiadas na não promoção mútua de recursos, para evitar criar dificuldades ao seu respetivo pessoal político. O que é que impedia esses partidos de, desde há meses, terem aprovado uma nova legislação, clarificadora e sem equívocos, que permitisse essa quarta candidatura, ou que, ao invés, a impedisse em definitivo? Nada, apenas uma coisa: o medo da tomada de decisão. E o que é que impedia o presidente da República, ao testemunhar esta caricata situação, que afeta a credibilidade do sistema democrático de representação autárquica, de alertar a Assembleia da República e os partidos para a necessidade de porem fim a esta ambiguidade? Nada.

Por outro lado, a justiça dá mostras da sua coerência e da qualidade das suas decisões, ao ir ajuizando alegremente em sentidos opostos, sobre casos que são rigorosamente idênticos, tudo protegido por esse manto diáfano de infalibidade que protege (embora cada vez menos, perante uma opinião pública que começa a acordar para que "o rei vai nu") a justiça a que temos direito. 

O cúmulo desta irresponsabilidade é o facto de todos  - mas todos! - ficarem agora à espera da decisão do Tribunal Constitucional, que assim é empurrado para "responsável" final, o que ajuda os outros atores a safarem-se de cena, politizando cada vez mais essa instância, que colherá o odioso de uma posição que, seja ela qual for, será sempre contestada no final.

Como é que se pretende que os cidadãos respeitem as instituições e os seus titulares quando são colocados perante este tipo de comportamento? Ou será que ninguém entende que assim se está a "trabalhar" para o desprestígio do sistema democrático? Quem detesta a democracia não faria melhor.

segunda-feira, agosto 12, 2013

Economia e diplomacia

A "Lusa" reproduz hoje declarações minhas a propósito da tutela das questões económicas entre o MNE e outros departamento do Estado. Um assunto que eu já havia abordado há dias no "Jornal de Negócios".
 
Como na altura previ, vai assistir-se, daqui a dias, a uma "maquilhação" política do problema, através de uma retórica distribuição de competências, com o anúncio de tutelas partilhadas, numa linguagem de despacho e de lei orgânica, em que o papel dos embaixadores será (apenas) formalmente salvaguardado. Não se espantem mesmo se, da parte do MNE, vierem a surgir vozes de "contentamento" com a solução encontrada, a qual, "claro", garantirá a "eficácia" e "preservará" o papel "central" da diplomacia. Conversa fiada...
 
Tudo isso, a surgir, não passará de um "trompe l'oeil": ou o MNE, perante a inexistência no seu seio de uma direção-geral específica para as matérias económicas, fica com a tutela exclusiva da AICEP, ou as Necessidades ficarão numa posição periférica do circuito económico externo, apenas colocando a sua rede de embaixadas e consulados ao serviço do ministério da Economia. A experiência provou que isso não funciona em favor dos interesses globais do país na ordem externa.
 
Quem estiver interessado pode ler aqui o que a Lusa traz hoje (chamando-me "ex-embaixador"...) e aqui o que escrevi no "Jornal de Negócios".

Comidas (2)


Hoje, no "Ponto Come", faço uma visita (atualizada, na medida do possível) aos restaurantes de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Tudo o que ali escrevo, convém ter bem presente, vale o que vale, trata-se de uma opinião meramente pessoal, apenas com o intuito de ajudar quem ande a passear na região ou esteja a pensar fazê-lo.

E este blogue, no dia de hoje, a menos que caia o Carmo e a Trindade, fica-se por aqui, está bem?

domingo, agosto 11, 2013

"Briefings"

É quase patética a situação que se criou em torno dos "briefings" do governo, que inicialmente eram para ser diários, depois passaram a ser "quando o rei faz anos" e agora terão uma periodicidade a definir, a tudo isto se cumulando registos em "on" e em "off". A iniciativa parece ter partido de dois académicos recrutados recentemente para o executivo, que terão seguido o princípio de que "se nós explicarmos bem o que estamos a fazer, os portugueses compreenderão e valorizarão isso". Enganaram-se e agora, como já se percebeu, não sabem bem como hão-de descalçar a bota. 

A ideia deve ter surgido a alguém que viu muito as séries "Os homens do presidente", que achou que se podia transpor uma prática americana de décadas, com regras próprias e há muito testadas, típica de uma administração presidencialista centralizada, para um ambiente nacional marcado por um "malaise" conjuntural fortíssimo. Acresce a óbvia impossibilidade de, num governo de coligação, com a sustentação de um quadro de ambições estratégicas só conjunturalmente próximas, manter uma "unicidade" no discurso, até porque todos sabemos que há protagonistas que gostam de escrever o seu próprio "script" e não estão dispostos a prescindir da sua autonomia de afirmação pública, nomeadamente no "dourar" da sua atividade pessoal. 

Nos dias que correm, o sentimento dominante nos "media" face ao governo não é favorável e isso não é uma coisa de "esquerda" ou de "direita" - bastando refletir no que se passou nos últimos tempos da administração Sócrates. O país anda mal disposto com o governo e a imprensa, sentindo isso, segue-lhe o "mood". Daí que os famosos "briefings", em lugar de serem um tempo de esclarecimento da "bondade" das opções do governo - como se as medidas políticas fossem "neutrais" e houvesse uma espécie de "objetividade" natural que se revelasse pela simples explicação -, acabem por ser uma oportunidade mais para a imprensa explorar as debilidades do executivo. O governo vai para os "briefings" tentar mostrar "obra feita", mas a agenda dos jornalistas é outra, é aproveitar essa ocasião como uma trincheira para sublinhar incoerências, frases ou atitudes contraditórias, bem como a fragilidade de certos atores políticos convidados, alguns com dificuldades insuperáveis - como, há dias, se notou com o (então ainda) secretário de Estado do Tesouro, cuja prestação se converteu num penoso suicídio político em direto televisivo.

Há uma obra clássica de comunicação política que se recomendaria que o secretário de Estado Lomba lesse: "Kill the messenger", de Bernard Ingham, assessor para a comunicação social de Margareth Thatcher, depois de o ter sido de figuras tão diferentes como Tony Benn, Lord Carrington ou Barbara Castle. Ingham não era membro do governo, nunca fazia "briefings" em "on", pelo que os seus cuidadosos "off" eram sempre atribuídos a "senior government sources". Mas, tal como o secretário de Estado Lomba, nem sempre era feliz na sua tarefa de "spin doctor", talvez menos por culpa própria do que pela dificuldade de "vender" algumas das mensagens, em especial quando as coisas corriam mal. É que as mensagens, quando são vistas, mesmo que com eventual injustiça, como tendo a qualidade de um produto de quinquilharia de loja chinesa, acabam por dar ao mensageiro a sorte política que o título do livro de Ingham anuncia.

sábado, agosto 10, 2013

Criminalidade autárquica

Às tantas, devo ser eu que sou esquisito, mas faz-me impressão ver um candidato autárquico reivindicar-se do legado de um delinquente (já na cadeia, com sentença transitada em julgado), colocando o respetivo nome ou foto nos cartazes, como se de uma medalha se tratasse. É como houvesse alguma glória no bando do "roubo mas faço!", expressão crismada por um sinistro político brasileiro que dava pelo nome de Ademar de Barros.

