quarta-feira, junho 05, 2019

Trump em Londres


O comportamento de Trump em Londres era previsível. Mas a subserviência britânica, sem a menor reação da parte do governo, em face das constantes ingerências na política interna do país que o acolhia, é francamente chocante. E o silêncio medíocre de Theresa May, ao ouvir os ataques soezes ao Mayor de Londres é muito triste.

Cartazes

Não seria possível livrarem-nos dos cartazes eleitorais que ainda enxameiam a nossa paisagem? Não há uma lei para isto? Se há, quem a faz cumprir? Ou será que há, no fundo, um conluio entre os partidos?

A ajuda da Geringonça

Há uma “conquista” doutrinária que deve ser posta a crédito da Geringonça: ter colocado a direita a queixar -se da falta de investimento público, preocupação que não costuma estar nos seus genes.

Que diria Marcelo ?


Em política, o atual presidente da República sabe mais a dormir (e ele dorme pouco) do que a maioria da classe política da paróquia acordada.

Sendo assim, tenho absoluta certeza de que, ao proferir as suas já famosas declarações na FLAD, de prenúncio de uma “crise da direita”, para ela se insinuando como terapia compensatória de equilíbrio do regime, sabia perfeitamente que iria gerar um tsunami de críticas.

Isto leva a que seja legítimo que nos interroguemos sobre o seu real propósito, ao dizer o que disse.

E como eu gostaria de ouvir o comentador Marcelo Rebelo de Sousa a dissecar, com bisturi crítico, o que foi dito pelo chefe de Estado, nessa ocasião!

Um dia, em Paris, com Marcelo presente, Eduardo Lourenço comparou essa tarefa de comentador de muitos anos a alguém de uma pequena localidade que está numa varanda, vendo passar as pessoas na rua, e sobre elas se vai pronunciando. E Lourenço acrescentou: “Às vezes, da varanda, ele vê passar, na rua, Marcelo Rebelo de Sousa e, claro, também o comenta...”

Não desesperemos, pois.

terça-feira, junho 04, 2019

Os óculos


Os meus óculos estavam “cansados”. A vista vai-se alterando. O oftalmologista confirmou: tinha de mudar de óculos. E assim fiz. Já agora, mudava também de tipo de óculos. Estava um pouco farto dos que usava, ia para duas décadas. Eu até sabia muito bem o que queria - na cor e no design. E lá fui ao oculista, dos bons, isto é, dos caros. Expliquei tudo. Com o Google à mão, mostrei mesmo uma fotografia do modelo desejado. A senhora “foi ver”. A mesa começou a encher-se de pares de óculos, de todas as cores e feitios. Fui afastando um a um aqueles de que não gostava, os que, dizia ela, me faziam “mais velho”, os que, também segundo ela, não davam com o meu “tipo de cara”, os “pesadões”, os “demasiado desportivos”, os que eram “mais do mesmo”, face ao que já usava, etc. E eu ia concordando. Tenho muito escassa pachorra para perder tempo com compras (salvo livros, queijos, blocos de papel e champôs). E já por ali estava, em frente ao espelho, há uns bons vinte minutos, “morto” por me safar. Mas continuavam a chegar pares de óculos. Que eu ia afastando. Para o fim, ficaram dois ou três a que eu achava graça, que ela achava que me “ficavam lindamente”, que “dizem muito bem consigo”, que “lhe dão um aspeto mais jovem”. Um dos pares, de facto, agradava-me bastante. Preço? “São caros, mas são excelentes”. A senhora era simpática, delicada, profissional, nada “pushy”, tinha todo o tempo do mundo. Eu não. “Pronto! Levo estes!”. Liberto da tarefa, paguei, aliviado. Voltei lá dias depois, levantei os óculos. Gostei, estavam excelentes, via muito bem com eles, gostava do modelo. Depois, a reação foi a esperada: “São uns óculos bonitos, ficam-te bem, mas não têm nada a ver com aqueles que tinhas intenção de comprar!” Era verdade: não havia a mais leve semelhança entre aquilo que eu queria quando cheguei à loja e o que acabara por adquirir. Por que será que sou assim?

