terça-feira, setembro 16, 2014

"Saudades do Vitor?"

Vitor Bento era o nome que credibilizava a arriscada operação BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era a sua reconhecida e indiscutível competência e o prestígio na área económica. Agora, aí está uma nova administração tecnocrática, integrada por alguns "safe pair of hands", que farão apenas o que "lá de cima" lhes mandarem. Vitor Bento não terá conseguido convencer da bondade da solução que propunha. A qual poderia ser pior ou melhor do que a que se seguirá. Nunca o saberemos. Mas será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?

A atitude do governo perante o caso BES foi de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que penso. Recordo os silêncios algarvios, as referências fugidias a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", passando "a bola" para o Banco de Portugal. Só quando tudo pareceu começar a compor-se é que o governo surgiu à boleia do sucesso potencial da solução. Seguiram-se as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo culminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, criando um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter um discurso "certinho" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para obter resultados concretos, aqueles que não dependam exclusivamente da evolução favorável da conjuntura externa. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar? 

Partindo de um passado de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu sinais de ser inábil a jogar com o fator tempo. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, e, como agora se vê, prolongou um equívoco sobre o modelo gizado para o "Novo Banco". Além disso, é corresponsável por não se ter blindado juridicamente as consequências patrimoniais para quem caiu no "Banco Mau" (e vamos ouvir falar muito disto) e foi sua a decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco, o que fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Fica também a relação conflitual com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta que deveria ter levado a medidas prudenciais do regulador. A supervisão também falhou com Carlos Costa. E falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

Escócia

"Por que é que não falas da Escócia?", perguntava-me um amigo, há pouco, no "foyer" de um cinema. Já tinha colocado a questão a mim mesmo e, confesso, andava a adiá-la, sei lá bem porquê.
 
Gosto imenso da Escócia, como território. Visitei-a cuidadosamente, dos lagos às destilarias de whisky, dos castelos ou das suas ruínas às grandes mansões onde hoje funcionam magníficos hotéis. Edimburgo é uma cidade fascinante, na oferta cultural, no monumentalidade da sua pedra, na vivacidade das ruas. Fui por lá, uma primeira vez, com Ernâni Lopes, para promover as oportunidades económicas portuguesas. Voltei depois, por mais de uma vez, como turista atento, com muitos quilómetros em carros alugados, às vezes dormindo em deliciosos B&B, comendo e bebendo em singulares "pubs" (como aquele que tem um balcão em que metade encerra uma hora antes da outra metade, porque fica na fronteira de dois condados, onde os horários de abertura dos bares são diferentes, o que leva à "migração" dos clientes e dos copos). E também para acompanhar o Sporting, numa deslocação a Glasgow (a noite não correu bem, mas, enfim, já estou habituado). E guardo, para a vida, o mais impressionante silêncio a que "assisti", após um jantar "gourmet" na Isle of Skye.
 
Esta é a Escócia de que eu gosto, como gosto de os ouvir a falar "à Trancoso" (que me perdoe o Vitor Gil), como faz, de forma ímpar, o imenso Sean Connery, esse genial sósia do meu querido amigo José Manuel Galvão Teles, que só rivaliza em popularidade local com o monstro de Loch Ness - mas esse aparece menos.
 
Serve isto para dizer que não tenho a menor opinião sobre a independência da Escócia (a mesma coisa já não é verdade sobre a possibilidade de independência da Catalunha), salvo a ideia de que, a ocorrer, algo de muito profundo será abalado na Europa - de que, mais cedo ou mais tarde, a Escócia irá sempre ser membro. Em tese, como profissional de relações internacionais, achava graça em assistir  "construção" de um novo país secessionista, mas sem o dramatismo de outros anteriores casos. E teria curiosidade de ver como o conceito de "Reino Unido" iria evoluir, embora não acredite na versão tipo "Inimigo Público" de que, a exemplo da Macedónia, se colocaria um "former" antes do nome. É que a sonoridade "FUK" rima mal com seriedade tradicional da coroa... Mas não sei se a graça vale o risco.
 
Algo me diz que os escoceses vão rejeitar a independência. Mas isto vale o que vale. Há três meses, também não acreditava que, tal como nas histórias de cowboys, os bancos também pudessem ser divididos em "bons" e "maus".
 