E não me venham com o argumento de que o delinquente foi um ótimo autarca ou de que outros, que terão roubado tanto ou mais, andam aí de costas direitas! A impunidade de uns não absolve a culpabilidade de outros, agora confirmada em pleno pela justiça, depois de anos de expedientes dilatórios garantidos por uma advocacia espertalhota e por uma lei permissiva que protege quem tem dinheiro para comprar recursos - mesmo que esse dinheiro seja dos outros. Configura uma perigosa degenerescência da democracia portuguesa a persistência, em muitos meios, deste tipo de relativismo, que é uma triste contemporização com a criminalidade autárquica, muito injusta para as imensas pessoas honestas que dão o seu melhor nesta atividade cívica.

"Swaps"

Anda aí tanta gente a falar de "swaps", apenas como arma de arremesso político, que talvez valha a pena recomendar um artigo hoje publicado no i-online onde, parece-me, as coisas são explicadas com clareza não sectária. Leiam-no aqui.

Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)

Nunca falei com Urbano Tavares Rodrigues. Nunca consegui acabar um livro seu (defeito meu, pela certa, que me confesso um pouco atento leitor de alguma ficção). Sempre senti uma distante simpatia pela sua figura humana, que me parecia suave e amável, com uma aparente tranquilidade. Não tinha aqueles tiques de "prima dona" grave que marcam alguns dos nossos escritores, sempre a fugir-lhes o pé para a polémica ácida, a imitarem o que leram das tricas intelectuais do século XIX. Urbano Tavares Rodrigues foi um lutador contra a ditadura e era um homem de abril, embora num registo que nunca foi o meu. Sinto-me solidário com quantos lamentam a sua morte.

ps - esta é a resposta a um amigo que me telefonou, há pouco, a dizer: "então não escreves nada sobre o Urbano?". Aqui fica, com total sinceridade

sexta-feira, agosto 09, 2013

A minha "cunha"

Há uns anos, o lugar de conselheiro jurídico da nossa Representação permanente junto da União Europeia ficou vago. Competia-me escolher uma pessoa para ocupar a vaga, para a qual se exigiam vários requisitos. Começaram a "chover" currículos, uns para mera informação, outros mais ou menos bem "cunhados" (quem me conhece sabe o destino que eu dou às "cunhas"). O lugar era de importância, porque as dimensões jurídicas são das mais sensíveis no trabalho junto das instituições europeias. Estudei com atenção todos os perfis, "short-listei" três nomes e fi-los analisar por pessoas que tinha por independentes e qualificadas. Por consenso, emergiu um único nome. Nomeei-o, sem sequer o ter conhecido pessoalmente.

Um dia, num restaurante de Bruxelas, uma pessoa veio ter comigo: "O senhor não me conhece, mas queria agradecer-lhe, porque sou eu a pessoa que nomeou para consultor jurídico na Reper". Não tinha nada que agradecer, porque se tratava de um excelente técnico e porque viria a prestar ótimos serviços a Portugal no exercício do cargo. Poucas vezes o encontrei, desde esse dia. Soube que, mais tarde, foi nomeado diretor dos serviços jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ontem, ao ler o jornais, verifiquei que Miguel Serpa Soares foi designado consultor jurídico das Nações Unidas, um lugar da maior importância no seio da ONU. Eu, que às vezes tenho dúvidas e que também me engano, parece que dessa vez terei acertado.

O suplente

Em alguma imprensa, mobilizada para a intriga pelos calores da "silly season", descobri especulações sobre a "orientação" que o dr. Paulo Portas iria imprimir ao governo, durante a sua tutela estival sobre o executivo, se acaso lhe competisse dirigir o Conselho de ministros. Como se fosse plausível que ao novo vice-primeiro ministro, o mais experiente membro do governo, lhe passasse pela cabeça, numa sua liderança formal transitória, tentar dar um rumo diferente à governação. E como se isso fosse possível. Talvez para acabar com as especulações, o primeiro-ministro saiu ontem da sua vilegiatura na Manta Rota e foi a Lisboa presidir à reunião semanal dos ministros.
 
A chefia interina do governo é uma fórmula banal. Nas ausências do primeiro ministro, a presidência das reuniões de governo bem como a assinatura principal em alguns atos legislativos costumam ser asseguradas pela figura governamental mais elevada na hierarquia do governo, que estiver em exercício efetivo de funções - e que até pode nem ser o "número dois" do governo. Normalmente, a regra deste tipo de reuniões é deixar vaga a cadeira do primeiro-ministro e, quem a preside, continuar sentado naquela que vulgarmente lhe corresponde.

Uma coisa é muito clara: nenhuma decisão importante no âmbito do governo é tomada sem que o chefe do executivo, que está apenas a uma chamada telefónica de distância, decida por si próprio. Assim, por exemplo, não se imagina que o dr. Passos Coelho não tenha estado envolvido, minuto-a-minuto, no processo que levou à demissão do secretário de Estado do Tesouro e que não tenham partido dele as decisões essenciais.
 
Refiro isto para notar a estranheza que se instalou, numa reunião de um Conselho de ministros, já há muitos anos atrás, quando o ministro que a chefiava interinamente (e que, por sinal, não era o "número dois" do governo), depois de despachados alguns diplomas que já vinham "limpos" da reunião de secretários de Estado, e que só necessitavam da chancela formal do conselho, resolveu suscitar um debate sobre um qualquer tema de "política geral".

Estava-se em Agosto, mês em que os Conselhos de ministros são, em regra (não foi o caso do de ontem), mais breves, dedicados a coisas de rotina, sem um pendor decisório muito forte. Uma eventual ausência do primeiro-ministro como que inibe o Conselho a envolver-se em matérias que passem o estritamente indispensável.

Convirá também dizer que esse ministro, ingressado numa remodelação, estava longe de fazer a unanimidade, na apreciação de uma certa geração política presente à volta da mesa, por razões que não vêm aqui para o caso. O ministro começou então por dizer da importância do Conselho refletir sobre a temática em causa e introduziu a discussão com uma intervenção de vários minutos. Alguma perplexidade começou a instalar-se à volta da mesa. Muitos dos restantes ministros e secretários de Estado presentes (que aí estavam em substituição dos respetivos ministros, nesse mês de férias) entreolharam-se com algum espanto. Era inusitado, na ausência do chefe do governo efetivo, ter lugar um debate sobre um tema de orientação política geral. Mas, em silêncio, lá deixaram ir o ministro até ao fim da sua fala.
 