Económico


Eduardo Teixeira lança amanhã, pelas 18:00 horas, no Grémio Literário, o seu livro “E agora, Portugal?”, uma recolha de textos da sua coluna “Tribuna Social”, no semanário “Jornal Económico”, um órgão em que ambos colaboramos. Desafiou alguns amigos para fazerem curtos comentários aos seus textos. Fui um deles. Transcrevo aqui o que lá figura da minha autoria e que intitulei “Banca para que te quero?”: 

Que banca temos, ou melhor, que banca não temos é bom mote para uma reflexão. Eduardo Teixeira fala-nos dos banqueiros de outro tempo e do que disso (quase não) resta em mãos nacionais. Aquando da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, deu-me para perguntar, num artigo de jornal, para que servia termos um banco de capitais públicos se, afinal, este era obrigado a comportar-se exatamente como os congéneres privados, se lhe estava vedada a possibilidade de servir de instrumento das políticas públicas, dos interesses do acionista Estado. Não tive resposta, que não fosse a suspeita de estar a sugerir a privatização da Caixa ou, pecado dos pecados, querer fazê-la regressar a um fundo de maneio dos políticos. Hoje, ninguém responde: temos um banco público, porque sim! 

A crise financeira contribuiu para o “sonho” europeu: concentrar progressivamente unidades, dando-lhe escala europeia ou regional, sujeitando-as à supervisão que, antes da crise, muitas vezes faltou, reforçando o controlo de Frankfurt sobre todo o tecido financeiro. Mas o outro lado da moeda não existe: a falta de vontade política trava, ainda hoje, na Europa, a constituição dos mecanismos coletivos de responsabilização. Mas, por cá, já demos para o peditório europeu: fomos cobaias de uma experiência que pagámos com língua de palmo, nacionalizámos os prejuízos (que ainda não acabaram) e alienámos, sem retorno, ativos que existiam. Mas não há alguns bons bancos por aí? Claro que sim, até com boa e competente gestão. São nossos? Salvo a Caixa e uns trocos, são tão nossos como o anticiclone dos Açores.”

segunda-feira, junho 03, 2019

Uma esquina ao sol


Hoje, estava uma tarde magnífica de sol, naquele cruzamento entre as ruas Castilho e Barata Salgueiro, onde eu fazia horas para uma reunião.

Olhei para a Sociedade Nacional de Belas-Artes, sob a cor imperdível dos jacarandás da rua, e lembrei-me de que foi ali que, pela primeira vez, vi Mário Soares.

Era o início de uma noite de 1969 (já meio século, caramba!), em que o então líder da oposição socialista pretendia ali organizar uma "sessão de esclarecimento". A polícia proibiu o "ajuntamento" e recordo-me bem de ouvir Soares, com voz forte e indignada, contestar a decisão, fazendo face ao famigerado capitão Maltez, antes deste ter ordenado a dispersão daquelas dezenas de pessoas, "por ordem do governo". Antes, Soares perguntou, jocoso e corajoso: "E que ministro é que deu a ordem? O da Agricultura?". Um grande jarrão, à entrada de um restaurante chinês que existia um pouco mais abaixo na rua, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo a vítima colateral da subsequente fuga das dezenas de circunstantes e frustrados participantes na sessão. 

Mas já ali não estive - e com que pena o digo! - no ano seguinte. Na primavera de 1970, um divertido grupo de amigos decidiu montar na Sociedade Nacional de Belas-Artes uma "operação" com laivos teatrais, destinada a "apanhar em falso uma certa elite que então brotava no mundo das artes e que primava pelo discurso hermético e oco". Tratava-se de uma sessão de homenagem ao "sábio" belga Alphonse Peyradon, a convite do "Círculo de Estudos da Massificação Urbana (em organização)".

