quinta-feira, novembro 28, 2013

Mário Soares


O ativismo político do Dr. Mário Soares está a polarizar o país. O tom e a natureza de algumas das suas tomadas de posição entusiasma uns e choca outros. 

Gostava de dizer duas coisas apenas sobre esta nova visibilidade do meu amigo Dr. Mário Soares.

A primeira é que eu também me sinto, algumas vezes, pouco confortável com algumas expressões utilizadas, em entrevistas e intervenções, pelo anterior presidente português e creio mesmo que a eficácia do seu discurso ficaria melhor servida se outro tipo de linguagem fosse adotada.

A segunda é dirigida a quantos hoje o contestam e combatem o que entendem ser a deriva radical de Mário Soares: acho que deveriam sentir-se satisfeitos pelo facto dessas tomadas de posição acabarem por polarizar, numa figura que pede meças a quem quer que seja em Portugal, em termos de luta pela liberdade e pela democracia, muito daquilo que hoje configura um profundo e inorgânico descontentamento popular que atravessa o país. Deviam pensar nisto.

Conversas

Na quinta-feira, dia 28, pelas 21 horas, no Instituto Dom João de Castro (rua D. Francisco de Almeida, 49, no Restelo), a convite do respetivo presidente, professor Adriano Moreira, irei falar sobre "Política Externa Portuguesa - impacto e condicionantes da crise europeia".

quarta-feira, novembro 27, 2013

Das escadas às portas

Muitos amigos meus não gostarão do que vou escrever a seguir. "Tant pis"!

O que ontem se passou, com a ocupação das entradas de alguns ministérios por sindicalistas, associado aos acontecimentos que ocorreram há dias na escadaria da Assembleia da República, representa uma forma de expressão de interesses particulares que, a prosseguir e a ser tolerada, coloca em causa os fundamentos do sistema democrático. Entendo perfeitamente a revolta, mais do que justa, de quem vê o seu emprego ameaçado, vantagens adquiridas em causa, a sua vida e a dos seus em frangalhos, por uma política que parece indiferente ao sofrimento das pessoas. Mas é por demais evidente que todos os cidadãos portugueses - esses e outros - continuam a poder usufruir livremente da plenitude dos direitos de expressão política e de manifestação que a Constituição e a legalidade democrática lhes concedem. E que só quando esses direitos fundamentais eventualmente tivessem sido colocados em causa é que se justificaria o recurso a métodos alheios à legalidade vigente. O que ontem e há dias se passou assume o caráter de uma perigosa abertura da "caixa de Pandora" que, a meu ver, não é uma situação favorável à democracia portuguesa. E eu, julgo que como muitos portugueses, não me sinto representado por quem utiliza métodos de expressão cívica que se afastam da estrita observância da legalidade democrática em que pretendo continuar a viver.

Admito estar enganado nesta minha forma de ver as coisas, mas é, muito simplesmente, o que eu penso.

Católica?

Desde há muito, é para mim um insondável mistério o modo como a Universidade Católica Portuguesa consegue compatibilizar a observância e o respeito pela doutrina social da sua igreja, que deveria ser a matriz identitária da casa, com a promoção obsessiva de um liberalismo económico radical, que constitui a imagem de marca de muita da "produção" saída da sua linha de montagem académica, nas últimas décadas.

Não está em causa a qualidade intelectual desses quadros, gente tecnicamente muito bem preparada, com alguns dos quais convivo no meu dia-a-dia profissional e em outros círculos em que me movo. A UCP é indiscutivelmente uma das melhores universidades portuguesas. Mas esse fascínio cego e absoluto pelas virtudes da "mão invisível", parece ter-se convertido na doutrina oficiosa da casa (e leiam-se os textos que ela produz para não se ter, sobre isto, a menor dúvida), e baseia-se no culto de modelos extremos de competição e de destruição, por opção ideológica, de todas as estruturas de defesa do bem público comum. Assim se sacrifica a vida de gerações, forçadas à crença salvífica num novo tipo de "amanhãs que cantam", como o comprova a orientação política que entre nós prevalece, com os resultados que estão à vista de toda a gente. E assim se empurra, pelos vistos sem remorso, os excluídos da sorte dos mercados para as margens do sistema e para os caminhos da caridade, que remendam os efeitos das políticas que geraram essas desiguadades. Tudo isto é feito em lugar de colocar as pessoas no centro dos interesses das políticas económicas, as quais, pela ética católica (e não só), existiriam para construir o bem-estar dos homens e não para a "réussite" dos mais fortes entre eles. Se isto é ser católico, então vou ali e já venho...

