Há dias, num restaurante de Lisboa, encontrei Miguel Trovoada, antigo presidente e primeiro-ministro de S. Tomé e Príncipe. Estava a almoçar com um amigo de ambos e recordei-lhe uma história comum.
Estávamos em 1976. Surgira em S. Tomé e Príncipe uma greve dos professores cooperantes portugueses... por cuja pré-selecção eu próprio tinha sido responsável, pouco tempo antes. Aparentemente, os nossos docentes sentiam estar a haver alguma discrepância entre as condições que lhes haviam sido prometidas pelos santomenses, antes de partirem de Portugal, e a realidade local com que então se defrontavam. A coisa parecia séria, as aulas estavam suspensas e a "batata quente" foi passada para as minhas mãos, porque eu fora o elo de ligação com as autoridades de S. Tomé. E aí fui eu despachado de Lisboa, viajando através de Paris e de Libreville, no Gabão, para o cumprimento da minha primeira missão externa. Sozinho, cinco meses depois de entrar para o MNE, imaginem!
No dia seguinte à minha chegada a S. Tomé, onde tive de ficar uma semana porque só havia um voo semanal de ligação à capital gabonesa, o embaixador português, Amândio Pinto, homem simpatiquíssimo, sem dar mostras de qualquer agastamento por terem mandado um "miúdo" para resolver um problema diplomático que estava sob a sua jurisdição, perguntou-me se eu queria encontrar... o primeiro-ministro! Que era Miguel Trovoada e que assumia também a pasta da Cooperação.
"O primeiro-ministro?!", inquiriu este recém-admitido adido de embaixada. "Claro, não há qualquer problema", disse o embaixador. E, com a maior naturalidade, pegou no telefone e ligou ao primeiro-ministro, creio que por um número direto. Para meu espanto de neófito, meia hora depois lá estávamos, no respectivo gabinete.
Ao cumprimentar o chefe do Governo de S. Tomé, que veio depois a ser presidente da República e que é pai do atual primeiro-ministro, dei-me conta de que, sobre a sua secretária, tinha um exemplar do jornal português "O Século". E, pelo título de uma notícia, percebi que aquele jornal teria, pelo menos, duas semanas. Aí, não resisti: "Vejo que está a ler um Século antigo. O senhor primeiro-ministro quer o "Monde" de ontem?". Trovoada fez um olhar surpreendido: "Mas como é que você tem o "Monde" ontem?". Expliquei-lhe que saíra de Paris na tarde da antevéspera, já com o "Le Monde" desse dia (que, como é sabido, tem sempre a data do dia seguinte) debaixo do braço. Miguel Trovoada, homem que muito frequentara a França, sorriu, encantado com a possibilidade de ter notícias frescas da Europa, e, logo ali, disse que mandaria um carro à nossa Embaixada, para recolher a novidade informativa. O nosso embaixador prontificou-se a ser ele a mandar entregar-lhe o jornal, de imediato.
Para a pequena história, assinale-se que o governo santomense fez algumas concessões que permitiram acomodar as reivindicações dos nossos professores e me deram ensejo de com eles negociar o fim da greve. Dias mais tarde, viajei com o próprio Miguel Trovoada no avião de regresso a Libreville. E o jovem adido de embaixada que eu era regressou a Lisboa, impante, com a missão bem cumprida.
Será que o "Le Monde" teve alguma coisa a ver com isso?
(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)