quarta-feira, novembro 09, 2011

Feriados

A igreja católica portuguesa acaba de anunciar que "aceita a mudança de data de dois feriados religiosos se o Governo renunciar a outros dois civis".

Devo dizer que nunca esperei assistir, em dias da vida, a uma "marchandage" deste teor. Mas já nada me espanta!

No que me toca, que fique claro: como feriados oficiais ou como dias descontados nas minhas férias, comemorarei sempre, nessa exatas datas, o 25 de abril, o 1 de Maio*, o 10 de junho, o 5 de outubro e o 1 de dezembro. Feitios!

Em tempo: Quase simultaneamente, Otelo Saraiva de Carvalho "ameaça" fazer uma nova Revolução. Perdoai-lhes, senhores, que não sabem o bem que fizeram! 

*Um anónimo lembrou-me - tinha-me esquecido! - o 1 de maio! Era só o que faltava eu não o comemorar...

Manuel da Cruz

Chama-se Manuel da Cruz, tem 45 anos, foi ontem condenado em França a prisão perpétua por um assassinato, antecedido de violação, ocorrido em 2009. Já antes tinha cumprido uma pena de prisão de 11 anos, por outra violação. Manuel nasceu em Portugal, veio para França aos 7 anos, com uma irmã, juntar-se aos pais que, ao que agora se sabe, os sujeitaram a uma adolescência de violência doméstica. É casado há 23 anos com Maria, teve dois dos seus quatro filhos e, não obstante um registo constante de violência e alcoolismo, seria um excelente pai.

Manuel da Cruz, hoje francês, é um compatriota nosso, um homem que por aqui escolheu o lado errado da vida. Nas notícias que referem este caso, a origem portuguesa de Manuel da Cruz aparece sempre como lateral. É que Manuel da Cruz está, não apenas muito distante da imagem que a França conserva da comunidade portuguesa, mas é exatamente o seu oposto. E é também por essa razão que o embaixador de Portugal, com toda a serenidade, aqui refere hoje esta história singular. E triste.

terça-feira, novembro 08, 2011

Construção

Impressiona observar a serena determinação dos industriais portugueses que ontem visitei no "Batimat", a mais importante exposição de materiais de construção de França e uma das maiores da Europa. Nos 66 stands ocupados por empresas de capitais portugueses - Portugal é o quatro país com mais expositores - fui confrontado com produtos de um nível que pede meças aos seus congéneres internacionais e que, cada vez mais, conseguem ser altamente competitivos num mercado europeu cada vez mais rigoroso. E em todos eles pude testemunhar uma vontade firme e uma combatividade para lutar pelo futuro das suas empresas, na consciência de com isso estarem a contribuir para um melhor futuro do país, não obstante a plena perceção das dificuldades que atravessamos.

A imagem profissional dos portugueses em França continua muito ligada à construção civil, desde os tempos heróicos do "bâtiment", que a partir do século passado empregou muitos milhares dos nossos compatriotas aqui imigrados, até aos dias de hoje, em que uma imensidão de empresas de construção civil de propriedade portuguesa progridem no tecido económico francês, sempre rodeadas de uma aura de grande prestígio e rigor. Nesta feira, pude constatar a ligação que crescente entre empresários vindos de Portugal e firmas de capital português ou não que já operam em França, em áreas muito diversas, desde os materiais de construção mais simples a muito sofisticadas tecnologias e design. Outras empresas nacionais, cientes da realidade atual do nosso mercado, voltam-se elas próprias autonomamente para o espaço económico francês, criando ou adquirindo marcas locais.

A visita que ontem fiz à "Batimat", acompanhado de associados da CCIFP (Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa), serviu para potenciar esta ligação entre operadores do setor sediados em ambos os países, os quais, no seu todo, como bem salientou o presidente da CCIFP, Carlos Vinhas Pereira, ajudam a demonstrar que "construtor português" é já um símbolo consagrado de trabalho de qualidade. 

Rio

Este blogue não tem, como vocação, mostrar fotografias, por mais espetaculares que sejam.

Hoje, abro uma execeção para uma imagem, verdadeiramente única, que me foi enviada por André Jordan, a quem agradeço.

segunda-feira, novembro 07, 2011

"Call me God"

Por um motivo que não vem ao caso, organizei ontem um almoço na Embaixada com uma dezena de personalidades britânicas que, de comboio pelo túnel, vieram de Londres, regressando a meio da tarde. A insularidade britânica, de facto, já não é o que era.

Um dos presentes lembrou, simpaticamente, uma condecoração inglesa que possuo (aliás, a única), "Companion of St. Michael and St. George" (vulgarmente designada por CMG). Se, como aqui referi, os franceses levam as condecorações muito a sério (a prova dessa importância é o facto, que tenho provado à saciedade, de, com elas exibidas, se arranjarem muito melhores mesas em restaurantes...), os britânicos mantêm um reverencial respeito por essas distinções. E, ontem, alguns desses amigos ficaram surpreendidos por eu ser possuidor dessa condecoração.

É importante começar por relativizar estas coisas. Para um cidadão britânico, poder obter uma condecoração como aquela implica quase uma vida inteira de esforço e reconhecimento público. No meu caso, foi muito simples: estava no lugar certo no momento certo, isto é, era ministro-conselheiro na Embaixada portuguesa em Londres durante uma visita de Estado, ocasião em que, vulgar e rotineiramente, se trocam condecorações. O meu mérito é, assim, quase nulo. Não digo isto com falsa modéstia, mas apenas porque é pura verdade. Mas, talvez porque me "esqueci" de os informar do caráter fortuito da minha distinção, os meus visitantes estavam genuinamente impressionados com a alta condecoração que a sua soberana me atribuíra.

As condecorações têm, contudo, à sua volta, histórias curiosas. Uma das personalidades não deixou de lembrar que, no histórico humor britânico, um possuidor de um CMG está como que a apelar a "Call me God" (outro, mais ácido, lembrou que, no tempo do Império, a designação era menos suave: "Colonial made Gentleman"). E logo lembrou que, na categoria imediatamente acima, a de "Knight Commander of St. Michael and St. George", pode-se mesmo dizer que "King calls me God". Ainda se, por um bambúrrio, alguém tiver obtido o grau máximo dessa ordem "Grand Cross of St. Michael and St. George", então teria mesmo o direito de afirmar "God calls me God"... Resta dizer que quem tiver o KCMG ou o GCMG tem direito a ser chamado por "Sir", coisa que, no meu caso, só consigo ouvir, da boca dos porteiros, à entrada nos hotéis britânicos...