Por essa razão, estou muito curioso para saber a opinião da escola económica da UCP sobre aquilo que ontem foi dito pelo papa Francisco a propósito da economia e do sistema prevalecente na sociedade em que vivemos.

terça-feira, novembro 26, 2013

Águias ao alto!

O presidente do Sporting, numa evidente graçola em ambiente clubístico, terá dito que "quando quiserem começar a resolver os problemas de Portugal, é fácil: tiramos o vermelho da bandeira e é tudo nosso".

Um anónimo escriba à solta no "Público", com falsa inocência, logo correu a titular: "Presidente do Sporting sugere que se tire o vermelho da bandeira de Portugal". E, vai daí!, o mundo da blogosfera, em especial o submundo dos comentaristas dos jornais, iniciou uma "desanca" no autor da expressão, tomada oportunisticamente à letra. Aguarda-se ainda, com ansiedade, a rubra nota de desagravo da Soeiro Pereira Gomes.

Não conheço o sr. Bruno de Carvalho de parte alguma. E até desconfio que ele é capaz de nem reconhecer este magistral desenho que Siné nos dedicou, nos idos de 1975. Mas identifico, com facilidade, outros terrenos onde a burrice se cola à má fé. Lampião que (não) vai à frente alumia duas vezes?

Vicente

Em Portugal, goste-se ou não, há um jornalismo antes e outro depois do Vicente Jorge Silva. Para quem, como foi o meu caso, começou a ler o "Comércio do Funchal" (e nele meti uma "colherada" escrita em 1972) logo depois da  "revolução vicentina" de 1966, que, a partir de 1973, o acompanhou no "Expresso", apreciando depois essa aventura que hoje é só saudade que foi a "Revista", e, finalmente, que seguiu com admiração a sua criação maior - o "Público" -, Vicente Jorge Silva tem um papel de exceção no mundo mediático nacional. Pelo meio, ficaram os filmes, a "Invista" (onde me recordo de ter escrito algo de que me não lembro - contradição possível, como se vê) e muita opinião, com a política caseira no centro, a cuja momentânea sedução ele próprio não escapou.

Isabel Lucas, uma jornalista inteligente que "deixa respirar" os entrevistados (sei do que falo), fez ao Vicente uma longa entrevista que deu origem a um interessante livro, que li de um fôlego, com a atenção própria de quem sempre seguiu com atenção esse percurso ímpar, o qual, em si mesmo, espelhou muito de um certo país.

Ontem, durante uma bacalhauzada num lugar de amesendação onde, às segundas-feiras, uma heteróctlita e divertida gente (onde sou um cooptado recente), numa tertúlia improvável, troca graças e historietas das vidas, dei um abraço ao Vicente por esse seu excelente retrato, ele que nasceu numa consagrada família da fotografia madeirense.

Camaradas

“Escreve sobre Angola. É o que está a dar!”. “Não o metas por aí! Depois do que se passou no sábado? Só vai estragar as coisas! Fala sobre as eleições em Moçambique. Uma nota de acalmia vai cair bem”. “Não, isso pode ser visto como ingerência. O acordo sobre o nuclear no Irão seria uma boa malha”. “Nem penses! É terreno movediço. Não viste a reacção israelita?”. “Mas, afinal, se ele anda pelo Centro Norte-Sul, porque não aborda o estado em que estão as “primaveras árabes?” “É insensato! Seria delicado o homem abordar temas desses. Então ele não disse que vai à Argélia, para a semana?”