Pronto, já falei da Escócia.

segunda-feira, setembro 15, 2014

José Soares Martins (1932-2014)

Morreu José Soares Martins. Aos 24 anos, como padre, partiu para Moçambique. A comunicação social e a escrita eram, contudo, a sua verdadeira vocação. Começou por trabalhar no "Diário de Moçambique". Em 1962, lançou o semanário "Voz Africana" e, mais tarde, a revista "Economia de Moçambique". Regressou a Portugal em 1968, onde viria a ser responsável na "Voz Portucalense". No Porto, Soares Martins colaborou ativamente no setor cooperativo e editorial, desenvolvendo ainda atividade na luta anti-colonial.
 
Entre 1978 e 1996, foi adido cultural na embaixada portuguesa em Maputo. Foi aí que o encontrei, por duas vezes. Recordo-me de uma longa conversa que tivemos, no hall do Polana. Era grande a minha curiosidade em conhecer pessoalmente "José Capela", o curioso pseudónimo sob o qual desenvolveu um importante trabalho de resgate da memória da luta do povo moçambicano, com singulares contribuições no campo da história da escravatura. Eu tinha várias desses livros. Recordo o homem sereno, modesto, que relativizava a importância do seu exemplo e da sua obra.
 
Às vezes, pergunto-me se as antigas colónias souberam dar o devido reconhecimento à atividade dos portugueses que, desde muito cedo, se colocaram ao lado da luta anti-colonial, correndo elevados riscos, o menor dos quais não era o da incompreensão por parte dos seus compatriotas. Até hoje! Gostava de ter perguntado isto a Soares Martins.

Nós



É um livro já com cerca de quatro anos. Não chega a 200 páginas. Deve ser a obra que já ofereci mais vezes a amigos. Escreve-a Marcello Duarte Mathias, meu colega de profissão, uma das pessoas cuja escrita me dá mais prazer ler. Hoje, sei lá bem porquê, deixo aqui um dos aforismos deste magnífico volume.
 
"Somos, de facto, uma gente curiosa: oito séculos de História e não temos memória colectiva. Nem tradições tão-pouco, ou troçamos delas com o olho videirinho do espertalhão que não se deixa enganar.
É o acaso que nos governa, e não o lastro da memória e dos séculos. É o acaso que nos faz e desfaz como se fôssemos órfãos. Como se afinal, depois deste tempo todo, fôssemos órfãos de nós mesmos. (O acaso é aquilo que substitui a vontade nos homens sem vontade.) Daí o tom da improvisação, que tão bem nos define. Daí esta característica: nada é feito com intenção, nada obedece a um propósito, nada se inscreve numa perspectiva ou num pensamento. Em Portugal nunca nada é deliberado, nem sequer a ordinarice".

domingo, setembro 14, 2014

"Olhar o Mundo"


O programa "Olhar o mundo", ontem apresentado na RTP2 e RTP Informação, pode ser visto também aqui.

O programa será repetido, hoje, dia 14, às 20.05 e amanhã, dia 15, às 13,05 na RTP Informação.

Saudades do Vitor?

Vitor Bento foi-nos "vendido" como o nome que podia credibilizar a arriscada operação de "reconstrução" do BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era o seu prestígio e a sua reconhecida e indiscutível competência na área económica. Todos saíram agora, batendo com a porta. Vem por aí uma nova administração tecnocrática, imagino que sem nomes públicos sonantes, integrada por alguns competentes "safe pair of hands", mas que farão apenas o que, "lá de cima", lhes mandarem fazer. Vitor Bento não terá conseguido convencer quem manda nestas coisas da bondade das soluções que a sua equipa propunha. Soluções que poderiam ser piores ou melhores do que as que se seguirão. Logo veremos. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?
 
A atitude do governo perante o caso BES tem sido de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que sinceramente penso. Recordem-se os silêncios algarvios no início da crise, as referências distantes a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", a atitude fugidia da ministra das Finanças, "passando a bola" para o Banco de Portugal? Só quando tudo parecia começar a compor-se é que surgiu a ministra, à cata do efeito do sucesso da solução. Depois, vieram as "trapalhadas" que originaram as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo terminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, que se sabe ter causado um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter uma expressão verbal "certinha" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para conseguir obter resultados importantes e saber resolver casos "bicudos", que não dependam apenas da evolução favorável da conjuntura externa. Veremos como agora vai correr o caso "Novo Banco", de que - esperamos - a ministra das Finanças não vai conseguir desligar-se, por um qualquer golpe de ilusionismo mediático. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar?
 
