segunda-feira, agosto 17, 2009

Voltas

Terminou ontem mais uma Volta a Portugal. Desta vez, para variar, foi um português o vencedor.

Não tenho um contacto com a realidade portuguesa que me permita aquilatar, com precisão, da relação afectiva que o país tem hoje com o seu ciclismo. Fico com a sensação que já não há grandes ídolos, apenas uma meia dúzia de nomes relativamente mais conhecidos. Não deixa, aliás, de ser curioso que aquele que parece ser o mais popular ciclista português, Cândido Barbosa, nunca tenha obtido uma vitória na Volta a Portugal. É, apesar disso, um campeão da simpatia.

A desaparição dos clubes tradicionais como promotores centrais da modalidade, bem como a entrada das empresas a dar nomes às equipas, terá retirado muita da rivalidade antiga que alimentava o ciclismo português. Valha a verdade, um dos grandes duelos históricos do nosso ciclismo ocorreu entre Alves Barbosa e Ribeiro da Silva, apoiados então, respectivamente, pelos modestos Sangalhos e Académico do Porto. Mas as camisolas do Benfica, Porto e Sporting (aqui por ordem puramente alfabética, claro...) foram a chave de décadas de entusiasmo nacional pelo ciclismo. Que parece perdido.

Nem sempre foi assim. Na minha juventude, a chegada da Volta a Vila Real era um momento de grande emoção, tanto mais que então acompanhávamos, ao segundo, a evolução da classificação geral (e, também, de montanha e por pontos). Pela rádio, ficava a saber-se, a certa altura, que "já chegaram ao Alto de Espinho!", pelo que imaginávamos a descida rápida desses 15 km, que antecedia a curta subida para a meta na cidade. Depois, nas horas seguintes, era o espetáculo bizarro e colorido dos ciclistas sentados pelas esplanadas da avenida Carvalho Araújo, de chinelos, antes de recolherem às pensões Excelsior, Mondego, Coutinho ou Areias - salvo as equipas ricas, que se permitiam os luxos do hotel Tocaio.

Porém, como espectáculo de rua, o ciclismo continua ainda a ser uma festa para as terras por onde passa. Há uma merecida admiração por esses homens que, no tempo mais quente do ano, passam horas a sofrer. Uma luta que se passa à nossa escala, porque há que ter em atenção que a Volta a Portugal está a anos-luz de importância das suas grandes congéneres europeias - a espanhola, a italiana e a francesa. De qualquer forma, conseguir subir a Senhora da Graça ou a Torre continua a ser uma proeza impressionante e comovente.

Vila Real deu ao ciclismo português um nome importante: Delmino Pereira. Porém, na minha infância, havia por lá um outro ciclista, Firmino Claudino, o qual, durante alguns anos, alinhou em Voltas a Portugal, sem que, no entanto, tenha deixado marca de vitórias. Recordo-me bem da sua figura, dono de uma loja de bicicletas e, com bastante mais êxito do que no ciclismo, do seu estatuto de um dos melhores bilharistas nas mesas do Café Excelsior.

Uma Volta a Portugal, nos anos 60, teve uma etapa que finalizou nas Pedras Salgadas, terra de onde Firmino Claudino era originário. Mantenho viva na minha memória a sua imagem, nesse final da tarde, impante de orgulho, a passear-se de braço dado com Alves Barbosa, numa assumida e ostensiva revelação de proximidade com aquela que era, à época, a grande estrela do ciclismo português. Essa terá sido, seguramente, a sua maior vitória ciclística... Anos mais tarde, a caravana da Volta atravessou as Pedras Salgadas. Firmino Claudino ia no pelotão e, à passagem na sua terra natal, decidiu desistir por lá. Foi a etapa final da sua última Volta. Ter a própria terra por meta não deixa de ser bonito.

2 comentários:

Anónimo disse...

E ficou numa Boa Terra...
Isabel Seixas

maria claudino disse...

Hoje no Museu do Ciclismo das Caldas da Rainha, ouvi falar de Firmino Claudino (meu pai). Lembrei-me de pesquisar, e encontrei este artigo, que me trás algumas recordações. Fico feliz que ainda o nome dele seja lembrado, por isso mesmo adoptei como nome artistico Maria Claudino

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