quarta-feira, dezembro 25, 2013

O fuso de Caracas


Há uns dias, na madrugada da internet, "cruzei-me" com um amigo, que vive numa cidade da Europa. Nada de especial, não fora o caso de eu estar "ainda" acordado e ele estar "já" a pé. Trocámos algumas graçolas e fui-me deitar.

Falava depois disto a um outro amigo, deste meu vício, que tem décadas, de entrar pelas madrugadas sempre que estou em férias em Vila Real, aproveitando para ler (jornais, livros ou papeladas), ver filmes ou, simplesmente, escrevinhar qualquer coisa. Descobri então que ele também é dessa mesma "raça". Na conversa, ambos coincidimos na constatação da dificuldade de, nestas circunstâncias, indicar a terceiros uma hora da parte da manhã a partir da qual possamos ser contactados, dentro do nosso assumido estatuto de "late risers", quando em férias. Porém, ele já encontrou uma fórmula para isso: a quem lhe faz a pergunta, diz que está "pelo fuso de Caracas", o que significa que se deita e levanta quatro horas e meia mais tarde do que seria expectável. 

Ele há cada "Maduro"!

terça-feira, dezembro 24, 2013

Os meus livros

Há uns anos, dei por mim a olhar para umas estantes onde tinha grande parte dos meus livros e a interrogar-me sobre o que fazer-lhes. Nunca fui um bibliófilo no sentido clássico. Não tenho raridades bibliográficas, embora possa ser proprietário de alguns livros que, não sendo caros, é difícil encontrar, mesmo nos alfarrabistas. Não tenho uma "biblioteca" no sentido tradicional, organizada por secções. Fui comprando livros ao sabor dos tempos, às vezes ao ritmo de algumas modas intelectuais, outras por via de escolhas políticas, muitas mais porque a atualização profissional ou os gostos do momento me levaram a adquiri-los. Comprei livros que não li de todo, alguns completamente desnecessários, outros que só folheei, outros ainda porque achava que um dia ia ter tempo para os ler e não tive, para além dos que eram tão baratos tão baratos, numa feira do livro ou num saldo, que achei pena não ficar com eles. Com escassas exceções, sei onde e por que razão comprei cada livro. Gosto muito de oferecer livros, mas nunca dei um único livro dos meus. A minha biblioteca é hoje, assim, uma mescla imensa, onde se pode encontrar um pouco de tudo, desde ficção avulsa a muitas biografias e memórias, bastante história contemporânea, uma imensidão de dicionários, enciclopédias e obras de referência, muita coisa sobre a Europa e relações internacionais, montanhas de "current issues" e o que restou de tempos "esquerdalhos" - Marx & companhia. Mas há também publicações periódicas encadernadas, folhetos vários, literatura clandestina, etc. O único setor com alguma coerência e bastante completo são centenas de volumes relativos às lutas contra o Estado Novo e à política portuguesa contemporânea (onde me deve faltar muito pouco do essencial).

Quando saí para o meu primeiro posto diplomático, no final dos anos 70, levei comigo quase todos os meus livros de então, umas largas centenas. (Curiosamente, eram, de forma esmagadora, em língua portuguesa e francesa; o inglês viria mais tarde). A partir daí, fui circulando pelo mundo acompanhado de apenas alguns desses livros, mandando os restantes para Portugal, espalhados entre a casa em Lisboa e a dos meus pais, em Vila Real. E comprando outros, claro. Passei, a partir de então e para sempre, a ter livros espalhados por vários locais. Às vezes, chegou a acontecer-me comprar o mesmo livro duas vezes. Depois dos últimos doze anos passados ininterruptamente no estrangeiro, a situação tornou-se fisicamente insustentável. Assim, no início deste ano, cheguei a Portugal com mais alguns milhares de livros "às costas". Nas estantes que tinha por cá já não cabia mais nenhum! Havia deixado em Paris quase quatro centenas, mas alguns milhares que me acompanhavam (e que cresceram dia a dia, em Paris) tiveram de ir diretamente para Vila Real. Para estantes? Não, em muitas dezenas de caixotes que jazem na maior divisão de uma casa vazia. Se somar os que tenho por Lisboa, juntos com algumas centenas que o meu pai me deixou, estaremos a falar de cerca de dez mil livros.