O "sábio" (Peyradon era um nome que recordava "pai Adão/père Adam") fez uma intervenção tida como “notável”, misturando física com filosofia, chegando ao ponto de defender que havia vestígios de música popular portuguesa em peças de Bach e Beethoven, que o advogado Vasco Vieira de Almeida entretanto interpretava ao piano.

A sessão terá decorrido de forma animada mas organizada, até que o arquiteto Hestnes Ferreira, que antes havia glorificado a múltipla qualidade de Peyradon (representado por Leite de Faria), como "musicólogo, filólogo, filósofo e deficiente motor", passou a acusá-lo, de "revisionismo", o que provocou um conflito com o orador e homenageado. O presidente da sessão, o advogado João Esteves da Silva, declarou então que a homenagem passaria a "póstuma" e tentou dar dois "tiros" no sábio, que estava remetido a uma cadeira de rodas. Por um lapso organizativo, os fulminantes não funcionaram. As luzes da sala fecharam-se então e estabeleceu-se uma confusão, embora a prevista "morte" acabasse mesmo por ”ter lugar”, o que suscitou, de imediato, que fosse tocado um fado dedicado ao passamento do sábio, com uma letra muito oportuna.

A reunião terminaria em aplausos das duas centenas de presentes, nesse fantástico sarau lisboeta, a que, repito, nunca me perdoarei de não ter assistido, não obstante a informação antecipada dada pelo "Diário de Lisboa", jornal que eu, à época, religiosamente lia.

A cena e o "assassinato" teriam ficado por ali, não fora o jornalista Fernando Assis Pacheco ter publicado um divertidíssimo texto, dias depois, precisamente no "Diário de Lisboa", com chamada de primeira página. Trata-se de uma peça muito irónica, que só por lapso de leitura pode levar um incauto a acreditar na realidade daquilo que nela era relatado. O autor inseriu, aliás, uma frase magnífica, para descrever o "assassinato", um verdadeiro "overkill": "o primeiro tiro matou-o logo. O outro feriu-o à superfície".

Leia-se, com vantagem, o notável relato feito pelo blogue Ecosfera, para ter dados deliciosos da patranha, em que intervieram, para além das personalidades já citadas, António Vaz, Francisco Keil do Amaral, José Palla e Carmo, Eugénio Cavalheiro, etc.

No dia seguinte à publicação da "notícia", um qualquer estagiário da agência noticiosa "Lusitânia", que operava essencialmente para o "Ultramar", tomou-a a sério e redigiu um "take" nesse registo. Em Angola, alguns jornais levaram-no à letra e deram conta do "trágico" sucedido. A "Lusitânia" viria a corrigir o tiro, mas era já tarde. O mundo ficou a saber da feliz tragédia em forma de belas-artes.

Uma excelente história, com um grupo divertido, num Portugal de outro tempo.

O que uma esquina e uma espera nos podem fazer lembrar...

Agustina

Há semanas, escrevi sobre a biografia que Isabel Rio Novo dedicou a Agustina Bessa Luís.

Hoje, no dia da sua morte, deixo o link para uma interessante entrevista que Anabela Mota-Ribeiro fez a Agustina.

Brasil e Angola


A história política em torno da independência de Angola, em 1975, regista, em lugar proeminente, o facto do Brasil, sob ditadura militar, ter sido o primeiro país a reconhecer a República Popular de Angola, titulada pelo MPLA e presidida por Agostinho Neto.

Durante anos, fui ouvindo - em Luanda, em Nova Iorque e até em Paris - “zunzuns” de que havia ainda por contar outros aspetos da história da relação entre os militares brasileiros e os angolanos em guerra interna de poder. Mas nunca apurei nada de concreto.

Um estudo, agora conhecido (ver aqui), mostra que o Brasil manteve-se a jogar, até bastante tarde, em dois tabuleiros, com um apoio de assessoria militar às forças da FNLA de Holden Roberto, pelo menos até à histórica batalha de Quifandongo. 