Para alguns, estas são as coisas com que os diplomatas se divertem. Para nós, que andamos nesta vida, estas fazem parte das graças que alimentamos nos intervalos do trabalho que fazemos para benefício dos interesses desses alguns...

A opinião do "Público"

O "Público" decidiu mudar alguns dos seus colunistas, o que é sempre saudável e refrescante num órgão de comunicação social. E assume que o faz para garantir a "necessidade de respeitar o equilíbrio e pluralidade das várias sensibilidades e tendências de opinião na sociedade portuguesa". Como jornal privado, o "Público" está no pleníssimo direito de convidar quem quiser para nele escrever. Até podia, se assim apetecesse a quem o dirige, escolher apenas colaboradores de uma única lateralização ideológica. O "Público", apesar do nome, não tem o dever de se sujeitar às regras de pluralismo do "serviço público". Mas fá-lo e isso é louvável.

A liberdade, que não o direito, que assumo pela minha qualidade de leitor e admirador do jornal desde a primeira hora (embora já nele tenha havido bem melhores dias, devo confessar), que sou e continuarei a ser, leva-me a dizer que a continuação da insistência na presença, como "colunistas", de figuras no exercicio ativo de funções político-partidárias (algumas das quais meus amigos, outras pessoas que muito respeito, pelo que estou mais à vontade para dizer o que digo) é um fator que, não só pouco acrescenta ao jornal, como é mesmo um pouco redutor, independentemente da indiscutível qualidade pessoal, intelectual e de escrita, dos eleitos. É óbvio que muitas dessas pessoas não são, nem serão, meros "porta-vozes" partidários, que algumas delas até podem não estar em consonância constante com as direções das forças políticas a que pertencem, mas, na minha opinião, que não é, pelos vistos, a opinião do "Público", estaremos sempre perante perfeitamente dispensáveis "tempos de antena" partidários. Ainda por cima, pagos.

E, de passagem, num outro contexto similar, permitam-me que lembre o que escrevi aqui.

domingo, novembro 06, 2011

Durmam bem!

Nem mais, nem menos!

"O 'duopólio' franco-alemão tanto resulta da natureza intergovernamental dos denominados processos de resgate (onde a dimensão dos fundos requeridos só pode vir dos orçamentos nacionais, atentas as limitações do orçamento europeu), como da timidez e inércia das próprias instituições europeias. Daí a necessidade de, num curto prazo de tempo, adotar as soluções que permitam que o processo decisório europeu não seja capturado por um grupo de Estados e que as decisões tomadas, porque dependentes de decisões nacionais, em regra dos respetivos parlamentos, possam beneficiar dessa legitimação democrática em tempo útil para produzirem os efeitos pretendidos".

António Vitorino, no "Expresso" (5.11.11)

sábado, novembro 05, 2011

Os herdeiros do défice

Os excessos de endividamento são uma pecha que atravessa o mundo. Já agora, diga-se, não apenas em Portugal, como creio que os últimos debates europeus bem demonstram. Em França, o primeiro-ministro anunciou ontem que o orçamento de 2012 será um dos mais mais rigorosos desde o pós-guerra.

A dívida pública, além de ter um peso nos défices anuais, porque neles incide o respetivo "serviço", isto é, os juros que há que pagar em cada ano, transmite-se para as gerações seguintes, que serão obrigadas a liquidar parte dos encargos anteriormente assumidos. Por isso se assume, numa "convenção" que é vulgarmente aceite, que uma dívida equilibrada para um país é a que não exceda, por regra, 60% do PNB (produto nacional bruto). Mas, vale a pena repetir, nenhum país deixa de ter a criação de dívida como fazendo parte da sua estratégia de gestão financeira. O défice faz parte da vida das nações.

Vistas as coisas de uma forma simplista, pode parecer "criminoso" estar a assumir despesas que serão os sucessores desta geração a pagar. O argumento tem, contudo, uma ligeira fragilidade. É que, no caso de se tratar de despesas de investimento, essas gerações futuras, quando assumirem a sua responsabilidade temporal de gestão do país, lá encontrarão, já construídas e utilizáveis, as autoestradas, as universidades, os hospitais e outros equipamentos, que não necessitarão de ser elas a fazer e a custear na totalidade. E se acaso parte desses investimentos foram bem canalizados para melhores e mais generalizados sistemas de saúde ou de ensino, então fácil é concluir que essas gerações também já beneficiaram parcialmente de tais investimentos, quer por usufruto direto ou por formação adquirida, pelo que tem lógica e justiça que também contribuam, embora de forma apenas residual, para a sua liquidação espaçada no tempo. Por isso, o argumento emocional e piedoso dos "encargos para as gerações vindouras", muito presente em certos discursos, deve ser moderado pela razão e pelo bom-senso.

Pensem nisto!

Aristides Sousa Mendes

Uma conversa com João Crisóstomo, o indefectível defensor da memória de Aristides Sousa Mendes nos Estados Unidos, que aqui anotei há semanas, trouxe-me à evidência a questão do estado deplorável da preservação da residência do antigo diplomata, em Cabanas de Viriato. 

Não fui o único a chocar-me e, por essa razão, integro um grupo de pessoas que hoje divulga no jornal "Público" uma texto-alerta.  Assinei-o porque me parece muito justa a posição tomada e também, no meu caso pessoal, porque considero que, depois de tantos anos e de tantas boas-vontades mobilizadas e desperdiçadas, estamos perante um verdadeiro escândalo, onde se misturam incúria, incompetência e o exacerbamento de alguns egos. A memória de Aristides Sousa Mendes não é propriedade de ninguém e muito menos o poderá ser de alguns que, nada fazendo, nada deixam que nada se faça. Quem assim procede não parece entender que está a fazer o jogo objetivo dos inimigos póstumos do diplomata - e, podem crer, eles não são poucos.

Aqui fica o texto do artigo hoje publicado, sob o título "Em defesa da Casa do Passal, de Aristides Sousa Mendes":

Não é possível aceitar o estado de extrema degradação em que se encontra a Casa do Passal, situada em Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal. Uma situação tanto mais indigna, porquanto se encontra classificada como património nacional.

Falar do Passal é lembrar a figura notável de Aristides de Sousa Mendes, «o cônsul de Bordéus», como ficou conhecido,  que, de Novembro de 1939 a fins de Junho de 1940, contrariando as ordens de Salazar, concedeu vistos a cerca de 30.000 refugiados, de diferentes nacionalidades, 10.000  dos quais judeus, salvando-os da perseguição das tropas nazis que haviam invadido a França. Um acto desinteressado, e nas suas palavras, «inspirado  única e exclusivamente nos sentimentos de altruísmo e de generosidade», mas que, paradoxalmente, lhe mereceu uma severa punição. 