Que fazer? Decidi começar a doar esse espólio bibliográfico à moderna Biblioteca Municipal de Vila Real. Não foi uma decisão fácil de tomar. Tive a sorte de encontrar na pessoa do diretor da biblioteca, Vitor Nogueira, uma figura pouco comum na cultura de Vila Real, o interlocutor que me sossegou. Com ele combinei o "modus faciendi" desta operação progressiva. A biblioteca apõe em cada livro o carimbo que a imagem mostra, é feita uma recensão de cada volume, que segue depois para a secção respetiva. Por via informática, posso ir seguindo (tal como qualquer outro utente) o curso deste trabalho de integração dos livros na Biblioteca, inseridos num "fundo" próprio. E vou ficando com a certeza de que há quem trata os meus livros com o cuidado que (eu acho que) eles merecem. Tenho vindo a enviar para a Biblioteca tudo aquilo que entendo já não me fazer falta, o que naturalmente significa que as coisas que considero mais interessantes vão manter-se, por ora, em minha posse. Estão já por lá cerca de oito centenas de livros. Outros se seguirão no início de janeiro. Esta é uma "operação" necessariamente lenta, porque acarreta o desligar psicológico de objetos com que fomos habituados a viver. E isso, como se sabe, está longe de ser uma coisa fácil. Só ficaria preocupado, e as pessoas próximas de mim o deveriam ficar também, se um dia eu decidisse, de repente, dar todos os meus livros. Isso significaria que havia desistido de uma parte da vida. Porque os livros foram e são uma das partes mais importantes dessa vida.

Bom, e agora só espero que ninguém me ofereça livros logo à noite... 

segunda-feira, dezembro 23, 2013

MacShane ou McShade?

Fiquei preocupado ao ler, há minutos, que havia sido condenado a pena de prisão Denis MacShane, antigo secretário de Estado britânico dos Negócios estrangeiros (a nossa imprensa cai na esparrela de traduzir "minister" por "ministro" e "secretary of State" por "secretário de Estado", como pareceria lógico, sendo que significam exatamente o contrário), acusado de falsificação de despesas de viagens. A preocupação deveu-se ao facto da notícia (talvez por um subliminar deslize cultural do autor) começar por chamar-lhe "MacShade" (com D). Só depois passa a designá-lo por "MacShane" (com N). O que me sossegou mais. 

Mas que importância tem isso, perguntará o leitor? Essa agora! Tem toda a importância! É que "Dennis McShade" é, acreditem ou não, um nome bem português e as trapalhadas em que ao longo da sua existência esteve envolvido tiveram sempre outra dignidade criminal. Trata-se do nome do autor de livros policiais tão importantes como "Mão direita do diabo" ou "Mulher e arma com guitarra espanhola".

Mas então, perguntarão os céticos e menos iniciados nestas artes, é português e chama-se "Dennis McShade"? Bom, na realidade, assinava às vezes assim (como Roussado Pinto subscrevia como "Ross Pynn"), mas o seu verdadeiro nome era Dinis Machado - um excelente, embora pouco prolífico, escritor em língua portuguesa, que, entre outros textos, deixou essa obra maior que é "O que diz Molero".

Nada de confusões! Ofereçam um verdadeiro Dennis Mcshade neste Natal!

Fortunato da Câmara

Não posso deixar de estar feliz: o livro "Os Mistérios do Abade de Priscos", de Fortunato da Câmara, que tive o gosto de prefaciar e apresentar nos seus lançamentos em Lisboa e no Porto, acaba de ser galardoado com o "Gourmand World Cookbooks Award 2013", na respetiva categoria.

Quem (ainda) quiser dar uma bela prenda de Natal ainda vai a tempo de oferecer este magnífico livro, de leitura muito agradável e muito bem documentado. Quem o ler passará a apreciar muito melhor aquilo que, de futuro, lhe for apresentado à mesa.

domingo, dezembro 22, 2013

O rapto

Creio que foi em 1983. Era um casal muito jovem. Ainda estou a vê-los a entrar, pela primeira vez, no meu gabinete, na embaixada em Luanda, onde tinha a meu cargo as questões relativas aos professores cooperantes.