É muito interessante poder ter mais este elemento para nos ajudar a aprofundar esse tema diplomático fascinante que é a relação do Brasil com a África que fala português.

domingo, junho 02, 2019

Juan Carlos


Fui oficialmente educado a detestar a Espanha. Desde os livros da escola primária, o "perigo castelhano" só me não perturbava o sono por mera inconsciência juvenil e porque, em casa, as coisas me era explicadas de outra forma. No liceu, a História do (velho) Mattoso era um apelo profundo à reconquista de Olivença e um aviso subliminar à perfídia eterna de Madrid. Com a idade, comecei a olhar para outras Espanhas, de Unamuno a Lorca. Percebi que, por ali, nem tudo começava em Primo de Rivera e acabava no primarismo de Franco. Emocionei-me com as tragédias da Guerra civil e com a sorte dos vencidos, de Guernica a Madrid, das Asturias a Barcelona. Cedo fiquei ao lado de uma das "duas Espanhas". Quando entrei para a diplomacia, encontrei ainda, pelos corredores, muitos resquícios de uma cultura anti-Espanha, instilada por décadas de doutrinação salazarenta. Só Juan Carlos de Bourbon, que, a partir de hoje, hoje deixará de ter atividade pública no quadro da família real, reconciliou Portugal, em definitivo, com a Espanha, como um todo. A Europa fez o resto. A Espanha, e com ela a península, devem muito à sabedoria de um homem que demonstrou sempre ser um bom amigo de Portugal. Em Espanha, eu teria sido "juancarlista". Embora o nome do atual rei não soe muito bem aos nossos ouvidos lusitanos, só espero que consiga seguir o bom exemplo do pai - caçadas e escapadas incluídas, porque a santidade não é deste mundo. No que nos respeita, melhor é impossível.

Desvios no património cultural


Em julho de 2017, o então ministro Luís Castro Mendes, mandou fazer uma inventariação das obras de arte que pertencem ao espólio da Cultura, uma coleção que havia sido iniciada, em 1976, por decisão do secretário de Estado David Mourão Ferreira.

Ontem, foi revelado, na comunicação social, que, como resultado dessa inventariação, se constatou que mais de centena e meia dessas obras terão desaparecido, nesse período de cerca de 40 anos.

Faz-me alguma raiva pensar que algumas pessoas, tidas como merecedoras de confiança, a quem foram entregues obras pertencentes ao Estado, destinadas a serem exibidas em lugares sob a sua responsabilidade, por incúria ou por dolo, contribuíram para que esse património tivesse um descaminho.

Algumas dessas pessoas foram negligentes, outros ter-se-ão, muito simplesmente, “abarbatado” com essas obras de arte. Embora saibamos que, para muita dessa gente, a vergonha não será um sentimento muito relevante, acho que mereciam, como “recompensa”, que o seu nome entrasse para um “quadro de desonra” pública, para além da justiça os responsabilizar pela canalhice de que foram responsáveis.

Em 2005, quando cheguei a Brasília, para chefiar a embaixada de Portugal, dei-me conta da existência, nas paredes da residência e da chancelaria, de dezenas de obras de arte de autores portugueses, algumas delas magníficas. Sem o menor encargo para o Estado - repito, sem se ter gastado um tostão, com tudo pago por mecenato - decidi reunir todas essas obras, juntando-as com outras oriundas de coleções particulares em Brasília, e organizámos uma exposição da arte portuguesa existente em Brasília, que foi inaugurada no dia 10 de junho desse ano. A comunidade portuguesa em Brasília pôde então usufruir dessa exposição, sob a curadoria de Karla Osório e a responsabilidade organizativa do então conselheiro cultural e diretor do Instituto Camões na nossa embaixada, Adriano Jordão.

Deixo aqui a imagem do catálogo dessa exposição de 2005, que, em Brasília, funciona, ainda hoje, como uma espécie de inventário das obras que ali são propriedade do Estado português.

