quinta-feira, julho 10, 2014

A pasta

Anda por aí um debate em torno da pessoa que Portugal vai indicar a Jean-Claude Junker, para integrar a próxima Comissão europeia. O debate alarga-se à pasta que esse futuro comissário pode vir a ter. O primeiro-ministro disse não querer tomar a sua decisão sem ouvir o líder da oposição e este, depois dessa conversa, voltou a afirmar que Portugal deve ter uma pasta que permita defender os interesses de Portugal. Resta saber o que isso significa e a melhor maneira de concretizar esse desiderato.

Nos seus 26 anos de presença nas instituições europeias, Portugal teve quatro membros da Comissão Europeia: Cardoso e Cunha, Deus Pinheiro, António Vitorino e Durão Barroso, este último por 10 anos, embora não escolhido pelo país, mas selecionado pelos líderes europeus. Nomes do PSD estiveram na Comissão em 21 dos 26 anos que Portugal leva de presença europeia. O PS apenas nomeou António Vitorino entre 1999 e 2004.

A escolha do comissário nacional resulta sempre de um entendimento entre o governo de cada país e o presidente indigitado da Comissão. É um processo complexo, porque, muitas vezes, as pastas que estão disponíveis e são propostas a um país exigem uma qualificação técnica que os nomes que esse mesmo país pretende indicar não possuem. Por outro lado, as várias pastas estão longe de terem a mesma importância. Os portfolios ligados às "políticas comuns" ou às áreas em que a Comissão tenha poderes delegados de natureza condicionante da vontade dos governos são, naturalmente, as mais importantes. E os vários países têm uma capacidade muito diversa para pressionar o presidente da Comissão para obterem aquilo que pretendem. Ou alguém acha que a Alemanha, a França, o Reino Unido ou a Itália não vão obter um bom portfolio? Ou, se o não conseguirem, que não serão compensados com lugares cimeiros, como os de presidente do Conselho europeu, presidente do Eurogrupo, Alto representante para a Política externa e outros postos chave da máquina comunitária que estão sempre sobre o tabuleiro, na Comissão ou no Conselho?

Custa-me ter de dizer isto, mas é importante deixar claro que a coreografia do primeiro-ministro e do líder da oposição sobre este assunto, revestida de um ar de consenso europeu, deve ser lida como um simples esbracejar político, num quadro de forças em que ambos sabem que são um dos elos mais fracos. Portugal tem hoje muito poucos argumentos e (lamento dizê-lo) muito escasso prestígio na grande mesa europeia e, estranhamente, vai ter ainda de "pagar", aos olhos de muitos, a década de Barroso à frente da Comissão. Não faço a menor ideia daquilo que Juncker possa já ter dito a Passos Coelho (salvo que gostaria que Portugal indigitasse uma mulher, para cumprir o "politicamente correto"), mas, atendendo ao perfil de afirmação que Portugal tem tido nos últimos anos na União europeia, não estou a ver Lisboa a "levantar a voz" junto de Juncker ou a atrever-se a "dar um murro na mesa" do Conselho europeu para ser compensado por qualquer meio por um lugar menos apelativo na Comissão. Temo que, na melhor das hipóteses, se contente em negociar uma qualquer direção-geral ou colher uma promessa compensatória num outro dossiê.

Há um erro clássico neste tipo de escolhas: procurar obter uma pasta ligada diretamente aos interesses do país. Foi assim que Cavaco Silva fez com Cardoso e Cunha e com Deus Pinheiro - e foi um total fracasso para os nossos interesses. Não foi isso que António Guterres fez com António Vitorino, que acabou por obter uma pasta sobre uma temática que era nova e de natureza neutra, o que deu como principal saldo a (justa) consagração do prestígio pessoal do comissário. Um comissário perde, de imediato, a sua capacidade de influenciar o Colégio de comissários quando é pressentido como utilizador da pasta que lhe foi atribuída para defender os interesses diretos do país que o indigitou. A União europeia é um jogo cruzado de interesses, mas há regras de gestão do cinismo comunitário que devem ser cumpridas. 
 
O que importa, então? Para um país como o nosso, seria muito positivo se pudéssemos obter uma pasta que tratasse de questões que fossem vitais, não diretamente para Portugal, mas para o maior número possível de outros Estados, numa "política comum" que, nos próximos cinco anos, obrigasse muitos a ir "bater à porta" do comissário por nós indicado. Só assim se abriria a porta às "marchandages" que poderiam vir a beneficiar os nossos interesses. Não quero nem posso ser mais explícito, mas quem anda no mundo europeu já deve ter percebido o que pretendo dizer. É fácil conseguir isto? Nada do que importa é fácil, mas a qualidade do exercício da política é assim que se mede.   

quarta-feira, julho 09, 2014

Fezadas

Nas "Tias" da Lapa, um cavalheiro contava há pouco que, num telefonema para o Brasil, a consolar um amigo do lado hoje mais triste do Atlântico, teve como resposta: "Foi pena durar tão pouco. Com mais uns minutos e íamos empatando..."

Não pude deixar de me lembrar de um episódio no campo do Calvário, em Vila Real, no início dos anos 60. Aproximava-se o fim de um jogo e o Sport Club de Vila Real não conseguia passar além do empate com a equipa visitante. Até que, aí a uns dez minutos do fim, lá conseguiu marcar um golo. Da bancada saiu então para o campo um incentivo que ficou na memória do humor da cidade: "Vamos à dúzia!"...

A boa moeda

O diretor cessante da Casa da Moeda despediu-se dos seus colaboradores com uma nota críptica, em que cita textos de duas músicas de Sérgio Godinho: "Lá em baixo" e "Arranja-me um emprego". Folgo em ver um dos maiores cantautores portugueses utilizado neste registo, prova de que o bom gosto pode conviver com a boa moeda. 

Da carta, resulta que terá sido vítima de algumas "Emboscadas", pelo que decidiu pôr "Os Pontos nos is", não ficando de "Bico calado", na esperança de que "Espalhem a notícia". Antes que "Mudemos de assunto", a carta faz-nos uma "Visita guiada" a um "Um tempo que passou", porque "Foi a trabalhar" que surgiu esta sua "Dor de alma", agora que chegou "O Fim de tudo". "Sempre foi assim"? Talvez, até porque "Isto anda tudo ligado" e porque este é "O primeiro dia" de um tempo em que já não está em "Maré alta", ele entendeu que valia a pena denunciar que "O rei vai nu". "Pois, é a Vida!", "Caramba!"

terça-feira, julho 08, 2014

Brasil...!

Por um compromisso simultâneo, não pude assistir ao Brasil-Alemanha. Pensava ver o jogo em "replay", mas agora, depois deste resultado (uma "cifra" que traz uma ressonância inescapável a um outro jogo, que para aqui não é chamado), acho que não vou ter essa coragem.

Faço parte de quantos, desde que Portugal (já) não esteja presente num campeonato, apoiam automaticamente o Brasil. Sei que nem todos os portugueses pensam da mesma forma, do mesmo modo que há muitos brasileiros que, com toda a legitimidade, preferem estar do lado de outras equipas.

Sabendo a importância que o futebol tem para o Brasil, e com a maior sinceridade, quero partilhar a tristeza dos meus muitos amigos brasileiros e dizer-lhes (embora saiba que isso de nada vale) que amanhã é outro dia e que o futuro do futebol brasileiro vai saber ultrapassar este infeliz "mineiraço". 

segunda-feira, julho 07, 2014

Tratado Orçamental

A 4 de fevereiro, publiquei neste jornal um artigo em que dizia que “o estado a que a nossa dívida pública chegou, nos últimos anos, não autoriza nenhuma vestal a ficar escandalizada se se afirmar que uma parte dessa dívida não tem condições objetivas para poder ser paga”. Para concluir que “a menos que um perdão parcial venha a ser admitido, associado a uma renegociação de taxas e maturidades, Portugal ficará esmagado por um peso financeiro incomportável. E os primeiros a não beneficiarem dessa situação seriam os nossos credores externos, que não tirariam vantagens de uma economia asfixiada”.

