Anda por aí um debate em torno da pessoa que Portugal vai indicar a Jean-Claude Junker, para integrar a próxima Comissão europeia. O debate alarga-se à pasta que esse futuro comissário pode vir a ter. O primeiro-ministro disse não querer tomar a sua decisão sem ouvir o líder da oposição e este, depois dessa conversa, voltou a afirmar que Portugal deve ter uma pasta que permita defender os interesses de Portugal. Resta saber o que isso significa e a melhor maneira de concretizar esse desiderato.
Nos seus 26 anos de presença nas instituições europeias, Portugal teve quatro membros da Comissão Europeia: Cardoso e Cunha, Deus Pinheiro, António Vitorino e Durão Barroso, este último por 10 anos, embora não escolhido pelo país, mas selecionado pelos líderes europeus. Nomes do PSD estiveram na Comissão em 21 dos 26 anos que Portugal leva de presença europeia. O PS apenas nomeou António Vitorino entre 1999 e 2004.
A escolha do comissário nacional resulta sempre de um entendimento entre o governo de cada país e o presidente indigitado da Comissão. É um processo complexo, porque, muitas vezes, as pastas que estão disponíveis e são propostas a um país exigem uma qualificação técnica que os nomes que esse mesmo país pretende indicar não possuem. Por outro lado, as várias pastas estão longe de terem a mesma importância. Os portfolios ligados às "políticas comuns" ou às áreas em que a Comissão tenha poderes delegados de natureza condicionante da vontade dos governos são, naturalmente, as mais importantes. E os vários países têm uma capacidade muito diversa para pressionar o presidente da Comissão para obterem aquilo que pretendem. Ou alguém acha que a Alemanha, a França, o Reino Unido ou a Itália não vão obter um bom portfolio? Ou, se o não conseguirem, que não serão compensados com lugares cimeiros, como os de presidente do Conselho europeu, presidente do Eurogrupo, Alto representante para a Política externa e outros postos chave da máquina comunitária que estão sempre sobre o tabuleiro, na Comissão ou no Conselho?
Custa-me ter de dizer isto, mas é importante deixar claro que a coreografia do primeiro-ministro e do líder da oposição sobre este assunto, revestida de um ar de consenso europeu, deve ser lida como um simples esbracejar político, num quadro de forças em que ambos sabem que são um dos elos mais fracos. Portugal tem hoje muito poucos argumentos e (lamento dizê-lo) muito escasso prestígio na grande mesa europeia e, estranhamente, vai ter ainda de "pagar", aos olhos de muitos, a década de Barroso à frente da Comissão. Não faço a menor ideia daquilo que Juncker possa já ter dito a Passos Coelho (salvo que gostaria que Portugal indigitasse uma mulher, para cumprir o "politicamente correto"), mas, atendendo ao perfil de afirmação que Portugal tem tido nos últimos anos na União europeia, não estou a ver Lisboa a "levantar a voz" junto de Juncker ou a atrever-se a "dar um murro na mesa" do Conselho europeu para ser compensado por qualquer meio por um lugar menos apelativo na Comissão. Temo que, na melhor das hipóteses, se contente em negociar uma qualquer direção-geral ou colher uma promessa compensatória num outro dossiê.
Há um erro clássico neste tipo de escolhas: procurar obter uma pasta ligada diretamente aos interesses do país. Foi assim que Cavaco Silva fez com Cardoso e Cunha e com Deus Pinheiro - e foi um total fracasso para os nossos interesses. Não foi isso que António Guterres fez com António Vitorino, que acabou por obter uma pasta sobre uma temática que era nova e de natureza neutra, o que deu como principal saldo a (justa) consagração do prestígio pessoal do comissário. Um comissário perde, de imediato, a sua capacidade de influenciar o Colégio de comissários quando é pressentido como utilizador da pasta que lhe foi atribuída para defender os interesses diretos do país que o indigitou. A União europeia é um jogo cruzado de interesses, mas há regras de gestão do cinismo comunitário que devem ser cumpridas.
O que importa, então? Para um país como o nosso, seria muito positivo se pudéssemos obter uma pasta que tratasse de questões que fossem vitais, não diretamente para Portugal, mas para o maior número possível de outros Estados, numa "política comum" que, nos próximos cinco anos, obrigasse muitos a ir "bater à porta" do comissário por nós indicado. Só assim se abriria a porta às "marchandages" que poderiam vir a beneficiar os nossos interesses. Não quero nem posso ser mais explícito, mas quem anda no mundo europeu já deve ter percebido o que pretendo dizer. É fácil conseguir isto? Nada do que importa é fácil, mas a qualidade do exercício da política é assim que se mede.