sexta-feira, dezembro 25, 2015

O problema do Natal


O problema não é o que se come e bebe entre o Natal e o Ano Novo. O problema é o que come e bebe entre o Ano Novo e o Natal...

Mito urbano


Ouvi, durante anos, aqui em Vila Real.

"Descem à cidade velha, alguns pelo seminário, outros pelo asilo, bastantes pelo Calvário, cada vez mais pela rua Direita e, também, pela marginal. Até da Almodena e do Buraco Sagrado chegam uns poucos. Encontram-se todos à esquina da Gomes, ao final da manhã de 25 de dezembro. São os felizes proprietários das camisolas de losangos, que lhes "saíram" nas prendas da noite anterior. A romaria é imensa, se somarmos as décadas que leva."

Nunca vi. Será mesmo mentira?

Hoje...


Pelo Porto, pelo Natal


O Porto era uma etapa invariável dos meus Natais de infância. Funcionário público “exilado" em Vila Real, desde os anos 40, o meu pai rumava com a família para a sua Viana do Castelo, uns dias antes do Natal. Não tínhamos carro, íamos de comboio.

Primeiro, até à Régua, pela velha linha do Corgo, com bancos de "sumopau", as faúlhas da máquina a entrarem-nos pelos olhos. Depois, o Douro ia ali ao lado, mas nós, nessa época, quase não olhávamos para ele. Via o meu pai preocupado em conferir ao minuto os atrasos, a tentar perceber se "dava tempo" para chegar a Campanhã ou se tínhamos de mudar para a linha do Minho em Ermesinde. Era um rebuliço de bagagens e gentes, nesses períodos de inevitável enchente dos comboios.  

A ceia da Consoada era passada no casarão da minha avó paterna, no largo Vasco da Gama. Lembro-me claramente do cheiro do armário de onde se tirava anualmente o presépio, dos carneiros e músicos fanados pelo uso, do musgo que íamos buscar ao quintal, para colocar sobre um papel forte, manchado. Com os meus primos, jogava pinhões ao rapa. Era um tempo ainda sem televisão, com um gira-discos a alegrar, todos à conversa à volta da minha velha avó e nós, os mais novos, a traquinar pela imensa casa.

No dia 25, depois da "roupa velha", partíamos para o Porto. Levava já prendas, embora, para meu silencioso desconsolo, algumas fossem sempre pacotes de meias, compradas no Eugénio Pinheiro, na Picota. Ficou-me uma imagem do meu pai, no comboio, a ler "O Comércio do Porto" (não era o “Notícias”, desculpem lá!), com as páginas coloridas de motivos natalícios. E da minha mãe entretida com a então famosa "Eva" do Natal, a revista que sorteava uma moradia. Nunca nos "saiu", diga-se, porque toda a sorte que tivemos na vida deu sempre muito trabalho.

A chegada a S. Bento, com fumarada, apitos e uma barulheira que eu achava então o máximo do cosmopolitismo, e que depois lembrei em alguns filmes, era um momento ansiado. Aguardavam-nos outros familiares, com os quais avançávamos, já de carro, para Vila Real. E lá íamos nós pelo Marquês e por Costa Cabral adiante, por Ermesinde (outra vez!), rumo às temíveis curvas do Marão.

A elas nos abalançávamos depois de um "reforço" em Amarante, no Zé da Calçada, e da doçaria na Lai-Lai, ao lado. Passada a Pousada e o esperado Alto de Espinho, onde a curvaria amainava, as luzes de Vila Real, avistadas de Arrabães, prenunciavam já a outra noite de Natal que aí vinha, desta vez em casa dos meus avós maternos, com outros tios e outros primos. E com novas prendas, claro!

Tempos felizes!

quinta-feira, dezembro 24, 2015

Era assim...


A consoada da mulher só

Foi já há muitos anos. Era noite de Consoada, já muito sobre a hora do jantar. Eu ia de carro, atrasado, na recolha de uma doçaria que tinha de ir buscar "às Coelho", ali abaixo da Sé de Vila Real. Estava imenso frio e ventava forte, numa avenida Carvalho Araújo completamente deserta, sem vivalma. Ou melhor, havia uma pessoa. Uma mulher, ainda jovem, com cabelos ao vento, estava parada, com uma mala ao lado, no passeio junto ao qual habitualmente paravam os táxis, então chamados "carros de praça". Teria chegado na última carreira do Cabanelas, pensei. Visivelmente, aguardava que um carro surgisse, para a levar, talvez a um aldeia próxima. Era uma esperança vã: nenhum "chofér" abandonaria a comodidade da noite caseira para um "serviço" não combinado. Passei por ela e fui buscar os doces. No regresso, ela ainda ali continuava, especada. com um olhar que me pareceu algo ansioso, que se cruzou com o meu, à passagem. Fui para o meu jantar. Por todos estes anos, a imagem dessa mulher só acompanhou-me. Onde teria ela passado aquela sua Consoada?   

