sábado, janeiro 03, 2015

O fim de semana de José Sócrates

Não faço ideia se aquilo que José Sócrates disse ontem a uma televisão, em resposta a perguntas que lhe foram colocadas, vai ajudar ou não à sua defesa. Não é essa a questão. Desde a sua detenção, há mais de um mês, a comunicação social tem sido inundada por dados e inferências que, pelo seu pormenor, só podem ter sido fornecidas pelos agentes da Justiça que têm o processo a seu cargo. Já aqui escrevi uma vez que acho que isso foi feito, embora contrariando abertamente a lei, como forma encontrada pelos responsáveis judiciais para legitimarem um ato que sabiam que tinha um peso político excecional. Por virtude desses elementos trazidos a público, não há bicho careta neste país que não opine sobre o assunto, que não dê bitaites sobre o processo, uns incensando o antigo primeiro-ministro e defendendo abertamente a tese da cabala, política ou da magistratura, outros pré-condenando-o liminarmente, numa sentença que já há muito transitou em julgado popular. 

Mas mesmo no seio destes últimos, entre os quais se encontram os que em nenhuma circunstância acreditariam em Sócrates, nem que a Justiça o viesse um dia a beatificar, julgo que só um punhado de fanáticos recusará o direito do indiciado (porque não é ainda acusado, como se sabe) vir a terreiro dar a sua versão dos factos. Eu diria mesmo que quem anda com o caso Sócrates na boca até deve estar agradecido pelo facto de agora ter novo pasto argumentativo para a conversa de café (e de televisão).

Para José Sócrates este é, na realidade, o seu primeiro fim de semana de alguma "liberdade", em que toda a gente discutirá versões que surgem, finalmente, contrapostas em público. E - querem apostar? - não tarda vão surgir por aí novas fugas informativas do processo, escolhidas para tentar contrariar a nova "narrativa" de Sócrates. Para o cidadão curioso, este ping-pong argumentativo é excelente, dá para um fartote de charla com os amigos.

É claro que, sob o ponto de vista do direito, vai com certeza emergir a questão de saber-se se, tendo sido recusada pelo juíz a possibilidade de José Sócrates falar para um jornal, essa determinação não é infringida agora por esta entrevista a uma televisão. Sócrates pode vir a ser punido por ter incumprido essa decisão? E o que é que lhe pode acontecer? Prendem-no?

22 comentários:

Jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
José Sócrates é uma tragédia! Um homem, embora com alguma inteligência, foi usado por outros, para tirarem proveito político e outras vantagens. Obcecado pelo poder e tantas coisas aconteceram, verdades ou mentiras, que um dia teria que vir parar à praça da Justiça.
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Não tardará a cair no rol dos esquecidos e sem glória ou heroísmo algum. Do tribunal do Povo já foi julgado e condenado, do da Justiça, mesmo que o absolva, será, para sempre um homem apagado.
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Um argumentador nato que errou a profissão de vir a ser primeiro-ministro. Seria um bom pregador de uma igreja moderna de que certamente, a sua voz, captaria milhões de fieis.
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Não é descurar que José Sócrates, se contemporâneo (1950) do Machado Aldrabão da Cancela Velha, do Porto, que vendia a Pomada Santa de Giboia aprenderia, imenso, com o ex-primeiro-mintsro de Portugal.
Saudações de Banguecoque

Anónimo disse...

Acho muito bem que Sócrates tenha infringido a estúpida obrigação imposta de se não poder defender.
Como votante de Sócrates sempre defendi que deveria ser o próprio a explicar-se em directo na televisão e a ser confrontado com indícios. A proibição de se exprimir releva de um juiz limitado, provavelmente versado em questões processuais e notariais mas pouco mais e que de direitos de cidadania pouco ou nada deve conhecer. Deus ou o seu substituto legal nós livrem de cairmos nas mãos de juízes com preconceitos ou limitados intelectualmente. Outra coisa diferente de que se não poderia discordar é que Sócrates pudesse e devesse ser inquirido pela Justiça. Daí até se chegar a uma prisão preventiva vai um grande passo. Diferentemente do que Carlos Albino almeja a "Justiça" reagirá com indiferença e impassibilidade a estas declarações de Sócrates. E ver-se-à que "no pasa nada"...