Cidade do futuro


O “Expresso” deste fim de semana traz, na Revista, uma reportagem sobre Oslo e o caminho da capital norueguesa para se tornar uma “cidade do futuro” em matéria ambiental, graças às suas políticas favoráveis a soluções de vida sem carbono. 

Por coincidência, passam este mês 40 anos que cheguei a Oslo, para aí trabalhar na nossa embaixada. Fiquei três anos. Tenho saudades? Depende daquilo de que estivermos a falar.

Tenho (claro!) saudades de ter 31 anos, de estar no meu primeiro posto diplomático, de sentir o futuro (fosse ele qual viesse a ser) à minha frente. Tinha (herdado do meu antecessor) um andar com uma bela varanda para Holmenkollen, o monte onde fica a pista de ski e que dá alguma graça à cidade. Foi esse o meu primeiro cenário de Oslo.

Ao longo do ano, a cidade muda, literalmente, da noite para o dia: no inverno entra-se e sai-se do emprego com luz artificial, no verão o sol encandeia às quatro da manhã e conduz-se sem faróis às dez da noite. Anda-se encasacado, de gorro e luvas, por muitos meses e, à menor réstea de sol, os locais sentem necessidade de saltar para a rua (“Os adoradores do sol”, chamou aos nórdicos Fernando Namora, num seu livro. O tema havia também sido tratado por José Gomes Ferreira, que foi vice-cônsul em Kristiansund, há quase um século, no “Tempo escandinavo”). 

O meu trabalho era apenas medianamente interessante (a Noruega não é um posto importante na nossa carreira) e tive sempre uma vida nada fácil em termos de gastos (ontem como hoje, Oslo é “fogo” em matéria de preços). Mas achei alguma graça à experiência, talvez ainda mais por, em seguida, ter ido parar “com os costados” a uma Luanda em guerra civil e com mil privações. 

Oslo era uma cidade que, chegado de Lisboa, eu via como demasiado calma, “uma Estocolmo com dez anos de atraso”, como então alguém por lá me dizia. Tudo fechava muito cedo, havia já um arraigado culto da natureza, que eu nunca me habituei a comungar (verdade seja que não me esforcei rigorosamente nada), um sentido nacional muito forte (anos depois, um fascista nacionalista provocaria por lá um impensável massacre) e um quotidiano marcado por uma esforçada (e quase arrogante) simplicidade espartana. O ski de fundo, as caminhadas pelos bosques, os desportos de natureza (o “orientering” era um vício), a bicicleta, etc - tudo isso fazia parte de um mundo a que eu era 100% alheio. 

Na carreira diplomática há, muitas vezes, uma tendência para nos deixarmos “apanhar” pelas coisas, hábitos e até ideias locais. Nunca fui dessa escola do “go native”: mantive-me sempre uma orgulhosa “ilha” em todos os locais onde vivi - da gastronomia aos lazeres e ao resto dos costumes, “visitando-os” apenas com curiosidade quase etnográfica. E nunca me dei mal com essa independência cultural de vida, confesso. 

Em Oslo, consegui encontrar, em especial em estrangeiros e diplomatas, muitos companheiros de recusa obstinada aos hábitos locais. Íamos nadar para piscinas públicas e, no fim, depois de uma sauna, parávamos numa espécie de lojas de rua com comida (as “gatekyøkken”) onde, em minutos, recuperávamos as calorias perdidas. Pizzas e grandes noitadas, com muita música, contribuíam para compensar passeios de ski onde, para escândalo dos meus amigos noruegueses, eu teimava em levar um pequeno vasilhame metálico com um líquido escocês de apoio. Mas se há coisa que eu, para sempre, aprendi em Oslo foi o prazer no usufruto das longas noites.