A Dois não janta!


Nem a derrota tática do Sporting, para evitar o infamante título de "campeão de Natal", ou a aliança Jerónimo de Sousa / Paulo Portas / PAN, contra o despesismo bancário de António Costa no caso Banif, foram capazes de calar o clamor que por aí vai, pelo facto da Mesa Dois do bar Procópio não se reunir este ano no seu jantar de fim de ano. É claro que o odioso cai sobre o (não) organizador perpétuo, o autor deste blogue. E até sairam poemas.

O primeiro foi Luis Castro Mendes, no facebook

A traição do jantar
Francisco Seixas da Costa, ele sabe porquê
Andas tu com frescura em Amarante
a deslumbrar eslavas plas estradas,

com esse geográfico desplante
que te ficou de lides já passadas,
enquanto nós, os órfãos do Procópio,
abandonados pelas gerações

que nos alcançam só no telescópio
com que a História desfaz as emoções,
sentimos falta desse jantar lauto
em que a peste grisalha prosperava

e ria com o riso de um Plauto
o que da piolheira nos maçava.
Vencidos pois da Vida e da idade
nem um jantar nos vem trazer saudade!
Mas logo António Dias complementou, também no facebook
Juntando a minha voz ao lamento do
(sobre uma declaração do Francisco Seixas da Costa)

Toda a Europa se espanta!
Eis que a clara luz da "Dois" se esbate.
Gritam arautos, tocam sinos a rebate,
este ano, dizem, não se janta!

Tremem da cidade os fortes muros,
há medo, desespero e há gritos.
Do Procópio saem procissões de aflitos,
cinza nos cabelos, trajes escuros.

Vão até Francisco os desgraçados,
braços estendidos, a voz rouca,
Pobres peregrinos. Para o chão
vão caindo um a um, esfomeados.

Pois que lhe tiraram o pão da boca!
Está na moda acabar com a tradição.
Isto começa a ficar complicado...

quarta-feira, dezembro 23, 2015

Boas Festas

A todos quantos se dão ao trabalho de seguir o que vai sendo publicado neste blogue, aqui deixo os votos muito sinceros de um Bom Natal e de um ano de 2016 melhor do que aquele que não ousariam esperar.

Europa - um feliz ano novo?

Foi Harold Macmillan, o antigo primeiro-ministro britânico, quem, um dia, ao ser perguntado sobre o que mais temia em política, deu uma resposta que ficou célebre; “events, dear boy, events!” A regra básica para quem se aventura pelos caminhos da vida pública é estar preparado para ter de fazer frente aos acontecimentos, ao inesperado, àquilo que pode colocar em causa todas as previsões e calendários.

A União Europeia não escapa a esta sina. De um dia para o outro, surgem à sua frente novas situações a que urge responder, que desqualificam as prioridades da véspera. Foi assim com a crise financeira, a instabilidade da dívida soberana, a pré-rutura da Grécia, a tragédia dos imigrantes do Sul, a tensão com a Rússia. É assim hoje com os refugiados, com os atentados terroristas, com as exigências britânicas para a revisão da matriz da integração.

A UE vive sob duas pressões contraditórias. A única forma de dar coerência ao seu corpo de políticas é operar em um cada vez maior número de áreas, algumas das quais – como a moeda, a política orçamental ou as relações externas – tocam já aquilo que fazia parte do cerne tradicional da soberania dos Estados. Porém, isto ocorre quando a diversidade dos Estados membros é maior, quando as agendas nacionais de preocupações são muito diferentes, às vezes contraditórias, e em que a bondade das soluções de natureza europeia começa a ser questionada, com as pulsões para “devolução” de poderes, de regresso à esfera nacional, a terem cada vez mais adeptos.

A disponibilidade de muitos Estados para mais partilha de soberania é hoje diminuta, porque as suas opiniões públicas só aceitariam “mais Europa” se estivessem (e não estão) satisfeitas com a Europa que têm, mas também pelo facto de terem por certo que a influência na gestão dessa partilha depende da força, também desigual, que cada um tem em Bruxelas. O tempo em que a importância dos desafios exigiria mais unidade na expressão da vontade comum é precisamente aquele em que as divergências são mais acentuadas.

Há outra realidade muito esquecida. Os dirigentes nacionais raramente dispõem de um mandato para comprometerem a vontade dos seus países para além do imediatismo das crises. Aceitam os tratados, mas são relutantes a novas obrigações ou, para as aceitarem, necessitam que o “estado de crise” ou “de necessidade” se instale previamente nas suas opiniões públicas. As medidas tomadas na sequência da crise financeira de 2008 foram disso um bom exemplo: todos concordam que, se acaso tivesse surgido mais cedo, o pacote resolutivo poderia ter ficado bem mais “barato”. Mas poucos reconhecem que esse calendário de intervenção sucessiva acabou por ser o único compaginável com a maturação da consciência, nos respetivos países, da gravidade das questões.