Sousa Mendes não foi "o Schindler português" como, muitas vezes, se afirma. Com efeito, o seu procedimento não teve outra «recompensa» senão a «satisfação da [sua] consciência», e da desobediência às instruções de Salazar, que não permitiam «dar vistos a cidadãos dos países já ocupados pelos alemães» e em caso algum «a Judeus, Russos, Polacos, Checos e os sem-pátria», resultou o seu afastamento compulsivo da carreira diplomática e a impossibilidade de exercer a advocacia, situações que se repercutiram dramaticamente na Família, aliás numerosa, e que o apoiara no trabalho exaustivo da emissão de vistos. Sousa Mendes não elaborou uma qualquer lista de gente a salvar; disse sim a quantos, desesperadamente, o procuraram, indo para além das suas possibilidades. Testemunham-no a memória de documentos e de descendentes de refugiados salvos. Em carta dirigida ao embaixador do Brasil, pedindo-lhe que intercedesse em seu favor, ditou ao seu filho Luís Filipe: «Esperava eu que, terminada a guerra, Salazar reconsiderasse a sua injusta decisão, mas tal não sucedeu, encontrando-me eu actualmente não só na mais cruel miséria com a minha numerosa família, mas gravemente doente». (Figueira da Foz, 7-9-1945).

É esta Casa, espaço alicerçado na memória histórica, que ameaça ruir por completo, caso não se proceda a intervenções, neste momento, inadiáveis. A saber: execução de uma cobertura provisória e medidas provisórias de estabilização estrutural. Surpreendente é o facto de estes 2 projectos já existirem desde 2010, por iniciativa do Eng. Vítor Cóias, Presidente do GECoRPA – Grémio do Património (www.gecorpa.pt), uma associação sem fins lucrativos que defende a excelência na recuperação e reabilitação do património.  Estes dois projectos foram entregues à Câmara de Carregal do Sal e encontram-se ambos aprovados (2010) pelo IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico). Também em 2010, Francisco Manso realizou um documentário sobre a Casa do Passal, que está disponível  na internet, em português e em inglês. Refira-se ainda que a Direcção-Regional da Cultura Centro está a preparar o caderno de encargos para a cobertura provisória  e  para os trabalhos de consolidação, com base nos projectos do Eng. Vítor Cóias. 

Perante a situação de intolerável abandono a que está votada a Casa do Passal, onde viveu Aristides de Sousa Mendes com a sua família, um grupo de cidadãos, certamente acompanhado por todos os portugueses, e não só, apela à Fundação Aristides de Sousa Mendes (www.fundacaoaristidesdesousamendes.com) que, em articulação com a Câmara de Carregal do Sal e outras Instituições, actue rapidamente, envidando esforços para a concretização dos 2 projectos  acima  referidos  que,  necessariamente, exigirão a intervenção de mecenato. 

Assinam este texto:

Maria do Carmo Vieira (professora do Ensino secundário), Vítor Cóias (engenheiro e presidente da GECoRPA), António Barreto (professor), António Monteiro (embaixador), Francisco Seixas da Costa (embaixador), D. Januário Torgal Ferreira (bispo), Iva Delgado (presidente da Fundação Humberto Delgado), Gastão Cruz (poeta), João Pombeiro (director da Revista LER), Pedro Tamen (poeta e tradutor), Pedro Mexia (escritor), Carlos Calvet (arquitecto e pintor), Isabel Allegro de Magalhães (professora universitária), Teresa Cadete (professora universitária), Rui Baptista (professor universitário), Emília Nadal (pintora), Maria Filomena Molder (professora universitária), Jorge Molder (fotógrafo), Emanuel Pimenta (músico e compositor), Teolinda Gersão (escritora), Inês Pedrosa (rscritora), Fernando Ornelas Marques (professor universitário), Santana Castilho (professor universitário), Joshua Ruah (médico), José António Melo Gomes (médico), João Carlos Alvim (editor), Carlos Fragateiro (encenador), Guilherme Valente (editor da Gradiva), Maria Amaral (pintora), Maria João Cantinho (poetisa e professora do ensino secundário), Maria do Carmo Abreu (tradutora), Rui Zink (escritor). 

sexta-feira, novembro 04, 2011

Piris e a Europa

Há meses, a propósito de um jantar que com ele e alguns amigos comuns tive aqui em Paris, escrevi neste blogue sobre Jean-Claude Piris, o antigo chefe do serviço jurídico do Conselho da União Europeia, que agora ensina em Nova Iorque e que, por décadas, foi o arquiteto-mor das instituições da Europa.

Ontem à noite, a propósito das questões institucionais que se colocam à Europa no auge desta crise, lembrei-o durante uma conversa, por ter a certeza que a sua opinião, neste tempo de incerteza, seria muito bem-vinda. Pois ela aí está, hoje, no "Financial Times", num artigo que é reproduzido aqui.

O que Piris propõe como solução institucional imediata, em síntese, é uma "cooperação reforçada" em torno dos componentes da "eurozona", na óbvia inviabilidade de uma reforma tempestiva do Tratado de Lisboa.

O texto termina com uma verdade como punhos: "As soluções estão disponíveis. O que falta é vontade política". Claro.

quinta-feira, novembro 03, 2011

Europeus e europeus

Ontem à noite, ao observar a conferência de imprensa do presidente Sarkozy e da chanceler Merkel, em Cannes, na qual ambos se pronunciaram sobre as consequências da crise grega para o projeto europeu, dei por mim a pensar nos diferentes europeus que somos.

Um cidadão alemão ou francês ouve o chefe do executivo do seu país a dar mostras de autoridade sobre o processo económico-financeiro europeu, notando que a palavra desses dirigentes pesa nas decisões que a Europa toma, conta mais do que a de outros para a formulação da vontade política coletiva, seja ela qual for. Assim, ao votar nas suas eleições nacionais, ao escolher um líder para o representar, ou um parlamento para eleger esse líder, esse cidadão, alemão ou francês, sabe que essa pessoa vai ter ao seu dispor uma força capaz de assumir, com eficácia, pelo menos relativa, o interesse do seu país no quadro externo.

Coloquemo-nos agora no lugar de um cidadão grego. Desde há anos, vê regressar o seu líder, chegado das reuniões de Bruxelas, ajoujado sob o peso de decisões que teve de aceitar, debaixo da pressão de uma situação económica muito preocupante, com a vida social do seu país a degradar-se dia após dia. Esse cidadão, ao ser chamado a votar, percebe que, eleja ele quem eleger, o poder desses seus representantes será sempre, à partida, muito limitado, em particular no tocante à influência que pode vir a ter nas decisões tomadas em instâncias coletivas externas, contudo com forte impacto sobre seu país. 