Acabada esta, o chefe interino da reunião convidou os ministros a intervir. O silêncio, benevolamente tido como de atenção, com que a intervenção inicial fora acolhida, prosseguiu, mas agora num registo de algum indisfarçável embaraço. Ninguém se inscreveu para falar. O nosso homem, talvez já pressentindo que o Conselho lhe estava a "fugir de mãos", inquiriu se os secretários de Estado presentes desejavam dizer alguma coisa. E, perante o também silêncio destes, complementou a sua intervenção anterior, colocando mais algumas questões concretas, sobre as quais "gostaria de poder colher a sensibilidade do governo". Os seus colegas eram agora formalmente desafiados a responder.

Novo e fragoroso silêncio se instalou, com alguns sorrisos e troca de olhares já a aflorarem. Alguns dos presentes colocavam já as pastas sobre a mesa, com algum "restolho", prenunciando o fim da reunião. Mas o ministro não a tinha dado por terminada. No continuado silêncio, olhava para os seus dossiês, talvez perguntando-se como sair dali. A solução veio de um ministro do fundo da sala, num comentário a meia-voz: "e se fôssemos andando?". E fomos.   

quinta-feira, agosto 08, 2013

Post aberto a Ferreira Fernandes

Meu caro

Li hoje, como sempre leio, a sua crónica no DN. Dela transparecia uma estilizada indignação pelo facto dos diplomatas aposentados (com a pancada nos outros posso eu bem) irem ser poupados aos (próximos) cortes nas pensões. Eu imagino as limitações de espaço da sua coluna na folha de Oliveira, embora, vá lá!, ele seja um pouco mais do que aquele que o Robert Escarpit tinha no "Le Monde". Por isso, e por o conhecer bem, desculpo-lhe a imprecisão. Mas noto-a.

Contrariamente ao que se deduz do que escreveu, nem todos os diplomatas aposentados são poupados ao "recáulculo" - graciosa expressão do secretário de Estado Rosalino - das pensões. Por exemplo, este seu amigo irá sofrer essa "talhada", como a esmagadora maioria dos servidores públicos com "reformas milionárias", isto é, com mais de 600 euros.

O que você quis dizer é que os "diplomatas jubilados" (que são só algumas dezenas, sabia?), são poupados (desta vez). Porquê? Porque esses meus colegas, cujo estatuto lhes impõe limitações e só é acessível com determinados requisitos, já antes haviam sofrido cortes, numa percentagem idêntica à que foi aplicada aos diplomatas no ativo e similar à que ora se anuncia. Se agora fossem reduzidos no seu estipêndio mensal, sê-lo-iam duas vezes. Embora o conceito ande oficialmente fluído, parecer-lhe-ia justo?

Com a esperança que, para um sportinguista (você, como benfiquista, embora punido por Santos, tem fé em Jesus, o que só lhe fica bem), só morre nas urnas, quero dizer-lhe que não desesperei de ver ainda o nosso novo vice-PM, para muitos a "CGTP da terceira idade", a vetar tudo isto, a dar dois lambefes orais na "troika" e a defender, alto e bom som, "a reforma a quem a trabalhou". Se isso não acontecer, se o encontrar na esquina de uma feira, direi das boas ao dr. Paulo Portas. Ó se digo!

Com o abraço transmontano e a admiração de sempre

Francisco

Ronaldo 2 - Mourinho 0

É triste o espetáculo luso-português dado por um dos melhores (senão o melhor) treinadores do mundo face a um dos melhores (senão o melhor) jogadores do mundo. Mourinho é um génio do futebol mas os últimos anos provaram que o seu estilo ácido terá contribuído para (ou foi a consequência de) resultados mais parcos e induziu tensões sem visível eficácia estratégica. 
 
Torna-se interessante notar a evolução das duas figuras. Por um lado, um jogador de origens humildes que passou de um deslumbramento descontrolado para uma postura pública mais medida e serena. Pelo outro, um treinador, cujo rigor e seriedade eram a imagem de marca, a reagir, como que se sentisse acossado, com atitudes cada vez mais "rough" e deselegantes, fruto de uma soberba sem limites.

O curioso é que a relação de ambos com a pura má educação parece ter-se invertido. 

quarta-feira, agosto 07, 2013

Os eufemismos das trapalhadas

Pela boca de um secretário de Estado, ouvimos ontem a qualificação de "inconsistências problemáticas", referindo-se à situação que envolvia um seu colega. Uma situação que o peso dos factos se encarregou de resolver, algumas horas depois.

Esta criatividade terminológica, na qualificação de certas realidades incómodas, traz-me a memória a expressão consagrada pelo político britânico Alan Clark, quando rejeitou ter mentido numa certa circunstância, admitindo apenas ter sido "económico com a verdade"*

A verdade, em política, tem o pudor das noivas dos casamentos de outro tempo: só se revela em pleno no conforto da alcova. Neste caso, dos ministérios.

* Um amigo chamou a minha atenção para uma imprecisão que cometi. A expressão "economical with the truth" foi usada pelo "cabinet secretary" britânico, sir Robert Armstrong. Verifiquei agora que Alan Clark usou outra expressão: "economic with the actualité"

Os nomes da bola

A estrondosa derrota da equipa brasileira do Santos face ao Barcelona (0-8), trouxe à evidência o nome do contestado presidente da agremiação brasileira, Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, erigido em responsável pela humilhação, tida como um "vexame mundial".

Não vou aqui falar de futebol e do facto das equipas brasileiras, no quadro internacional, estarem muito distantes dos êxitos obtidos pela sua seleção, não obstante o Santos ser um dos seus expoentes.

O que eu quero notar é o nome do seu presidente. Desde logo, o "Luís" e não o brasileiro "Luíz". Depois o resto - "Álvaro de Oliveira Ribeiro" -, um conjunto de nomes típico de quem poderia ter nascido em Guimarães, na Amadora ou em Silves.

Muitos estranharão: mas, afinal, sendo o Brasil um "produto" da colonização portuguesa, é mais do que natural que esses nomes de origem lusa surjam nos seus habitantes. Ora aí está: não é assim! Por um processo natural de adoção de novos nomes locais, outras vezes de outras origens estrangeiras ou de evolução local das mesmas, os nomes comuns no Brasil afastam-se cada vez mais dos nossos. Vejam-se as fichas técnicas das telenovelas ou os nomes dos futebolistas brasileiros que atuam entre nós para constatar isto.

Por isso, com assumida nostalgia, gostei de ver lembrado um nome brasileiro como o de Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, nascido em Santos, de cuja origem portuguesa não tenho a menor dúvida.

Curioso é que, como magra compensação da "abada" levada em Camp Nou, LAOR, como é conhecido no Brasil, apenas possa mostrar a sua magra contribuição para o início do calvário do Jesus a que o Benfica tem direito. O tal que, como já se provou, não faz milagres (e não me venham falar do Sporting nos comentários, está bem?).

Gibraltar


 
Entre a Espanha e o Reino Unido renasce, a espaços, a polémica em torno da questão de Gibraltar, com ambos os países a insistirem nos seus direitos de soberania sobre o rochedo. Nos últimos dias, o tema voltou a agitar as duas diplomacias, por virtude de uma iniciativa espanhola de reforçar os controlos fronteiriços.