(Como um dia já aqui expliquei, Portugal assegurou, por muito tempo, o envio de cooperantes para as antigas colónias, em especial professores, pagando-lhes uma parte do salário e preservando-lhes o lugar de base. Coube-me, no início da carreira, pré-selecionar os primeiros professores para S. Tomé e Príncipe e a segunda "leva" para a Guiné-Bissau. Em Angola, voltaria a ter os professores cooperantes sob a minha responsabilidade. À distância, acho curioso constatar que, sendo esse tempo um dos mais complicados nas relações bilaterais entre Lisboa e Luanda, a cooperação no ensino se mantivesse intocada).
 
A Dora e o seu companheiro haviam chegado há pouco de Lisboa. Estavam cansados, algo aturdidos com Luanda, uma cidade difícil, incómoda para deslocações, com imensas limitações em matéria de abastecimentos. A proposta das entidades angolanas era que fossem para Sumbe, antiga Novo Redondo, cidade marítima situada umas centenas de quilómetros a sul de Luanda. Recordo-me que se passaram alguns dias antes que isso acontecesse. Havia uma certa preocupação com essa deslocação. Ao que julgo, seriam os únicos professores cooperantes nessa zona que a guerrilha da Unita de há muito rondava.

Os meses passaram. Um dia, fomos informados que a Dora e o companheiro, bem como cooperantes de outras nacionalidades, haviam sido raptados pela UNITA. Durante semanas, foram conduzidos a pé através de Angola, numa viagem de muitos e muitos quilómetros, da costa até à Jamba, no extremo sudeste do país. Lembro-me da nossa constante preocupação com a possibilidade da coluna poder ser atacada, nesse percurso, pelas forças governamentais angolanas, nomeadamente por via aérea, colocando em risco a vida dos cooperantes. Em especial, tenho presente - e um "antigo vizinho" leitor deste blogue recordará bem isto - um jantar em minha casa, com a presença de um oficial das FAPLA, em que esta questão foi discutida em termos que chegaram a ser muito tensos.

Tudo acabaria em bem. A Dora Fonte e o seu companheiro viriam a ser entregues pela UNITA a instituições internacionais. Depois do seu regresso a Portugal, trocámos mensagens e, como é da lei da vida, acabámos por nunca mais nos ver. Há dias, a Dora contactou-me (vantagens do Facebook). Lançou um livro sobre essa sua fantástica aventura de juventude em Angola. Tenho uma grande curiosidade em lê-lo.

Gisela João

Há já alguns anos, creio que em 2005, ao tempo em que dirigia a TSF, António José Teixeira moderou um debate onde se fez um balanço do ano que terminava. Os convidados eram David Fonseca, Inês Pedrosa, Ana Lourenço e eu próprio. Foi um exercício divertido, dadas as perspetivas diferenciadas que se projetaram na discussão. No final, perguntado quem era, para mim, a figura portuguesa do ano, lembro-me que escolhi Ricardo Araújo Pereira.

Assisti, há pouco, a um exercício idêntico, moderado pelo mesmo jornalista, agora na SIC Notícias. Para o que aqui interessa, quero notar a genuinidade das intervenções de Gisela João, a fadista de Barcelos que é a mais recente lufada de ar fresco na canção nacional. Com uma linguagem simples, transpirando sinceridade, comentou a vida difícil de pessoas que tinha encontrado ao longo do último ano, emocionando-se com os casos de crianças que dão entrada nos hospitais apenas para matar a fome e com famílias que não protestam com a vida de carência que sofrem, porque a acham tragicamente natural. No final, ao ser interrogada sobre quem era, para ela, a figura portuguesa do ano, não hesitou e respondeu: a maioria dos portugueses. Grande Gisela João.

Para quem a não conhecer, aqui fica uma faixa do seu único CD, que vai ser a minha prenda de Natal para algumas pessoas.

sábado, dezembro 21, 2013

Boas Festas!