Um mês depois, surgiu o “manifesto” sobre a dívida pública, que ia no mesmo sentido. Muita gente pensava o mesmo. O “manifesto”, contudo, teve a vantagem de mobilizar pessoas que não se julgava possível que viessem a subscrevê-lo. Lembrei-me então do que Raul Rego escreveu, em 1974, quando Spínola publicou o “Portugal e o Futuro”: “o que V. Exa. diz não é novo, o que é novo é isso ter sido dito por V. Exa.”.

Hoje falo do Tratado Orçamental, outro dos nossos tabus políticos.

Esse tratado surgiu, no seio da União Europeia, como uma imposição por parte de alguns países, por forma a acalmar os mercados. Reforçava as condições do Pacto de estabilidade e crescimento, consideradas insuficientes para garantir a disciplina orçamental na zona euro. Ironicamente, no eixo da pressão para a aceitação do novo tratado estavam os dois países que haviam sido os primeiro a não respeitar o Pacto: a Alemanha e a França.

Portugal assinou o Tratado Orçamental em “estado de necessidade” e a oposição responsável esteve com o governo na ratificação do texto. E fez bem. O tratado aí está e, enquanto não for modificado, tem de ser cumprido. Nenhuma dúvida deve existir quanto a isto e são completamente irresponsáveis as vozes que apelam ao seu infringimento.

Mas os tratados não são intocáveis. Representam a conjugação de vontades numa determinada conjuntura, à luz da simultaneidade pontual de interesses. Se a conjuntura muda, é normal que os tratados evoluam. Pelo que devem ser renegociados.

As condições dos empréstimos da “troika” também eram imperativas, mas isso não significou que não tivesse sido possível, ao longo do processo de ajustamento, proceder a uma, ainda que limitada, renegociação das respetivas taxas e maturidades. Isso foi feito - e tudo indica que muito melhor poderia ter sido conseguido, se outra postura negocial tivesse sido assumida - à luz da avaliação das consequências da aplicação das medidas.

O mesmo raciocínio é válido para um tratado cujo quadro de aplicação, um pouco por toda a Europa, cada vez mais é considerado totalmente irrealista. Portugal não deve romper com o Tratado Orçamental, mas seria de uma total insensatez se o seu governo não se associasse, desde o primeiro momento, aos parceiros que se mostrem interessados na respetiva renegociação. Porém - repito -, enquanto não for revisto, o tratado deve ser respeitado.

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

Fora de jogo

Eu era bem jovem, mas já gostava muito de futebol. Tinha, contudo, como acontece a quem chega a esse desporto, a grande dificuldade de entender a falta de "fora de jogo" - nesse tempo dizia-se "offside". Nas idas ao campo do Calvário, onde em alguns domingos íamos ver o Sport Club de Vila Real, o meu pai esforçava-se por me explicar o significado da falta, perante o sorriso complacente dos espetadores vizinhos e o meu visível embaraço. Nesse tempos não havia televisão, através de cujas imagens estas coisas podem hoje ser mostradas com pormenor e eficácia pedagógica. Lembro-me da nossa mesa da braseira servir de campo de explicação, com os peões do tabuleiro de xadrez a funcionarem como jogadores. Até que aprendi.

(Sei que, por escrito, estas coisas são difíceis de explicar, mas vale a pena tentar: está em posição de fora de jogo, sendo por isso punido com um livre indireto, o jogador que, no instante em que a bola lhe for passada por um colega de equipa, se encontrar num lugar no terreno em que não tenha, entre si e baliza adversária, dois ou mais jogadores da equipa contrária. No passado, o árbitro assinalava a falta no momento em que a bola partia, agora a prática é só apitar no momento em que o jogador faltoso recebe a bola. E, muitas vezes, nessa ocasião, a sua posição relativa é diferente daquela em que estava no momento em que a bola partiu, o que dá origem a muitas confusões... Até cá em casa!)

Uma noite dos anos 60, em casa do meu avô, reunimo-nos para ver, naqueles televisores a preto e branco da época, com muito grão e não menos névoa, um Benfica-Real Madrid.

Num certo momento da partida, Alfredo Di Stefano, o mago argentino que brilhava então no Real de Madrid, foi um dos protagonista de uma bela jogada.  Vendo o seu colega Puskas - outro génio! - adiantado e isolado, passou-lhe a bola. Eu gritei "off side!". Mesmo perante a minha continuada indignação, o árbitro não me "ouviu". E Puskas correu o resto do terreno e colocou a bola no fundo da baliza de Costa Pereira.

Foi nesse instante que o meu pai me explicou que a regra do "offside" tinha uma assinalável exceção: não se aplicava quando a situação se passava na metade do campo da equipa que detinha a bola. Quer Di Stefano quer Puskas - mas é este que importa -, estavam no seu próprio meio campo, isto é, antes da linha de meio campo. E isso muda tudo. Aprendi para sempre, e julgo que comigo muita gente, nessa noite.

Don Alfredo morreu hoje, aos 88 anos. Está, agora sim, definitivamente "fora de jogo". Era um mito vivo no Real e foi um dos melhores jogadores de todos os tempos. A mim, que sempre reverenciei o seu génio, ensinou-me "a única exceção do 'offside" (*). A ele lhe devo, poucos anos depois, ter "brilhado" num curso de arbitragem da Associação de Futebol de Vila Real. Aliás, outra carreira que perdi...

(*) Na realidade, há mais três exceções: nos pontapés de baliza, nos pontapés de canto e nos lançamentos da linha lateral.

Entre a Europa e o Atlântico

A encerrar um ciclo de debates "Portugal - propostas para o futuro", organizados pela "Culturgest", moderarei na próxima sexta-feira, dia 11 de julho, nas instalações daquela fundação, a partir das 18.30, um debate sobre "A Europa e o Atlântico no futuro de Portugal". Serão oradores Miguel Monjardino, professor universitário e especialista em relações internacionais, e Vital Moreira, professor universitário e deputado europeu que, nos últimos anos, presidiu à Comissão do Parlamento Europeu onde foi debatida a proposta de Parceria Transatlântica.

A entrada é livre e todos são bem vindos.

É possível consultar, em vídeo, algumas dos anteriores debates. Assim, no "site" acima indicado (clicar no nome do ciclo de debates), pode consultar o debate "Investimento para competir na globalização", o debate "Que fazer com os fundos estruturais no período 2014-2020" e o debate "Infraestruturas de ligação internacional". Dentro de dias, estará disponível o debate "Crescimento e dívida externa - interações".  Trata-se sempre de conversas com grandes especialistas, muitas vezes com propostas inovadoras, que procuram fugir à polémica fácil e situar-se numa perspetiva simultaneamente prospetiva e construtiva. Se tiver tempo, ouça-as com atenção.

Ainda Carlos do Carmo

Não consegui ir à homenagem que a Câmara Municipal prestou a Carlos do Carmo. Mas, ao ler um miserável artigo de opinião ontem publicado no "Diário de Notícias", onde se amesquinha o prémio internacional recebido pelo cantor, apeteceu-me dar nota de algo que tem sido pouco sublinhado, mas que merece ser dito: o papel de Carlos do Carmo na aceitação política do fado.

Como canção identitária do país, o fado foi instrumentalizado com algum cuidado pela ditadura. O Portugal passadista, sentimental, a tanger a pobreza e a desgraça, que muitas letras do fado tradicional espelham, ia bem com o paradigma do regime de então. Enquanto o povo rimasse "amar" com "luar", para usufruto de turistas e salões marialvas, Portugal viveria tão "habitualmente" como Salazar gostava. A genialidade de Amália fazia bem a ponte entre todos esses mundos que apreciavam o fado, embora o sobrolho do regime se tivesse começado a franzir quando ela convocou poetas a sério para usufruto da sua voz. Mas o fado, com Fátima e o futebol do Benfica, era a caricatura popular de um Estado que de Novo já só tinha o nome. Até que caiu.