Este é um tema difícil para Londres, que não consegue fazer esquecer a solução que foi dada a Hong-Kong, face à China, e tem sempre presente a paralela questão das ilhas Falkland/Malvinas, com a Argentina. Mas a diplomacia espanhola tem igualmente que defrontar-se com o exemplo da sua presença em Ceuta e Melilla, contestada por Marrocos. E já nem trago aqui a questão de Olivença...

O que julgo não ser conhecido, mas que me parece suficientemente longínquo no tempo para já o poder ser, é o interessante processo de mediação que Portugal desenvolveu, durante a sua presidência da instituições europeias em 1992, no sentido de se poder encontrar uma solução para a integração de Gibraltar no espaço de livre circulação no espaço europeu, com a possibilidade de utilização do respetivo aeroporto - construído numa zona de soberania contestada pela Espanha, o que constitui um outro problema, que é independente da própria questão central da soberania de Gibraltar.

As conversações tiveram como principal interlocutor português o dr. Paulino Pereira, representante pessoal do então secretário de Estado dos Assuntos Europeus, dr. Victor Martins, e o embaixador britânico Jeremy Greenstock, ao tempo diretor-geral para a Europa. Estive presente nas reuniões que tiveram lugar em Londres, sendo que outras decorreram em Madrid.

Infelizmente, e não obstante toda a criatividade, em matéria de soluções técnicas, demonstrada por Portugal, cuja mediação tinha a confiança política de ambas as partes, não foi possível obter-se um acordo. Lembro-me, em particular, que procurámos gizar um modelo de utilização dual do aeroporto, com acessos diferenciados e jurisdições complementares. Não guardei qualquer documento sobre esse processo negocial, que então foi rodeado de grande secretismo, pelo que não tenho opinião sobre quem possa ter sido o principal responsável pelo seu insucesso.

Resta dizer que o aeroporto de Gibraltar (atravessado pela estrada de acesso ao território, como se vê na foto) hoje só é acessível por voos tendo como origem ou destino o Reino Unido. Uma abertura de Madrid para permitir voos a partir de aeroportos espanhóis acabou por não ter sequência.   

terça-feira, agosto 06, 2013

Concertação

Acho cada vez mais curiosas as reuniões entre o secretário de Estado da Administração Pública e os sindicatos. E, confesso, interrogo-me para que servem.

Se aquilo que o governo tem a "propor" são apenas cortes e redução de direitos, que sentido tem estar a chamar as estruturas sindicais para com elas ter um "diálogo"? Que diálogo? Passa pela cabeça de alguém que um sindicato vá estar de acordo com cortes nos salários ou nas pensões ou esteja disposto a aceitar reduções de direitos laborais ou despedimentos, qualquer que seja o eufemismo lexical de que estes venham travestidos? E o que vão ali fazer os sindicatos quando, no final, o governo imporá sempre aquilo que quiser, independentemente do parceiro no "diálogo"?

Posso ser eu que estou a ver mal as coisas, mas isto parece-me mais um jogo de "faz-de-conta".

segunda-feira, agosto 05, 2013

Contradições

Ontem, numa aldeia de Trás-os-Montes, uma irritante moto rompia o silêncio da noite. Pela certa, era um pateta de visita a mostrar a máquina aos amigos, escape aberto, aceleração no máximo, atroando as vielas. Percebo agora melhor um amigo que, um dia, em Lisboa, perante idênticos artistas do ruído que teimavam em juntar-se à sua porta, me confessou: "Ando a pensar comprar uma caçadeira...".

Lembrei-me ontem disto porque, paradoxalmente, já estive do "outro lado". Não que eu tivesse alguma vez uma moto, mas porque já fui obrigado a defender o ruído das motos produzidas em Portugal.

Estávamos na segunda metade da década de 90. Eu representava Portugal no conselho de ministros do "Mercado Interno", em Bruxelas. A agenda dessas reuniões incluíam a análise de uma imensidão de diplomas, relativos a questões técnicas para nós de grande complexidade, até porque diziam respeito a áreas muito diversas entre si. As temáticas ambientais e de proteção dos consumidores eram então as mais vulgares, num tempo em que se procurava legislar para que o "Mercado Interno" intracomunitário pudesse melhor funcionar (e, hoje, talvez valesse a pena completá-lo, como bem perceberá quem me ler e conhecer algo da matéria). A harmonização legislativa era essencial para proporcionar a livre circulação das mercadorias no espaço europeu. Por essa razão, era necessário produzir legislação à escala da Europa, que depois teria de ser transposta para a ordem interna de cada país. E, a partir daí, ser respeitada pelos operadores económicos.

Era isso que íamos tratar nessa reunião. Na véspera, no "hall" do Hotel SAS, com a Maria José Salazar Leite, a Lénia Real e a Regina Quelhas Lima, num ritual que iria durar alguns anos, eu tinha passado a pente fino a posição portuguesa sobre todos os diplomas que iam estar sobre a mesa do Conselho de ministros, neles identificando eventuais interesses nacionais a salvaguardar, alterações a propor e, em geral, o nosso sentido de voto na decisão final sobre as "diretivas" em causa. A nossa posição era baseada nas opiniões recolhidas junto dos "ministérios sectoriais" (fórmula algo pedante que o MNE utiliza para se referir aos outros departamentos governamentais), que deveriam ter auscultado previamente a nossa indústria interessada. Era assim que as coisas se passavam e, julgo, ainda se passam.

O grande berbicacho para nós, nessa reunião, era um diploma que incluía regras muito estritas sobre o ruído máximo permitido às motos e motorizadas. Recordo-me que, dentre os Estados dessa Europa então apenas a 15, Portugal e a Itália estavam em clara minoria, na defesa de um nível elevado de decibéis, que entendíamos deverem ser permitidos ao funcionamento dos escapes das viaturas dessa natureza produzidas pelas suas indústrias do setor. Ao ler a papelada à minha frente, lembro-me de ter pensado na barulheira que as "Zundapp", as "Pachancho" e as "Famel" faziam pelas ruas da Vila Real da minha juventude e, por um momento, senti-me representante dessa bárbara produção lusa de ruído e fumarada.

O assunto começara por ser analisado nos "comités" da Comissão europeia, onde os setores técnicos são ouvidos, mas o projeto de "diretiva" não contemplou os nossos interesses. A discussão do texto, nos meses anteriores, no seio dos "grupos de trabalho" do Conselho, também não acomodara as nossas pretensões e o diploma passara no "Coreper I" (comité dos representantes permanentes, versão representantes adjuntos) com as nossas "reservas". Porém, as objeções de Portugal e da Itália estavam longe de ser suficientes para construir uma "minoria de bloqueio", pelo que nos restava politizar o tema em Conselho de ministros, afastada, no entanto, a hipótese de invocar o chamado "interesse vital", para bloquear o diploma. É que um interesse só é "vital" quando os outros o reconhecem como tal.