Interrompi o simpático ping-pong de dicas, sugestões para o meu primeiro artigo no “Económico”, dizendo àqueles dois amigos: “Vou falar da Europa”. A decepção coreografou-se nas suas caras. Há anos que me andam a ler e a ouvir sobre as sucessivas Europas. No topo das suas estantes, jazem volumes nos quais, sobre o tema, encadernei o ego e contribuí para os saldos editoriais. “O artigo vai ser sobre as divergências dentro do BCE e da Comissão Europeia quanto ao processo de ajustamento em Portugal”. Ganhei a noite! Ambos olharam para mim com um ar surpreendido. O que é que eu sabia que eles desconheciam? Um era um reputado economista, eurocrítico, sempre de “FT” à ilharga. O outro, jurista com sólidos contactos, “bebia do fino” em nichos do poder de turno. Nunca ninguém lhes falara da existência de opiniões diferentes, dentro das instituições europeias da “troika”. No FMI, sim! Esse órgão de Bretton Woods já gerara textos contraditórios sobre Portugal, numa heteronimia bizarra, que deu para manchetes e confusões.

Mas, afinal, que sabia eu sobre as conflitualidades no seio da dupla europeia? Pacientemente, expliquei uma coisa bem simples. Desde logo, no BCE. Quem é, por ali, o único vice-presidente, a figura mais proeminente, e presume-se que preeminente, depois de Mário Draghi? É Vítor Constâncio, não é? Vocês conhecem um socialista português, por mais moderado que seja, que esteja de acordo com o rigor do ajustamento que o BCE impõe no seio da “troika”? Nenhum, claro! Imaginem então o que devem ser as “peixeiradas” no “board” do BCE, com Constâncio a partir a loiça financeira da casa. O que, no futuro, não revelarão aquelas actas! E na Comissão? Já pensaram aquilo pelo que estarão a passar os vários comissários socialistas e sociais-democratas (lá fora, isso é outra coisa, como se sabe), camaradas dos socialistas lusos, os esforços que terão feito para flexibilizarem juros e maturidades, para aligeirar a carga infernal de austeridade que cai sobre os portugueses? É que não haverá só falcões liberais nos comissários que cada país escolheu (fora o país que não pôde escolher) para o representar.

Acabámos a conversa pensando nesses heróis solidários. Gratos mas curiosos.   
Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, novembro 25, 2013

E o Eusébio na seleção?

Hoje, 25 de novembro, algum país deu de si mesmo um patético espetáculo. Apelar ao regresso de Ramalho Eanes? Finalmente, está confirmado que já chegámos à Madeira. Literalmente. E hoje mais não digo.

Escrita

Foi em "A Voz de Trás-os-Montes", um semanário de Vila Real de que há muito sou assinante, que, em 1963, publiquei o meu primeiro artigo num jornal. Há tempos, encontrei-o numa caixa de recortes e, aqui entre nós, não fiquei orgulhoso com o que então escrevi. Ainda estou a ver-me entregar o texto ao padre Henrique Maria dos Santos, que faleceu não há muito tempo, e que então dirigia o jornal. E bem me lembro da expetativa com que aguardei a saída do periódico da tipografia da "Minerva Transmontana", onde o meu amigo Carvalho me tinha revelado, por antecipação, o lugar e o destaque dado. Por ali publiquei, nos oito anos seguintes, e até que a censura do capitão Medeiros me "tirou o pio", muitos outros textos, a maioria dos quais sobre política internacional - que agora me pergunto como seriam lidos numa cidade de Vila Real onde essa área de interesses não devia ser muito desenvolvida.

