De há uns meses para cá, tenho dado por mim a pensar que, em
toda esta azáfama que por aí anda, a propósito das eleições presidenciais, há
uma estranha confusão: nunca foi tão fácil escolher um presidente!
Os últimos dez anos terão instruído os portugueses quanto ao
perfil para o futuro inquilino de Belém. Depois desta última década, a maioria
dos votantes poderá ter já definido o “retrato robot” de um futuro chefe de
Estado. Os leitores, maliciosos, perguntarão: pela negativa? Talvez, mas
aprende-se às vezes mais com os erros do que com alguns exemplos.
Pertenço a um tempo que, em democracia, elegeu Ramalho Eanes
com o encargo de vestir “à paisana” a chefia do Estado, depois de 50 anos de variadas
fardas. E o país deve-lhe isso. Só votei no general “by default”, nunca lhe
perdoei o PRD, mas reconheço o perfil ético que projeta.
Mário Soares, de quem comecei por não ser entusiasta, acabou
por ser a minha alegria na política. Presidente com governos adversos, soube gerir
magistralmente as tensões e proteger o regime, prestigiou o nome de Portugal,
identificando-se pelo mundo como o verdadeiro presidente de abril. Olhando para
os que hoje o detestam, fico ainda mais satisfeito em tê-lo ajudado a eleger.
Sou bastante suspeito em relação a Jorge Sampaio. Não sendo
da sua geração etária, sinto-me da sua geração política, revejo-me nele como
raramente me aconteceu com uma qualquer outra figura da nossa vida cívica,
felicito-me por pertencer a um país que teve a sabedoria de lhe entregar os
destinos da presidência por uma década.
Depois de Sampaio, transcorreram já dez anos. Anos que acabam
por ser úteis, porque, em democracia, desde que saibamos aprender, todas as
lições têm a sua importância, não obstante o seu preço.
O que queremos num futuro presidente, homem ou mulher?
Desde logo, queremos ver nele atitude e sentido democráticos,
independência, respeito pelos partidos, uma observância inteligente da
Constituição da República, não como um manual de instruções de um
eletrodoméstico, mas como um permanente referencial cívico, uma agenda de
valores, a moldura maior de um projeto de esperança. O presidente, respaldado
na legitimidade unipessoal única do voto direto, tem de ser visto como uma
espécie de “provedor” do povo. Como se dizia noutro tempo e noutro contexto, os
portugueses merecem ter em Belém “um amigo”.
Um futuro presidente tem de ser alguém que nos orgulhemos de
ter como imagem do país, pela sua cultura, pela estatura que nos eleva “lá
fora”, pelo respeito que atrai para o nome de Portugal.
Quer-se também um presidente que, em todas as situações, seja
a imagem da transparência, da lisura de processos, a ética feita pessoa – e
assim reconhecida pelos outros. Alguém que não somatize ódios e frustrações,
que não “jogue” para as escassas linhas que deixará na História, que não viva
para “ter razão” mas que consiga efetivamente ser útil ao país e aos
portugueses.
Um nome para reunir essas qualidades? Isso é um detalhe. O
importante é consensualizar o perfil. Portugal não se pode dar ao luxo
institucional de voltar a ter uma década como aquela que passou.
(texto de um artigo que hoje publico no "Diário Económico")