É neste pano de fundo – o de uma Europa que não pode dispensar a observância das idiossincrasias dos modelos democráticos dos Estado, com ciclos políticos não coincidentes – que o ano europeu de 2016 se vai projetar. Todos pressentimos que a agenda europeia é pesada, ficando a faltar os “events” de que falava Macmillan…

Desde logo, transita para o ano a delicada questão dos refugiados. O tema testou as margens da tolerância europeia, revelou entendimentos muito diferentes sobre os padrões de solidariedade e, para o bem e para o mal, trouxe ao de cima divergências profundas sobre o modo como os vários Estados encaram as suas responsabilidades. Uma linha divisória entre uma Europa de centro e leste europeu, com os reflexos humanitários embotados por uma frieza que poucos adivinhavam, e uma Europa occidental, mais aberta ao esforço solidário, mais generosa e disponível para soluções coletivas, ficou patente nas tensas reuniões de Bruxelas.


E se a questão dos refugiados, que vinha já a somar-se à tragédia da imigração clandestina oriunda do Norte de África – ou já esquecemos os milhares de mortos nas costas italianas, que tanto nos horrorizaram há menos de um ano? – criou interrogações sobre o funcionamento do acordo de Schengen, os atos terroristas de Paris, não obstante a sua autoria ter mais de interna do que de externa, abriram caminho a mais dúvidas sobre as regras que regem a livre circulação europeia. Em 2016, esta questão estará em cima da mesa, lado a lado com o tema ultra-sensível da “europeização” do controlo das fronteiras externas. Gostaria de estar errado, mas temo que possa estar a abrir-se, por aí, uma “caixa de Pandora” com um efeito dominó sobre outras áreas da vida da União.

É neste contexto que se insere parte da agenda reivindicativa britânica com que a Europa está confrontada. A liderança conservadora do Reino Unido há muito que faz da diabolização de Bruxelas uma arma reivindicativa, nunca tendo optado por uma pedagogia face à sua opinião pública sobre a vastidão das vantagens que retira da União. Londres não esteve no “protocolo social”, isentou-se de Schengen, não aderiu ao euro e não prescinde de receber o seu “rebate” financeiro anual. Não obstante todas estas “exceções”, o Reino Unido é um dos principais beneficiários do Mercado interno, usufruindo a City Londrina de vantagens que lhe advêm da sua rentável singularidade.

David Cameron prometeu aos britânicos um referendo sobre a permanência da União. Para o ganhar, precisa que a UE faça concessões. Dramatizou a parada e colocou na mesa uma espécie de chantagem. Desse pacote faz parte a retirada de direitos sociais aos imigrantes intracomunitários, uma inaceitável ideia a que importa resistir.

Que mais nos trará 2016? A Grécia voltará a um novo ciclo de crise? A Parceria Transatlântica terá pernas para andar? A tensão ucraniana reacender-se-á? Como evoluirá a “nova” relação com a Turquia? A tendência secessionista da Catalunha, numa Espanha em crise pós-eleitoral, acentuar-se-á? A liderança alemã será contestada por uma alternativa anti-austeritária? E a banca europeia, como reagirá às novas exigências? Mais importante do que tudo: Draghi conseguirá continuar a sustentar o euro?  

(Artigo escrito a convite da "Visão")       

terça-feira, dezembro 22, 2015

A Claude e a Natércia


Madame Claude, que agora morreu aos 92 anos, oficiou uma das mais famosas "casa de meninas" de Paris, com a entrada que a imagem mostra, na rua de Marignan, entre a Montaigne e os Campos Elísios. Por lá passaram nomes ilustres, que isto das necessidades toca a todos.

Para alguns das novas gerações, o conceito é, no mínimo, bizarro e até pode surgir como "disgusting". Imagino também que o feminismo reaja sem contemplações a este tipo de evocações, onde sempre detetará alguma inevitável nostalgia. O politicamente correto esforça-se por colocar estes modelos no passado, embora todos saibam como as coisas se passam hoje e, com toda a certeza, se continuarão a passar no futuro. E, já que têm que se passar, ao menos que se passem com classe. É que, tal como a diplomacia, há profissões que não deixam de estar na moda. 