Para todos quantos por aqui passam, regular ou episodicamente, desde os mais críticos aos mais concordantes, dos meros leitores aos mais participantes, ficam os meus sinceros votos de muito Boas Festas. 2014 está aí à porta e de uma coisa podemos ter a certeza: vai ser um ano diferente. 

sexta-feira, dezembro 20, 2013

IRC

Tenho a firme sensação de que a maioria dos observadores, entretidos com a "abada" dada pelo Tribunal Constitucional ao projeto de confisco retroativo que o executivo se preparava para fazer aos reformados da Função Pública, não se deram conta do que, verdadeiramente, representa o acordo transpartidário garantido no tocante ao IRC.

Basta responder a duas questões para se perceber isto.

Se a proposta original do governo tivesse sido imposta, o que iria acontecer ao novo modelo de tributação do IRC no dia em que o PS chegasse ao poder? Ia ser mudado, como é evidente.

Qual é uma das queixas mais vulgares, por parte dos potenciais investidores, face ao sistema fiscal português? A sua imprevisibilidade.

Graças a este acordo, a estabilidade fiscal, em termos empresariais, está garantida por muitos e bons anos.

Há também uma terceira questão cuja resposta, a mim, me parece óbvia: a quem é que as PME's portuguesas ficam a dever um considerável benefício fiscal?

Os novos "camaradas"

Ouvir Pacheco Pereira, como há pouco ouvi, considerar que o Partido Socialista não deveria ter-se associado ao modelo final da reforma do IRC, mesmo após a aceitação de algumas das suas principais propostas, apenas porque isso favorece a estratégia política da maioria, só não é uma surpresa porque os últimos meses fizeram emergir na política portuguesa um estranho fenómeno. Esse fenómeno é a sedução que a oposição tem pelo discurso, às vezes bem radical, de figuras que, sendo originárias desta maioria, alimentam hoje um discurso fortemente crítico do atual poder. Ironicamente, parece que os mesmos argumentos, quando assumidos por figuras próximas dos partidos conservadores, têm "mais encanto" e acabam mesmo por ter uma maior credibilidade. Não duvido que tenha sido a genuinidade da razão política que levou essas pessoas a mudar de ideias, confrontando assim as posições atuais dos partidos de que estiveram próximas. Mas, em alguns casos particulares, como que deteto na atitude desses novos "camaradas" da esquerda uma espécie de revanchismo que, não diminuindo a sua "utilidade" para a estratégia da oposição, não deixa de ser um tanto estranha. A mim, pelo menos, o fenómeno causa-me alguma incomodidade, devo confessar. Mas, se calhar, sou eu que estou a ser demasiado preciosista... 

quinta-feira, dezembro 19, 2013

... e ninguém me deve dinheiro!

Se alguém me devesse dinheiro, se eu pretendesse que o fossem cobrar por aí, a quem é que entregaria o processo? A Maria do Rosário Mattos & Associados, claro. Qual "cobrador de fraque", qual quê?! 

Fico mesmo com pena de ter de constatar que não devo um cêntimo a ninguém, nem sequer a um banco, desses a quem todos nós pagamos (via BCE) os salários chorudos dos gestores. É que, se acaso tivesse alguma dívida, talvez tivesse o gosto de ser gentilmente procurado por essa invejável equipa profissional do salto alto, por essa elegância curvilínia com precatórias na fina pasta, arruando com estilo os processos pelas avenidas lisboetas, a caminho do domicílio de felizes devedores, prontos a pagar com gáudio, não apenas o cheque devido mas também todos os juros de mora, deste mundo e do outro. Essa é a equipa que agora surge filmada com olho de mestre, num preto-e-branco que quase sugere um perfume que se oferece pelo Natal, promovido pelas auroras de Paris. Com uma cobrança destas no horizonte, é quase um dever ficar a dever, para que nos cobrem como deve ser.

Que pena eu não pertencer ao grupo de quantos têm um pretexto para se relacionar com o escritório Maria do Rosário Mattos & Associados (veja aqui o delicioso filme). Mas não: para o bem ou para o mal, eu sou de contas certas! Que hei-de fazer?!