Depois disso, e por décadas, fui escrevinhando por muitas e variadas folhas, artigos de ocasião, sobre temas internacionais, sobre a Europa e sobre as coisas mais variadas. Mas nunca pude aceitar as ofertas que me fizeram para ter uma coluna, um espaço regular de publicação. Tê-la-ei a partir de amanhã, numa base regular mas com uma intensidade compatível com a vida ocupada que tenho, graças a um simpático convite que recebi do "Diário Económico". Como sempre dizem os empregados dos restaurantes "finaços", depois de descreverem o "amuse-bouche" oferta do chef ou um prato mais sofisticado, "espero que gostem"...

domingo, novembro 24, 2013

Votar com os pés

Como ato final celebratório do lançamento de "A Strategy for Southern Europe", teve ontem lugar um interessante debate no Teatro nacional D. Maria II, que assim prossegue uma inteligente aposta na abertura a diversas outras dimensões culturais. O relatório, da responsabilidade da "London School of Economics", nasce em Portugal associado à faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de que sou consultor.

Moderada pelo jornalista e economista Nicolau Santos, a conversa envolveu José Reis, diretor da faculdade de Economia da universidade de Coimbra, António Costa e Silva, docente universitário e presidente da Partex, os professores do Instituto Superior de Economia e Gestão, João Peixoto e José Maria Brandão de Brito, e eu próprio. Coube-me abrir a sessão com uma análise subordinada ao tema "Portugal numa encruzilhada geopolítica", na qual abordei o modo como o nosso quadro referencial na área externa é marcado pela atual conjuntura económico-financeira.

Foi um debate vivo, no final bem participado pelos membros de um auditório que, mesmo numa tarde de sábado, se sentiram mobilizados por uma discussão sobre o futuro do país, que o relatório agora divulgado ajuda a contextualizar no quadro europeu.

A certo passo da sua intervenção, o professor João Peixoto, especialista em Demografia, notou que, em 2012, saíram de Portugal mais portugueses do que a média anual registada durante a grande vaga migratória portuguesa para a Europa, nos anos 60 e 70. E revelou que, com colegas internacionais, está envolvido num projeto que tem como título "Votar com os pés", significando que, com a sua saída dos respetivos países de origem, esses novos emigrantes assumem já um gesto em si mesmo bem político.

sábado, novembro 23, 2013

Medeiros Ferreira


Medeiros Ferreira acaba de publicar mais um livro, desta vez pequeno em tamanho mas grande na sua valia: "Não há mapa cor-se-rosa - a história (mal) dita da integração europeia". Trata-se de uma reflexão, histórica mas igualmente política, da integração do continente e, muito em particular, da nossa pequena história no processo europeu.

O autor, numa escrita procuradamente distante do registo historiográfico tradicional, começa por abalar algumas teses sobre a integração europeia, explicando que muito do que é "vendido" nesse domínio é como que uma forma de revisionismo otimista, para compor o retrato de uma história que se prende fixar como verdade.

No que toca a Portugal, Medeiros Ferreira é bastante crítico, se bem que muitas vezes realista, em especial sobre as limitações de reflexão estratégica, na gestão do nosso percurso no seio do processo integrador, mas, igualmente, sobre o comportamento dos nossos atores políticos e institucionais.

Ontem à noite, Medeiros Ferreira falou a várias dezenas de pessoas que, na Casa dos Açores, se juntaram para o ouvir refletir sobre estes e outros temas conexos, com o brilho a que nos habituou, com um despreendimento e um "franc parler" que são a sua imagem de marca. Um discurso marcado pela ironia, pela subtileza, pela inteligência, de um homem que está de bem consigo mesmo, de bem com a vida, mesmo para além das partidas que ela sempre nos prega. Foi uma bela e alegre noite!

sexta-feira, novembro 22, 2013

Kennedy e Portugal

John Kennedy morreu há 50 anos. Contrariamente à ideia de que este é um dos momentos da vida em que todos nós sabemos onde estávamos, devo dizer que não tenho a menor recordação de quando soube do assassinato do presidente americano, embora deva ter sido lá por Vila Real. Depois disso, sobre ele e sobre a sua morte, devo ter lido mais do que sobre qualquer outro chefe de Estado americano.