Aquele era o primeiro Conselho de ministros em que eu participava, como secretário de Estado dos Assuntos europeus (quatro anos depois, havia de presidir a esse mesmo Conselho, durante um semestre). Como alguém dizia, "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Isto era válido perante os meus colegas de governos estrangeiros como o era perante a delegação portuguesa. Por isso, com base em sínteses, estudei o assunto tão bem quanto pude, a fim de bem defender as nossas "cores". A certo passo da reunião, pedi, para a fila de trás, onde estavam os técnicos, o texto completo do projeto legislativo: passaram-me um imenso "tijolo", com resmas de anexos, que devolvi discretamente, ciente de o não conseguir ler.

Chegado o momento na discussão da diretiva sobre o ruído bdas motos e motorizadas, intervim cedo, lendo uma "speaking note" que me havia sido preparada pelos serviços, texto que, na noite anterior, eu "oralizara" com umas expressões menos técnicas, para dar um tom mais político ao meu discurso. Fui solene e grave. Expliquei, com falsa sapiência e escudado em argumentos técnicos especiosos, que, em absoluto, era impossível à nossa indústria baixar de X decibéis, com os motores a operar a Y por cento da sua potência. Expliquei, com números catastróficos, os impactes sobre o desemprego que um grau de exigência maior na diretiva iria ter, com o encerramento de fábricas e crise nas regiões onde elas se situam. Em apoio às teses que defendia, disse (em português, porque nos Conselhos de ministros fala-se, em regra, a língua nacional) frases técnicas que eu só a custo havia entendido - e que, imagino hoje, devem ter chegado "lindas" aos ouvidos dos meus colegas holandês ou finlandês, retraduzidas através do inglês. Porém, acabei a minha prestação com a perceção, lida na cara das outras delegações, que a minha argumentação não os comovera minimamente. O "tour de table" foi, de facto, esmagador: constatava-se que Portugal e Itália estavam isolados. 

Com simpatia e imensa ironia, o presidente da sessão, o secretário de Estado espanhol Carlos Westendorp, dirigiu-se então às delegações, dizendo qualquer coisa parecida com isto: "Agradeço as vossas intervenções, as de quantos apoiaram com veemência as virtualidades da diretiva como as de quantos ainda discordam de alguns aspetos que ela comporta. Mas, meus caros amigos, sejamos honestos conosco próprios: nenhum de nós sabe rigorosamente nada do que está a falar! Isto é uma matéria de alta tecnicidade, que somos chamados a decidir politicamente, mas sobre a qual a nossa opinião é apenas a que nos é dada pelos especialistas, que prepararam as "speaking notes" que, de forma tão esforçada, todos vocês leram. Verifico que a Itália e Portugal alegaram ter problemas com a diretiva e, a crer no "dramatismo" das suas declarações - em que todos somos obrigados a acreditar -, isso pode ter implicações para as suas indústrias. Convido, assim, a Comissão europeia a estudar, com essas delegações, a instituição de um "período transitório" para as mudanças a introduzir na sua respetiva legislação, dando às suas indústrias algum tempo mais para se adaptarem. E espero que, quando o assunto aqui voltar no próximo mês, todos me poupem à sua "sapiência" sobre os ruídos das motos".

A sala caiu em risos e, já não me recordo bem como, o assunto lá foi encaminhado. Por mim, e para o futuro, aprendi para sempre em não ser muito enfático sobre assuntos cuja tecnicidade desconheço.

Ontem, na noite rural transmontana, senti melhor como a vida é feita de irónicas contradições. E perguntei para mim mesmo, ao ouvir a barulheira da moto: será que a diretiva está a ser cumprida? Ou ainda perdura alguma "derrogação" que dá liberdade a quem me estraga a noite? E será culpa minha, desses tempos, de algo que me tenha escapado? Terei razões para ter algum peso na consciência, desses (demasiados) anos nas lides europeias? É verdade, aprovei muitas diretivas, assinei alguns acordos, mas, com os diabos, nunca assinei "swaps"!

"Voltamos ao Kosovo?"

O "Jornal de Negócios" publica hoje um pequeno artigo da minha autoria, intitulado "Voltamos ao Kosovo?", relativo à competência em matéria económica que o Ministério dos Negócios Estrangeiros passa a (não) ter após a última remodelação do governo.

O texto pode ser lido aqui.

domingo, agosto 04, 2013

Nem os sinos...

Fim de tarde numa pequena aldeia transmontana. Da capela, ouvem-se as horas. Uma cadeia de sons que me pareceu algo sofisticada, com as badaladas a misturarem-se com uma sequência de música religiosa. Seria agradável, não fora a intensidade do som, que se espalha, muito agressiva, por toda a aldeia, como a lenga-lenga de um "muezzin" muçulmano. Olhei para a torre da igreja. O único sino estava quieto, mas a sonoridade continuava forte, vinda de um altifalante que, pelos vistos, reproduzia uma gravação.

Que diabo! Já nem a genuinidade dos sinos de uma simples capela de aldeia escapa, neste país de faz-de-conta...  

sábado, agosto 03, 2013

Monoglotismo político

Notícias recentes, a confirmar, dão conta das mais do que duvidosas qualificações linguísticas de um certo membro do governo, com responsabilidades na área externa. Nada que já não tenha ocorrido no passado, convém lembrar. A serem verdadeiros tais rumores, logo que atravessada a fronteira do Caia o nosso governante entrará num irrecuperável estado de incompreensão perante os seus eventuais interlocutores, o que introduzirá alguma singularidade na nossa ação diplomática, se bem que, de forma implícita e com patriótica soberba, dê conta da prioridade que atribuímos à lusofonia. Porém, há quem não dramatize tanto esta falha ao lembrar que, no caso do político em questão, ela pode ser compensada, numa certa escala, pela facilidade semiótica de recurso ao léxico gestual simbólico que é próprio de certos ritos universais a que o nosso homem regularmente se aventala.

Qual poderá ter sido a racionalidade subjacente a esta escolha? Tenho uma explicação, que vale o que vale. 

Em tempos em que a discricionariedade e o arbítrio, senão mesmo algum nepotismo, comandavam a administração da diplomacia portuguesa, dizia-se que havia sempre uma explicação para que alguém aparecesse destinado para a embaixada em Londres: ou porque, bem educado, sabia falar muito bem inglês, ou ia trabalhar para escritório de Belgrave square porque o ministério, num acesso de generosidade pedagógica, havia decidido proporcionar-lhe um ensejo para se aprimorar na língua de Shakespeare.

Se esta espécie de "estágios" se aplicavam aos diplomatas, por maioria hierárquica de razão devem ser extensíveis a políticos que os titulem. 

sexta-feira, agosto 02, 2013

Exercícios de memória

Prezo-me de ter alguma memória para as coisas da política caseira, que os leitores deste blogue por aqui têm "sofrido". Há dias, notei o facto de, em Portugal, só muito raramente  alguém se prestar a aceitar lugares governamentais de "ranking" abaixo daqueles que já exerceu. Notei as exceções: os casos de Freitas do Amaral e, agora, de Rui Machete. Um leitor atento fez-me depois ver que Mota Pinto, depois de ter sido primeiro-ministro, aceitara ser "vice" de Mário Soares no governo do "bloco central".