Depois de lá viver, voltei algumas vezes, a última das quais por três dias, quando estava em Paris. Fiz então o tradicional circuito dos locais onde vivemos (“aqui havia um loja de móveis, não era?”) e das cada vez menos pessoas que já por lá conhecemos (“lembra-se daquele jantar no palácio em que...”). Acabado que foi o reconhecimento ritual, esgotados os contactos, demos por nós perdidos na Karl Johans gate, sem rigorosamente nada para fazer, sem paciência para mais museus, já sem encontrar graça nas prateleiras do Glassmagasinet, sem jornais a comprar no Narvesen, sem nos passar pela cabeça ir ver cinema ao Saga ou passear pela Vika. Até resistimos a ir a um restaurante português! Não me estou a ver a regressar a Oslo.

Tudo isto dito, devo deixar claro que fiquei com uma grande e eterna simpatia pela Noruega e pelos noruegueses. Gosto de um povo que tem orgulho na sua história e se sente feliz com o estilo da sua vida, para o que a riqueza e o bem-estar que conseguiram criar muito contribui.

O “Expresso” diz-nos que Oslo vai ser a “cidade do futuro”? Para mim, foi a primeira cidade estrangeira do meu passado.

sábado, junho 01, 2019

Jorge Jesus


Há um ano, a saga por que passou o Sporting mostrou a todo o país a personalidade de Jorge Jesus, a sua verticalidade e empenhamento profissional.

A ida de Jorge Jesus para o Brasil, para dirigir o Flamengo, agora anunciada, é um ato de grande coragem. O futebol brasileiro é um mundo muito complexo, polémico e tenso, em que o trabalho de um treinador português não será nunca uma empresa fácil.

Só resta desejar as maiores felicidades a Jorge Jesus.

Barthes


Estávamos em início de 1973, na caserna da Escola Prática de Infantaria. Eu tinha por hábito, depois do encerrar formal das luzes, ficar a ler uns minutos mais, com uma pequena lâmpada elétrica pendurada na cabeceira do beliche, de uma forma que não incomodava ninguém. Numa noite, tinha comigo o "Mythologies", um dos primeiros livros de Roland Barthes, composto por peças publicadas na imprensa francesa, com olhares de uma surpreende imaginação e profundidade sobre temas simples do quotidiano, denunciando mitos da nova cultura de massas.

O texto que estava a ler era o "La nouvelle Citroën", uma análise magistral, escrita ainda nos anos 50, sobre o impacto de uma nova viatura no imaginário francês. Transcrevo apenas esta frase desse texto, para se entender de que se tratava (e, a quem não conhece, recomendo vivamente que leia o livro, claro): “Creio que o automóvel é hoje o equivalente bastante exato das grandes catedrais góticas: quero com isto dizer, uma grande criação de época, consumida na sua imagem, quando não no seu uso, por um povo inteiro que dela se apropria como um objeto particularmente mágico”.

Subitamente, pela noite, um tenente entrou na caserna e abriu as luzes, numa visita rara de inspeção. Como o meu beliche era logo à entrada, e surpreendido com a minha solitária leitura, o oficial estendeu logo a mão para o livro que eu tinha na mão e perguntou: "Ó nosso cadete! Que diabo é que você está a ler, a esta hora?". Esperava, talvez, literatura política, mais ou menos clandestina.

Passei-lhe o livro para as mãos, ainda aberto na página da leitura. "Ah! E em francês!", saiu-lhe, entre o inquiridor e o inquisidor, já esperançoso numa descoberta. "Vamos lá ver então o que é que você estava para aqui a ver, às escondidas". Um segundo depois, tudo mudou. Com um sorriso simpático, sai-lhe: "Citroën?! Você gosta de carros?". Devo ter dito que sim, o que nem sequer era nem nunca foi verdade. "Ora, sim senhor, aqui está uma boa leitura: livros sobre carros! Mas olhe uma coisa, homem: isto de carros franceses não é coisa que se veja. Eu gosto é dos italianos, são mais nervosos. Tenho um Alfa, sabe?". Eu não sabia, nem queria saber.