Hoje à tarde, numa palestra que fiz a algumas dezenas de empresários, sobre a política externa angolana e o papel de Angola no mundo e, naturalmente, o futuro das relações com Portugal, lembrei um facto que julgo ser muito pouco conhecido. É sabido que, no início dos anos 60 do século passado, a administração democrática americana, então titulada por Kennedy, promoveu ações de financiamento destinadas às forças independentistas angolana. Mas um facto pouco notado é que os Estados Unidos terão pedido a Israel para formar guerrilheiros para a luta anti-colonial contra as tropas portuguesas, sendo que esses combatentes pertenciam à UPA (União dos Povos de Angola), que depois viria a chamar-se FNLA, e que havia sido responsável por algumas das mais sangrentas ações no Norte de Angola, de que maioritariamente foram vítimas populações civis. Kennedy era, assim, uma "bête noire" do governo português de então e, de facto, outros relatos confirmam a sua profunda hostilidade ao regime de Salazar e, muito em especial, à sua política colonial.

Kennedy deixou na História uma imagem simpática. A sua morte trágica, cedo na vida, naquele dia 22 de novembro de 1963, garantiu-lhe um lugar na mitologia, política e não só, à escala global. Como entre nós aconteceu com Sá Carneiro, o jovem presidente americano ficou registado no imaginário coletivo à luz daquilo que foi o seu passado, como se acaso o seu futuro viesse necessariamente a ser um mero prolongamento desse mesmo passado, e coerente com ele. Ilusões.

quinta-feira, novembro 21, 2013

Michelin

A edição "ibérica", sempre lançada em Espanha, do guia gastronómico Michelin para 2014 distinguiu 12 restaurantes portugueses, mais um que em 2013. Não conheço quatro desses restaurantes, mas os restantes oito que já experimentei merecem bem a distinção que obtiveram. Como se sabe, as "estrelas" vão de uma a três, sendo que Portugal não tem, como nunca teve, nenhum restaurante ao qual hajam sido atribuídas três "estrelas".

Há quatro ideias que retirei da minha longa experiência como usuário deste guia, em vários países:

- nunca fiquei desiludido com qualquer restaurante "estrelado", em qualquer parte do mundo, muito embora, por vezes, tenha discordado do número de "estrelas" atribuídas. Em alguns casos, a relação qualidade/preço pareceu-me menos adequada. Noutros casos, o serviço ou o ambiente não estiveram à altura da comida;

- não obstante a diversidade da tipologia gastronómica das regiões e países, a seleção privilegia um certo padrão de culinária e até de apresentação. Desde há muito que o guia decidiu privilegiar uma certa "escola" de restauração, deixando de lado outros modelos tido por menos sofisticados;

- apenas referindo-me ao caso português, considero existirem alguns outros (não muitos, é verdade) restaurantes que, mesmo perante o critério tradicional do guia, também mereceriam uma "estrela". E, se esse critério fosse alargado, alguns outros poderiam ser reconhecidos. Desde há uns anos que, para compensar esta "fragilidade", o guia recorre à classificação de "Bib Gourmand", para assinalar outras mesas recomendáveis. O facto da oferta destes últimos não seguir o padrão a que antes me referi deve ser a justificação para a sua exclusão do topo da "tabela";

- o guia insere sempre uma escolha de vários outros restaurantes, em cada localidade, para além dos "estrelados". Frequentemente, acho essas escolhas profundamente injustas e arbitrárias. Vale a pena registar que, por exemplo, na zona oriental de Lisboa, "sobrevive" no guia, desde há muitos anos, um restaurante absolutamente medíocre, em comida, ambiente e serviço. Ainda não vi o guia de 2014, mas imagino que ele surja de novo este ano, como que por "usucapião"...

Em Portugal, o guia "ibérico" de 2014 "estrelou", como se disse, 12 restaurantes. Em Espanha, um país que é quatro vezes maior que Portugal, o número de restaurantes com "estrela" é de 172! Sabem qual é a nacionalidade da esmagadora maioria dos "experts" que visitam os restaurantes portugueses? Adivinharam: espanhóis. Sabem quantos "experts" portugueses a Michelin utiliza? Nenhum.

quarta-feira, novembro 20, 2013

Pátria em chuteiras

Foi Nelson Rodrigues, esse genial cronista brasileiro, quem crismou o termo "a pátria em chuteiras", para sublinhar a comunhão de um povo atrás da sua seleção de futebol. Foi assim ontem, nesta qualificação "à portuguesa", tudo muito à última da hora, como é de regra, com o "salvador" do costume. Um alívio! E sempre um orgulho!

