A tradição manda que invistamos esperança no ano que agora se inicia. Mas há que convir que será necessária uma boa dose de otimismo para que possamos, com um mínimo de realismo, colocar todas as fichas de confiança no número 2017. Tentar, porém, não custa.
Vamos imaginar que a presidência de Donald Trump traz um surto de estímulo à economia americana sem, em paralelo, provocar uma guerra comercial internacional, com recuos protecionistas e a indução de sérias tensões políticas com a China.
Nesse cenário, seria simpático poder vir a concluir que Israel não se sentirá com as “costas quentes” para aventuras regionais estimuladas pelos EUA e que, afinal, são destituídas de fundamento as preocupações quanto a uma eventual regressão no laborioso entendimento obtido entre os países ocidentais e o Irão, no tocante à questão nuclear.
Imaginemos também que, entre Moscovo e Washington, se estabelece um “gentlemen’s agreement” que coloque um ponto final às ameaças, reais ou potenciais, à soberania dos Estados membros da NATO sitiados mais a Leste, talvez ligado a um acordo operacional, ou um simples “modus vivendi”, que permita uma qualquer estabilização na situação síria, capaz de neutralizar o Estado Islâmico e as suas decorrências em termos de refugiados e disseminação das metástases terroristas. E que a Turquia se retrai de ser um “troublemaker” mais na região, num acordo tático com a Rússia.
Confiemos ainda em que as bravatas de Trump sobre o reforço da capacidade nuclear americana e as ameaças à estabilidade do Tratado de Não-Proliferação não passaram disso mesmo. E, de igual modo, firmemos esperanças em que as proclamações contra o Acordo do Clima acabarão por se atenuar e que os EUA assumem uma atitude responsável em matéria de política energética.
Na Europa, talvez os efeitos da política anti-deflacionista do BCE possam, finalmente, ultrapassar os resultados meramente estabilizadores que têm obtido, apontando para efeitos concretos no crescimento e na criação de postos de trabalho, atenuando assim as tensões sociais e diminuindo a propensão para a exploração populista do mal-estar que atravessa certos setores.
Quem sabe se, nas eleições presidenciais francesas, a surpresa não será um resultado menos espetacular do que o previsto para Marine Le Pen, com a eleição de um presidente moderado. E que interessante seria se, na Alemanha, o resultado das eleições legislativas apontasse para uma rejeição das linhas radicais, arrastadas por um paralelo insucesso na Holanda e pela reversão, nas eleições italianas, da tendência para que o recente referendo apontava.
A isso se somaria, nesse cenário ideal, um recuo sensível no tropismo autoritário que ameaça a Hungria e a Polónia. Como cereja em cima deste bolo de harmonia tendencial, as negociações do Brexit apontariam, afinal, para inesperados pontos de compromisso com as instituições de Bruxelas, com efeitos sensíveis numa sustentada acalmia dos mercados.
E Portugal, neste cenário positivo? António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa continuariam a representar um “duo dinâmico”, com o presidente e o primeiro-ministro a conseguirem desenhar, sem tensões, um equilíbrio inter-institucional sereno e sem surpresas. Marcelo, forte da sua popularidade, talvez venha a conseguir estimular uma propensão para acordos de regime em matéria de Justiça e de estabilidade fiscal, aproveitando uma eventual fragilidade dos parceiros da ala mais à esquerda da “geringonça”, forçadamente serenos pelo temor da possibilidade dos socialistas poderem obter, por si sós, uma maioria absoluta, em caso de eleições – a acreditar nas sondagens que já apontam nesse sentido. A direita, para quem as autárquicas podem não correr tão bem como tinham previsto, não estaria assim livre de entrar no questionamento de liderança do seu principal partido. E Costa, cuja habilidade é um dom inestimável, poderia resistir aos cantos de sereia de quantos, ao seu lado, anseiam por um teste eleitoral legitimador.
Uma estabilidade induzida por um surto de nova confiança americana, com impactos de acalmia no processo institucional europeu, desaparecidas as núvens francesas, alemãs e italianas, com o referidos estímulos do BCE a funcionarem, criaria um ambiente propício ao prolongamento do processo de “desdramatização” da situação financeira portuguesa, se bem que o peso insuportável da dívida não desapareça por milagre.
Muitos lerão o que escrevi como um retrato de uma espécie de “terra do nunca”. Talvez tenham razão. Vou mais longe: o mais provável é que venham a ter razão, que nada venha a passar-se como acima referi. Mas sonhar é fácil, não é?
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")