Partindo de uma imagem de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu claros sinais de não saber jogar com o fator tempo, na gestão do caso BES. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, deixou instalar um claro equívoco no modelo gizado para o "Novo Banco", não terá cuidado suficientemente de blindar juridicamente as consequências patrimoniais das vítimas de quem caiu no "Banco Mau" e, em especial, a sua (porque é sua) decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Sabe-se também, desde o início desta operação, da relação conflitual criada com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta ao regulador, em tempo útil, que deveria ter levado à tomada de mais medidas prudenciais. Tenho pena de ter de vir a lembrar, mas a supervisão do Banco de Portugal também falhou com Carlos Costa. E, quero recordar e enfatizar, falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

sábado, setembro 13, 2014

"Resarko"?

O neologismo é meu. Sarkozy vai voltar, contrariamente aos que o davam como politicamente "morto" na vida política francesa. A sua candidatura à presidência da UMP parece ser uma certeza.

O "ranger de dentes" na direita já se pressente: Alain Juppé pode perder "le dernier metro" para o Eliseu, François Fillon perceberá que a vingança se serve como a "vichyssoise", baronetes ambiciosos como Xavier Bertrand, François Baroin ou Bruno le Maire vão ter de repensar o seu tempo de entrada em cena. O humilhado François Copé sentir-se-á vingado. Imagina-se o sorriso, nem assim bonito, de Nadine Morano, ou bonito mesmo, muito BCBG, de Nathalie Kosciusko-Morizet. Mais amarelo, "très Vieux-Port", será o de Rashida Dati. Emergirá o gozo dos "barbouzes" da "politique politicienne" como Brice Hortefeux ou Christian Estrosi. E imagino que muitos dos meus velhos conhecidos do XVIème e seus arredores sociais vão fazer saltar rolhas no Fouquet's.

O eventual regresso de Nicolas Sarkozy à política francesa, colocando-se como potencial recandidato à presidência em 2017, não será um caminho sem espinhos. Ser líder da oposição, mesmo contra um governo que "está a pedi-las", é um "caminho das pedras", que as surpresas da Justiça francesa podem ainda tornar penoso. Sarkozy é um auto-convencido que o passado provou ser muito dado a erros, por precipitação, deficiente avaliação ou ambição desmesurada. O seu objetivo, para além da dimensão do projeto pessoal, pode vir a ancorar o eleitorado conservador um pouco mais distante de Marine Le Pen - e isso não seria uma má notícia para a França e mesmo para a Europa.

À esquerda, com ou sem Sarkozy, François Hollande já terá perdido as esperanças de reeleição. Para Manuel Valls, que poderá suceder-lhe como candidato apoiado pelo PSF, Sarkozy é um adversário temível, até porque Valls será co-responsável, enquanto primeiro-ministro de Hollande, de tudo quanto Sarkozy vier a combater nos próximos dois anos. E a menos que uma súbita retoma económica caia do céu, não se está a ver como o vento possa mudar. Valls, tal como aconteceu com Michel Rocard noutros tempos, já foi "a esquerda de que a direita gosta" - uma "raça" política que por cá também existe. Mas a direita só gosta dessa "esquerda" quando não pode exercer ela própria o poder. E, com Sarkozy, pode.

Dir-se-á que os franceses, em 2012, mostraram estar "exaustos" da "hiperpresidência" de Sarkozy. Talvez, mas os portugueses, em 1995, já "não podiam" com Cavaco Silva e, mesmo assim, viriam a colocá-lo em Belém, uma década depois. Agora, lembram-se bem; na altura, esqueceram-se. Repito uma banalidade: a memória dos povos é muito curta.

Por obra e graça do Novo Banco

No dia 7 de agosto, escrevi por aqui isto:

"Numa coisa, porém, Carlos Costa pode ter cometido um grave erro: ao ter afirmado que "a medida de resolução, agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes". Esqueceu-se porventura de acrescentar: "se tudo correr bem"...