Ontem, na conversa com um grande amigo vilarealense, este "deixou cair", irónico: "esqueceste-te de alguém que, tendo sido ministro, aceitou ser secretário de Estado..."

Caí das nuvens! Não me lembrava de nenhum caso! Parecia-me impossível! E, no entanto, ele estava cheio de razão: João Vaz Serra de Moura, ministro da Qualidade de Vida do VII governo constitucional, transitou para o executivo seguinte como secretário de Estado adjunto (precisamente) do novo ministro da Qualidade de Vida, acumulando com os Desportos.

Isto tem alguma importância? Claro que tem. É um gesto de modéstia que muito dignifica um político. Neste caso, era do Partido Popular Monárquico, uma formação que ficou na história política portuguesa por ter sido responsável pela introdução das questões ambientais na agenda pública.

O renascimento do CDS

Hoje, volto ao tema CDS, que é uma formação política que está a "sair muito" este verão. A proeminência - se bem que ainda não a preeminência - dos "centristas" no seio da maioria é o tema mais badalado destes dias e, estou certo, dominará as conversas sob os toldos, do Moledo à Balaia, passando (claro!) pela Comporta, com os Tomates e a Manta Rota a remoerem.

O CDS, como aqui já foi dito há dias, é uma estrutura de representação política que, a partir de 1974, deu acolhimento democrático a vários setores conservadores, a maioria dos quais tinham com o 25 de abril uma relação menos entusiástica - e isto é obviamente um "understatement". Os núcleos do CDS surgiram, mais ou menos a medo, pelo país, perseguidos por uma esquerda que os via como encapotados saudosistas da ditadura e desprezados por uma direita mais radical, que quase os apodava de colaboracionistas com a nova situação. Não deve ter sido fácil "ser CDS" por esses tempos, tanto mais que, à sua imediata esquerda, nascia um partido que, com o tempo, apareceu a muitos conservadores mais pragmáticos como aquele que melhor garantiria uma fatia imediata de acesso ao poder político - o então PPD. Para este, a existência do CDS era uma bênção, porque assim assegurava que passava a existir uma estrutura à sua direita, que o afastava um pouco desse setor diabolizado do espetro político.

O CDS foi sempre um partido de um líder. De início, foi Freitas do Amaral que o titulou, com aquele ar cinquentão de quem tinha uma pose de Estado e apenas trinta e poucos anos de idade. Ao seu lado, como inteligência estratégica, sobressaía Amaro da Costa - que a trágica desaparição em 1980 converteu numa espécie de eterno mito partidário. É curioso notar que Freitas do Amaral não conseguiu fixar, na história interna do CDS, o lugar afetivo que a sua liderança inicial justificaria. Porquê? Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças, que continua a deixar aturdidos os observadores políticos e deve ter colocado "à beira de um ataque de nervos" os seus seguidores originais.

Toda a história do CDS é o drama de uma formação que, pela natureza da sua alegada matriz política, internacionalmente relevante, se pressente vocacionada para a partilha uma fatia do poder democrático, mas que tem consciência de que só minoritariamente a ele pode ter acesso, por razões que se prendem com a inultrapassável natureza do sistema nacional de representação política. O CDS não é um partido desejado pelos seus coligados (sejam eles o PSD ou o PS): esses partidos apenas o aceitam porque necessitam do CDS para arredondar as suas maiorias. E, quando colocados nesse contexto, essoutros partidos têm sempre de sofrer a imperiosa necessidade do CDS afirmar uma identidade programática específica. Porque o CDS sabe que, se acaso se subsumir excessivamente numa maioria que nunca liderará, perderá o seu eleitorado específico. E, por isso, sente-se sempre obrigado a fazer recorrentemente prova de vida própria.

Quem é que vai para o CDS? Durante muito tempo, "ser do CDS" estava para a política como ser do Belenenses estava para o futebol, tirando uns teimosos abastados rurais, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais de província que se estavam nas tintas para o Estado e não temiam de ser apelidados de "fachos". Noutras geografias, da Lapa a Nevogilde, era mesmo "bem" ser do CDS, embora se soubesse que o caminho fácil para um conservador ter um futuro político estava mais no PSD.

(O PSD é uma formação que hoje a maioria dos "centristas" despreza e apenas tolera, porque a consideram movida, no essencial, por uma filosofia oportunista de ascensão ao poder a todo o custo. É, contudo, a "locomotiva" natural no seu cíclico caminho de partilha desse mesmo poder... Já o PS é, por muitos deles, considerado um partido que disfarça bem uma ambição apenas simétrica à do PSD, encadernando-a com uma ideologia que vende como "social", mas que, na realidade, entendem não passar de um mero tropismo estatizante de quem se habituou a viver à mesa do orçamento, com uma arrogância de quem se acha "proprietário" de abril. Quanto ao PCP, bem, são "comunas" e isso diz tudo...).

Durante muitos anos, praticamente ninguém entrava para o CDS para fazer uma carreira política ou obter grandes benesses por essa via - da mesma maneira que ninguém vai para sócio do Belenenses para ganhar um campeonato. Pelo contrário: muita gente que aderia ao CDS levava já consigo uma carreira e um perfil público que ajudava à imagem do partido, raramente esperando que fosse o partido a ajudá-los. O CDS urbano era um partido de elites, de famílias, com um toque religioso à mistura, para adubar a sua origem ideológica.

Essa sua matriz específica, que pouco retribuía, fez com que, ao longo dos tempos, o CDS fosse quase sempre o partido dos amigos do líder da ocasião, que acabava por ser quem "puxava" pelo CDS e, com maior ou menor sorte, lhe dava força eleitoral - desde os tempos do "taxi" a bancadas mais fartas. Eram também esses chefes quem determinava a linha ideológica, por isso muitas vezes errática, num moldável "template" conservador - foi anti-europeísta e soberanista para mais tarde desembocar num quase-federalismo europeu, chegou a ser liberal para depois se refugiar em opções que relevam de um "gaullisme" à moda do Caldas, com toques de "poujadisme". Mais recentemente, o CDS tinha procurado fixar o seu nicho social e político na agenda da senioridade, assim fazendo uma evocação subliminar das suas origens demo-cristãs. Foi, aliás, a contradição entre essa agenda e o facto dos reformados serem hoje o trágico "target" da poupança orçamental que muito ajudou às crises na coligação.