Pin político

Hoje e amanhã haverá Conselho Europeu. Os chefes de Estado e governo da União Europeia encontrar-se-ão em Bruxelas. Se notarem bem, verão que, para sua identificação e circulação através dos controlos de segurança, essas 27 figuras, bem como o presidente da Comissão europeia e o presidente do Conselho europeu, usarão na lapela um "pin", igual para todos. Os "pin" são sempre diferentes, de reunião para reunião. Os restantes membros das delegações usam, pendurados por um fio, cartões não nominativos de identificação, de duas cores diferentes, correspondentes às zonas a que têm acesso.

Todo os chefes de Estado e governo da UE usam "pin"? Não. A chanceler alemã e o presidente francês (era assim com Sarkozy, assim é com Hollande) parece considerarem que não necessitam de serem "identificados". No caso francês, aparentemente para "disfarçarem", os presidentes exibem as insígnias da grã-cruz da Légion d'Honneur. No caso alemão, nem isso. Enfim, há sempre alguns mais iguais do que outros.

No que toca ao uso de pins entre nós, e já com este governo, foi instituída uma espécie de patrioteirismo de lapela, com uma bandeirinha nacional a servir de elemento identificador dos ministros e secretários de Estado. Um amigo meu, muito maldoso, costuma dizer que as bandeirinhas têm duas vantagens. Nos casos de evidente "anonimato político" que afeta alguns governantes de segunda linha, elas servem para revelar o facto dessas figuras integrarem o "governo de Portugal" (uma bizarra formulação com consequência gráfica que tem infestado a correspondência oficial, desde 2011, substituindo subliminarmente o "S.R." de "Serviço da República"). Noutros casos, diz ele, a utilização do mini-símbolo nacional na lapela - que é um hábito americano, pouco comum deste lado do Atlântico - destina-se a recordar a alguns membros do governo o país que verdadeiramente representam. Para logo acrescentar: "como se vê, nalguns casos não dá resultado..."

Mas será que todos os membros do governo português usam a bandeirinha patrioteira! Não. Há um ministro a quem nunca ninguém viu o adereço alapelado. Quem será? E por que será?

União bancária

As coisas complexas são... complexas. Ontem, no intervalo de uma reunião de trabalho numa empresa, um colega estrangeiro trouxe-nos a novidade: já há acordo no "Ecofin" sobre a questão da União bancária, uma das questões mais importantes para a estabilidade económico-financeira europeia. Todos nos congratulámos com o facto, mas eu fiquei com uma dúvida residual. Conhecendo como se constroem os "êxitos" em Bruxelas, e o modo como eles são "vendidos" à imprensa, bem como as divergências que persistiam horas antes, fiquei algo cético e entendi dever esperar para ver.

Num tempo em que todos "somos" economistas, há temas cuja especialização devemos ter a prudência e a serenidade de só abordar quando conhecemos os seus contornos essenciais. Desde há muito que procuro falar e ter opiniões apenas sobre aquilo de que julgo saber alguma coisa - o que, infelizmente, às vezes está um tanto distante daquilo que realmente sei. E isto não é falsa modéstia. "Bitaites" de mesa de café, sobre temáticas técnicas, deixaram, há muito, de ser a minha especialidade. Por isso, por exemplo, falo sempre da "união bancária" com imensa prudência e parcimónia.

Hoje de manhã, no âmbito de uma benévola "conspiração" preocupada de que faço parte, no seio da qual refletimos regularmente sobre questões relativas ao futuro económico do país, alguém que "sabe da poda" sobre a muito especializada questão da "união bancária" explicou-nos que, afinal, tinha sido falso alarme: o "acordo" obtido em Bruxelas fora de mínimos, o essencial ficou por consensualizar e tinha acabado por fazer vencimento a posição da Alemanha. Para não variar.

Os malucos da bola

Estamos a meio da semana. É meio-dia e trinta e cinco. Abro, por um mero acaso, a televisão: SIC Notícias, RTP Informação, TVI 24, canal A Bola e Porto Canal transmitem conferências de imprensa, em direto, dos treinadores do Sporting e do Porto. Com ar grave e compenetrado, rodeados daqueles "stickers" de publicidade retangular que lhes preenche o NIB, os dois "misters" devem estar a elaborar, com grande profundidade, sobre essa coisa magna que é a próxima jornada. Escrevo "devem" porque, em minha casa, há a regra imutável de aplicar imediatamente o "mute" sempre que na imagem apareçam a falar treinadores, jogadores ou dirigentes de futebol (Sporting incluído, bem entendido), tal como já há muito é praticado, com escassas exceções de ocasião, para as tomadas de posição de representantes de grupos parlamentares ou políticos em debate.