É hoje evidente que isso pode, ou não, ser verdade. Para a vida, essa frase vai ficar-lhe colada à pele. Se tiver razão, a sua presciência será creditada, com louvor, no seu excelente currículo de grande servidor público. Se acaso se tiver enganado, esse erro não lhe será perdoado pela História. E pelos contribuintes."

Lembrei-me disto hoje. Sem o menor gosto, diga-se.

sexta-feira, setembro 12, 2014

António Pinto da França

Recomendo vivamente o artigo que o meu colega e amigo Fernando d'Oliveira Neves hoje edita no "Público", sobre António Pinto da França, um grande diplomata e também um grande amigo, que nos deixou em 2013 e que hoje faria 79 anos.
 
O belo texto de Fernando Neves, traz-nos de volta, com grande elegância e sensibilidade, a memória do António Pinto da França, que o autor qualifica, e bem, como "um especialista da vida". Mesmo para quem não teve a felicidade de o conhecer, aconselho a leitura do artigo, que pode ser feita aqui

"Olhar o Mundo"

Amanhã, sábado, dia 13, pelas 19 horas, na RTP 2, no programa "Olhar o mundo", vou conversar com o jornalista António Mateus sobre as perspetivas da ofensiva liderada pelos Estados Unidos contra o "Estado Islâmico", sobre as eleições presidenciais no Brasil, analisando ainda os novos poderes dentro da União Europeia, da chefia do Conselho Europeu à nova Comissão.
 
Também falaremos sobre o sinais de reconciliação em Moçambique, recordar-se-á um outro 11 de setembro - o golpe ditatorial no Chile, em 1973-, o novo papel da NATO e modo como o tema tem vindo a ser tratado entre nós, bem como as interrogações que se colocam ao futuro do G20 e dos BRIC, em função da mudança da posição russa no cenário mundial.
 
E haverá ainda tempo para abordar o referendo escocês, a crise do ébola e os seus efeitos sobre a economia africana, os últimos desenvolvimentos na Ucrânia e, finalmente, as tensões em Hong Kong e o singular "silêncio" de Pequim sobre alguns grandes dossiês internacionais.
 
O programa passará ainda na RTP informação (dia 13, 17.20 / dia 14, 20.05 / dia 15, 13,05)

O pêlo

 
Na minha terra, em Vila Real, havia um "crava" tradicional de tabaco. Diz a lenda que não terá nunca comprado um maço de cigarros. Passava a vida a chatear os amigos, os conhecidos ou ainda menos. Entre outros, tinha um célebre truque. Aproximava-se das pessoas e, com um gesto simpático, olhando para o casaco alheio, dizia: "Olha, tens aí um pêlo!". E, com delicadeza, fazia "de conta" que tirava um cabelo do ombro do casaco do parceiro para, logo de seguida, tentar ganhar uma retribuição ao gesto através de um "tens aí um cigarro?".

Um dia, um dos amigos - o qual, por acaso, é hoje o meu médico de família, em Lisboa -, à viciosa aproximação do truque, e ao ouvi-lo dizer o clássico "tens aí um pêlo!", não foi na conversa e travou-lhe o gesto com um "deixa estar o pêlo!". Ainda hoje, na minha terra, alguns amigos usam a expressão para reagir a gestos de generosidade suspeita.

No adeus ao Bento



O que o Bento traz, o Bento leva
E tudo o Bento levou...
Derrotas leva-as o Bento
O Bento mudou...
Quanto há Bento é que se iça a vela
Amigo do bom tempo, muda-se com o Bento
Palavras e penas, o Bento as leva
O Bento é obra do diabo

quinta-feira, setembro 11, 2014

Marinho Pinto

Há uns tempos, a propósito da candidatura de Marinho Pinto pelo "Movimento Partido da Terra", escrevi por aqui: "Veremos também se o MPT, ao longo dos próximos meses, consegue conviver com a proeminência obsessiva da sua figura e se o caráter meramente instrumental desta eleição (as suas ambições são claramente outras) não atrapalhará uma afirmação futura".
 
Soube-se agora que Marinho Pinto vai criar um novo partido.
 
Nunca gostei do PRD, detesto formações à volta de figuras "providenciais". Faz-me lembrar coisas de que não me apetece falar.

"Uma Comissão hábil"


A pedido do "Diário Económico" escrevi por lá hoje uma pequena nota em que digo, no essencial, o que por aqui escrevi sobre a nova Comissão europeia e a pasta de Carlos Moedas. A fotografia que a acompanha é que já tem barbas...