O que quis significar com o que atrás escrevi foi o facto de haver hoje um sério problema de legitimidade política à escala europeia. Na História, sempre houve uma hierarquia de poderes nacionais, derivada da força relativa dos Estados. O essencial das decisões que importavam aos Estados permanecia, no entanto, no seu seio, onde a soberania era exercida em quase plenitude.

Nos seus primeiros tempos, o modelo europeu de integração, ao ter preservado a unanimidade, para o essencial das decisões, equiparava os Estados, que assim exerciam um (pelo menos teórico) direito de veto. E até mesmo nas questões que já eram decididas por maioria qualificada era preservada, por uma espécie de "gentlemen's agreement" (o famoso "compromisso do Luxemburgo"), a possibilidade de invocação do "interesse vital". A Europa parecia ter encontrado um modelo equilibrado de expressão desses poderes onde, não deixando de tomar em conta a importância real de cada um, era gerada uma expressão moderada da resultante coletiva, que se projetava sobre todo o grupo. 

Em poucos anos, esse mundo europeu, movido por uma incontrolável ânsia de eficácia, mudou. E mudou precisamente num tempo em que muitas das funções de soberania passaram a ser "partilhadas" (o que era uma realidade passou a eufemismo) a nível europeu. Ora quando, dada a extrema sensibilidade das questões em causa, a lógica apontaria para que houvesse um cuidado ainda maior na capacidade de cada Estado preservar algum controlo de interesses próprios de soberania, aconteceu precisamente o contrário: alguns Estados perderam, pelos tratados ou pela prática, uma capacidade mínima de determinar o seu futuro. A evolução dos últimos tempos, com a trágica diluição do poder comunitário independente que a Comissão Europeia era obrigada a representar e com a emergência de uma intergovernamentalidade com um brutal desequilíbrio dos poderes dos Estados, acaba assim por relevar na praça pública, de forma quase cruel, a legitimidade diferenciada dos decisores políticos de cada Estado.

Tudo isto é muito perigoso para a democracia. Como se está a ver na Grécia.

Serviço público

Acabo de conhecer o início do alinhamento noticioso do telejornal da RTP, das 08.00 horas de hoje:

- Futebol
- Trânsito
- Crise financeira europeia

A RTP está de parabéns: deve ter entrado no "Guiness Book of Records".

quarta-feira, novembro 02, 2011

Erros

Nos últimos dias, os governos alemão e irlandês descobriram erros contabilísticos que acabam por reduzir a sua dívida face àquilo que era previamente estimado. 

Que bom seria se, também entre nós, alguém se tivesse enganado no mesmo sentido... Não se pode procurar melhor?

Liberdades

Há dias, falámos aqui das ações de grupos integristas católicos que tentam pôr em causa a liberdade de expressão no Théâtre de la Ville, em Paris, a propósito de uma peça aí representada.

Na noite de ontem, e na óbvia sequência da abordagem irónica de temas islâmicos no último número da publicação humorística "Charlie Hebdo", as instalações deste jornal, também em Paris, foram incendiadas.

O radicalismo religioso integrista tem ser combatido com todas as armas da liberdade, a principal das quais é a lei. A mesma lei que agora impede que Julien Assange, o fautor do WikiLeaks, se não socorra do falso argumento da defesa da "liberdade de informação" para escapar a um outro processo criminal, por acusações de outra natureza, movido num Estado que, como a Suécia, tem um sistema judicial acima de toda a suspeita.

Cada coisa no seu sítio.

terça-feira, novembro 01, 2011

Guimarães

Participei, no passado sábado, na (minha) primeira reunião do Conselho geral da Fundação cidade de Guimarães, que prepara Guimarães 2012 - capital europeia da Cultura. Foi, para mim, um momento importante, porque me permitiu perceber o trabalho sério que, desde há muito, está a ser feito naquela cidade para pôr de pé um programa, não apenas de eventos culturais, mas igualmente de valorização e reabilitação de equipamentos públicos. Pena é que, por ora, o país tenha tido uma imagem do evento baseada em caricaturas distorsoras, feitas de "fait-divers".

Não creio estar a cometer uma indiscrição se disser aqui que, na intervenção que fiz, alertei para o facto desta iniciativa, ao ir ter lugar ao longo do difícil ano que 2012 vai ser para Portugal, se colocar como que em "contra-ciclo" com um certo ambiente que então se vai viver. E como a tudo isso, num país como o nosso, se somam sempre más-vontades, invejas e sectarismos, agora adubados num caldo de miserabilismo populista, de que alguns media se fazem zelosos polícias, devemos estar preparados para um tempo que exigirá, da parte da organização, grande rigor e um sentido de medida excecional.

Guimarães 2012 é um projeto magnífico, servido por gente dedicada e competente, que prolonga uma vontade que tem na Câmara municipal da cidade um sólido apoio. Não se trata apenas um projeto local, paroquial ou de capelinha. É uma iniciativa de dimensão nacional, da qual pode e deve resultar um prestígio acrescido para Portugal no exterior. Porque não tenho receio de brincar com as palavras, direi que Guimarães deve conseguir provar ao mundo, com orgulho, que, em 2012, há mais vida em Portugal para além da "troika".

Referendo grego

Não estou no segredo dos deuses, mas imagino que os líderes europeus, ao aprovarem, na passada semana, as importantes decisões financeiras que se projetam sobre a Grécia, não faziam a mais leve ideia de que o respetivo governo podia vir a ter a intenção de levar a cabo um referendo para legitimar internamente a respetiva aceitação. A reação dos mercados a esta decisão grega foi a que seria de esperar.

Há um "drama" com que a Europa tem de viver, por muito que lhe custe ou que até lhe possa vir a custar o futuro: a democracia interna dos seus Estados. Já aqui falei disso há semanas. Os equilíbrios de cada sistema político, as diferentes realidades nacionais e a sua difícil compatibilidade (em especial, temporal) com a dinâmica global dos mecanismos da União Europeia tornam o dia-a-dia do projeto integrador numa caixa de surpresas. Às vezes, não as melhores, como é, flagrantemente, o caso.

As frases e os mitos

Na memória coletiva sobrevivem, por vezes, expressões que, não tendo nunca sido pronunciadas, passaram a constituir-se como mitos. Recordo o "play it again, Sam", que Rick nunca disse no "Casablanca", ou o "elementary, my dear Watson", que ninguém encontrará, posto na boca de Sherlock Holmes, em nenhuma linha de Conan Doyle. 
 
O debate político também se faz, muitas vezes, em torno de alguns desses mitos: Salazar nunca proferiu exatamente a frase "para Angola, rapidamente e em força", contrariamente ao que muitos portugueses pensam.