Já vivi em vários países: não conheço nenhum outro em que haja uma dependência tão forte das televisões face ao futebol. E, já agora, da política dos políticos.

Conversas

Há dias, "O Sol", numa nota anónima que traz a assinatura virtual de Pedro d'Anunciação, inseria uma hiper-exagerada mas divertida nota segundo a qual raro era o dia em que eu não andasse a palestrar em ocasiões públicas, por esse mundo fora. Embora as coisas estejam muito longe de ser como o jornal as pinta, a verdade é que, neste quase um ano que decorreu desde o meu regresso a Portugal, participei num número significativo de debates, às vezes sozinho, outras vezes em painéis, quase sempre em Portugal, mas também várias vezes no estrangeiro, além ter feito a apresentação de alguns livros. Em mais do que uma ocasião, tive de fazer uma grande e cansativa "ginástica" para poder aceitar esses convites, mas, com toda a sinceridade, nunca me arrependi dessa minha disponibilidade para partilhar e discutir ideias.

Até ao Natal, vou ter ainda duas ocasiões dessas. Hoje à noite, em Lisboa, falarei das relações Norte-Sul para pessoas com formação em matéria de segurança e defesa. Amanhã, em Vila Real, num painel com Luís Nazaré e Rui Moreira (esse mesmo, o presidente da Câmara do Porto), abordarei o tema da internacionalização das nossas economia. Depois, "sopas e descanso". Até ao ano.

quarta-feira, dezembro 18, 2013

Ronnie Biggs

Morreu hoje Ronald Biggs. Muito pouca gente já se lembrará do impacto que teve o assalto, comandado por Biggs, ao comboio-correio britânico, em 1963. A ousadia e engenhosidade do roubo como que "absolveu" o crime perante muitos setores da opinião pública, britânica e não só. O seu percurso posterior, com fuga da prisão, saída para a Bélgica e Austrália, seguida de um exílio no Brasil, com uma imagem de vida folgada e marcada por uma espécie de ostensiva felicidade tropical, acabou por dar-lhe uma aura quase lendária. Ronnie Biggs passou a ser, aos olhos de muitos, uma espécie de "bom ladrão", quase acarinhado, salvo pela polícia britânica, que sempre o manteve sob observação. Quando, acabados que foram os recursos financeiros, Biggs "gave up" e regressou ao Reino Unido, esteve preso por vários anos e caiu quase no esquecimento. Como registo, ficou o filme "The Great Train Robbery", uma obra cinematográfica menor.

Há cerca de duas décadas, num impulso de curiosidade que frequentemente me leva a locais ligados a factos com algum significado marcante na memória pública, decidi ir visitar o cenário onde Biggs e o seu "team" cometeram a sua proeza, perto de Cheddington, em Buckinghamshire. Recordo-me que era um relativo descampado, com uma estrada secundária que passava sob a linha de caminho de ferro. As imagens do filme e as conhecidas fotos a-preto-e-branco ajudaram-me a reconstituir esse tempo de "bobbies" de capacete preto, num país que tem com o crime e com a respetiva literatura uma relação de atração única. 

Com o fim de Ronnie Biggs, acaba-se o tempo de um ladrão quase romântico. Aqueles que conhecemos não têm esse encanto.