Chegados a abril, o fado sofreu a ressaca de tudo o que surgia ligado ao tempo que passara a ser um passado demasiado pesado para ser louvado sem risco. A demagogia fácil, que por esses magníficos dias também se instalou, transformou Amália no bode expiatório de todo o mundo fadista, com a canção a ser tida por um verdadeiro hino da reação. Nos meios de esquerda, o fado passou por tratos de polé. Lembro-me bem da condescendência irritada de amigos meus quando, no auge dessa onda, onde só se ouviam trovas revolucionárias e militantes, eu louvava a beleza do "Não venhas tarde" ou o "Nem às paredes confesso". Não me arrependo, claro.

Foi então que surgiu Carlos do Carmo. O fadista era "de esquerda", próximo do Partido Comunista. Fadista e comunista? Assim era e foi assim que, em grande parte pela sua mão e pela sua voz, com José Carlos Ary dos Santos à mistura, o fado se "segurou" nessa criativa mas também destruidora agitação. Em 1975, Carlos do Carmo seria o intérprete único do então importante concurso nacional em que se escolhia a canção que representaria Portugal na Eurovisão. Mesmo assim, alguma esquerda demorou tempo a "chegar" ao fado. Outra, suspeito eu, continua a olhar para ele como um rito alfacinha (um seu setor, de que nunca fiz parte, delicia-se com a napolitana versão coimbrã, salva da "tormenta" de 74 por via de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira), desconfiando sempre da sua perversa influência melancólica, da apropriação aristocrática e sua banalização turística. Coitados, não sabem o que perdem!

A Carlos do Carmo, para além da contribuição para o seu património de algumas belas melodias, o fado deve muito daquilo que hoje é na memória de Portugal e do mundo, como canção que é, tal como os presidentes da República dizem sempre serem, mesmo quando o não são, "de todos os portugueses".

domingo, julho 06, 2014

"Private joke"

- Será este tipo o verdadeiro Mertens?

- Não sei, mas se calhar, no início deste Mundial a Itália fez mal em não ter feito alinhar o Antici...

Os futebolistas de bancada que, com cervejas e batatas fritas em apoio, assistiam ontem ao Argentina-Bélgica, não perceberam nada deste diálogo entre aqueles dois amigos. De facto, a Bélgica tinha feito entrar um jogador chamado Mertens, mas ninguém se lembrava da Itália ter tido alguém com o nome de Antici. Que raio de conversa era aquela? E, no entanto, quem alguma vez tivesse estado envolvido nas instituições europeias, em Bruxelas, perceberia facilmente esta "private joke".

"Antici" é o nome que, desde 1975, é dado ao grupo que reúne o colaborador mais próximo de cada embaixador Representante permanente de cada país junto das instituições europeias, enquanto que "Mertens" é, desde 1993, o seu correspondente para o grupo dos colaboradores dos Representantes permanentes adjuntos. As designações resultam do nome de dois dos primeiros ocupantes do cargo, o italiano Paolo Antici e o belga Vincent Martens de Wilmars. Sem o saberem, esses dois diplomatas, acabaram por entrar para a história da Europa. Mertens é hoje embaixador do seu país em Roma, mas já não encontrou por lá Paolo Antici, que fez uma carreira na instituições europeias e morreu em 2003.

Ao balcão

- Já viste aquilo no BES? É sempre a mesma coisa. Escolhem os da "panelinha"...
- Porque é que dizes isso?
- O Vitor Bento, pá!
- O Vitor Bento o quê?
- É um neo-liberal igual aos outros.
- Mas, espera aí: o que é que se pretende com a escolha de um novo CEO para o BES? Não é acalmar os mercados e recuperar a confiança no banco?
- Sim...
- Não é evitar que o banco entre em rutura e que não nos venham depois ao bolso, como aconteceu no BPN?
- Claro, mas não estou a ver...
- Ai não? Então porque é que achas mal a escolha de um tipo de quem os mercados gostem? Ou eles ficariam mais sossegados se tivessem nomeado o Louçã? Ou o João Galamba?
- Não exageres! Mas chateia-me que seja sempre gente do "mesmo lado"...
- Mas é a família Espírito Santo e o resto do capital quem escolhe! Quem é que tu tens, "deste lado", que fosse para a chefia do BES e lhes agradasse mais, tal como aos mercados, do que o Vitor Bento? O Frei Bento? Confessa lá: o que te chateia é que o capital e os mercados gostem mais do "outro lado", não é?
- Por isso é que eu não aceito esta resignação à lógica dos mercados...
- Também te percebo, mas, até ver, é o que há... no mercado!

sábado, julho 05, 2014

"Olhar o Mundo"

Em "competição" perdida com o futebol e com os noticiários, estive na última emissão de "Olhar o Mundo", um programa da RTP (que passa na RTP 2, na RTP Informação, na RTP Internacional e na RTP África) dedicado à política internacional e apresentado por António Mateus.

Nele falamos de muitas coisas, desde as atribulações de Nicolas Sarkozy ao agravamento do conflito israelo-palestiniano, passando pela crise na Ucrânia. Mas também abordámos temas relacionados com a Turquia, a Nigéria, o Brasil, Hong-Kong, a Argentina e o Japão. Uma volta ao mundo em alguns minutos de conversa.

Pode ver o programa aqui.

Emiliano Dionísio


Os leitores deste blogue pela certa que nunca ouviram falar deste nome. Mas ele fazia vibrar a minha juventude, embora por não mais do que as primeiras etapas da "Volta a Portugal", nos idos de 60 e 70. Lembrei-me dele, há minutos, ao ver o emocionante sprint do final da primeira etapa do "Tour de France" (no dia em que Cavendish terá arruinado, por culpa própria, as suas esperanças para este ano).
 
Emiliano Dionísio era um ciclista do Sporting Club de Portugal. Nesse tempo, a primeira etapa era disputada em pista, por equipas, e o Sporting tinha quase sempre muito boas equipas. Longe de ser o melhor do seu grupo, Emiliano era, contudo, um fantástico especialista no sprint e, por duas vezes, ganhou a camisola amarela nessa primeira etapa, na qual ficava sempre bem classificado. Perdeu-a quase de seguida, porque a não conseguiu aguentar ao longo da prova. E, com a passagens dos dias, ia-se quase sempre afundando na classificação, com a etapa da Torre a marcar a sua inescapável sina. Mas ganhou etapas e outras provas em que a decisão ao sprint, que era a sua inegável especialidade, foi a regra. Guardei sempre uma ternura particular pela sua figura de homem modesto, com um sorriso simpático.
 
Que será feito de Emiliano Dionísio?

Debré e Sarkozy

"Pode-se contestar aquilo que nos é imputado, não se constentam os fundamentos da Justiça, porque nesse momento contesta-se a República", disse o presidente da Comissão Constitucional francesa, Jean-Louis Debré, em reação à entrevista em que Nicolas Sarkozy, depois de ter sido interrogado pela polícia, colocou em causa e acusou de instrumentalização política os agentes judiciais.

Debré é um homem de direita, filho de um antigo primeiro-ministro de De Gaulle, ele próprio antigo ministro do Interior. Tem um humor à flor da pele e é escritor de (razoáveis) romances policiais. É sabido que Sarkozy não faz parte das suas amizades, "to say the least". 

Um dia, numa ocasião em que tive o ensejo de o conhecer, o seu telemóvel tocou e o som que dele saiu foi uma versão da "A Internacional". Com exceção do amigo em cuja casa estávamos, todos os convivas mostrámos um ar de surpresa. Debré explicou: decidira colocar no telefone, em relação a algumas pessoas, músicas que as identificassem. Assim, com "A Internacional", ele sabia que quem o chamava era alguém de esquerda. Revelou então que tinha a "Le Chant des Partisans" para os amigos gaullistas, creio que "A Marselhesa" para os contactos de direita e outras músicas, com menos conotações políticas, para os contactos de familiares.