Por algum tempo, os desempregados tiveram horas felizes, os reformados esqueceram os cortes cumulativos que aí vêm, os despedidos da "mobilidade" fizeram de conta que não vai ser nada, as novas rendas de casa só são para pagar daqui a dias, os jovens quadros no estrangeiro internacionalizaram o seu patriotismo, a classe média nem notou os novos impostos e a subida da gasolina para o "Toyota". É como "a banda" a passar na canção de Chico Buarque.

Longe de mim desprezar o que ontem se passou. Sem estas alegrias, toda a gente (eu incluído) estaria mais triste e deprimida. Por algumas horas ou dias, as amarguras atenuam-se. E isso é sempre bom. O futebol vale o que vale, mas vale bastante no nosso equilíbrio anímico, como também no universo do imenso mundo que fala português - e isso será sempre um elemento a ter em conta na nossa política externa. Por isso, esta nossa "pátria em chuteiras", não tendo um PIB por aí além, estando esmagada pela dívida e angustiada pela dúvida quanto ao seu futuro, tem agora este "superávite" de remates a apresentar ao mundo. Não é tudo? Graças a um génio madeirense que se chama Cristiano Ronaldo, hoje estamos felizes. E o resto é conversa, para amanhã.

Nesta hora, aqui dos Açores, não quero deixar de prestar homenagem, e mandar um abraço amigo, a alguém que bem gostaria que pudesse acompanhar Ronaldo, lá na frente, no ataque que precisamos de reforçar: Pedro Pauleta. 

terça-feira, novembro 19, 2013

UNESCO

Há cerca de um ano, tomei a decisão de propor a candidatura de Portugal ao Comité do Património Mundial da UNESCO. O nosso país havia saído de um período de grande atividade no âmbito daquela que é uma das mais prestigiadas instâncias da organização: o Fado havia sido consagrado "património mundial", fôramos capazes de convencer o comité da compatibilidade da barragem na foz do rio Tua com o estatuto do Alto Douro Vinhateiro e Elvas e as suas fortalezas obtiveram então esse mesmo estatuto.

A minha proposta foi vista com simpatia por alguns setores em Lisboa. Porém, compreensivelmente, o MNE tinha de a articular com outras prioridades da nossa política externa. A decisão foi-se protelando e eu fui insistindo. Mantive-me um "chato", até ao momento em que consegui "luz verde" das Necessidades. Considerava que, por forma a poder "compensar" a erradíssima decisão política de deixar de ter um embaixador exclusivamente dedicado à UNESCO (eu fora o "herdeiro" dessa decisão, passando a acumular com a embaixada bilateral em França), tínhamos de "dar um salto em frente" e afirmarmo-nos num comité respeitado e influente, um grupo de 21 países por onde passam algumas das mais importantes decisões da organização.

Era este um "presente envenenado" para o meu sucessor, o embaixador Moraes Cabral, tanto mais que eu iria sair de Paris em fevereiro de 2013? Não o entendi assim, interpretei isso como um desafio à altura da excecional competência daquele meu colega, da capacidade de quem foi capaz de levar-nos ao Conselho de Segurança da ONU e, depois, conduzir com brilhantismo dois anos de prestigiante presença naquela instância. Sem uma lógica de continuidade, de alguma ambição realista dos interesses do país, a imagem externa de Portugal esvai-se. Embora com uma estrutura reduzida ao mínimo (por opção política), Portugal dispunha ainda, na UNESCO, de um diplomata muito qualificado, Pedro Sousa e Abreu, além da experiente técnica Teresa Salado. Neste entretanto, essa nossa excelente "massa crítica" conseguiu colocar a Universidade de Coimbra na lista do "património mundial". A ação de Portugal neste âmbito era reconhecida e, além disso, a UNESCO estava ciente da qualidade dos nossos especialistas na área do património, com os quais poderia passar a contar de forma mais ativa.