O dia da América

Precisamente há 13 anos, o extremismo islâmico atacou violentamente a América. Uma confusa leitura do modo como esse mundo estava a ser humilhado pelo ocidente havia criado uma espécie de "internacional" do desespero, que tinha na sua origem remota a injustiça que Israel continuava a infligir, em cumplicidade com esse mesmo ocidente, aos palestinos. Constatou-se que o Afeganistão se havia tornado no santuário privilegiado dessa nova "movida" política radical. O mundo foi plenamente solidário com a tragédia sofrida pelos Estados Unidos e, com assentimento da ONU, montou uma operação para perseguir os culpados, com Bin Laden à cabeça. O foco da "doença" foi assim atacado, pareceu mesmo inicialmente controlado, mas, como muitas vezes acontece, as "metástases" espalharam-se e a maleita ficou fora de controlo. Do Paquistão ao deserto do Saara, passando pelas periferias urbanas de grandes cidades da Europa, um mundo de novos prosélitos "enragés" foi-se criando. Enquanto isso, os EUA, de há muito conhecidos por só tomarem a boa decisão depois de tentarem todas as erradas, acompanhados pelo punhado dos "suspeitos do costume", decidiram atacar, sem mandato legitimador, a ditadura iraquiana, sob um pretexto falso, como que convencidos que iriam por ali criar um tampão geopolítico que sossegasse os seus (petro) amigos do Golfo, aquietando de vez o Irão e assim estabilizando o ritmo dos fluxos energéticos. O erro foi de palmo. Desfeita a tensão laica com que Sadam Hussein forçava a convivência no "melting pot" de um país que fora desenhado no rasto da presença colonial britânica, o Iraque "balcanizou-se" rapidamente, sob um "template" diário de inaudita violência. Com expectável naturalidade, cresceram ao seu lado as ambições regionais do Irão, anteriormente equilibrado pelo vizinho inimigo e, agora, já com uma vontade nuclear que alarmou o ocidente e deixou em pânico as monarquias do Golfo, cuja pusilanimidade e temor religioso, diga-se, muito ajudaram e continuam a ajudar à reprodução da vaga estremista. A revolta da "rua árabe", potenciada pelas redes sociais, chegaria entretanto às ditaduras instaladas, desde há muitos anos, no norte de África e no Mashrek. Uma vez mais, o ocidente "foi na onda". Convencido do mito de que é possível construir democracias "à Suíça" por todo o mundo, fontes de paz e felicidade eterna para os povos e para as almas, qualquer que seja a divindade destas, confundiu pulsões protodemocráticas com prenúncios de estabilidade, desejo de eleições com expetativas de alternância política. E assim assistimos ao que aconteceu no Egito, na Líbia e na Síria, com a Tunísia a ser o menos instável de todos esses modelos, com a Argélia a representar já bem o formato "pós-democrático" que parece vir a ser o destino comum, muitos milhões de dólares e euros em ajudas depois. E muitos mortos, claro. Na desorganização instalada - fortemente potenciada pelo clamoroso erro no Iraque, nunca é demais relembrar - nasceu entretanto uma entidade que se auto-intitulou de "Estado Islâmico" e que se propõe, nada mais nada menos, do que reconstituir pelo terror um patusco "califado" que, a ocidente, iria de Sagres à Galiza. Se isto não fosse trágico, seria motivo para um sorriso. Mas não é. E esse "Estado", servido por uns assassinos barbudos à solta, integrado por uma espécie de "Brigadas Internacionais" em que Maomé faz a vez de Lenine, teve o desplante de degolar dois americanos à vista do mundo e, em particular, sob os olhos horrorizados da América. Obama, no estertor de dois mandatos presidenciais que o fizeram cair da maior esperança da História global recente a uma das suas desilusões mais profundas, de cuja ressaca nos EUA ainda (infelizmente) muito ouviremos falar, achou que tinha de aproveitar esta indignação mediática interna para lançar um gesto de força contra a barbárie. E fez bem. Cioso do simbolismo, anunciou hoje a nova determinação de Washington, que necessita agora de uma "coalition of the willing", precisamente no dia 11 de setembro. Para lembrar o terror novaiorquino que arrasou as "torres gémeas" - eu vivia então por lá, a escassos quilómetros delas - nesse sinistro dia de 2001. Se a América tivesse aprendido com os erros, talvez pudesse entretanto ter feito "mea culpa" por ter sido a instigadora de um outro "11 de setembro", mas esse em 1973, quando deu alento político e financeiro à ditadura militar iniciada nesse dia no Chile, sob a mão criminosa de Pinochet. Mas nem mesmo Obama não consegue fazer tudo, nem sequer o que há uns anos tanto o escandalizava e solenemente prometeu: fechar Guantanamo. Apesar de tudo, porque o ótimo é o pior inimigo do bom, hoje é o dia para estarmos ao lado da América.

