Nos tempos da “outra senhora”, o discurso oposicionista
dizia que os portugueses ansiavam por ter a certeza de que, quando alguém lhes
batia à porta de manhã cedo, era o padeiro e não a polícia política. Os
padeiros, ou os leiteiros, já não batem diariamente à nossa porta
(infelizmente!) e a polícia política desapareceu. A democracia pretendeu
regular o arbítrio e, em tese, dar sossego a um cidadão que não deva nem tema.
Nos dias de hoje, os portugueses anseiam por uma sociedade
previsível, continuam a não gostar de más surpresas, estando contudo preparados
para as mudanças que lhes sejam benéficas. A sociedade democrática tem a
mudança no seu ADN. Ao colocar regularmente aos eleitores a possibilidade de
escolhas, abre o caminho à alteração das regras da sociedade, mas, sempre e só,
com o objetivo de melhorar a qualidade das políticas públicas, de oferecer aos
cidadãos soluções coletivas mais favoráveis à realização dos seus interesses
individuais.
Porque não é de admitir que os programas políticos
apresentem novas propostas apenas pelo capricho de “fazer diferente”, é suposto
que a imaginação de quem se propõe mudar o “statu quo” não ultrapasse nunca
esse limiar de responsabilidade cívica. Olhando para o que o principal partido
da oposição agora propõe – e que, no essencial, está já à vista dos futuros
eleitores -, parece evidente que tal vai nesse caminho.
Nos últimos anos, esta espécie de “suspensão da democracia”,
que o programa da “troika” e os excessos locais de zelo nos trouxeram, acarretou
uma instabilidade sem precedentes na vida dos portugueses. Era inevitável? Se o
respeito pelas pessoas, em especial pelas mais idosas, mais frágeis e mais
desprovidas de recursos, tivesse sido a regra orientadora da execução das
políticas, o país não teria mergulhado nesta angústia ansiosa de que ainda se
não libertou.
A arrogância autoritária com que hoje se mudam as regras,
com que unilateralmente se reformula o contrato entre o cidadão de boa fé e o
Estado, em que a instabilidade fiscal e legislativa em geral passou a fazer
parte do nosso quotidiano, em que uma espécie de administração “kafkiana” se
converteu numa instância inapelável, tudo isso induziu nos portugueses uma
profunda síndroma de desconfiança. Nos dias que vivemos, está criada a sensação
de que nada pode ser dado por assente ou adquirido, porque o que era verdade
ontem pode deixar de sê-lo amanhã, sem uma desculpa, sem uma justificação, no
fundo, sem respeito pelos cidadãos.
Se há um conselho – e um só – que eu possa dar àqueles que
se propõem como alternativa para tutelar o Estado nos próximos anos é o de que
procurem transmitir aos portugueses a certeza de que tudo farão para que eles
possam vir a acordar, todos os dias, sem o temor de que esse mesmo Estado lhe
vai trazer más surpresas e mudanças drásticas e incómodas à sua vida e das suas
famílias. Alguns anos vividos nessa simples mas essencial estabilidade poderiam
ajudar muito a recuperar a confiança perdida, reconciliando os cidadãos com o
seu Estado.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")