Já na rua, à saída, depois de termos ouvido Debré ironizar bastante sobre o então presidente da República, um conhecido quem nos acompanhava disse: "Devíamos ter perguntado a Debré que música tinha no 'portable' para identificar Sarkozy". Um de nós sugeriu, exagerando, pela certa: "Talvez 'Le métèque' "...

A velhice e as mulheres

O "Expresso" publica hoje uma entrevista com o ator Michael Douglas. Nela se refere às provações da doença e da velhice. A certo passo, fala de Angela Merkel, afirmando ser a figura política que mais admira: "Espero que não haja limites na carreira de Angela Merkel. Espero que ela continue presente por muito mais tempo. Todos nós confiamos nela e esperamos muito da sua orientação e diplomacia".

Michael Douglas tem razão em se preocupar com a velhice. Eu sou do tempo em que as suas mulheres de eleição eram Sharon Stone ou Catherine Zeta-Jones. E fiquei por aí.

sexta-feira, julho 04, 2014

"Crescimento e dívida externa - interações"

Se puderem, não percam hoje, pelas 18h30, na Culturgest, no âmbito do ciclo "Portugal – Propostas para o Futuro", a conferência "Crescimento e dívida externa - interações", com Daniel Bessa e José Amaral, moderada por João Salgueiro.
 
Quem não puder deslocar-se, pode acompanhar a transmissão em http://www.culturgest.pt/, onde podem igualmente ser visualizadas as anteriores sessões deste ciclo, de cuja organização faço parte.
 
Procuramos com estas conferências estimular um debate sereno sobre os grandes temas que importam ao futuro de Portugal.

"Elementos de linguagem"

Ontem, no "Público", Francisco de Assis falava da debilitação do debate democrático pela perca da substância da palavra pública. E citava, em seu apoio, a figura de Philippe Bilger, um magistrado francês que se revolta contra o condicionamento uniformizador do discurso político, feito através daquilo a que os franceses chamam "elementos de linguagem". Por mero acaso, há uns anos, em casa de um amigo comum, tive o ensejo de conhecer pessoalmente Bilger, autor de um blogue muito popular, a quem ouvi de viva voz a sua preocupação pelo risco de degradação do debate público, fruto de uma espécie de "template" discursivo que tende a substituir a livre formulação de um pensamento crítico.
 
À época, já estava muito em voga em França o conceito de "elementos de linguagem". De que se trata? É uma espécie de cartilha temática, usada pelos grupos políticos, que permite que, na expressão pública de opiniões, nomeadamente perante a comunicação social, as figuras do mesmo setor político tenham um discurso basicamente comum, não divergindo na mensagem que divulgam. Antes de darem uma entrevista ou serem ouvidos por uma televisão ou uma rádio sobre um tema da atualidade, essas figuras passam pela sede do partido onde recebem um texto com as linhas básicas que devem defender. Os "elementos de linguagem" fazem hoje também parte integrante das políticas públicas francesas, constituindo, por exemplo, uma regra para os seus diplomatas.
 
Percebo as preocupações de Philippe Bilger, como entendo as de Francisco de Assis, mas, correndo o risco de estar a parecer retrógrado, devo dizer que tenho pena que, em Portugal, as forças e os agentes políticos não recorram a esse fator uniformizador que são os "elementos de linguagem". É que o caráter caótico do nosso discurso público, onde cada um diz o que lhe vai "na real gana", é hoje um elemento descredibilizante dos nossos atores políticos.
 
Querem um exemplo? Veja-se o governo português e as confusões que regularmente são criadas pelo facto de, aparentemente, cada um vir dizer a público o que lhe apetece, sem rigor na forma e com "nuances" que dão uma imagem de permanente descoordenação. E não falo no PS, onde, às vezes, parece reinar uma espécie de "coordenação pelo ouvido", sobre cuja eficácia me abstenho de elaborar.
 
Ontem, uma diplomata francesa, perante a minha revelação de que, entre nós, nunca distribuíamos folhas escritas com "elementos de linguagem", perguntava-me como é que se fazia então a coordenação das posições públicas. Saiu-me: "olhe, por Espírito Santo de orelha!" Fiquei com a sensação de que esta minha expressão idiomática, tendo em atenção a pressão obsessiva da atualidade, pode ter criado uma imensa confusão...

Rui Tovar

Morreu Rui Tovar, uma voz serena que me habituei a ouvir falar na televisão sobre futebol, com equilíbrio e sem as "hipérboles" de alguns "filósofos da bola" que por aí abundam.
 
Há pouco, ao jantar, Miguel Sousa Tavares lembrava a clássica frase de Tovar, num Portugal-República Checa, quando um jogador checo entrou isolado na área portuguesa e marcou um golo: "é o que dá deixarem um checo sem cobertura..."

quinta-feira, julho 03, 2014

"Até nos vermos lá em cima"

Hoje, pelas 19.00, vou fazer a apresentação no Instituto Franco-Português (avenida Luís Bívar, 91), na presença do autor, Pierre Lemaitre, o romance "Até nos vermos lá em cima", recentemente editado pelo "Clube do Autor".
 
Esta obra ganhou no ano passado, em França, o mais prestigioso galardão literário daquele país, o Prémio Goncourt.

O conselho e o Estado

Custa muito a compreender o sentido da reunião de hoje do Conselho de Estado. Recordo momentos graves da nossa vida política recente durante os quais o chefe de Estado não entendeu útil promover a reunião dos conselheiros, não obstante muitos terem então considerado que haveria fortes vantagens em que tivesse havido um debate aberto sobre a situação que se atravessava. Todos se lembrarão também da bizarra agenda da última reunião deste órgão, em total dessintonia com o momento político que então se vivia, o que levou a que as discussões se tivessem desviado do objetivo inicial. E já não é segredo para ninguém que muitos conselheiros continuam a não se reverem nas conclusões que, em seu nome, são extraídas no final das reuniões. 
 
O Presidente da República é dono e senhor das agendas do Conselho de Estado, que convoca quando muito bem entende. Porém, não se pode eximir a que haja juízos de valor sobre a oportunidade dessas convocatórias. E, por isso, também não se deve surpreender se houver quem considere que a reunião de hoje tem muito mais a ver com a necessidade do chefe de Estado "cumprir o calendário", por forma a poder vir a tentar demonstrar, porventura em benefício do prefácio do último dos seus "Roteiros", que fez tudo quanto estava ao seu alcance para promover "consensos" e que não terá sido por sua culpa que os mesmos não tiveram lugar. Com o devido respeito, o espaço nos livros de História não se ganha desta forma. 

quarta-feira, julho 02, 2014

Sophia de Mello Breyner

Um dia em que a poesia toma as notícias é um bom dia para um país. É bom sentir Portugal numa onda de consenso em torno de um nome das letras que, por direito próprio e incontestado, toma o caminho da imortalidade institucional. Marx dizia que a filosofia explicava o mundo, mas que era tempo de o transformar. Ouvi ontem Sophia de Mello Breyner, numa velha entrevista, dizer uma coisa similiar, relativizando a importância da sua poesia e apelando ao dever da intervenção cívica. Leiam Sophia de Mello Breyner! Faz bem.