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
Por ter dado a entrevista à TVI, Sócrates para a fogueira já!
A não ser esta pena que outra poderá castigar tão grave infracção ao segredo de justiça por parte de um indiciado detido?
Ainda por cima, num Estado que cumpre religiosamente esse segredo de justiça, como todos sabemos.
E esta reintrodução estaria a condizer com o ambiente dos tempos que vivemos (basta ver a excelsa deputada do PSD Teresa Leal Coelho a retomar a proposta de criminalização do enriquecimento ilícito, que inverte o ónus da prova e já foi declarada inconstitucional. Isto é: deixava de ser o Ministério Público a ter de provar que o acusado roubara, era o acusado que tinha que provar não ser ladrão), dizia eu, nestes tempos, não seria descabido reintroduzir a pena mais simbólica e forte da Inquisição: o Terreiro do Paço, tão bonito e com tantos turistas, seria um cenário ideal, e haveria aí um atractivo do jaez das execuções no EIL sem os riscos que os turistas correm nesse espaço de «liberdade» que é o EIL (que está a ter um sério competidor em Portugal, na irracionalidade do ambiente de fanatismo ideológico que cada vez mais campeia entre nós: falo de irracionalidade e de fanatismo ideológico, não comparo a gravidade das duas situações reais).
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P. S. Luís Salgado de Matos, no seu blog O Economista Português, sugere que, se a excelsa deputada quer mesmo combater a corrupção, deve propor o fim da prescrição para este tipo de crimes e outros de igual gravidade, dada a natureza da prescrição: «Os prazos processuais são direito adjetivo e por isso a sua alteração não viola o princípio da não retroatividade, nem incorre em qualquer outra inconstitucionalidade.»
Até ajudaria a ilibar de vez o Dr. Paulo Portas, se, de facto, nada tem a ver com as acusações que contra ele se esgrimem à boca fechada (semiaberta e escancarada) desde há 10 anos, e que por este andar o perseguirão o resto da vida. Tem direito ao bom nome, como o Sócrates, se nada se provar mas com uma investigação a sério e sem as limitações d da prescrição.
Afinal, há soluções tão baratas e mesmo à mão e os nossos excelsos deputados não se lembram delas?


Anónimo disse...

mais un fala barato, mas inteligente....

ARD disse...

As resposta de José Sócrates ao questionário da TVI e, sobretudo, a introdução com que as fez anteceder, são uma peça notável.
Primeiro, porque são mais convincentes do que o emaranhado de acusações ora delirantes, ora contraditórias, ora, frequentemente, infantilmente mentirosas a que as felícias e cabritas da nossa lamentável "comunicação social" dão guarida.
Postula o princípio chamado "Occam's Razor" que, entre uma explicação simples e que use o menor número de premissas necessárias e uma explicação complexa e que utiliza factos laterais e despiciendos, é a primeira que é a mais razoável e deve ser aceitada. É, evidentemente, o caso.
Em segundo lugar, a argumentação jurídica, posto que vem de um não-jurista, é desmedidamente mais consistente do que a que provem, segundo os seus porta-vozes "de facto" - as já citadas cabritas e os seus congéneres da pasquinagem habitual - as da investigação e da acusação.
E, também aqui, podemos buscar apoio num princípio filosófico-jurídico, a chamada "lex parsimoniae": "entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem" (as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade).
Mais: a defesa jurídica contida nas respostas põe a nu a hipocrisia tartufa dos que, recitando o já desprovido de sentido "mantra" do "eu confio na Justiça" para se furtarem a exprimir uma opinião, se colocam objectivamente na cómoda situação do observador de Sirius.
Como se a Justiça fosse uma entidade abstracta e metafísica, operada por seres angélicos e desencarnados, e não uma construção intelectual e sócio-política, executada por homens comuns, tão permeáveis como quaisquer outros às convicções, aos preconceitos, às simpatias, aos medos e aos interesses.
Eu, por mim, confio e não confio na justiça; depende.
E, no que toca à chamada "operação Marquês", com os dados que tenho é a inteligência, mesmo que seja parca, que Deus me deu, estou longe de confiar.
Rebus sic stantibus, pelo menos...

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,
Aquilo que estamos a observar é um velho "vício" muito nosso, muito português, que se preocupa muito na forma e acaba por esquecer o conteúdo. Estamos a tentar perceber se existe fundamento para aquilo que se desconfia há demasiado tempo e que até hoje nunca se conseguiu provas, somos ou não somos um povo que ao tomar nas mãos o poder se torna corrupto? Andamos preocupados com a forma como os processos decorrem, o que me preocupa são as históricas conclusões, que por erros processuais, prescrições e outras artimanhas terminam muitas vezes no limbo do tribunal da consciência.
Eduardo Antunes

gazela disse...

José Martins, porque não tomou o comprimido de manhã?!É que, o pessoal não tem culpa de o não ter tomado.

opjj disse...

Cá pra mim, estou em crer que José Sócrates acaba por meter o Juiz Carlos Alexandre na prisão.Feitiço contra o feiticeiro.Dizem!
Aguardemos.
Cumps.

Anónimo disse...

A justiça é aquela que o maioral dos arredores quer impor e é, quanto baste.

estou e fico perplexo - uma pessoa está detida e nem sequer é ouvido nem sabe, as causas da sua detenção e para isso entramos no mundo civilizado, dizem.

Será que o Divino vai julgar o cidadão?

Zé da Adega

Anónimo disse...

José Sócrates confessou que recebeu centenas de milhares de euros do seu amigo. A justiça diz que esse dinheiro é dele. A pergunta é esta: existe no mundo algum amigo que empreste centenas de minhares de euros para um amigo comprar carro, viver em Paris etc etc nem um pai!
João Vieira

António Pedro Pereira disse...

João Vieira:
Existe!
O amigo do Ricardo Salgado deu-lhe 14 milhões de dólares.
E o Salgado não está de cana.
Sabe demais, não é?
Ou comprou este mundo e o outro (de submarino).