Vem isto a propósito da circunstância de, desde há muito, ter visto atribuída uma frase ao antigo presidente da República, Jorge Sampaio: "há mais vida para além do défice". À volta desta frase tem emergido, ao longo dos últimos anos, uma imensidão de comentários. Porque tinha curiosidade em perceber o que fora efetivamente dito (e o contexto em que o fora, o que não é despiciendo), fui à procura do texto verdadeiro. E o que é que descobri?

Primeiro, Jorge Sampaio nunca terá proferido a frase "há mais vida para além do défice". 

Segundo, a frase verdadeiramente dita pelo antigo presidente - "há mais vida para além do orçamento" - foi proferida num contexto específico que merece ser ponderado:

"Mas como já disse, o problema orçamental da economia portuguesa, merecendo embora exigente e necessária atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores. Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno, inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados internacionais."

Alguém discorda?

Para alguns, "os fins justificam os meios". O diabo é que também esta frase nunca foi, contrariamente ao que a História acolheu, escrita por Maquiavel...

segunda-feira, outubro 31, 2011

Almoço

Há almoços gratificantes. Foi o caso de ontem, aqui em Paris. Memórias de vidas muito diversas, cruzadas por imagens de amigos ou conhecidos mútuos, recuperação de episódios vividos ou escutados, num fundo de sentimentos subliminarmente partilhados, numa sintonia geracional construída através de percursos diferentes, por onde desfiaram coisas da política e dos vários trilhos cívicos de gentes de hoje e de outros tempos, no culto algo anárquico daquilo que um autor brasileiro qualificou bem como "as minhas histórias dos outros". No fundo, são momentos como esses que, um dia, nos levarão a dizer: "lembras-te daquela bela almoçarada, com fulano e beltrano?". Afinal, as coisas boas da vida podem ser bem simples. Haja saúde. E fraternidade, claro!

Greenwich

A imprensa francesa refere que o governo britânico está a pensar introduzir, em 2012, um alinhamento com a hora do centro da Europa, abandonando a referência ao (seu) meridiano de Greenwich. Já nada é o que era, nem mesmo na velha Inglaterra...

Recordo que uma discussão similar teve lugar, um dia, no seio do governo português, nos idos de 1996. E que, contra algumas opiniões, prevaleceu a tese de que deveríamos manter a atual diferença face ao centro do continente. Se Londres deixar de servir de referência, será que, em Portugal, o tema vai também, de novo, ser repensado?

Diplomacia em tempo de crise

Agora que a chamada "diplomacia económica" está na ordem do dia das conversas e das decisões, apetece-me recordar aqui um texto que sobre o assunto publiquei, em maio último, na revista da AICEP, "Portugal Global", sob o título em epígrafe.

"Não há muito tempo, um colega de um país do norte da Europa, cujo tecido económico foi bastante menos tocado pela crise internacional, perguntava-me de que modo a nossa diplomacia se estava a adaptar ao tempo de exigência acrescida que o país atravessava. A sua curiosidade tinha a ver, não apenas com a possibilidade de estarmos a encarar uma melhor adequação do nosso dispositivo diplomático aos objetivos mais imediatos da ação externa mas, igualmente, quanto ao modo como o nosso próprio trabalho teria, ou não, sofrido uma mutação qualitativa, em função de alguma reversão de hierarquia de prioridades.

A questão era interessante, embora a resposta não fosse óbvia. A diplomacia, como instrumento executivo da política externa, configura-se com a evolução dos tempos, por uma reformulação de prioridades, decorrente de novos objetivos. Embora deva ter-se sempre presente – e sei que isto pode parecer chocante para alguns cultores do imediatismo – que o papel dos diplomatas, na fixação da imagem do país, deve ir sempre um pouco para além das conjunturas. Essa é a razão pela qual a resposta às solicitações prementes do presente deve ser, no seio da nossa ação externa, modulada em permanência com a necessidade de garantir a preservação dos interesses permanentes do país, numa perspetiva de coerência de longo prazo. A nossa história não se improvisa.

Indo por partes, eu diria que, em face da presente crise, a diplomacia portuguesa tem diante de si três linhas de adaptação.

Em primeiro lugar, dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros não deixou de se considerar, desde o primeiro momento, a importância de repensar a rede diplomática existente, dando atenção particular a áreas geográficas que, não tendo sido privilegiadas nas opções de distribuição de recursos funcionais no passado, convinha que passassem a dispor de uma maior atenção no futuro. Quero com isto dizer que zonas como o norte de África, os países do Golfo e certos mercados asiáticos passaram a entrar na nossa ordem de prioridades, com vista a tentar conseguir novos pontos de apoio à atividade empresarial. Isso tornou-se particularmente importante face a mercados cuja evolução previsível de crescimento pudesse, simultaneamente, vir absorver produção nacional que tivesse menos atratividade para os nossos parceiros tradicionais (em especial, europeus) e garantir espaços sustentados de progressão futura de novas linhas de exportação. Assim foi feito e, estou certo, a prazo, os efeitos ir-se-ão sentir.

A segunda linha é de natureza formativa. Não vale a pena esconder que ainda não está ainda criada, no conjunto da nossa administração pública que opera na ordem externa, uma cultura de trabalho em comum. As razões são diversas, do corporativismo a alguma incompetência. Com felicidade, faço parte daquele grupo de diplomatas que sempre teve uma muito positiva experiência de trabalho conjunto com as estruturas de promoção económica externa (do FFE à AICEP, passando pelo ICEP/API). Por razões diversas, sei que essa experiência não é idêntica à de muitos colegas da diplomacia portuguesa. Não vale a pena estar a distribuir culpas, até pela certeza de que elas não estarão sempre do mesmo lado. Algo tem de mudar neste âmbito e, para isso, de há muito que só vislumbro uma solução, que sei difícil de pôr em prática, por escassez de recursos humanos: promover estágios profissionais cruzados, tanto nas instituições como nas empresas e nas associações empresariais, com suficiente duração para que tal possa ter reais efeitos, num esforço geral de aculturação.

Uma terceira vertente tem a ver com a mudança no paradigma da intervenção das nossas embaixadas, com impacto na informação que produzem. Imagino que a abordagem pública da questão, numa publicação desta natureza, possa escandalizar alguns. Mas julgo ter um mínimo de autoridade experiência para exprimir o que adiante vou dizer.

A diplomacia portuguesa não se deve esgotar no apoio à projeção económica externa do país – no comércio, na promoção do turismo ou na captação de IDE. A atenção à imagem do país na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua portuguesa e a proteção da diáspora são outros tantos pontos importantes a salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. Como a eleição recente para o Conselho de Segurança da ONU o provou. Porque tudo isso, ao funcionar positivamente em favor da imagem do país, acaba por ajudar à criação de um ambiente favorável à promoção dos nossos interesses económicos – e dispensem-me de dar exemplos, por razões que julgo óbvias.