Paulo Portas

Há precisamente um ano, Paulo Portas ameaçou sair do governo. Sabedor de que o CDS não o acompanharia, o primeiro-ministro "não aceitou" a resignação e ofereceu-lhe uma "promoção" que surpreendeu muita gente, desde logo no PSD, onde o gesto pareceu um "benefício do infrator". Mas Passos Coelho sabia o que fazia. Paulo Portas assumiu as novas funções e, dentro delas, a de "coordenador" da negociação com a "troika". Fez então o "tour" das instituições desta, tendo constatado uma total inflexibilidade face às propostas que apresentou. Imagina-se o sorriso irónico interior de Maria Luís Albuquerque. Recolheu a penates, concentrou-se na diplomacia empresarial, emergiu em conferências de imprensa, mas, para o que aqui importa, ficou sem qualquer margem de manobra para renovar publicamente as suas anteriores reticências face aos exageros do ajustamento, que eram o seu "fond de commerce" partidário, a alegada diferença face ao PSD. A um ano de distância, fico com a sensação de que o CDS perdeu quase toda a sua autonomia, deixou de ver reconhecida no eleitorado uma especificidade política própria, de tal modo Paulo Portas e os seus ministros, salvo um esbracejar fiscal tímido na economia, ficaram com a sua atividade dependente da agenda política do primeiro-ministro. E do PSD. Por isso, ou muito me engano ou Paulo Portas e o CDS estão numa grande encruzilhada. E isso não é sem consequências para a liberdade futura da sua política futura de alianças, se bem me faço compreender.

Troca de nomes

Há dias, falei por aqui das "brancas" que, por vezes, nos acontecem, quando queremos lembrar-nos do nome de alguém que está perto de nós. Outro caso, não menos ou ainda mais embaraçante, tem a ver com as trocas de nomes, que muitas vezes ocorrem.

Ontem, num almoço com diplomatas, alguém lembrou uma cena que ficou célebre num Conselho de ministros europeu. O ministro da Economia do Luxemburgo tinha um apelido que lembrava uma figura do tempo do III Reich, Goebbels. Esse político socialista luxemburguês é um homem simpático, que conheço pessoalmente e que sempre imaginei que, ao longo da sua vida, deve ter protagonizado vários episódios derivados do facto de partilhar o nome com o antigo ministro da Propaganda de Hitler.

Nessa reunião, o orador seguinte o Goebbels foi a comissária francesa, Edith Cresson. Querendo referir-se à intervenção que acabara de ouvir, cometeu um "pequeno" erro, por uma subliminar associação de ideias: tratou o ministro luxemburguês por "M. Goering", confundindo com o chefe da Força aérea da Alemanha nazi. Quem assistiu ao percalço diz que a sala se revelou divertida com o incidente, que o ministro visado não terá levado a mal.

Outro colega presente ao almoço de ontem recordou o dia em que o antigo secretário-geral da NATO, Joseph Luns, numa visita a Lisboa, ao dirigir-se ao embaixador português António Cascais, teve um lapso geográfico e o tratou por "Mr. Estoril"...

terça-feira, julho 01, 2014

Carlos do Carmo

Encontrei-o na passada semana, a jantar com Júlio Pomar. Divertido como sempre, falámos de coisas alegres da vida e da noite que ambos apreciamos. Concluimos que andamos os dois, muitas vezes, pelo "fuso de Caracas"...

Carlos do Carmo recebeu hoje um "Grammy" pela sua carreira, de mais de 50 anos. Ninguém o merece mais, no mundo da música em Portugal. Com a sua qualidade, a sua personalidade e o seu justo prestígio, Carlos do Carmo ajudou muito a projetar o Fado como a canção portuguesa que Amália fez conhecer pelo mundo, que a UNESCO consagrou como "património imaterial da Humanidade" e de que ele foi um digno "embaixador".

Parabéns, "colega"!

Sarkozy

Sarkozy detido! Não sou muito dado a surpresas, mas devo dizer que esta é uma notícia inesperada. Ver um presidente da V República sujeito à mesma disciplina pública de qualquer outro cidadão é uma "première" e diz muito de como o mundo mudou. 

Para o bem e para o mal, a sacralização da função presidencial diluiu-se definitivamente num país onde o prestígio da função era, em si mesmo, uma das forças constituintes do imaginário do próprio poder. A V República já não é o que era ou os seus presidentes já não são aquilo que nos habituáramos que fossem? Será que a responsabilização dos políticos já ganhou um estatuto irreversível? 

Não consigo deixar de comparar Sarkozy com Nixon. A mesma energia, uma inegável capacidade de ação e, a confirmarem-se estas imputações, o mesmo desprezo pelos princípios e uma lógica de fins a orientar-lhe a vida.

segunda-feira, junho 30, 2014

Depósito

Numa fila de um banco, na tarde de hoje, perdi quase meia hora para depositar um cheque. Somada outra meia hora nos correios (e começo a encanitar que por lá me tentem impingir coisas que nunca pensei nem penso comprar), bem como o calor da tarde, fiquei num estado de pré-fúria. 

Ao assinar a papelada, quando chegou o almejado momento do depósito, lembrei-me dos tempos longínquos em que fui funcionário da Caixa Geral de Depósitos e da regra que então ouvi de um colega mais velho:

- Ó Seixas, aprenda-me bem isto: para depositar, aceita-se em papel de cartucho. Para levantar paínço, isso já fia mais fino!

Santos populares

Este ano, "deu-me" para os Santos Populares. Andei a noite de Santo António por Alfama, fui ao Porto passar o São João e, ontem, estive no São Pedro, em Sintra. De Santos, só me faltou poder saudar o Fernando, que há pouco se viu definitivamente grego contra a Costa Rica.
 
E foi em Sintra que deparei com esta curiosidade, no seu belo Museu do Brinquedo. Um "recuerdo" dos anos 30, que revela bem o que mobilizava a juventude de então. Ora o museu, segundo aí me informaram, vai fechar. Ainda será efeito da "troika"? Eu sei que, com estas montras, não será fácil obter a boa vontade alemã. Mas não haverá mesmo uma "chance" de evitar o encerramento, caro dr. Basílio Horta? 

domingo, junho 29, 2014

Luis Fontoura (1933-2014)

Soube, há minutos, na intervenção televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa, que morreu Luís Fontoura.
 
O Luís é um homem a quem devo um gesto de imensa, e inesperada, simpatia, num momento difícil da minha vida profissional. Nunca esqueci essa atitude, por parte de quem eu pensava que me conhecia mal. Esse abraço telefónico - e foram então muito poucos, mas bons... - foi o início de uma bela amizade e de uma aproximação que se reforçou com os tempos.
 
Encontrei-me, pela primeira vez, com Luís Fontoura, em 1973. Foi em "A Capital", o jornal a cujo conselho de administração ele presidia. Eu era militar, de visita de estudo ao jornal (já um dia contei a história aqui). Desde esse momento, guardei dele a imagem de um homem frontal, com ideias claras e vontade de as dizer. Alto.

Quase uma década mais tarde, o Luís foi a Angola, como secretário de Estado da Cooperação. Recordo um jantar, organizado pelo Fernando Andresen, na sua "suite" do "Trópico" (as "suites" eram, então, o que era possível nessa época...), onde ambos vivíamos. Foi uma noite interessantíssima, com o Luís a revelar-nos episódios pitorescos da vida política lisboeta, que ele comentava com imensa graça. Luís Fontoura passou depois pela presidência do então ICEP, estrutura a que deu um "abanão" de modernidade, que sempre avaliei muito positivamente (ao contrário de alguns amigos meus). E trabalhou muito na "nossa Escola", no ISCSP, onde lecionava. 
 
Fomo-nos sempre encontrando e comunicando, embora a espaços. Ele, grande e generoso, dava-me aqueles abraços imensos, seguidos de gargalhadas, as mais das vezes destinadas à evocação de figuras em relação às quais comungávamos uma distância crítica, de bom senso e bom gosto. Muito nos rimos...
 