Notícias da esquerda

Há dias, o deputado europeu Rui Tavares, anunciou a criação de um novo partido na esquerda do espetro político nacional, do qual ainda não se viu muito. Dias depois, soube-se que o antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, vai liderar uma lista nesse mesmo setor, em nome de um partido que, como outros, apenas emerge nos períodos eleitorais. Ontem, um grupo significativo de personalidades, também de esquerda, veio dizer da sua vontade de também concorrer às eleições europeias, com listas próprias, embora com uma, por ora insondável, mensagem de "unidade". À medida que nos aproximarmos das eleições europeias de maio (é verdade, este ano é mais cedo) surgirão por aí os MRPP's e o resto dos egos progressistas, desde o centro-esquerda aos "verdadeiros" esquerdistas, para quem os tempos de sufrágio são um regular momento de Lázaro. Claro que também veremos o PCP, agora inchado de amanhãs que cantam ruas cheias de CGTP's, acompanhado por essa força de larga expressão que são "Os verdes", subir, impante, à tribuna do descontentamento. O Bloco de Esquerda, ou o que dele então restar - com a pluralidade das suas componentes de ex-PCP's, maoístas, trotskistas e católicos progressistas - também irá tentar dar o ar possível da sua graça. Finalmente, "last but not least", o PS, sem o qual a restante esquerda bem pode entrar toda no mesmo caldeirão mas nunca conseguirá fazer a poção mágica de vitória, lá terá a sua lista, fruto de laboriosos arranjos entre as suas "sensibilidades". Sobra mais alguma coisa? Quantos sorrisos na S. Caetano e no Caldas não haverá...

terça-feira, dezembro 17, 2013

Draghi e nós

Mario Draghi disse aquilo que toda a gente já sabia mas que alguns, que acham que os mercados "nasceram ontem", teimavam em não querer assumir: Portugal vai ter de passar por um programa de ajuda externa, depois da saída da "troika". Não é uma boa notícia, mas está longe de ser uma surpresa e é uma realidade que vamos ter à nossa frente. E é igualmente a prova provada que o processo de ajustamento, da forma que foi planeado ou no modo como foi desenvolvido, não atingiu aquele que era um dos seus objetivos centrais: fazer regressar o país ao mercado de financiamento internacional, a taxas comportáveis, por forma a sustentar o pagamento do nosso serviço de dívida, que tem um impacto substancial sobre o défice, e a progressiva atenuação da própria dívida que exceda os 60% do PIB. Resta-me, porém, um mistério sobre o qual, até hoje, nunca ouvi uma palavra de quem subscreveu, por parte de Portugal, o "tratado orçamental": como é que o país conseguirá cumprir as determinantes constrangentes desse mesmo tratado, não apenas em matéria de dívida mas, essencialmente, em termos de limites para o défice estrutural?

Público & privado

Do resultado da chamada "10ª avaliação" parece concluir-se que a "troika" ainda insiste em reduções nos salários no setor privado. O governo, ao que se sabe, resiste. O que bem se compreende. O executivo percebeu, aquando da saída para a rua da população portuguesa, em setembro de 2012, por virtude da questão da TSU, que "abrir um guerra" com o país que vive da economia privada tinha um preço muito mais elevado do que concentrar os cortes no setor público, desde os salários às reformas, passando pelo sinónimo espertalhote de desemprego que passou a ser a palavra "requalificação". Por exemplo, mudar os escalões do IRS, introduzindo um fator de maior proporcionalidade e justiça, seria um suicídio político. As eleições vêm aí e tudo quanto afete os servidores públicos, presentes ou passados, até vai bem com a filosofia de quem gere o Estado detestando-o, nele concentrando a culpa da situação que o país vive. Se algumas das medidas que o governo incluiu no orçamento para 2014 vierem a revelar-se inconstitucionais, o pouco escondido plano B será, uma vez mais, o setor público, esse "bombo da festa" tão à mão de semear. É tudo tão evidente...  

Norte-Sul

No termo de janeiro de 2014, completarei um ano na direção do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Foi uma experiência muito interessante, sem o menor encargo financeiro para ninguém (o meu trabalho foi "pro bono", desde a primeira hora), na chefia de uma estrutura que vai completar quase um quarto de século, desde sua criação. O Centro passa por um tempo de reflexão sobre o seu papel no quadro do Conselho da Europa, depois de alguns debates que se iniciaram antes da minha chegada. Os próximos dois anos serão essenciais para o desenho desse futuro.

O balanço da ação do Centro Norte-Sul é, a meu ver, muito mais do que simplesmente positivo. Ao longo destes anos, com diversos diretores e centenas de pessoas que passaram pelos seus quadros, o Centro revelou-se um excecional mobilizador de vontades, dispondo hoje de uma rede de contactos que é dificilmente substituível, no âmbito da atividade externa do Conselho da Europa. Isso aconselha a que o Centro, de forma cada vez mais integrada, responda como uma estrutura de relevo no âmbito da "política de vizinhança" da sua organização-mãe.

