Por via de uma vida que me obriga regularmente, com algum gosto, a expor e debater ideias, fiz e continuo a fazer parte de painéis de um imensidão de colóquios, congressos, seminários ou coisas similares. Às vezes bem interessantes, outras vezes nem por isso.
Nesse mundo, há uma figura pública portuguesa, que já teve experiência governativa, com quem me cruzo, desde há muito. Temos visões políticas opostas, olhamos as coisas de maneira muito diferente, raramente coincidimos no modo de abordar as questões. Conhecemo-nos há mais de quase quatro décadas, temos modos muitos diversos de estar na vida e, por coisas que não vêm para o caso, cultivamos ambos uma espécie de insustentável tendência para nos "picarmos" em público. No meu caso, entretenho-me a procurar descortinar pontos que considero fracos no seu argumentário para depois os tentar desmontar de uma forma crítica, quase sempre sem me poupar a alguma ironia. No caso dele, julgo que é pior: quase nem precisa de ouvir o que eu digo para logo me atacar. Andamos neste "jogo" há anos.
Um dia, numa universidade americana, onde ambos éramos convidados para uma conferência, estávamos colocados em painéis diferentes, o que reduzia as hipóteses de um aberto conflito público. Eu fiz a minha apresentação, após o que a pessoa que dirigia a sessão abriu o debate ao auditório. Desse mesmo auditório, levantou-se então esse meu contraditor de estimação que, com ênfase, deixou logo claro que não concordava com o essencial do que eu tinha afirmado e com a perspetiva que eu defendera. E partiu daí para uma longa intervenção, disfarçada em pergunta, na qual, devo confessar, eu reconhecia muito pouco daquilo que tinha dito. Nada que fosse novo.
A meio dessa intervenção, sempre bem articulada e até com alguma graça, um colega de painel, creio que francês, disse-me ao ouvido: "Não percebo por que razão ele o está a contestar!". Divertido, respondi: "Não se surpreenda. É sempre assim. Já é uma velha história, entre nós". Ao que ele esclareceu: "Não é isso! É que ele não ouviu nada do que você disse. Ele entrou na sala no momento em que você estava precisamente a terminar a sua intervenção..."
Ontem, em Lisboa, cruzámo-nos, por acaso, e, naturalmente, saudámo-nos com a cordialidade conflitual que nos torna eternos adversários de estimação.
Ontem, em Lisboa, cruzámo-nos, por acaso, e, naturalmente, saudámo-nos com a cordialidade conflitual que nos torna eternos adversários de estimação.
8 comentários:
Que alegria me dá...
Ao longo desta longa vida que levo, tenho três desses ódios cordiais de estimação. Nunca os perdi e espero morrer com eles.
Até nisso sou fiel!
Oh, isso é denúncia quase clara que quem desdenha quer comprar(...)
É como quem diz contraditórios cúmplices,pelo menos têm sempre participantes nas preleções onde estão ambos presentes,não passam em branco, nem sofrem a ansiedade da probabilidade ou não de existência de perguntas, mormente a da "primeira".
Quem fala sem nunca ter ouvido, visto ou lido sobre o que fala tem um nome- Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não o imagino nos EUA, muito longe da TVI e da intriga lisboeta.
Esta é mesmo difícil de contraditar.
Ele não visita o seu blog, pois não?
Não sabe o que perde!
Desejo aos dois uma vida longa. Merecem!
O Jorge Salema abre as portas da polémica com mais uma história de "vichyssoise"?
«Conhecemo-nos há (mais de) quase quatro décadas...»
Não seria mais correcto?
Com profunda admiração, Senhor Embaixador.
Caro Catinga, creio que gostaria imenso que eu lhe respondesse,mas... essa sopa muito fresca, muito francesa, não é das minhas preferidas. Nem, aliás, o Professor, seu autor, que me retribui amplamente.
Cá por mim, vou no caldo verde!
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