Há cerca de dois anos, telefonou-me: tinha sido nomeado presidente da Comissão que ia rever o Conceito estratégico de Defesa e convidava-me para fazer parte desse grupo que tinha como mandato debater e redigir esse texto. Expliquei-lhe que, estando a viver em França, me era difícil assegurar uma participação capaz. Mas ninguém dizia que não a Luís Fontoura. E tive imenso gosto e senti-me muito honrado por fazer parte do grupo e dar o meu modesto contributo ao trabalho liderado por Luís Fontoura. Uma noite de setembro de 2012, em férias em Albi, em França, cerca da meia-noite, o Luís telefonou-me a pedir um texto sobre um determinado tema. "Você quer isso para quando?". "Para daqui a horas, claro! Ó Francisco, você faz isso com uma perna às costas!". Eram "apenas" três páginas. Lá estive eu, até às quatro da manhã, agarrado ao computador, a "produzir" a minha contribuição. Não era possível dizer que não ao Luís...
 
Um dia, já regressado a Lisboa, combinámos almoçar. No "Coelho da Rocha", mesa que ele muito apreciava. Surpreendentemente, o Luís não apareceu. A meio do almoço, telefonou a desculpar-se: "Desculpe lá! Tive de ir de urgência tratar um dos meus cancros", disse-me com a ligeireza, irónica e desafiante, com que se atrevia a tourear a fortuna. O "Coelho da Rocha" já desapareceu, há uns meses. O Luís, esse grande homem de bem, desapareceu hoje. O que me deixa muito triste. E agora, se me permitem, vou velá-lo à Estrela.   

Isabel Arriaga e Cunha

A jornalista Isabel Arriaga e Cunha deixa agora o "Público", depois de uma longa estada junto das instituições europeias.

Um dia falarei, aqui ou algures, da relação nem sempre fácil entre os políticos (que episodicamente fui, num passado já distante) e os jornalistas, no tratamento das questões europeias. As respetivas agendas nem sempre coincidem, à curiosidade destes últimos opõe-se o interesse de discrição dos primeiros e as visões dos factos são, por vezes, bem opostas. E, não raramente, aquilo que para uns é importante que seja destacado confronta-se com uma diferente ordem de prioridades dos outros.

Nesses tempos europeus, tive com a Isabel Arriaga e Cunha algumas divergências. Hoje posso confessar que, dentre os muitos - e alguns bem competentes - jornalistas portugueses que cruzei pelos corredores bruxelenses, a Isabel foi sempre a figura mais "difícil". Profunda conhecedora dos dossiês, com uma rede invejável de contactos, dispunha sempre de elementos que dificultavam a "venda" das nossa versão dos assuntos e, nas conferências de imprensa, fazia "aquela" pergunta que nós desejaríamos que não fosse feita. É o melhor elogio profissional que lhe posso fazer.

Um dia, à margem de um Conselho europeu, em Dublin, tivemos uma troca dura de argumentos, já nem sei bem porquê. À noite, de Lisboa, do "Público", a Teresa de Sousa, telefonou-me para o hotel: a Isabel ficara sentida com as minhas palavras, com o que eu dissera no calor dessa conversa. Passaram algumas semanas e o Manuel Menezes organizou um almoço de "reconciliação" no Luxemburgo. Ficámos amigos e, com o tempo, creio que a nossa visão dos temas europeus se foi aproximando.

Desde que deixei as lides europeias, passei a confiar nas análises conjugadas da Isabel e da Teresa de Sousa para melhor perceber a evolução dos grandes dossiês bruxelenses. De uma forma séria, rigorosa e sem "agenda" seguidista, elas têm-me ajudado a acompanhar esse mundo fascinante e crescentemente mutante, de que depende e muito continuará a depender o nosso destino como país.

Independentemente da solução que o "Público" possa encontrar para a substituição de Isabel Arriaga e Cunha, tenho a certeza que a sua escrita informada e a sua lucidez analítica me vão fazer muita falta.  

As amoras

O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade

sábado, junho 28, 2014

Ainda o PS

A história do Partido Socialista, como a de outras formações democráticas. fez-se sempre de conflitualidades, umas assumidas outras surdas, de choque de personalidades, que só raramente tem sido um confronto de verdadeiros programas alternativos. O que hoje por lá se passa não é, assim, nada de verdadeiramente novo. E nada que não fosse expectável, devo dizê-lo.

O PS vive ainda na ressaca do período Sócrates, da derrota profunda que sofreu em 2011 e da culpabilização que foi passada para a opinião pública de que parte importante dos sacrifícios por que os portugueses foram obrigados a passar desde então, mesmo se potenciados por um governo que decidiu agravá-los com uma receita ideológica radical, assentam na crise financeira criada ao país, derivada de opções políticas tidas por erradas. 

Desde as eleições de 2011, dentro do PS, firmaram-se claramente duas linhas. 

Uma que, de certo modo, partilha sem o dizer uma leitura crítica sobre a anterior gestão socialista, procurando reconstituir, com propostas e algum pessoal político novo, um regresso ao que entende ser a credibilidade perdida junto do eleitorado. Essa linha nunca se mostrou muito ativa na recuperação do património positivo do período Sócrates e, de forma aparentemente deliberada, marginalizou figuras que achou demasiado marcadas por esse tempo.

A segunda linha considerou, desde o início, que a distanciação pretendida face ao tempo de José Sócrates estava a ser exagerada ou era mesmo injusta, e que, com essa postura, o PS acabava por ajudar "à festa" dos outros. Verdadeiramente, essa linha sujeitou-se mas nunca respeitou a nova liderança, de cuja orientação estratégica quase sempre discordou.

O fim relativamente mais suave do que o previsto do processo de ajustamento, bem como uma vitória do PS nas eleições europeias que ficou muito aquém daquilo que alguns consideravam exigível, depois de três anos de ambiente de forte austeridade, criou um clima propício ao reacender da confrontação entre as duas linhas. Com efeito, para os setores críticos da atual gestão socialista, existe hoje o claro perigo de que o governo, depois de ter sido "dado como morto" várias vezes, venha ainda a "ressuscitar" a tempo das eleições legislativas de 2015. E esses setores não vislumbraram na atual liderança do PS a capacidade de reverter essa potencial tendência.

A reação de António José Seguro a este "challenge" não surpreendeu. Ele considerou a sua liderança suficientemente legitimada por duas vitórias eleitorais consecutivas, independentemente da leitura que outros faziam da respetiva dimensão. Entendeu, por isso, ter todas as condições para prosseguir no lugar que ocupava.

O surgimento de António Costa a contestar a liderança também não foi uma surpresa. De há muito que ele aparecia como a alternativa a Seguro, alimentada pelos vários setores críticos da atual liderança. De certo modo, o discurso triunfalista de Seguro na noite eleitoral, onde vislumbrou uma "grande vitória" naquilo que muitos consideraram uma vitória pouco expressiva, pode ter criado o "caldo" político que ajudou a decidir António Costa a avançar.

O impasse criado pelos estatutos, que formalmente não permitem um Congresso eletivo antes do termo do mandato, poderia ter sido ultrapassado se Seguro tivesse querido relegitimar de imediato a sua liderança interna, indo de novo a votos. Ao sentir-se "ferido" pela contestação, que entendeu injusta e oportunista, ao decidir identificar a sua indiscutível legitimidade formal com plena legitimidade política, Seguro assumiu um forte risco. E logo sentiu que tinha de reagir. Optou então por procurar sair dessa dualidade através da solução alternativa das "eleições primárias", atitude que, a seu ver, demonstrava a disponibilidade para ser julgado politicamente - ironicamente, oferecendo a António Costa um "eleitorado" para além do universo partidário, onde, aparentemente, o sentimento generalizado parece ser favorável ao presidente da municipalidade lisboeta.