Para quem por cá viveu esses outros tempos, em que os costumes impunham outro tipo de regras, as "casas de tias" faziam parte da paisagem, quer urbana quer rural. Mais ou menos luxuosos, esses antros simpáticos de vício foram uma pré-primária do sexo para muita gente. Quantos lisboetas frequentaram o 100 da rua do Mundo ou o 5 da rua da Barroca? E que portuenses conheceram o 515 da rua da Alegria ou o 59 da rua Mártires da Liberdade? Algumas das nossas "madames" tinham nomes consagrados, o seu estatuto raramente era posto em causa, porque "se davam ao respeito", ora bem! E, por essa altura, a ninguém passava pela cabeça falar de "casas de alterne".

Mas afinal quem era a Natércia referida no título? Era uma senhora da rua dos Ferreiros, em Vila Real, para cuja casa, na minha infância, e da minha varanda das traseiras, eu via convergir pelotões de soldados do RI13, num movimento que os meus pais se atrapalhavam com sorrisos para justificar e que eu sempre teimava em tentar entender. 

Um dia, a ambulância dos bombeiros (era a "maca nova", dos bombeiros "de baixo", cor de areia, lembro-me bem) sirenou, rua abaixo, até à porta da Natércia. Alguém disse: "foi um soldado que morreu lá, de congestão". Porque a congestão era um conceito que eu associava ao banho depois da refeição, lá fui eu perguntar ao meu pai se o quintal das traseiras da casa da tal Natércia ia até ao rio Corgo e se o rapaz teria morrido de congestão ao tomar banho. Terá sido a única vez que vi o meu pai dar uma gargalhada ao falar de uma morte. Andei uns tempos mais até perceber tudo. Ah! Mas à Natércia nunca fui, juro!... 

Joe Cocker (1945-2014)


Pronto, lá se foi o Joe Cocker!

Que sorte que ele tem! É que o lembraremos para sempre pelo "Cry me a river", pelo "You are so beautiful", pelo "Unchain my heart" ou pelo "With a little help from my friends".

Em tempo: a mania de alguns de colocar na net notícias requentadas levou-me a "matar" Joe Cocker muito tempo depois da sua morte. Felizmente, "with a little help from my friends", o assunto ficou esclarecido. É a vida, ou melhor, neste caso, é a morte.

O partido

Ele aí está, sempre a olhar o futuro com os olhos deixados no passado. Na primeira curva, que se chama Banif mas que podia ter outro nome, "o partido" puxa o tapete e vota contra. Tinha outra solução para o caso? Tinha: provavelmente seria nacionalizar, colocar tudo no domínio público, como a "criatividade" do BE pede também para o Novo Banco. Seria pedir demasiado, a quem vive num museu de si mesmo, que se conformasse com a realidade. Regressa a história do escorpião. Nunca esperei coisa diferente, como por aqui disse.

Horácio Roque


Morreu há mais de cinco anos. Agora, desapareceu o Banif, um banco que foi obra sua e a que dedicou uma grande parte da sua existência.

Horácio Roque foi um "self-made man" que lutou muito pela vida, que lhe não foi sempre fácil, mas nela prosperou, criou riqueza e deu emprego e futuro a muita gente.

Tendo-o conhecido e, em certa fase, acompanhado o seu esforço e dedicação pelo Banif, quero, nesta ocasião, expressar uma palavra de respeito pela sua memória.

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Casemos a culpa!

O caso Banif, com as gravosas consequências que acabou por ter para o erário público, tem de levar a uma explicitação muito concreta das responsabilidades - das instituições e das pessoas envolvidas. No plano técnico, político e quiçá judicial. Importa que a comissão parlamentar, que o PS teve a iniciativa de propor, seja utilizada para um "name and shame" muito claro.  

Não desconheço que o tratamento público das questões que envolvem instituições financeiras tem uma delicadeza muito particular, porque qualquer palavra fora do tempo pode ter consequências de alarme injustificado nos mercados, pode induzir quebras de confiança, com efeitos reputacionais e financeiros indesejáveis. Para isso, para a avaliação atempada dos problemas, é que se contava com uma supervisão eficaz. Ora o Banco de Portugal voltou, uma vez mais, a falhar e, também uma vez mais, são os contribuintes quem acaba por pagar a fatura. O Banco de Portugal não atuou por instruções do governo ou por opção, por incompetência?

Depois do BPN, do BPP, do BES e agora do Banif, os portugueses têm direito a saber que novas surpresas os esperam, ao virar da esquina. Podemos ter a certeza de que os nossos impostos não vão ser chamados a pagar problemas de mais nenhuma instituição bancária? Há garantias sobre o estado do Montepio? Não há a mínima dúvida sobre o estado da Caixa Geral de Depósitos? E podemos estar seguros de que com o BPI e o BCP não vamos ter problemas?

