Há
anos, mantive longas horas de conversa com um diplomata espanhol, sobre as
relações entre os dois países. Confrontámos visões e, como seria expectável,
detetámos imensas diferenças.
Ele
revelou-me que o nosso país, por muito tempo, após a estabilização do
franquismo, era quase um “não assunto” para a Espanha contemporânea. Portugal
estava ali, ao lado, mas a sua relevância era muito limitada para um país que
lançava a sua mirada externa essencial por cima dos Pirinéus.
Essa
conversa teve lugar ainda antes da entrada dos dois Estados nas instituições
europeias, mas já depois da democracia estar instalada na península. Esse era
um período em que, no nosso lado, se tinha assistido à atenuação de muitas das
clássicas desconfianças históricas face à natureza do poder em Madrid. Mas não
escondi a esse amigo que, não obstante essa crescente leitura benévola, se
mantinha, em setores portugueses – politicos, diplomáticos e económicos -
alguma reserva sobre a íntima atitude da Espanha face a Portugal.
Com
a passagem dos anos, tive o ensejo de trabalhar mais de perto alguns dos
terrenos residuais da nossa tensão bilateral: os comandos militares da NATO, a
regulação dos rios comuns, os conflitos da pesca nos limites fronteiriços, o
tratamento administrativo dado às empresas portuguesas, as divergências sobre
as acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, as diferentes posições nas
questões institucionais e de gestão de poder dentro da União Europeia, etc.
Das
“lições aprendidas”, expressão utilizada em certos meios a propósito do
conhecimento que se retira da experiência acumulada, e em jeito de caricatura,
eu diria que a Espanha está ao lado de Portugal, nomeadamente no quadro
europeu, quando os nossos interesses nacionais lhe são indiferentes ou se somam
aos seus, ou quando o eventual reforço da posição portuguesa pode servir a sua
leitura “ibérica” de poder.
Mas
Madrid assume, com frequente e infeliz facilidade, em ciclos politicos contrastantes,
alguma arrogância face ao vizinho peninsular, implicitamente explorando a sua
fraqueza relativa, quando interesses seus despontam como minimamente evidentes.
Só com muita dificuldade se vê, nesses casos, a Espanha fazer um mínimo esforço
de acomodação.
Há
uma coisa que me parece óbvia: com este seu regular comportamento, a Espanha
revela alguma imaturidade para afirmar um estatuto de país “grande”, por
raramente conseguir assumir uma flexibilidade estratégica em face de dossiês
bilaterais complexos. E não só com Portugal.
Um
dia, escrevi no “El País” um artigo sobre as relações peninsulares, que
intitulei “Uma cultura de vizinhança”, que então parecia estarmos em vias de
criar, assente na progressiva geração de uma confiança mútua. Sinto que essa
confiança continua a existir, mas, tal como nas relações entre as pessoas, é
algo que, quando se erode custa bastante a recuperar. Estou a falar de Almaraz?
Estou.