Porém, e como um dia já disse, com choque em alguns ouvidos mais sensíveis,  entendo que o MNE precisa de “menos Kosovo e mais batatas”, querendo com isto dizer que a diplomacia portuguesa tem de continuar o esforço já iniciado no sentido de infletir a sua focagem de prioridades, passando a perceber que a “política pura”, embora podendo dar-nos uma base interessante para um bilateralismo com vantagens, deve sempre apontar para uma visão objetiva dos interesses económicos que importa privilegiar, muito em especial numa situação de crise como a que vivemos.

Mas que fique clara uma coisa: não defendo que a política externa portuguesa seja refém da promoção económica externa, que se opte por uma “reapolitik” de interesses, como se o MNE devesse passar a ser, unicamente, uma espécie de agência de promoção externa de negócios. Não deve sê-lo exclusivamente, mas deve sê-lo também. E, para isto, não são precisos novos despachos ou decretos. Basta haver vontade.

Uma das razões pela qual não defendo uma dependência excessiva da nossa política externa face aos nossos interesses económicos tem a ver com o facto, que pude constatar ao longo das mais de três décadas que levo de ação diplomática, de que essa mesma atividade económica está longe de ter uma coerência mínima: os mercados flutuam, as prioridades variam, a oferta “tem dias”, os nossos empresários – desculpem lá! – têm estados de alma flutuantes. Se a ação externa do país ficasse vinculada, rigidamente, às opções do nosso comércio externo, Portugal teria a imagem de um catavento!

Por isso, recomendo apenas prudência, bom-senso e troca intensa de informação. À nossa diplomacia pode e deve ser pedido um grande empenhamento na promoção da atividade dos nossos agentes económicos. Os diplomatas portugueses devem ser mobilizados para servirem de eixo às campanhas de estímulo à atividade económica externa, as nossas embaixadas devem ser a “casa” dos empresários. Mas tudo isto tem de ter uma coerência global, uma hierarquia de prioridades bem estabelecida, uma dotação mínima de meios e uma proporção adequada de empenhamento. Uma missão diplomática ou consular não pode ser mobilizada apenas porque um empresário o solicita: essa solicitação tem de corresponder a uma razoável contrapartida previsível das vantagens potenciais decorrentes para o país.

É para essa avaliação que a diplomacia espera poder contar sempre com o insubstituível papel técnico da AICEP, como estrutura com capacidade de aferição daquilo que é, a cada momento, o interesse económico prioritário do país na ordem externa. É nesse diálogo, que não é complicado se dele forem excluídos os egos e os reflexos de casta, que deve assentar a parceria constante entre a atividade económica externa e diplomacia portuguesas." 

A alguns observadores poderá parecer que a evolução subsequente ocorrida no tratamento deste tema, no tocante aos novos modelos institucionais em vias de criação, pode ter desatualizado o que acima se escreveu. Leiam bem. Não há a menor contradição entre o que foi decidido e espírito que neste texto defendo como devendo estar na base do nosso trabalho futuro. Nem podia haver.

domingo, outubro 30, 2011

O vaso

Foi ontem anunciado que o antigo presidente brasileiro Lula da Silva entrou num período de saúde mais complicado. Lula é um otimista e nós temos de o ser com ele.

Há dias, em Paris, falámos do que agora faz, da sua fundação. E saiu-se com esta:

- Sabe?, embaixador. Presidente saído da função é como quando a gente tem um vaso chinês. Quando deixa de ter casa grande, não se sabe onde o há-de colocar.

sábado, outubro 29, 2011

Portugal (2)

Ontem, numa tabacaria:

- Olhe que esse jornal é já de há dois dias!

- Ah! Obrigado. Às tantas, talvez traga melhores notícias que o de hoje...

sexta-feira, outubro 28, 2011

Europa

Pelo acordo estabelecido com a "troika", o Estado português comprometeu-se a alienar participações detidas em empresas, por forma a reduzir o seu peso na economia.

Pelas regras do financiamento europeu a entidades bancárias portuguesas que eventualmente necessitem de recapitalização, o Estado português pode vir a ter de assumir o papel de acionista desses bancos. O que é que determina isso? Ora essa! O acordo com a "troika"...

quarta-feira, outubro 26, 2011

Brasil


Fiquei surpreendido com o interesse que concitou a conversa tripartida que o embaixador brasileiro em Portugal, Mário Vilalva, o advogado Pedro Rebelo de Sousa e eu próprio tivemos ao final da tarde de terça-feira, no Grémio Literário, em Lisboa, sob a moderação do escritor Miguel de Sousa Tavares. O Centro Nacional de Cultura e o Círculo Eça de Queiroz patrocinaram também esta iniciativa.

"O Brasil e os brasileiros" foi o mote deste debate muito animado, com pouca "langue de bois", talvez por ter como figura tutelar um "colega" diplomata que não ficou famoso por a praticar - Eça de Queirós.

Pela minha parte, assentei o que disse no seguinte esquema:

- As assimetrias não assumidas nos olhares cruzados de Portugal e do Brasil. Retóricas e realidades.
- O que é Portugal no Brasil contemporâneo: pessoas, economia, cultura.
- A relação Brasil-Portugal na história diplomática comum: encontros, desencontros e ambiguidades.
- O que é hoje (realmente) o Brasil para Portugal? E Portugal para o Brasil?
- O papel histórico da África no relacionamento entre Portugal e o Brasil.
- Do bilateralismo à CPLP. Complementaridade dos mundos multilaterais de Portugal e do Brasil.

terça-feira, outubro 25, 2011

Telegrama

O homem estava um pouco atarantado. Não era caso para menos. Do outro lado da linha tinha a voz, dificilmente confundível, do "presidente do Conselho", de Oliveira Salazar.

Era uma manhã de domingo, nesses anos quarenta, durante a segunda guerra mundial. Salazar tinha acumulado a chefia do governo com o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. A "casa" era gerida pelo secretário-geral, embaixador Teixeira de Sampaio, mas o chefe do executivo mantinha um controlo próximo da máquina diplomática, assente em algumas representações diplomáticas, que eram os olhos e os ouvidos de Portugal pelo mundo. As comunicações entre essas missões e Lisboa eram escassas e a sua consulta constitui hoje um rico manancial para estudo. A chegada de um "telegrama", assinado por uma das grandes figuras que titulavam esses postos, era sempre um momento que concitava a atenção do chefe do governo.