Gostei da atitude do governo perante a questão. Soube assumir o problema com frontalidade e o primeiro-ministro e o ministro das Finanças não se refugiaram atrás do governador do Banco de Portugal, como se passou com o caso BES. António Costa e a sua equipa tiveram ainda o sentido de Estado de partilhar com todos os partidos com representação parlamentar a dimensão do caso, cabendo-lhe agora explicar que a solução encontrada, por muito gravosa que possa ter sido, era a única possível. Mas isto não exclui a necessidade de ter de ficar muito claro por que razão as coisas chegaram a este ponto. E, repito, aproveitar para conhecer o estado real do mercado bancário em Portugal. 

A culpa não pode morrer, outra vez, solteira.

Museu da Língua Portuguesa


Está a arder o Museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo, no Brasil. Assisti à sua inauguração, em 20 de março de 2006.  

Fico triste por assim se perder este importante marco do orgulho brasileiro na língua portuguesa, aquela que foi uma bela recuperação da antiga Estação da Luz, em que colaboraram a Fundação Calouste Gulbenkian e a Vivo (então com maioria do capital da PT).

Um zingarelho num besidróglio?


Como se viu, a Paf fez puf! A coligação desfez-se e o CDS vai agora ter de fazer pela vida. Por algum tempo, os "democratas-cristãos" a que por cá temos direito terão de subir uma vez mais a corda, agora já não a partir "do táxi" onde em tempos viajaram à larga, mas da confortável quota parlamentar de que usufruem, inchada artificialmente pela tática falhada de outubro. Sem lugares do aparelho de Estado para distribuir, andam agora à procura de si mesmos no mapa político do país, o que sonoramente é revelado pelo desespero histriónico do seu líder - que utiliza a tática dos índios, levantando pó para fingir que são muitos, sem se dar conta de que já os toparam. 

Passos Coelho deixou claro que, não tendo o sacrifício de lugares em S. Bento valido a pena, cada um passa a caminhar por si próprio pela estrada política. Assim o exige aliás a máquina do seu partido, pressionada por bases orfãs de "pote", onde algumas contas na subliderança continuam por ajustar. A forçada continuidade do líder pode dificultar, contudo, um "aggionarmento" pela via social-democrata, que agora seria teoricamente possível, tal como Rui Rio há dias intuiu. O PSD afastou-se dessa orientação muito fortemente nos últimos quatro anos, mas isso poderia agora ser revertido, neste tempo em que o PS surge "puxado" à esquerda e em que se afasta visivelmente de um centro cuja existência faz parte da sua tática negar. Mas, para mal dos pecados do PSD, Passos Coelho surge ainda, aos olhos dos portugueses, como a cara da "troika" e das suas malfeitorias. E, no partido, a curto prazo, nenhum dos seus escudeiros parece ter o menor espaço para o contestar. Se o governo do PS se mantiver, só um desaire eleitoral pode provocar em "pronunciamiento" na São Caetano à Lapa.

A grande curiosidade está agora em saber o que vai o CDS apresentar como agenda própria, que possa ser lida como distinta do PSD mas, ao mesmo tempo, compatível com o que ambos andaram a dizer nos últimos anos. Em "mentideros" lisboetas, corre que uma clara atitude radical de direita poderia ser a nova aposta de Paulo Portas. Alguma Europa vai por aí, os vários temores saem à rua e no "Correio da Manhã" cada vez mais e esse espaço político está vazio, há muito, entre nós. Resta saber se o lider "centrista" terá a contenção ético-política para evitar que um discurso nacionalista, quiçá protecionista, resvale para um populismo securitário ou de outra natureza - que nem quero lembrar, para não dar ideias.

Tudo é possível, se olharmos a história do CDS, desde os tempos em que era uma separata eurocética  do "Independente" até aos dias de hoje - ou melhor, de ontem, porque hoje nem o CDS nem nós sabemos por onde o partido anda ideologicamente. Interessante, nesse contexto, será verificar se o vírus liberal, que afeta muitos dos quadros a quem o CDS garantiu lugares nos últimos quatro anos, acabará por inviabilizar essa deriva, no eventual caminho para a autarcia isolacionista. Verdade seja que o "compassionate conservatism", o discurso para as "velhinhas & reformados", foi-se para sempre com o momento "irrevogável" e a subsequente subida de Paulo Portas a delegado local da "troika". Mas, como titulou, para glória das estantes, uma prolífica autora apoiante da PaF, "sei lá!"