António Garrido

Morreu o árbitro internacional português de futebol António Garrido.

A arbitragem é um dos terrenos mais pantanosos desse mundo já muito lamacento que é o futebol. Por ela sempre passou o desenho e fabrico de muitos resultados. Não alimento teorias conspirativas, mas é importante não sermos ingénuos no que toca ao modo como as coisas por lá se passam. E ninguém está inocente: as queixas de alguns clubes nada têm a ver com qualquer exigência ética; derivam apenas da circunstância de alguns não conseguirem aquilo que os outros obtêm. Quero com isto dizer que a arbitragem faz parte dos esquemas de poder.

Encontrei António Garrido no estrangeiro, quando acompanhou duas diferentes equipas portuguesas a jogos internacionais, já depois da sua aposentação da arbitragem e quando "assessorava" esses clubes. Apenas posso dizer que o que então testemunhei ensinou-me alguma coisa sobre o modo como o mundo do futebol funciona.

quarta-feira, setembro 10, 2014

Moedas

A pasta atribuída a Carlos Moedas é ainda melhor do que aquela que havia sido falada pelos diversos comentadores. Para mim, é uma agradável surpresa: nunca acreditei que a um comissário português viesse a ser dada uma pasta desta importância. Carlos Moedas está de parabéns e - sejamos justos! - Pedro Passos Coelho também. E Jean-Claude Juncker não me desiludiu: é, como sempre se soube, um bom amigo de Portugal.

Pedindo de empréstimo o título do filme de João César Monteiro, Moedas deve agora perguntar-se: "que farei eu com esta pasta?". E tem de ter uma resposta inteligente para tal. Moedas tem uma oportunidade soberana para nos surpreender e para aproveitar a imagem de criatividade e competência que um homem como Mariano Gago deixou pela Europa - como é unanimemente reconhecido - na área que agora vai tutelar e que o seu sucessor, infelizmente, não tem honrado. Parabéns e felicidades, Carlos Moedas.

O primeiro debate

Saí triste da visualização tardia que acabo de fazer (preferi ter um jantar calmo, num lugar lisboeta que ainda não conhecia) deste primeiro debate. E optei, claro!, por não ouvir os comentadores e as comentadeiras. 
 
Não apreciei a atitude agressiva de António José Seguro, a pessoalização dos ataques, os juízos de caráter que procurou fazer. Não havia necessidade... Mas admito que, para muito espetadores, esse estilo lhes possa ter mostrado um AJS diferente. E que isso tenha sido uma surpresa pela positiva.
 
Acho que António Costa fez bem em não se deixar ir no caminho da "fulanização" do despique. E desejo que assim continue. Lamentei, contudo, que não tivesse aproveitado para deixar uma mão cheia de ideias mais consistentes, que dessem corpo à imagem que criou em muitos setores do país.
 
Este foi o primeiro "round" de uma partida que terá três capítulos. Espero que AJS tenha dado por ditas todas as queixas pessoais que tem contra AC. Era o que faltava se, nos próximos dois episódios, viéssemos a assistir a um "remake" do tema da "deslealdade" e da "traição". Ficou dito, ponto! E aguardam-se agora de AC notas muito mais claras sobre o que pretende fazer no país, que vão para além de "uma outra atitude na Europa", "seguir um caminho diferente" e platitudes congéneres.
 
Esta será uma oportunidade para vermos quem interpreta melhor aquilo que são as linhas mestras da abordagem do PS à situação em que o país caiu - que já percebemos que são basicamente comuns, por mais malabarismos retóricos diferenciadores que ambos façam, nomeadamente no tratamento que fazem do "passado". É importante que o potencial eleitorado  socialista possa analisar, no decurso dos dois próximos debates, qual dos dois candidatos interpretará melhor esse pensamento, no caminho para o confronto de 2015.
 