Este meu texto, embora isso possa não ter sido evidente até agora, tem apenas um propósito: notar que, como resultado do estranho braço de ferro programático que, nos últimos tempos, teve com o PSD, o CDS como que mudou de natureza. Ao que se sabe, há semanas, quando o seu líder regressou ao partido para justificar a inopinada decisão de se demitir do governo, ter-se-á confrontado com uma formação política diferente, provavelmente um tanto inesperada para ele (embora eu ache que o dr. Paulo Portas raramente é surpreendido). O CDS, que fora reconduzido ao poder pela sua mão e pelo seu brilho, tinha-se entretanto acomodado a esse mesmo poder, pelo que já não era uma mera correia de transmissão da sua vontade pessoal. O "novo" CDS era agora um grupo de pessoas que partilhavam interesses muito concretos, alimentados por uma ocupação do espaço político e administrativo a que tinham tido acesso pelo facto de pertencerem à maioria no poder ou que tinham ganho, para a proteção das suas finalidades pessoais ou de grupo, uma capacidade de influência de que não estavam dispostos a prescindir. O CDS era, finalmente, um partido e, para afirmar isso, mandava para o governo alguém como o dr. Pires de Lima, diretamente da área da economia "a sério". Gente que, nestas condições, disse que não ao amuo do líder e o forçou a tentar garantir, se possível em condições mais vantajosas, uma nova partilha do poder governativo. O líder, por eles assim pressionado e com uma genialidade política que se destaca nesta "terra de cegos", foi mesmo capaz de ter ganho algum "share" na grelha executiva, perante um PSD em pânico de perder o acesso ao "pote", para utilizar uma já consagrada expressão.

Uma coisa o líder do CDS terá percebido bem nesses dias. No CDS, o tempo do "partido do chefe" acabou, em definitivo. Nasceu "um partido", um coletivo de interesses, de ocupação de lugares e de participação ativa na propositura de políticas e na partilha de prebendas, benesses e lugares. Um dia, se o ciclotimismo do dr. Paulo Portas o levar a uma nova precipitação, ao olhar para trás encontrará pouca gente a segui-lo. Esta, porém, é a sua grande vitória: ter finalmente criado um verdadeiro partido. Mas essa é também a sua grande derrota: o CDS já existe para além dele e, numa crise, pode muito bem vir a dispensá-lo.

(Dedico esta análise a um querido amigo, militante do CDS, com quem amanhã vou partilhar umas vitualhas, amesendados algures no nordeste transmontano)

quinta-feira, agosto 01, 2013

O juízo dos juízes

Os juízes de um tribunal português mandaram reintegrar um trabalhador que havia sido despedido por se encontrar embriagado no exercício das funções. No douto acórdão, os criativos magistrados entretiveram-se a desenvolver teses sobre a virtualidade do consumo excessivo do álcool no bem-estar laboral. É um texto magnífico, um espelho da impunidade de uma certa justiça portuguesa.

Alguns aleivosos críticos discordaram da decisão judicial. Acho mal esta posição. Os juízes foram coerentes consigo mesmos, porque, lido bem o texto da sentença, fica claro que, muito provavelmente, ela só podia ter sido ser produzida por quem partilhava um estado de bela euforia.

Este país vai bonito, vai... 

"À toutes fins utiles"

Informo que o meu "dress code" máximo, desde há um minuto e por tempo indeterminado, é t-shirt ou camisa, jeans velhos ou coisa parecida e (sempre) os mesmos "Timberland" que caminham para meia diuturnidade.

Espero que, assim vestido, me ofereçam um "spread" no BES que dê para eu ir "brincar aos pobrezinhos" à Comporta, "o menino tá ver?"

quarta-feira, julho 31, 2013

"A gaiola dourada"

Devo dizer que já me não recordava de ter passado uma noite de cinema tão divertida como a de ontem, ao assistir à comédia cinematográfica "A gaiola dourada". As peripécias em torno da existência de um casal de trabalhadores portugueses em Paris, com os todos os "clichés" e quadros de vida comuns a tantos outros compatriotas nossos, são tratadas de uma forma ao mesmo tempo carinhosa e descomplexada, graças a um belo "script" e a excelentes interpretações, dentre as quais me permito destacar a minha amiga Jacqueline Corado da Silva, bem como o próprio realizador-ator luso-francês Rúben Alves - que com este filme quis homenagear os seus pais. Fui dar a ambos um abraço de parabéns por este seu delicioso trabalho, que honra a memória da nossa fantástica comunidade em França, junto da qual tive o privilégio de trabalhar durante os quatro últimos anos da minha carreira.

Gostei de ver na assistência o meu antigo colega, o embaixador francês em Portugal, Pascal Teixeira da Silva, ele próprio um descendente de portugueses emigrados, que em breve termina a sua missão em Lisboa. E fiquei muito feliz por deparar, no meio da multidão, com um grande amigo dos portugueses em França, o "maire" do "XIVème arrondissement" de Paris, Pascal Cherki, também membro do grupo de amizade França-Portugal no parlamento francês.

Por algumas horas, "regressei" a Paris, à alegria sã da nossa comunidade e ao seu insuperável orgulho nas suas raízes. E, não sendo eu nostálgico, confesso que isso me fez muito bem.

terça-feira, julho 30, 2013

Memória do CDS

Nos idos de 1974/75, o CDS foi alvo de uma forte campanha política adversa, com atos de violência que, nomeadamente, levaram ao saque da sua sede nacional em Lisboa e ao boicote sistemático de muitos dos seus comícios, um pouco por todo o país. Casos houve em que os seus dirigentes tiveram de abandonar os locais pelos telhados das casas e correram riscos de integridade pessoal.

A acusação mais vulgar, feita pelas forças de esquerda, era a de que o CDS era uma formação política onde se refugiara muita da direita saída diretamente do salazarismo e do marcelismo. Ora isto, não sendo necessariamente mentira, estava longe de esgotar a verdade. Muita gente conservadora, sem atividade política no Estado Novo, a quem o "25 de abril" abrira a possibilidade de intervenção e defesa democráticas das suas ideias, não se revia no socialismo e nos partidos da esquerda dominante, optando igualmente por não seguir as ideias em torno das quais Sá Carneiro instituíra o PPD. E havia decidido apoiar o partido que Freitas do Amaral criara logo após a Revolução e que apelidou de "centrista", pretendendo identificá-lo com uma matriz democrata-cristã. 

Um dia, um grupo de responsáveis do CDS, chefiado por Sá Machado e integrado por Emídio Pinheiro e uma outra personalidade que não recordo, foi recebido, a seu pedido, pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), numa reunião que teve lugar naquele que é hoje o Instituto de Defesa Nacional, na calçada das Necessidades. Não consigo precisar a data, mas tenho a ideia de que deverá ter sido em fins de outubro ou novembro de 1974, isto é, depois do "28 de setembro", que forçou o afastamento de Spínola e levou ao isolamento temporário de um importante setor da ala direita militar. A delegação do MFA era dirigida pelo então coronel Franco Charais, meses mais tarde graduado em general e que viria a chefiar a Região militar do centro, sendo uma das figuras do chamado "movimento dos Nove", que se opôs às corrente comunista e populista no MFA.

