No domingo, ao ver o batalhão de repórteres televisivos portugueses pelas ruas de Paris, lembrei-me de José Augusto (não, não é o do Benfica!). Era o representante do turismo português em Paris, uma cara conhecida da generalidade dos portugueses, dos tempos do SNI (o que era o SNI? Era o Secretariado Nacional da Informação, a voz e a imagem da propaganda da ditadura).
José Augusto, que era casado com Suzanne Chantal (uma escritora de quem me recordo ter lido "A vida quotidiana em Portugal ao tempo de terramoto"), fazia regularmente para a RTP (para quem havia de ser, num tempo em que só havia esse canal, "e era um pau"?), o "Varanda da Europa". Não era um direto sobre a atualidade (isso não existia). Era uma programa cosmopolita da "radiotelevisão", com reportagens gravadas na "cidade luz" (os clichés eram o chique de alguma comunicação social desse tempo), com a Torre Eiffel ou o Arco do Triunfo ao fundo. Era um pouco de tudo: desde a política francesa até notas de espetáculos da Amália no Olympia, cenas de fado em Paris com Clara d'Ovar, talvez memórias do anterior êxito (que, à época, era sempre adjetivado de "retumbante") do "Verde Gaio" no Thêatre des Champs Elysées.
José Augusto dirigia o escritório de promoção turística, na rue Scribe, ali perto da Ópera, em cuja montra havia sempre as inevitáveis redes de pesca, cangas de bois do Barroso, palmitos de lavradeiras de Viana, canastras, às vezes uma guitarra, quase sempre cartazes da Nazaré ou da Praia da Rocha. Era a montra do Portugal oficial em França.
Mas, em França, havia então outro Portugal, cada vez mais numeroso, chegado "a salto", quase sempre a Austerlitz, em transportes clandestinos, muitas vezes a pé. Esse Portugal, não teve nunca direito de cidade na "Varanda da Europa" de José Augusto.
Esse Portugal era assim descrito por Manuel Alegre, em "O Canto e as Armas" (tirado do Google):
Georges, tu que já foste com António Nobre
ao meu país de marinheiros
anda ver Portugal a um bairro pobre
anda vê-lo em Paris sem mar e sem pinheiros
Nanterre Saint-Denis Aubervilliers Champigny.
Ai tempo sem raíz!
Eu já vos disse que não sou daqui.
Nesta noite sem pátria em Paris.