A meu ver, o gesto de Seguro, ao avançar para as "primárias", tem a virtualidade de o ver assumir a coragem de se submeter a um novo voto, num quadro de modernidade democrática, sem entretanto beliscar a legitimidade formal que ciosamente quer preservar. Mas o facto dessas eleições demorarem compreensivelmente a organizar, coloca o PS num incómodo período de "limbo" político, que será detrimental para os seus interesses se acaso esse tempo vier a ser marcado por um debate fratricida, que dê ao país uma imagem menos responsável da alternativa ao governo que por aí anda. E esse risco legitima, de certo modo, a atitude de Jorge Sampaio e de outros socialistas, quando se interrogaram sobre se não seria então mais avisado avançar para uma clarificação imediata, através de eleições "diretas" internas, que poupassem esses meses de confronto.

António José Seguro assim não entendeu e, para o bem e para o mal, assumirá as consequências dessa decisão. A meu ver, é ocioso estar agora a especular muito mais sobre isto, já não interessa fazer "chover no molhado". O PS e os seus simpatizantes terão o ensejo, em 28 de setembro, de escolherem quem entendem melhor preparado para o conduzir até às eleições de 2015. Só podemos desejar um debate com elevação, sem insultos e acusações, que o país julgaria severamente na imagem do PS. E seria interessante se pudéssemos ter, como pano de fundo desta escolha de pessoas, o privilégio de assistir a um confronto de ideias para o país.

Temo, porém, que, uma vez mais, as coisas se coloquem em termos de personalidades e bastante menos na análise de programas e propostas. Um dia do século XIX, Miguel de Unamuno escreveu que a "fulanização da política" era uma das caraterísticas portuguesas. Prova-se que tinha imensa razão.

sexta-feira, junho 27, 2014

Um amigo no Berlaymont

Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Lembrei-me disto há minutos, ao ouvir Jean-Claude Juncker salientar, nestes que são os seus últimos dias à frente do Eurogrupo, a importância de Portugal ser recompensado pelos esforços que tem vindo a fazer no seu programa de ajustamento estrutural, com a possível redefinição desse mesmo programa à luz da evolução da conjuntura externa. Uma posição pouco comum, mesmo à revelia de outras, nesta Europa onde a solidariedade é uma palavra escassa nos dias que correm.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Escrevi isto neste blogue, em 10.1.13. Repito-o com gosto hoje, dia em que Jean-Claude Juncker foi nomeado presidente da Comissão europeia)

Eleições primárias

O Partido Socialista vai realizar, em 28 de setembro, "eleições primárias" para a escolha da personalidade que será o seu candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas de 2015. Nas "primárias" podem votar todas as pessoas que, através de um compromisso escrito, declarem não serem membros de outros partidos e se revejam nos princípios do PS. Esta escolha não existe nos estatutos do partido, pelo que, teoricamente, o candidato mais votado poderia não ser o líder do partido. Porém, o atual secretário-geral já revelou que tirará "todas as consequências" se o resultado do escrutínio, a que será um dos concorrentes, lhe não for favorável, o que, em linguagem simples, significa que, nessa hipótese, abandonaria o cargo, abrindo caminho a que o seu opositor nas "primárias" fosse eleito como novo secretário-geral - o que, no entanto, ainda obrigaria a "eleições diretas" internas (neste caso, só com os militantes) e à sua consagração em Congresso.

Este processo, que no caso português tem este aspeto mais complicado, tem já precedentes em alguns países, de que os Estados Unidos são o exemplo mais antigo, mas a que se juntaram, mais recentemente, a França e a Itália, democracias onde já se percebeu que seria importante retirar da exclusiva competência das máquinas partidárias a escolha do candidato a titular do poder executivo. O alargamento aos simpatizantes (na realidade, aos votantes futuros) é um gesto de respeito pela opinião pública e, pelo menos teoricamente, obriga a que os candidatos "falem" para fora dos partidos e aí comecem a ganhar uma pré-legitimidade.

Fui testemunha, em França, da perplexidade com que a decisão de organizar primárias para o candidato presidencial do PSF foi recebida. Mas observei igualmente que, no termo do processo, se concluiu unanimemente das suas vantagens, com a própria direita a anunciar, de imediato, que futuramente iria proceder de forma idêntica. 

Um dúvida surgiu: será que se pode confiar na palavra de quem declara que é simpatizante? Não poderá haver "penetras", oriundos até do outro lado do sistema partidário, que aproveitem oportunisticamente esta abertura para se imiscuírem em "negócios de família" alheia? Esta questão colocou-se em França, mas logo se concluíu que seria diminuto, e escassamente relevante no cômputo final dos votos, o número de impostores que teriam o desplante de, sob compromisso de honra e com o risco de verem o respetivo nome publicado, assumirem esse gesto canalha.

Resta ainda uma outra dúvida, esta bem portuguesa. Entre nós, sob a capa da invocação do segredo do voto, e às vezes fruto de um trauma de tempos políticos mais tensos, há muita gente que, não sendo militante partidário, não gosta de revelar em quem vai votar nas eleições nacionais. Está no seu pleno direito. Só que, nesse caso, pode presumir-se que essas pessoas terão dificuldade em aceitar a possibilidade de se increverem nestas "primárias". Temo, por isso, que o universo desses simpatizantes, nesta primeira experiência, acabe por ainda não ser muito significativo.

Sou de opinião de que, com a realização destas "eleições primárias", o Partido Socialista acaba por prestar um serviço importante à renovação e revitalização do nosso sistema democrático. E, confesso achar bizarro que pessoas não pertencentes a esse espaço político se arroguem o direito de "mandar bitaites" sobre o modo como os socialistas se organizam para resolverem os seus problemas internos.

quinta-feira, junho 26, 2014

Banais

Sei que não fica bem ao nosso ego, mas não seria tempo de assumirmos, com realismo, que Portugal tem hoje uma seleção de futebol perfeitamente banal, cujo apuramento para a fase final do Mundial já foi "tirado a ferros", com uma baixa qualidade média de jogadores, onde só se salientam um sobredotado (e conjunturalmente diminuído) Ronaldo e talvez Nani? Esse é o preço que o nosso país paga, cada vez mais, pelo facto da maioria dos seus clubes estar enxameada de estrangeiros, pela escassez de investimento na formação de jovens jogadores. 

Por essa razão, foi de uma total insensatez, só geradora de falsas expetativas, que o país tenha sido levado a alimentar a ideia de que podíamos vir a ter uma boa prestação nesta jornada brasileira. Perdemos muito bem contra a Alemanha, merecíamos ter sido derrotados pelos EUA e, embora muito superiores na primeira parte do jogo, tanto ganhámos como até poderíamos ter sido derrotados pelo Gana. Estes são os factos e o resto é patrioteirismo.

Só tenho pena dos muitos portugueses que, no Brasil e pelo mundo fora, comungaram desta ilusão e agora caíram "na real".

Ernâni Lopes


Ernâni Lopes desapareceu, vai para quatro anos. Ontem, no retomar dos encontros da SAER, a entidade que criou e que agora vai passar a ter uma nova vida, todos nos sentimos à volta da memória deste homem que não deixou indiferente quem com ele teve o privilégio de contactar.
 
A falta que a todos nos faz, nestes dias sombrios, a palavra livre de Ernâni Lopes!

quarta-feira, junho 25, 2014

Anomia

Veio-me à ideia o triste conceito de anomia, ao ouvir, há pouco, alguns "populares" de Oeiras falarem do "seu" presidente, ontem libertado. É, de facto, típico de um país que já perdeu as suas referências aquele que apoia quem "rouba mas faz", na lógica de que "há outros bem piores". E é sintomático do estado da informação das nossas televisões a cobertura simpática feita a um delinquente, que lesou as finanças públicas e que abusou em seu proveito de bens públicos, cuja condenação não ofereceu a menor dúvida e que utilizou, de forma quase obscena, sucessivos recursos para deixar prescrever outros crimes, que o fariam repousar por muitos anos na prisão se onde agora conseguiu sair. E, se se ouvirem bem as declarações do prisioneiro agora em liberdade condicional, todos deveremos perguntar-nos sobre o grau do "arrependimento" que alegadamente motivou a decisão do juiz que o soltou. Isto está bonito, está!