Um dia, retificadas pelo voto as proporções relativas, imagino que PSD e CDS poderão ser de novo tentados a "juntar os trapinhos". Será então uma nova "geringonça" política, como a que Portas acusa agora o PS de ter criado? Ou será, mais ao seu jeito, um zingarelho num besidróglio, movido pelo "ar do tempo". Tudo é possível, desde que dê para o regresso ao poder, não é?

domingo, dezembro 20, 2015

Macedónia

A Macedónia é o nome de uma província do norte da Grécia. A Macedónia era também o nome de uma das Repúblicas da ex-Jugoslávia. Quanto este último país se cindiu em vários Estados, a República da Macedónia tentou ser "crismada" por esse nome junto da comunidade internacional, que havia aceitado como bons os nomes de todas as restantes Repúblicas ex-jugoslavas. A Grécia, contudo, por temer que a nova República mantivesse o que se sabia serem históricas ambições sobre a sua homónima província do norte, não permitiu que o novo país se chamasse República da Macedónia. Por isso, esse país que tem Skopje por capital apenas conseguiu registar-se sob o nome de "Antiga República Jugoslava da Macedónia" ou, em inglês, "Fyrom". Até hoje, Skopje e Atenas mantêm as respetivas teimosias, embora as conversas entre ambos, com vista a "uma solução mutuamente aceitável" (como dizemos na diplomacia), ainda prossigam.

Um dia de 2002, em Viena, dei um almoço de trabalho na residência, durante a presidência portuguesa da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), que implicava a presença à mesa dos embaixadores de Skopje e de Atenas. Não obstante o conflito que dividia os dois países por virtude desta questão toponímica, recordo-me que havia alguma cordialidade entre eles, como é regra da profissão. (Como o meu amigo e colega grego vive hoje em Lisboa, vou, num destes dias, recordar-lhe a cena).

Na minha apresentação do convidado principal do repasto, que já me não recordo quem era, fiz uma referência aos presentes à mesa. Quando apresentei o "embaixador de Fyrom", o meu colega interrompeu-me e, agastado, disse:

- O meu país não se chama "Fyrom"! Chama-se "República da Macedónia"!

Eu não podia transigir um milímetro nesta matéria, sob pena de convocar a ira dos gregos, escudados naquilo que prevalecia na comunidade internacional.

- Peço desculpa se utilizei um acrónimo de que não gostas. Então, eu digo o nome completo, pelo qual o teu país é designado no seio da OSCE: Antiga República Jugoslava da Macedónia. Imagino que também possas não apreciar, mas tens de entender que eu não posso proceder de modo diferente.

O meu colega ficou com um "carão" e o almoço lá prosseguiu. Creio que sem mais incidentes.

À saída, o embaixador francês, deixou-se ficar para trás e disse-me:

- Que chatice aquilo da Macedónia! É uma "guerra" sem sentido. Ainda fiquei preocupado que a sobremesa pudesse trazer mais problemas.

- A sobremesa?!

- Sim, é que pensei que tivesses tido a ideia de servir uma "macedónia de frutas"...

Desde há muito que os franceses criaram uma salada de frutas, muito variada, a que dão o nome de "macedónia de frutas", para relembrar a salgalhada étnica daquele país. Imagino que não seja uma sobremesa muito apreciada em Skopje...  

O dr. Ladislau e a bela russa da bomba de gasolina


A jovem, que há pouco, na noite fria e chuvosa de Amarante, atestava o depósito do meu carro, falava um português irrepreensível. Os seus olhos, contudo, não enganavam.

- De que país é? 

- Sou da Rússia, disse com um belo sorriso.

Não estranhei. Mas, atentando para o rasgado dos olhos, inquiri:

- De que região da Rússia? 

Talvez para não entrarem em demasiadas explicações, estou preparado, desde há muito, para ouvir, dos imigrados russos em Portugal com quem me cruzo, a resposta "de Moscovo" ou "da região de Moscovo". Ela não foi por aí mas, sempre a sorrir, ainda tentou afastar a minha curiosidade:

- Sou de uma ilha ...

- Em que zona? 

Deve ter estranhado um pouco, mas foi ainda vaga:

- É uma ilha a norte do Japão.

De repente, a minha memória deu um "salto" de mais de meio século. De uma conversa numa tarde, no Centro de Estudos Geográficos do Liceu Nacional de Vila Real, aí por 1964. 

O Centro tinha sido criado por iniciativa do Dr. Ladislau, um professor de Geografia oriundo de Braga, que com isso dera alento a um grupo de interessados pelo tema, sob o imparável impulso do Sérgio Moutinho, que já se foi há muito. Dele faziam parte o José Barreto, o Elísio Neves, o Carlos Leite, o Ribeiro e mais dois ou três. Reuniamo-nos e discutíamos, publicávamos um boletim impresso na Minerva Transmontana, o "Meridiano". Graças a esse extraordinário professor, um homem que via muito mal mas que sabia como ninguém motivar o nosso interesse e a nossa curiosidade, conseguíamos então romper a modorra da vida chata de um liceu de província.

- É de Sacalina? 

A jovem quase que parou o que estava a fazer e, olhando para mim, agora com os olhos rasgados muito abertos de espanto:

- Estou em Portugal há 12 anos. É a primeira pessoa que me disse o nome da minha ilha.