Nessa reunião, Sá Machado expôs, com elegância e sem dramatismos, a penosa existência do novo partido, praticamente desde a sua criação. Ele sabia, de certeza segura, que o CDS estava longe de ser visto com bons olhos no seio da maioria dos setores que haviam feito a Revolução, mas também não desconhecia que as Forças Armadas, que conviviam com Diogo Freitas do Amaral no Conselho de Estado, não se podiam dar ao luxo de aceitar a exclusão da vida política, por via da força, de um partido que afirmara cumprir os princípios básicos que orientavam a Revolução e cuja ação não suscitava objeções importantes.

A certo passo da sua intervenção, feita no tom calmo embora um tanto pomposo que era o seu, Sá Machado inquiriu se as Forças Armadas estavam ou não disponíveis para garantir condições básicas de segurança para as sedes e as reuniões de propaganda que o CDS procurava organizar pelo país. Recordo ele ter dito mais ou menos o seguinte: "São os senhores que têm de decidir se querem ou não que continuemos a existir. Se o direito de reunião e organização política nos continuar a ser negado, talvez tenhamos de vir constatar que deixa de haver condições para o exercício da nossa atividade enquanto partido. Nesse caso, o MFA deve ter consciência de que um setor da opinião pública portuguesa se sentirá alienado do sistema político instituído pelo "25 de abril". E isso terá naturalmente as suas consequências na própria legitimidade futura do regime". Foi uma declaração frontal, corajosa para os padrões da época. Vários partidos considerados extremistas de direita e saudosistas haviam já desaparecido (Partido do Progresso, Movimento Federalista Português, Partido Liberal) e, com isso, o CDS ficara "colado" ao limite direito do espetro político.

Charais reagiu, dizendo que "outros partidos de direita, como o PPD" (nem o CDS se assumia como de direita, quanto mais o então PPD, mas a linguagem dos tempos era essa...), também sentiam dificuldades em organizar-se em certas regiões, mas que isso era devido ao facto de, nesses locais, CDS e PPD serem "o refúgio dos fascistas", pelo que a aceitação "popular" da sua legitimidade de afirmação política passava muito por uma escolha mais criteriosa dos seus quadros, que deviam ter "sólidas credenciais democráticas". Sá Machado retorquiu que o CDS não permitia a adesão de pessoas ligadas ao anterior regime e que, por isso, eram infundadas as acusações feitas ao seu partido.

A discussão prolongou-se por uma boa meia hora. Já não me lembro se houve algum "follow-up" no âmbito militar. Mas a mensagem passou. À distância dos anos, há que reconhecer que a criação do CDS acabou por permitir a organização de um espaço político para enquadramento democrático de uma certa direita. E isso não foi um serviço menos relevante que o CDS prestou à vida política portuguesa. O facto do partido! um ano depois, não ter votado a Constituição emanada da Assembleia Constituinte fixaria claramente a sua identidade no contexto político-partidário futuro. Mas, nesse futuro, o CDS não deixou de evoluir muito, de uma forma que se pode mesmo considerar singular.

Vem-me agora à memória esta cena, que hoje aparecerá quase como surreal, num tempo em que se verifica a assunção pelo CDS de uma força, inédita na sua história de quase quatro décadas como formação política, no seio da governação portuguesa. É também por estes e por outros episódios, que entendo interessante recordar, que melhor se constata o imenso caminho que (todos) percorremos desde esses já longínquos dias.

segunda-feira, julho 29, 2013

União nacional

Vi por aí algumas vozes de esquerda indignadas com o apelo feito pelo primeiro-ministro para uma "união nacional", esquecendo a conotação fascistóide da expressão com o partido único salazarento. A verdade é que o tempo vilarealense do dr. Passos Coelho o poupou à "União Nacional" do sr. Grilo e às delícias jornalístas da sua "Ordem Nova".
 
A mim, confesso, espanta-me bastante mais que a direita não se tenha crispado pelo facto do chefe do governo ter ousado ecoar o apelo de Luíz Carlos Prestes, o lendário chefe dos comunistas brasileiros.

Allan Katz

Na última noite de Santo António, no largo do Chafariz de dentro, dei de caras com Nancy e Allan Katz, os embaixadores americanos que ontem deixaram Lisboa, no termo do seu mandato. Naquela noite, como milhares de lisboetas, comiam sardinhas e divertiam-se, perdidos no meio da multidão. Essa era a sua forma natural de estar entre nós.

Conheci Allan num debate promovido pela FLAD, há já uns anos, em que ambos fomos convidados a falar sobre o "11 de setembro". Conversámos longamente desde então - em Paris, em Lisboa e numa semana em que partilhámos a inesquecível experiência do Douro. Allan ensinou-me a entender melhor a nova América de Obama, nas suas virtualidades e contradições. É um "americano tranquilo", sem a menor arrogância, sem nunca se ter dado ares de representante da hiperpotência, compreensivo e sempre dialogante. Leiam-se as declarações que deixou em alguns órgãos de imprensa para se perceber o excelente diplomata que os americanos nos deram o privilégio de ter por cá nos últimos anos, um grande e atento amigo de Portugal.

A vida diplomática, mais do que outras profissões, é feita de regulares separações. Mas é também um rico espaço para a construção de sólidas amizades. Um forte abraço para vocês, Nancy e Allan! "See you soon"!

domingo, julho 28, 2013

Os estagiários

Por muito que me pareça justo dar oportunidades aos "novos", acho abusivo, e uma objetiva falta de respeito por uma Administração pública que se fez "a pulso", estar a colocar em cargos governamentais figuras sem um mínimo de experiência que os recomende para as áreas específicas que vão dirigir, ungidos apenas pela confiança política ganha num gabinete, num qualquer lugar de nomeação/eleição partidária, num banco ou numa consultora amigalhaça. 

A situação é ainda mais absurda se pensarmos que, de há uns tempos para cá, no âmbito do Estado, se segue a regra de sujeitar a concurso público rigoroso a seleção de técnicos para ocuparem certas funções de chefia. Ora parece-me incrível que esses responsáveis, logo de seguida, sejam colocados sob a "orientação" de um meninote qualquer, só porque tem um MBA tirado na estranja ou o cartão partidário em voga no momento. Muitas vezes essas figuras nem sequer têm legitimidade eleitoral ou, em casos em que ela existe, é apenas uma obscura passagem pelo parlamento, depois "legitimada" por presenças palavrosas em debates "prós-e-contras" nas televisões, na blogosfera ou nas colunas com retratinho no canto, onde demonstraram a sua lealdade às lideranças de serviço. Convido os leitores a olharem para alguns currículos e avaliar aquilo que neles resultou de meras escolhas político-ideológicas e compará-los com os de outros políticos, de pessoas oriundas do mundo real, de quem "fez pela vida" e tem uma história profissional a apresentar.

Observando o caso de alguns secretários de Estado - e este governo apenas abusa de uma prática que não é de hoje - verifica-se que estamos perante verdadeiros estágios pagos, à custa do erário público, ainda por cima atribuindo responsabilidades ao mais elevado nível.

Entrevista à revista "Must"

Aque horas se costuma levantar?  Em regra, tarde. Desde que saí da função pública, recusei todos os convites para atividades “from-nine-to-f...