Portugal foi hoje eleito para o Comité do Património Mundial. É uma bela vitória que a política externa portuguesa fica a dever à sua diplomacia.

Trompe l'œil

Nos tempos da Pide, a seguir a um torturador sanguinário costumava surgir na sala, para grande alívio da vítima, um polícia mais "compreensivo". Surpreendia-se com o que tinha acontecido até aí e lamentava o comportamento do seu colega. Procurava deixar bons conselhos, em especial recomendando denúncias, para poupar mais "aborrecimentos". Coitado, fazia o que podia... Era o famoso "pide bom".

Com a devida ressalva democrática, lembrei-me disto hoje, ao ver anunciado, em parangonas, que 140 mil funcionários são "poupados", graças à generosa intervenção dos deputados da maioria. Que coisa fantástica! Olha se não fossem eles! Que simpáticos!

Alguém se lembrará de perguntar: de quem é o governo que propôs a "sinistra" medida? Não emana da mesma maioria? Mas se era para "recuar", por que não optou o governo por não "avançar" com a medida? Ora essa! Sem isso, a maioria não tinha agora 140 mil eleitores, perdão, pessoas gratas.

Sabem o que é um "trompe l'œil"?

Sus! A eles!

Um dia dos anos 60, atravessado o ferry que liga a shakespeariana Helsingor à sueca localidade de Helsingborg, lancei-me à boleia ainda mais para norte. Cá por coisas, queria ir passar essa "midsummernight" em Falkenberg, lá na fronteira da Noruega. Não era fácil a boleia na Escandinávia, com o meu cabelame latino. Uma boa meia-hora depois, um carro parou. Ao saber-me português, o condutor sorriu e inquiriu: "vem às suecas?" Ali estava eu, exposto, herdeiro involuntário dos Zézés Camarinhas da Albufeira desse tempo, tido por potencial "dragueur" num mar de loiras, quando eu pensava as minhas origens consagradas por outras aventuras em outros mares mais épicos. Não sei o que respondi, no meu hesitante inglês da época. Deve ter sido um "não necessariamente", já treinando a ambiguidade criativa para uma futura carreira.

Saltillo já vai longe, pelo que a rapaziada lusa que logo entrará no estádio de Solna não deve ter tido oportunidade de aproveitar a onda loira local. Gabo-lhes a contenção! Sei que eles não lêem mais que as "gordas" em "A Bola", o "Record" e "O Jogo", quanto mais blogues! Mas a mim apetecia-me repetir-lhes o que Ferreira Fernandes recomenda hoje na sua imperdível coluna: "decidam-se se querem ter o que contar aos netos". É isso: sem suecas à mão de semear, vão-se aos suecos e façam História! Sus! A eles!

Soares & Eanes

O texto de Mário Soares hoje publicado no "Diário de Notícias", saudando a homenagem que vai ser prestada a Ramalho Eanes, acaba por ter um significado histórico, para quem assistiu às profundas divergências entre ambos. Soares e Eanes são as faces civil e militar da luta contra a deriva radical no pós 25 de abril. Ambos se aliaram "ao diabo" para evitar que o PCP e a chamada "esquerda militar" assumissem o controlo do processo político. O 25 de novembro é uma data que lhes é comum. Mas as similitudes ficam por aí.

São dois homens muito diferentes, para o bem e para o mal. Vistos da História, são dos principais fundadores do sistema em que vivemos. 

Soares é um velho "routier" da política. Coerente, procurou desenhar um sistema em favor da preeminência dos partidos, em que o seu PS se sente como peixe na água. Vingou uma geração que sofreu a ditadura e que havia visto a "sua" primeira República vilipendiada por esta. Com a ajuda da direita, conseguiu afastar os militares do centro do terreno político,"civilizando" o regime, com algumas injustiças feitas pelo meio a quem lutou pela liberdade no 25 de abril. Fez as opções certas para o país, no plano da sua modernidade. O saldo é amplamente positivo.