Nessa manhã, Salazar pretendia uma informação sobre um determinado telegrama que sabia que chegara de Washington. O diplomata que o atendeu, no "serviço de cifra" das Necessidades, por precipitação ou por incompetência ou por ambas, regressou, minutos depois, ao telefone e informou Salazar que não conseguia encontrar o texto, entre toda a papelada que tinha à sua volta. "Vossa Excelência compreende, estou aqui sozinho..."

Salazar insistiu: "Veja lá outra vez, faça favor". E o homem lá foi, de novo, angustiado pela dificuldade insuperável. Com a alma nas mãos, regressou ao telefone, outros tantos minutos volvidos. "Peço imensa desculpa, mas não encontro nada!". Do outro lado da linha, Salazar retorquiu: "Não está aí nenhuma dactilógrafa?". O diplomata explicou que não, era domingo... "E também não tem nenhum contínuo?". Também não havia nenhum contínuo. Antes de desligar, seco, Salazar comentou: "É pena. Qualquer dactilógrafa ou contínuo teria descoberto o telegrama. Passe bem!".

Não há registos da carreira subsequente desse diplomata que teve o azar de estar na "cifra" nessa fatídica manhã de domingo.

Racismo

A "compreensão", mais ou menos velada, de alguns comentadores mediáticos, face às inúmeras barbaridades cometidas pelos rebeldes líbios sobre Kadafhi e os seus derrotados seguidores, traduz uma evidente forma de racismo eurocêntrico. É como se se assumisse que certos povos e certas sociedades, por virtude de um relativismo cultural, permanecem isentos da obrigação de respeitarem normas que a comunidade internacional de há muito considera deverem enquadrar todos conflitos. Por maioria de razão, aqueles em que a NATO intervém. Ao legitimarem esses novos massacres, essas figuras não se dão conta que isso funciona como uma injusta absolvição daqueles que tinham denunciado no regime líbio derrotado. 

Há gente que nunca aprende nada. Mas, nestas ocasiões, nós aprendemos, pelo menos, a conhecer melhor o caráter de alguns. 

segunda-feira, outubro 24, 2011

Lisboa

Gosto de viver numa rua com elétrico. Não o apanho muito, mas detestaria perdê-lo.

Teatro livre

Emmanuel Démarcy-Mota é uma das grandes figuras do teatro francês contemporâneo. Filho da atriz portuguesa Teresa Mota e de Richard Démarcy, encenador e autor, dirige atualmente o Théâtre de la Ville, em Paris, e o Festival de Outono da cidade. Emmanuel mantém-se fortemente ligado a Portugal, colaborando com diversas instituições nacionais. E, além de tudo isso, é uma personalidade fascinante.

Desde há dias, o seu espetáculo «Sur le concept du visage du fils de Dieu», de Romeo Castellucci, tem sido objeto de boicotes violentos por parte de grupos religiosos integristas. Com coragem, afrontando a fúria sectária, Emmanuel e o Théâtre de la Ville mantêm a determinação de prosseguir as representações.

A luta pela liberdade de opinião e expressão não tem fronteiras. E estar ao lado de quem a protege e promove é um dever mínimo para quem preze a democracia, Assim, lá irei, num dos próximos dias, ao Théâtre de la Ville para ver o espetáculo e para dar um abraço solidário ao Emmanuel. Quem quiser conhecer melhor este "homem de teatro de Paris cuja pátria é o Alentejo", pode ler aqui

Europa alegre

Não deve ser por acaso que o hino europeu é a "Ode an die Freude" (ode à alegria), tirada da nona sinfonia de Beethoven. A alegria está no centro do projeto europeu. Leiam-se, a este propósito, as significativas palavras do ministro búlgaro das Finanças, Simeon Djankov, no "Le Monde" de hoje:

"Même si ce n'est pas bien joli, il y a un certain degré de joie mauvaise (à l'égard de la Grèce), parce que la Bulgarie est toujours comparée à la Grèce [...]. On a maintenant l'impression que les Grecs vont plus mal que nous, cela nous aide beaucoup en tant que gouvernement."

domingo, outubro 23, 2011

Portugal (1)

1. Missa. Não sendo embora a minha especialidade, sei distinguir uma boa de uma má homilia. E aquela havia sido desastrosa e muito desinspirada, indigna do falecido. O sacerdote "embrulhou-se" e não conseguia acabar com jeito. Comentei com um velho amigo, a meu lado. Resposta dele: "Também achei. Este deve ter tirado o curso para padre nas Novas Oportunidades".

Há gente muito mazinha...

2. Trás-os-Montes, anteontem:

- Com este défice, não vamos lá! E onde é que se meteu o dinheiro?
- Vieste de Lisboa, ainda hoje? Como é que conseguiste?
- Fiz a A8/A17 até Aveiro, depois a A25, a finalmente o IP2. Até que foi rápido! Porque é que perguntas?
- É porque, sendo assim, vieste "pelo" défice...

3. Sintra, ontem:

- E lá se foi o verão, não é? Vi agora na televisão: só há bom tempo na Madeira.
- Assim ficamos completos: é chuva na eira e sol no nabal...

4. Lisboa, já hoje:

- Bela exposição que vi à tarde na Gulbenkian. É dedicada a "naturezas mortas".
- A Gulbenkian está sempre muito atenta à realidade portuguesa...

sábado, outubro 22, 2011

Secretos

No Ministério dos Negócios Estrangeiros, as telegramas qualificados de "secretos" têm, como é natural, uma distribuição muito limitada, que segue a regra britânica do "need to know".

Não há muito tempo, procurei saber se um determinado colega, em Lisboa, tinha lido um "secreto" que eu tinha enviado dias antes. Cuidando em não falar pelo telefone da substância do texto - o que infringiria as chamadas "regras de cifra" - eu queria ter a certeza de que o telegrama lhe chegara, porque sabia que o assunto, por razões que não vêm ao caso, lhe interessava. Recordo que foi um pouco difícil contactá-lo, tendo a minha secretária apurado que só era possível encontrá-lo em casa. Estranhei, mas foi isso o que foi feito.

- Olha lá! Viste um "secreto" que há dois dias mandei para aí?

Resposta pronta:

- Ó homem! Então não sabes que eu já estou aposentado? Para mim, agora, secretos só de porco...

Eugénio Lisboa

A universidade de Aveiro promove hoje uma justíssima homenagem a um homem a quem a literatura portuguesa muito deve, através do lançamento do livro que lhe é dedicado: "Eugénio Lisboa: vário, intrépido e fecundo - uma homenagem". Tenho imensa pena de não pode estar presente nesta ocasião, mas o dom da ubiquidade, por ora, ainda me é alheio.

