Um dia, numa entrevista, dei-me conta de que o António tinha, como "lugares de sonho" cidades que me eram, em absoluto, comuns: Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e Sabará. Seria por sermos ambos transmontanos? Talvez, mas nunca falámos sobre isso. Aliás, longamente, falámos muito poucas vezes, embora comungássemos muitas outras coisas, como era o caso do futebol.
Já não sei como nos conhecemos. Terá sido nos anos 80, creio. Seguramente, através da Ana e, depois, também da Joana. Recordo que lhe escrevi um dia, a felicitá-lo pelo excelente (e surpreendente) "Boas fadas que te fadem". Guardo uma troca de notas sobre isto.
Ontem, regressado a Lisboa, a meio de um jantar, fui surpreendido pela notícia da morte de António Monteiro Cardoso. Sabia-o doente. Não nos víamos há bastante tempo, porque as nossas vidas são o que são e, às vezes, só as mortes nos juntam.
Recordo o António como um homem caloroso, de sorriso aberto, por onde perpassava sempre alguma ironia. Saído dessa escola agitada que foi Direito de Lisboa em 1975, ex-MRPP, depois de se deter no Direito da Informação, ao tempo em que trabalhou com o Alberto Arons de Carvalho, o António passou posteriormente a dedicar-se à Historia, onde fez uma obra diversa mas muito interessante, chegando mesmo a colaborar com o António Pinto da França, no tratamento da reedição das suas "Cartas Baianas".
Era um homem de uma grande cultura, de palavra fácil e sólida, escrevia muito bem e tinha uma visão algo "renascentista", que a sua e minha geração (o António, contudo, era mais novo do que eu) foi a última, entre nós, a cultivar.
O António desaparece agora. É hoje enterrado em Freixo de Espada-à-Cinta. Tenho pena de nunca ter discutido com ele o seu conterrâneo Guerra Junqueiro. Tenho a certeza de que iria aprender bastante e, tenho para mim, ele estaria seguramente de acordo com o meu pai, que sempre se recusou a considerá-lo um "poeta menor".
Neste dia triste, deixo um beijo sentido para ti, Joana.