Ontem à noite, na Feira do Livro, lá estavam as “Mitologias”, na sua versão portuguesa. Apeteceu-me fotografar o livro.

sexta-feira, maio 31, 2019

Luso-americanos


Foram mais de duas horas de um excelente debate, com mais de duas dezenas de congressistas e senadores americanos, de ascendência portuguesa.

Depois de Paulo Portas e de eu próprio termos apresentado as nossas visões sobre o estado das Relações Transatlânticas, nestes tempos de Trump, a conversa evoluiu, com base nas várias perguntas, para a China, a União Europeia e o Brexit, a Nato e um conjunto de outros temas de natureza internacional. É sempre muito interessante poder debater tendo por base “olhares” que se afastam bastante daqueles que encontramos no nosso dia-a-dia.

Após este painel, os políticos americanos iriam ainda ouvir o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, como já antes tinham ouvido Rui Rio, o presidente do governo regional dos Açores e o ministro da Economia, entre outras personalidades, desde líderes de fundações a cientistas e empresários. Estou certo que regressarão aos EUA conhecendo um pouco melhor o país a que se sentem ligados.

Parabéns à Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e à sua dinâmica presidente, Rita Faden, por esta bela iniciativa, em que tive imenso gosto em participar.

(Para um “cheirinho” do debate, pode ler aqui)

quinta-feira, maio 30, 2019

Prudência e coragem

Para protegerem a sua imagem institucional e política, mostrando-se em sintonia com o sentimento público de escândalo, perante a acusação formal de envolvimento de militantes seus em atos de improbidade, os partidos devem ser mais lestos a suspendê-los provisoriamente de funções

30 de maio de 2009 - publicado há 10 anos neste blogue

“O ministério francês dos Negócios Estrangeiros apresentou uma queixa judicial para tentar apurar a origem de fugas, para o semanário satírico "Canard Enchaîné", de algumas comunicações oficiais oriundas dos postos diplomáticos franceses espalhados pelo mundo. É que, nos últimos tempos, um seu funcionário pouco escrupuloso estará a pôr em causa a segurança do Estado, à luz de um peculiar conceito de transparência da coisa pública.

Esta é uma questão que, num tempo ou noutro, tem afectado quase todas as carreiras diplomáticas, embora normalmente com maior incidência em momentos de forte tensão política, interna ou internacional. Recordo-me do escândalo provocado pela reprodução de uma célebre comunicação do meu querido amigo "Chencho" Arias, antigo embaixador espanhol na ONU, que surgiu na imprensa de todo o mundo, ao tempo da invasão americana do Iraque, em 2003.

Trata-se de um problema que é sempre de extrema delicadeza, porque a falta de confiança no secretismo de uma determinada rede diplomática conduz ao natural empobrecimento da informação por ela produzida, pelo facto de provocar uma compreensível retracção por parte de quem transmite por essa via. Os diplomatas não são espiões, trabalham com a chamada "informação aberta", colhida através de meios totalmente legais, mas a sua produção escrita inclui valorações opinativas que, porque destinadas em exclusivo aos seus governos, não agradariam necessariamente a outras entidades que a elas pudessem ter acesso.

Portugal não escapou, no passado, a este tipo de questões mas, verdade seja, de há muito que me não lembro de ver reproduzida correspondência diplomática portuguesa na imprensa - ou nos blogues, o que seria o mesmo. O que talvez nos deva levar a concluir que o sentido de Estado dos nossos funcionários - diplomatas ou outros que têm acesso a esse tipo de comunicações - tem vindo a prevalecer sobre qualquer tendência para a indiscrição.”

quarta-feira, maio 29, 2019

Vida transatlântica




Votos


Fala-se por aí muito, por estes dias, do nível da abstenção registada nas eleições europeias. Antes de esgrimir o argumento para dele retirar conclusões, ao sabor da vontade e interesse de cada um, talvez valha a pena ponderar que, precisamente para esta eleição, foram incluídos nos cadernos eleitorais, pela primeira vez, todos registos dos portugueses inscritos na diáspora, os quais, como é sabido, regularmente se abstêm bastante em eleições presenciais. Aliás, só assim se justifica que o atual universo de potenciais eleitores portugueses seja superior a 10 milhões, quando é sabido que a nossa população residente, nos dias de hoje, está já bem longe de alcançar esse número. E se considerarmos que, nessa mesma população, há muitos estrangeiros e menores de 18 anos, todos sem direito de voto, fácil é concluir que os valores desta abstenção têm muito que se lhe diga.