O frio da noite e a pressa dos passageiros não me deu tempo para lhe perguntar se, como dizia Tchekov, "em Sacalina não há clima, só há mau tempo", razão porque foi, durante muitos anos, um sinistro lugar de degredo. E vinha ainda muito menos a propósito dizer-lhe que foi graças a uma conversa com o Dr. Ladislau, que um dia me falou dos conflitos da Rússia com o Japão, em tempos a propósito de Sacalina e até hoje sobre as Curilhas, que eu ouvi falar pela primeira vez da ilha onde ela nascera, que era mesmo capaz de apontar o seu lugar no mapa e que agora, meio século mais tarde, estava ali a fazer uma "figuraça", na bomba de gasolina da Prio em Amarante, sob a chuva miúda do inverno do Marão, à saída para Padronelo. 

Se têm dúvidas, passem por lá, falem com a bela "sacalinense", a quem há pouco me esqueci de perguntar o nome.

(Ah! e se forem durante o dia, aproveitem e comprem, ali bem perto, o excelente pão de Padronelo, dos melhores do norte. E, na "Tinoca", o "quinteto" maravilha de doces, mesmo a calhar para o Natal: as lérias, os papos d'anjo, os São Gonçalos, os foguetes e as brisas do Tâmega.)

sábado, dezembro 19, 2015

Mesa desmarcada


Já recebi vários remoques telefónicos e presenciais: "então este ano não organizaste o jantar da Mesa Dois?!". É verdade, por uma vez, deu-me uma de cansaço e decidi não meter mãos à obra (porque é obra!) e reservar um espaço (com estacionamento possível, onde se coma bem e barato, onde se possa fumar, com lugar para cerca de 80 pessoas), escolher o menu e os vinhos, contactar as cerca de oito dezenas de pessoas que, desde 2004, com falhas pontuais e ausências definitivas pela lei da vida, fui reunindo, uns dias antes do Natal. Depois, até à hora do repasto, era sempre preciso "check, re-check and check again", porque há os (e as) que acham que aquilo é uma espécie de "cash & carry", onde, se nos dá na mona ou na preguiça, se pode deixar de ir à última hora. 

A "Dois", a "Mesa Dois" desse excelente e inigualável bar que é o Procópio, nos últimos anos, já não é o que era. O Nuno Brederode Santos, seu imorredouro patrono, deixou de aparecer por lá. Essa ausência certa conduziu à rarefação dos "habitués", antes certos de aí poder ouvir a ironia divertida dos seus comentários, a animar uma tertúlia que fez história. 

Já nem sequer às 4ªs feiras, dia da convocatória residual regular (a 6ª feira é mais optativa), a mesa surge composta: apenas uns escassos e nem sempre garantidos parceiros por lá surgem, para confirmar a regra das crescentes ausências. Nem eu próprio consigo estar à altura dos mínimos, confesso. Além de que há amigos cujo estado de saúde impede ou dificulta aparecer, bem como outros que entretanto se foram. A última baixa definitiva foi o José Fonseca e Costa.

É verdade que a "Dois", por definição, tem vocação para ser uma trincheira política. O 25 de abril deu-lhe os alvores do seu destino, o cavaquismo forneceu-lhe por uma década um grande mote, ao passo que os "pafiosos" da "troika" não conseguiram nunca alegrar-nos o espírito crítico para além de um nível de adjetivação banal. Agora, uma vez mais com amigos chegados ao poder, a "Dois" perde algum estímulo crítico. Há sempre que esperar pelas crises para poder vir ao de cima o nosso melhor...  

Até lá, repito esta elegia nostálgica do (poeta) António Dias:

Elegia para a Mesa Dois do Procópio

"Não mais, amigos, já não existe
À roda da Dois a alegre companhia..."
Assim clamava, emocionado, o ancião.
Era quarta à noite. Do velho triste
Uma lágrima a alva barba humedecia,
Fazia tremer-lhe a voz a emoção.

"Lá nasceram poemas e amores,
Se reformou a Pátria, surgiram filosofias;
Esgrimiram-se epigramas, brilharam teses,
E litros de whiskey, de gin e de licores
Fluíam entre névoas de fumo. Alegrias
Quase sempre; tristeza às vezes, 

Mas sempre o cintilar da amizade.
Calou-se melancólico e um suspiro
Agitou-lhe o peito venerando. Amargurado,
O senhor Luís rasgou, com gravidade,
O velho letreiro, qual histórico papiro,
Onde se lia a palavra "Reservado".

Ao balcão, a Alice esconde a comoção.
É a crise, claro, o euro, o mercado
Tem muita força o que tem que ser.
Um bando adolescente e trapalhão 
Já desgasta o veludo avermelhado.
A mesa Dois acaba de se render.