Mas faz o quê? esse Centro, perguntar-se-á o leitor menos atento. Ao longo dos anos, o Centro tem vindo a ser a "janela" do Conselho da Europa para o Sul. Num primeiro tempo, competiu-lhe "explicar" o Sul às opiniões públicas do Norte, sublinhando a importância da solidariedade à escala global, as relações de interdependência no mundo, as responsabilidades coletivas face às situações de desequilíbrio e desigualdade entre os povos. Com a passagem dos anos, o Centro voltou-se mais para esse próprio Sul e procurou ser útil, no seu seio, à construção de uma consciência democrática, à aculturação de um corpo muito vasto de direitos, dando como referente - mas não como "benchmark" impositivo - o trabalho magnífico que, desde 1949, o Conselho da Europa foi desenvolvendo, num universo que hoje envolve 47 países.

Hoje em dia, o centro Norte-Sul, utilizando o diálogo intercultural como instrumento de trabalho, promove ações ligadas à chamada educação global, ao reforço da cidadania democrática, ao apoio à organização e estruturação da sociedade civil, nomeadamente nos países do Magrebe, onde tem vindo a concentrar o essencial das suas ações. Os "alvos" prioritários atuais do trabalho do Centro são os jovens e as mulheres, procurando destacar e apoiar o seu papel nas muito diversas sociedades em que se inserem, tentando que governos, parlamentos e autoridades regionais e locais estabeleçam, por seu intermédio, com as estruturas da sociedade civil, uma relação institucionalizada cada vez mais eficaz.

Ontem, à volta de um almoço de Natal, esteve toda a nossa jovem, entusiasmada e muito feminina equipa. Desejei-lhes um ano de 2014 feliz e produtivo. A partir do final do próximo mês de janeiro, esse percurso vai ser prosseguido sob a orientação de um outro diretor. O meu mandato de um ano terminou e, infelizmente, não tenho disponibilidade pessoal para o renovar. Mas foi, como acima disse, uma bela experiência. Deixo no Centro bons amigos e não tenciono perder de vista a sua atividade no futuro.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Algo de novo?

Depois da infindável saga em que se transformou a formação do novo governo alemão, esperar-se-ia que o resultado final desse laborioso exercício trouxesse algumas novidades. Em especial, muitos "espetadores comprometidos" (para usar a expressão consagrada de Raymond Aron), olhando da estranja, estariam curiosos para saberem se a entrada dos social-democratas na "grande coligação" acarretaria alguns efeitos na política europeia que mais imediatamente nos interessa. 

A aquilatar por aquilo que se sabe, as resultantes do acordo de governo têm incidências essencialmente internas, quer nalgumas políticas mais emblemáticas para o SPD, quer na distribuiçào de lugares. A verdade é que temos de nos resignar a uma realidade que sempre emerge nos executivos das maiores potências: eles projetam essencialmente os seus interesses nacionais, respondem perante os seus cidadãos e, com alguma naturalidade, "estão-se nas tintas" para os interesses de quem olha de fora. É assim agora na Alemanha, foi sempre assim no caso dos Estados Unidos. O que há de novo é que esta terá sido a primeira vez que os resultados de uma eleição alemã foram aguardados com tanta expectativa, o que só prova a crescente relevância da Alemanha na vida europeia, isto é, nas nossas vidas.

Agora, resta esperar. Desde logo, pelas primeiras declarações de Wolfgang Schäuble, o "novo" ministro das Finanças. Imagino que, para os lados de S. Bento, devam estar a matutar se ele ainda se lembra daquela curta conversa com Vitor Gaspar - gravada incautamente por uma televisão portuguesa -, cujo teor recomendo que seja regularmente revisitado. Eu, pelo menos, volto a ela com regularidade, porque entendo que, mais do que qualquer declaração, ela explica, melhor que tudo, grande parte das ações e das omissões do governo português nos últimos dois anos e meio.

Novembro

Rodrigo de Sousa e Castro, subscritor do Documento dos Nove, foi um dos "vencedores" do 25 de novembro, tal como Vasco Lourenço, p...