Anónimo disse...

É tudo tão "rasteiro" no modo como se fazem "as coisas" no nosso País. Pena. Um dos males de Sócrates foi ter chegado (como outros colegas seus) a lugares públicos de relevo... Não lhes faltava garra, nem engenho, nem inteligência - ou no caso de Sócrates - nem a presença física agradável e a exposição verbal perfeita de um especialista em retórica ou sofismas. Mas não deu para nenhum deles!!! Não têm um passado ou nome de família a quem já se guarda um respeito histórico... O tempo falará de Sócrates, creio mesmo, como um dos melhores entre os "vivinhos da Silva" que andam por aí. Só que vai levar o tempo das burocracias e os "timings" das eleições mais importantes, que estão para vir. É tempo de ficar quieto...

Anónimo disse...

Epístola de Sócrates aos coríntios
Helena Matos

Ao querer transformar a sua prisão num caso político, Sócrates, muito mais que destruir o juiz Carlos Alexandre, pretende sim comprometer o PS com a sua defesa e destruir a estratégia de Costa

Anónimo disse...

"Confessou", João Vieira? Mas receber dinheiro de um amigo é um crime? "Confessou"?

Anónimo disse...

Mas o que se espera é que salgado vá de cana se se confirmar o que circula!
João Vieira

António Pedro Pereira disse...

João Vieira:
E também se espera que Sócrates, e todos os indiciados, seja de que crime for, vão de cana definitivamente quando forem condenados e as sentenças transitarem em julgado.
Mas, entretanto, como uns são mais iguais do que outros, uns estão já com as barbas de molho e outros não.
E há outros que estão a escapar pelas costuras.
Mas quanto a todos os outros o senhor não parece importar-se muito.
O Sócrates é o único que lhe interessa.
Percebe-se à luz da máxima: «Só existe aquilo de que se fala».
Marcando as agendas mediáticas com o Sócrates, deixa de haver submarinos e quejandos... só há Sócrates.
Apesar de o Salgado ter confessado na Comissão de Inquérito o que se sabe, apesar das gravações do Conselho de Família, nada disso existe, nada disso interessa.
Nós percebemos a sua (e de outros) intenção.
Os nossos… bons, os outros… maus.
Que pobreza de pensamento e de atitude cívica, como s fosse assim que o país de tornasse mais decente e a nossa vida colectiva mais habitável.
Mas tanto de um lado como do outro são estas visões tribais, dicotómicas, sectárias, que predominam… infelizmente!
E perdemos todos, de alguma maneira, excepto alguns que beneficiam deste maniqueísmo bacoco.

Anónimo disse...

Há muito tempo que a "justiça" em Portugal e assim: os magistrados fazem de jornalistas, lançando "bocas" na imprensa, e os jornalistas fazem de magistrados, julgando os argüidos na praça publica.

Fernando Neves

Anónimo disse...

Parabéns ao anónimo das 20.28
Retrato tão preciso, nem o Eça.

Abraham Chévre au Lait disse...

O Sócrates é o melhor tribuno que por cá existe nos últimos 40 anos! As barrigadas de riso que ele me facultou,quando chapava na cara do Portas,Coelho,Ferreira Leite,as contradições em que incorriam...Muito bem acolitado pelo deputado Pereira,que está agora em Bruxelas e que faz cá muita falta. Cheguei a ponto de comprar,de propósito,um rádio portátil,para acompanhar os debates,pois por nada queria perder as garraiadas que aconteciam em S. Bento! Que lides,que maestria!!! Acotiado pelo fantasma de Boliqueime,o gado ematilhou-se contra o espada.Entretanto o espectáculo continua,embora as chocas andem à solta!Força,diestro!

Gustavo Lima disse...

Nauseabundos, estes comentários e o respectivo post... simplesmente nauseabundos. Terá o senhor embaixador favores a pagar ao P"S"? Como consegue defender o indefensável sem que pelo menos o rubor lhe aflore às faces? E este séquito de acólitos com comentários igualmente vazios e acéfalos a puxar o lustro às botas do senhor embaixador? Acaso professa o senhor embaixador a religião do "para os meus amigos tudo, para os inimigos nada, para o resto aplique-se a lei"? Extraordinário o que por aqui se pode ler: "a proibição de se exprimir... limitados intelectualmente"! Que veros tratados de Direito Penal à la PS!! Nem Eça faria melhor, pois então!

Anónimo disse...

"Como votante de Sócrates sempre defendi que deveria ser o próprio a explicar-se em directo na televisão"... Ah, ah... que interessante alternativa à Lei, ao Processo Penal, ao exercício do poder judicial enquanto um dos 3 pilares do EStado de Direito!! Só mesmo autistas do PS... isto é para eles a Democracia.

Vitor disse...

Nova narrativa de Sócrates? Mas qual delas? É que ele já teve várias e todas desconcertadas.
Mas claro, os seus fieis seguidores e que muito lhe devem beberão cada nova narrativa, idolatando o seu autor até ao dia do juizo final.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...