Alexander Stubb

Durante a negociação europeia do Tratado de Nice, que dirigi durante o primeiro semestre de 2000 e que acompanhei até à conclusão dos trabalhos, como chefe da delegação portuguesa, no resto do ano, o tema das "cooperações reforçadas" ou da "flexibilidade" (para simplificar: a possibilidade de só alguns Estados adotarem certas políticas dentro da União) foi umas das questões centrais. Graças à genialidade criativa de Josefina Carvalho, a diplomata portuguesa mais competente que alguma vez conheci em matérias institucionais europeias, e que por sorte me coadjuvava, colocámos sobre a mesa um conjunto "engenhoso" de propostas. Portugal foi mesmo a "vedeta" dessa discussão, que António Guterres depois titulou à mesa do Conselho europeu. 
 
Algumas delegações revelaram um interesse muito grande pelo tema e ajudaram a desenvolvê-lo, com inteligência e argúcia. Uma dessas delegações era a finlandesa, dirigida por um homem magnífico, com uma serenidade ártica, o embaixador Antti Satuli, um bom amigo infelizmente já desaparecido. Costumávamos dizer que a Finlândia desse tempo era quase um país do Benelux (Bélgica, Holanda, Luxemburgo), tal o sentido europeu do seu empenhamento, o sentimento federal das suas posições (onde isso vai...) Antti era então coadjuvado por um muito jovem diplomata, entusiasta, imaginativo, quase "latino", que com a nossa delegação mantinha uma relação de grande cordialidade. Longas conversas tivemos com ele, procurando convencê-lo do bem fundado das nossas propostas e, por vezes, tentando integrar algumas das suas ideias. Que eram muitas, porque o tema da "flexibilidade" apaixonava-o.  
 
Em 2002, já a negociação tinha terminado e eu vivia na Áustria e andava já por outras "guerras", recebi um pedido desse diplomata finlandês para poder utilizar um texto meu num livro que ia publicar sobre a questão da "flexibilidade". Enviou-me o livro meses depois, com uma carta muito simpática. Trocámos, depois disso, alguns emails e fui, entretanto, acompanhando o seu percurso, agora na política, de Estrasburgo ao governo do seu país, onde chegou a ministro dos Assuntos europeus e dos Negócios estrangeiros.
 
Alexander Stubb, o nosso jovem amigo finlandês das negociações europeias, é, desde ontem, o novo primeiro-ministro do seu país.

terça-feira, junho 24, 2014

BES

Nos dias que correm, os bancos não são empresas como quaisquer outras. A banca está definitivamente colocada no centro do processo económico-financeiro europeu e não é por acaso que, nos últimos anos, é em seu torno que se desenvolvem os grandes debates da União. Os contribuintes europeus já sofreram na pele o custo da irresponsabilidade de alguns operadores bancários e os efeitos detrimentais das suas ações na estabilidade global do sistema. Os bancos parece serem privados enquanto dão dinheiro, mas passam a problemas públicos quando entram em crise.

Por essa razão, não é legítimo que os agentes políticos portugueses olhem para a crise no BES como se isso significasse apenas um emergir de problemas conjunturais numa qualquer empresa privada. O governo sabe que as coisas não são assim e, em nome dos cidadãos - e dos contribuintes - que representa tem de dar mostras claras de estar atento a uma saga que não se esgota nos meandros da família Espírito Santo. Longe disso! O argumento da separação de interesses não é válido e não pode ser esgrimido com ligeireza. Ou alguém tem dúvidas de que, se as coisas acaso correrem mal, alguém nos virá cobrar ao bolso? Deixemo-nos, pois, de formalismos ridículos e assumamos a importância destas coisas.

Neste contexto e nos dias que correm, a família Espírito Santo pode não estar à altura da responsabilidade do nome que herdou. As explicações absolutamente incríveis dadas sobre o que ocorreu na gestão dos interesses da estrutura financeira no Luxemburgo, somadas à patética irresponsabilidade revelada em Angola, agravadas pelas dissidências e conflitos públicos entre os familiares, que deveriam mostrar solidez e determinação num momento desta delicadeza, provam que estamos perante um grupo em real crise de liderança e objetivos. E ao ter optado por uma solução de continuidade, titulada em alguém que está ainda sob suspeita, não revela bom-senso e faz temer o pior, agora para o banco.

Espera-se que o supervisor, o Banco de Portugal, seja capaz de tomar as decisões que possam acautelar o interesse público. Com firmeza, transparência e sentido de responsabilidade.

O amigo americano

Se alguém perguntar a um diplomata português quais são hoje as três principais prioridades da nossa política externa, a resposta, quase pela certa, será: Europa, lusofonia e relações transatlânticas. Para o bem e para o mal, a América está desde há muito no centro da nossa expressão internacional.

Salazar e uma certa esquerda portuguesa nunca gostaram da América. O ditador começou por desconfiar imenso da ambição americana no Atlântico, à qual teria que se resignar, para mais tarde perceber que também não podia contar com a proteção dos EUA para o prolongamento extemporâneo da aventura colonial lusitana. Já a esquerda começou por ver os EUA aceitarem como boa a credibilitação que o nosso "amigo da onça" britânico lhes deu das vantagens de conservar o regime ditatorial português, o que permitiu a sua sobrevivência após o segundo conflito mundial. E, com naturalidade, essa mesma esquerda rejeitou as derivas imperiais e o cinismo geopolítico americanos, do Vietnam ao Chile. E a aventura iraquiana, claro.

Neste cenário, a América cedo conquistou outros amigos portugueses: os "atlantistas", uma raça que começou por pulular em torno da NATO e cuja versão mais lamentável acabou a servir o "catering" nas Lages, em 2003. Estes acríticos não se esgotam, porém, na direita caseira. Na esquerda, está consagrado o princípio não escrito de que só tem estatuto de respeitabilidade em matéria de política externa quem for visto como "pró-americano".

Há décadas que a América se equivoca nos seus amigos portugueses. Os americanófilos oficiosos, que enchem o "4th of July", atulham os debates na FLAD e se "pelam" por um convite do outro lado do mar são o produto do vício, recorrente e cíclico, que os EUA alimentam entre nós. Esse pessoal, "taken for granted" para qualquer aventura em que Washington decida envolver-se, prolongou a fidelidade extrema da Guerra Fria até às portas de Badgad. Faria amanhã o mesmo se acaso Kiev (ou Moscovo) fosse o destino. Sofrem de uma ilusão de poder que deriva da sua eterna colagem à potência ocidental dominante. Na guerra do Iraque travestiram-se de "neo-cons" de trazer por casa, hoje debitam pelos blogues saudades ínvias de Bush filho, disfarçadas de críticas a Obama. Mas, na realidade, têm muito pouco préstimo. Ou melhor, servem apenas para prolongar entre nós uma triste caricatura simplista da América.

A América, esse país magnífico e com uma vitalidade que nenhuma Europa ainda conseguiu imitar, é uma potência que, como todas as outras, necessita de amigos. Portugal tem todas as condições para se poder colocar no eixo de uma relação frutuosa entre a Europa e os EUA, de onde não estejam ausentes o sentido crítico, a afirmação das nossas pontuais diferenças e o sublinhar da nossa leitura sobre o seu próprio comportamento.

Ser amigo dos EUA é saber dizer sempre a Washington que estaremos com eles para a consecução de uma agenda positiva e de progresso, que não se resuma à leitura mecanicista dos seus interesses, que respeite também os nossos. E não me refiro apenas às Lages e outros dossiês paroquiais. Quero com isto significar os interesses globais da Europa. A América é o mais velho amigo da Europa e deve continuar a sê-lo, sem subserviências ou equívocos. Qualquer que venha a ser o futuro da expressão coletiva da Europa no mundo, ele só terá significado e relevância se for levado a cabo em estreita articulação com Washington. O resto é retórica.

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...