Eanes é um homem diferente, que aprendeu a nadar na água. Sem a cultura política de Soares, cresceu na vida prática, assente numa ética muito própria. Escrupuloso à sua maneira, emergiu de uma rede de alianças militares que chegou a abeirar-se do inimigo. Vistas as coisas com serenidade, pode dizer-se que cumpriu aquilo a que se tinha comprometido, embora tendo deixado alguns amigos pelo caminho, no compromisso trágico em que por vezes se enredou. Mas fez as escolhas que o tempo veio a julgar como globalmente acertadas. No débito histórico, porém, pesa-lhe a aventura patética do PRD, um "justicialismo" à moda da paróquia que, a ter vingado, poderia ter condenado a sobrevivência do regime. Contudo, a História acabará por julgá-lo positivamente.

Ver Soares e Eanes no mesmo e equívoco barco não me entusiasma por aí além, devo dizer. Tanto mais que é uma circunstância que só demonstra o estado de desespero a que o regime chegou.

segunda-feira, novembro 18, 2013

Rui Tavares

Ao fazer a apresentação de Rui Tavares, no debate que com ele tive em setembro na Culturgest, referi a possibilidade, que já então corria, do deputado europeu, eleito nas listas do Bloco de Esquerda, poder vir a criar um novo partido. A hipótese confirmou-se agora. Rui Tavares vai ser a figura de proa do LIVRE (parece que em maiúsculas), uma nova formação que procurará "pescar" em águas políticas próximas da ala esquerda do PS e dos votantes do Bloco que se sentem desiludidos com o atual estado de coisas naquela que já foi a grande novidade na política portuguesa. 

Com exceção desse mesmo Bloco, as aventuras partidárias fora dos "quatro magníficos" não têm tido um grande sucesso, continuando eu surpreendido com o facto de por cá não ter ainda não ter surgido um partido na "direita da direita" - já não sei bem se à direita do CDS ou do PSD. "Na esquerda da esquerda", com o PCP em crescendo e com o evidente declínio do Bloco, o LIVRE terá o seu teste nas eleições europeias de 2014. O surgimento deste partido é uma má notícia para o PS e não terá sido por acaso que os socialistas terão tentado, sem êxito, "cooptar" Tavares. 

Uma nota final sobre a pretendida ideologia ecológica do novo partido. Veremos se é desta que em Portugal é criado um verdadeiro partido ecologista, corrente que tem vindo a ser ridiculamente "representada" por esse eco estridente dos comunistas que dá pelo nome de "Os Verdes".

domingo, novembro 17, 2013

Notícias do Botequim

Ontem, à volta de uma mesa, ouvi histórias deliciosas sobre Natália Correia e o ambiente do Botequim, esse fantástico lugar da noite dos anos 70 e 80. Recordou-se aquele porteiro de cor cadavérica, o Bento, o empregado Bandola, bem como o Carlinhos do piano. Falou-se de Isabel Meirelles, a artista plástica surrealista, sócia de Natália Correia, que bastante encontrei por Paris, e que deu nome ao famoso "bife à Fritz", que era por ali servido. E até se contou a história de um cliente dos Açores, que sempre chegava depois de jantar no Gambrinus, e que, sendo homossexual, revelou um dia que, quando vinha ao continente, tinha uma "dificuldade", porque só aceitava parceiros açoreanos e isso nem sempre era fácil em Lisboa...

Acabado o repasto, deu-me uma de nostalgia e, com amigos, passei pelo Botequim. "Passei" é a expressão exata. Nos breves segundos que estive no bar senti-me como no fado da Amália. É que, de facto, "está tudo tão mudado" que "não vi nada, nada, nada, que fizesse recordar" a Natália Correia. Embora o ambiente parecesse animado, a "onda" não era, definitivamente, a nossa. Abalámos e fomos "dar de beber à dor" a um pouso mais ao nosso jeito. 

B & B

Há bastantes anos que ouvia falar daquele restaurante, situado numa certa capital de distrito, onde não vou muito e onde tinha escassas refe...