Mas há uma outra realidade em que também acho importante pensar-se: os votos nulos e em branco, que ultrapassam 250 mil, um quarto de milhão! Que mensagem devemos retirar do ato dessas pessoas, que tiveram o cuidado de se deslocarem à assembleia e aí decidiram deixar um voto sem uma expressa opção política? Descontados os erros e as rasuras que terão anulado alguns boletins de voto (mas que não podem ser tantos assim!), que devemos concluir sobre a atitude dessas pessoas? E que fazer para lhes “responder”? Aqui está um tema que, mais do que o “achismo” da conversa de café (ou de facebook, o que vai dar ao mesmo) em que todos somos “peritos”, devia mobilizar quem, cientificamente, disso verdadeiramente sabe.

Lembrar o Reino Unido


Um destacado político britânico comentou que o Reino Unido está num estado similar a ter de “unscramble scrambled eggs” (des-mexer ovos mexidos). Olhando o extraordinário resultado eleitoral de Nigel Farage, que leva (embora se não saiba por quanto tempo) para o Parlamento Europeu a maior bancada partidária daquele hemiciclo, só comparável à dos conservadores da CDU de Merkel, é legítimo concluir que, se a situação em Londres estava já confusa, mais intrincada passou a ser depois do partido que lidera o governo britânico ter sido humilhado pelos eleitores e dos seus principais opositores históricos, os trabalhistas, terem perdido metade da bancada de que dispunham no areópago europeu.

A abdicação de Theresa May, na véspera desse desastre anunciado, não foi surpresa. Fê-lo ao ter perdido a confiança mínima dos seus pares que um líder deve ter para manter o direito a usar esse título e, simultaneamente, ao ter esgotado o leque de soluções plausíveis para fazer aceitar o acordo que, em nome do seu país, firmara como os “vinte e sete”. Ao recordar, na sua declaração de despedida, que o seu partido se chama “conservador e unionista”, May deixou implícito que o impasse da fronteira irlandesa foi o seu grande obstáculo e será o busílis eterno de que qualquer futuro primeiro-ministro britânico se não poderá libertar.

“Brexit means Brexit” (Brexit significa Brexit), repetiu May, ao longo de meses. Nenhum dos candidatos à sua sucessão pode esquecer que, ao chegar ao nº 10 de Downing Street, levará consigo o compromisso imperativo de fazer sair o Reino Unido da União Europeia, decidido pelo povo britânico, num país que tem escassíssima tradição referendária, pelo que talvez leve mais a sério do que qualquer outro esse tipo de decisões populares. Se posso arriscar um prognóstico, diria que não irá ocorrer no Reino Unido um segundo referendo para um “sim ou não” à decisão de saída, embora não se deva excluir, em absoluto, a possibilidade de uma nova consulta, mas apenas para ratificar os respetivos termos. E também me parece impensável uma eleição geral, a ser decidida pela nova liderança conservadora, em face do catastrófico “teste” de domingo.

Teremos de nos resignar a um não-acordo ou um compromisso com os “27” ainda é possível?  Quase tudo vai depender do programa com que o novo primeiro-ministro britânico vier a ser escolhido, pelos seus pares e pelos militantes conservadores, lá para julho. Mas a primeira hipótese, infelizmente, parece, por ora, ser a mais provável.

(Artigo no “Jornal de Notícias” de hoje)

A data

Leio que faz hoje um mês que Luís Montenegro tomou posse como primeiro-ministro. Já um mês? Confesso que não tinha dado por isso.