Jamais o Procópio escapará à dor,
Terá a sua natureza amputada.
Mas é assim: o tempo tudo arrasa.
Afasta-se, solene, o provecto orador.
O cajado nodoso ajuda-o na jornada
Em direcção ao Restelo, onde é a sua casa.

O palhaço triste

Ando a falar demasiado do MRPP, dizem-me alguns amigos, embora outros, pela certa, achem que nunca será demais referir esse marco marxista-leninista da vida política portuguesa que lhes alimentou os sonhos. Mas é verdade: tenho destacado por aqui o "emeérre", nos últimos tempos, com alguma frequência. Nunca por lá tendo andado, sinto uma ternura geracional por essas organizações que coloriram os dias e as paredes do Portugal revolucionário. A diverte-me analisar o percurso e o modo como gerem esse seu passado todos quantos abandonaram esse "farol da luta da classe operária". Deu-me, além disso, imenso gozo ler sobre as polémicas que recentemente atravessaram os resíduos daquele partido, cuja linha política tem hoje tanto de caricato como de bizarro.

Por anos, como é sabido, Arnaldo Matos foi a cara do MRPP. Depois, por tempos, pareceu desaparecido em inação. Aos poucos, contudo, deu-se o seu regresso à vida social de Lisboa. Engravatado a aperaltado preceito, com ar e barriga de bom burguês, mantendo apenas aquele bigode para o qual foi expressamente criada a palavra façanhudo, vi-o surgir na assistência de alguns colóquios e conferências em que participei, tendo sempre ao lado de Garcia Pereira, "líder" que lhe sucedera nas funções. Nunca lhe então ouvi uma única palavra e, constato agora, só me posso felicitar por isso. 

A razão porque hoje cito Arnaldo Matos é muito menos simpática. É que, por declarações recentes que fez, se atesta já o irreversível deperecimento intelectual da figura, único modo de ser possível desculpar as anormalidades - e meço as palavras - que disse, referindo-se aos atentados de Paris e aos respetivos autores. Se não vejam:

- "É o imperialismo a causa real, verdadeira e única do ataque a Paris. Agora os franceses já sabem que a guerra de rapina movida pelo imperialismo francês em África e no Oriente Médio tem como consequência inevitável a generalização da guerra à própria França, à capital desse mesmo imperialismo moribundo". 

- "Não só não foi um massacre, como foi um acto legítimo de guerra; não foi cometido por islamitas, mas por jiadistas, isto é, combatentes dos povos explorados e oprimidos pelo imperialismo, nomeadamente francês; e acima de tudo – coisa que estes revisionistas de pacotilha intentam ocultar – foi praticado por franceses, nascidos em França, vivendo em São Dinis e noutros bairros do Paris suburbano. Pois é, os combatentes de Paris não são islamitas estrangeiros; são irmãos de sangue do filósofo Alain Badiou e de outros ideólogos do Partido Comunista de França (marxista-leninista-maoista)".

- "a lógica profunda do ataque a Paris não é o terror, não é o horror, não é a crueldade; a lógica é a lógica da guerra, dente por dente, olho por olho, até derrotar o inimigo. Terror, horror, crueldade são os ataques aéreos, de mísseis de cruzeiro, de artilharia, de drones, conduzidos pelo imperialismo, designadamente francês, sobre os homens, os velhos, as mulheres e as crianças das aldeias e das cidades de África e do Médio Oriente, para roubar-lhes o petróleo e as matérias-primas. Os atacantes de Paris nem chocolates roubaram: levaram a guerra aos franceses, apenas para acordá-los: para lembrar-lhes que o governo e as forças armadas do imperialismo francês estão, em nome da França e dos franceses que julgam ter o direito de se poderem divertir impunemente no Bataclan, a matar, a massacrar, a aterrorizar com crueldade inenarrável os povos do mundo".

- "Os direitos do homem, os direitos humanos fundamentais são uma exigência do mercado capitalista, para poder explorar, sob uma cobertura jurídica, os operários. Os direitos humanos fundamentais são uma forma ideológica de dominação dos operários, porque respondem a uma necessidade do modelo económico hegemónico do capitalismo e tendem à reprodução desse modelo". 

Quando se chega a este estado de insanidade, o internamento em instituição psiquiátrica é o mínimo que se pode recomendar. Mas, em período natalício, talvez seja de aproveitar Arnaldo Matos para os circos de inverno que por aí andam, para renovar a classe dos palhaços. Neste caso, o palhaço triste. 

Na minha outra juventude

Há muitos anos (no meu caso, 57 anos!), num Verão feliz, cheguei a Amesterdão, de mochila às costas. Aquilo era então uma espécie de "M...