No que toca às "primárias", de uma coisa tenho a certeza: a maioria dos militantes e a totalidade dos simpatizantes inscritos não mudou minimamente a opinião que já tinha formado, em função do debate de ontem. E dificilmente o fará com os próximos. E isto não é necessariamente um elogio ao povo PS, lamento dizê-lo.

A História do Elísio



A minha terra, Vila Real, tem uma memória viva. Chama-se Elísio Amaral Neves. Somos velhos amigos e essa é uma declaração de interesses que aqui deixo, desde já.

O Elísio andou por Belas-Artes, trabalhou na promoção turística oficial da região mas, desde há muito, dedica-se a investigar sobre a cidade cuja naturalidade partilhamos. Ao longo de muitos anos, coletou informação sobre Vila Real. Lembro-me dele a vasculhar alfarrabistas por todo o país e a "sacar" tudo quanto pudesse dizer respeito à cidade. Mas o Elísio está muito longe de ser um "rato de biblioteca". É um estudioso permanente sobre a vida e a história da cidade, mas alguém que promove ações concretas de estímulo ao conhecimento, mobilizando gente das novas gerações, tendo introduzido como que uma nova "linguagem" local, na maneira pública de lidar com as coisas da cultura. Teve a inspiração de fazer uma recolha de "história oral" sobre a cidade, sobre as suas instituições, os seus costumes, as suas figuras, os episódios mais marcantes do seu quotidiano. Assentou o essencial desse estudo, se bem posso julgar, essencialmente a partir do século XIX. Com apoio autárquico, organizou palestras para as quais convidou gente de todo o género, testemunhos de natureza muito diversa, que falaram sobre a cidade, nos seus mais ínfimos mas relevantes aspetos. Editou até hoje uma imensidão de publicações, onde ficou registado todo esse património de recolha, fez "fac-simile" de documentos raros que foram abundantemente distribuídos, recolheu e divulgou fotografias inéditas e, ao final de alguns anos, como que "ofereceu" uma memória que nos tornou a nós, vilarealenses, não apenas mais orgulhosos da nossa terra mas, mais importante do que isso, crescentemente curiosos sobre realidades para as quais verdadeiramente só acordámos pela sua mão.

Há anos que, quase sempre à distância, sigo com grande admiração o trabalho do Elísio, aquilo que ele faz com imensa alegria, com um constante sentimento de partilha, com um entusiasmo quase "juvenil", diria mesmo que com alguma saudável "loucura", tal a diversidade, por vezes bem divertida e irreverente, dos empreendimentos em que se envolve. Quando me acontece comentar com outros amigos o percurso e a obra do Elísio Neves, por mais de uma vez nos temos colocado a questão: que seria hoje da memória da nossa cidade se ele não a tivesse tratado a tempo, com o carinho e a seriedade com que o faz? Vila Real deve-lhe muito e acho que tenho a obrigação de aqui o deixar dito, com todas as palavras.

No que me toca, fica um abraço de gratidão para ti, caro Elísio.

terça-feira, setembro 09, 2014

Vila Real

Chega hoje ao fim uma série de posts em que muito por aqui se falou de Vila Real. Ou melhor: logo à noite ainda haverá um último. Se, depois desta "propaganda", ainda não ficaram totalmente convencidos sobre os méritos e os mistérios a descobrir na capital de Trás-os-Montes, então talvez valha a pena verem amanhã, 4ª feira, pelas 10 horas, um programa em que a RTP 1 dá uma visão alargada sobre a cidade. Meti uma "colherada" nessa reportagem, como verão.

Hoje, um grupo de mais de meia centena de vilarealenses (eu sei que é com dois "erres", mas nós escrevemos assim) encontrar-se-á numa almoçarada portuense. Por ali haverá representantes de algumas antigas gerações que passaram pelo Liceu Camilo Castelo Branco. Ao que sei, ninguém se lembrou de convidar antigos alunos como José Sócrates, Pedro Passos Coelho ou Marinho Pinto... Mas acho que é melhor assim!

A face exterior da América

Comecemos pelo óbvio. Os americanos, nas suas escolhas eleitorais, mobilizam-se essencialmente pela agenda do seu quotidiano interno. Nestes...