E aqui fica o curto texto com que, no livro, saúdo o Eugénio:

Por décadas, li o nome de Eugénio Lisboa em textos críticos sobre literatura portuguesa que me iam passando à frente dos olhos. Como essa era uma “praia”, como agora se diz, que eu apenas tocava pela rama, tinha, acerca dele, alguma, mas não excessiva, curiosidade, apenas potenciada pela raridade do facto de se tratar de um “engenheiro”, qualidade que partilhava com o Jorge de Sena – mas isso num tempo em que os engenheiros ainda não assumiam a importância que, entre nós, viriam a ter…

A circunstância de ter raízes em Moçambique e de, mais tarde, ter andado por França e pela Suécia, situavam Eugénio Lisboa, no meu imaginário, na prateleira prestigiada dos expatriados da nossa cultura, essas figuras com cujas assinaturas eu tropeçava em livros e artigos e que, de quando em quando, entrevia em colóquios ou na televisão, saídos da sua habitual geografia. Mas eu nunca fui fã de José Régio (o Eugénio não me vai perdoar esta!) e esse era o terreno de estimação do nosso crítico, pelo que não atentava, como seguramente deveria, ao que ele escrevia sobre o poeta – no “Colóquio Letras”, no JL e noutras folhas cultas e de culto.

Um dia, no início dos anos 90, ao ser colocado em Londres, tive oportunidade de pôr finalmente uma fotografia no nome do Eugénio Lisboa. E, simultaneamente, no de Rui Knopfli, com quem ele fazia um singular “par” de conselheiros da coisa escrita – o Lisboa, da cultura, o Knopfli, da imprensa – dentro da nossa Embaixada. Durante mais de quatro anos, convivi diariamente com ambos e, no meu saldo pessoal, julgo neles ter feito dois amigos. Era muito interessante observar a sua complementaridade, o sublinhar das comuns raízes moçambicanas, distintos no trabalhar de certas memórias, sobre figuras do passado frequentado e no modo de viver o presente de então. Porém, onde o Eugénio era uma formiga de trabalho, o Rui era uma cigarra, de cigarros seguidos e outros vícios, onde parecia assentar a alegria residual da sua vida e em que preparava, com uma certeza que íamos visualizando, o caminho apressado para a morte. Por mais de uma vez, fui aliado do Eugénio Lisboa – cuja óbvia ternura pelo Rui sempre mascarava – na tentativa de salvar o poeta de si próprio. E ambos sofríamos, cada um a seu modo, a inglória certeza, a prazo, desse esforço. 

Sou testemunha privilegiada de que, em Londres, Eugénio Lisboa desenvolveu um trabalho notável na promoção da nossa cultura. Para além de animar, frequentemente com a sua presença, muitas iniciativas, dedicava-se, com afinco, à edição de traduções de clássicos da nossa literatura, através da “Carcanet Press”. Com o Helder Macedo e com Michael Collins, seus principais cúmplices em iniciativas a que, com pertinácia, se dedicava, o Eugénio procurou “furar” o complexo mundo do tecido cultural britânico, tendo, a seu lado na Embaixada, a ajuda entusiasta e atenta de Mercês Gibson. Olhando para trás, tenho consciência de que procurei ser útil, à medida do que me era possível, a esse labor, onde frequentemente nos deparávamos com boas vontades – como era o caso da Fundação Calouste Gulbenkian – mas, igualmente, com alguns egos de estimação, às vezes de natureza institucional, bem difíceis de contornar.

Foi pela mão do Eugénio Lisboa que vim a conhecer figuras como o jornalista António de Figueiredo, lendário representante de Humberto Delgado em Londres, o advogado Adrião Rodrigues, nome destacado dos “Democratas de Moçambique”, ou Alexandre Pinheiro Torres, um escritor cuja obra justificaria maior reconhecimento público. Em Londres, o Eugénio funcionava como uma espécie de “placa giratória” por onde passava muito do mundo cultural português, mas onde a África lusófona estava sempre presente.

Esse “carrefour” londrino nem sempre era tão pacífico como se poderia pensar – mas, com o tempo, habituei-me a perceber que o mundo cultural é um espaço onde, com alguma facilidade, as personalidades se chocam e as palavras podem desencadear grandes fogueiras. Recordo-me de uma polémica, que envolveu o Eugénio Lisboa e o José Saramago, a propósito de um almoço que eu havia oferecido ao escritor, com a presença do Hélder Macedo, da Paula Rego, do Bartolomeu Cid dos Santos, do Luís de Sousa Rebelo e do Rui Knopfli. O modo como Saramago relatou uma cena desse repasto, nos seus “Cadernos de Lanzarote”, criou uma fúria no Eugénio, que zurziu o escritor no JL. A diplomacia não exclui a indignação.  

Devo confessar que tenho alguma saudade das conversas que, aos fins de tarde, mantínhamos no meu gabinete, muitas vezes acompanhados pelo fumo e pela ironia do Rui Knopfli. Ouvia-os então cruzar memórias africanas, referências literárias, leituras pessoais de episódios comuns do passado, tudo envolvido na agudeza crítica que, quando inteligente, não faz mal a ninguém.

Homenagear o Eugénio Lisboa, como grande figura da cultura portuguesa – não esquecendo a imprescindível serenidade da Antonieta, a seu lado –, é um ato mínimo de justiça. E, para mim, é também uma oportunidade para lhe enviar um abraço de sólida amizade.

sexta-feira, outubro 21, 2011

JL

A convite do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, publico na última página do seu mais recente número um "Diário" intitulado "Cais das Necessidades". Os leitores deste blogue pouco ou nada lá encontrarão de novo...

quinta-feira, outubro 20, 2011

Eduardo Lourenço

A Sorbonne e a Fundação Calouste Gulbenkian homenagearam ontem, em Paris, o professor Eduardo Lourenço. À noite, na embaixada, tive o prazer de convidar para jantar Eduardo Lourenço e alguns amigos, juntamente com os interventores no seminário que celebrou a sua obra.

Depois de um dia completo que havia sido consagrado a Lourenço, tive a prudência de ser parco nas curtas palavras de admiração que lhe dirigi. Mas não deixei de sublinhar a minha gratidão, como português, pelo facto de Eduardo Lourenço, ao longo destes anos, me ter ajudado a "ler" melhor o meu país. Em especial, ensinou-me uma certa forma portuguesa de ser europeu. Na minha intervenção, referi que o que mais me surpreende é o facto de o ter feito com textos que não se refugiam nunca no hermetismo e que são, deliberadamente, "reader's friendly". Para se ser profundo não é necessário ser complexo, como Eduardo Lourenço sempre demonstra.

Deixo aqui um seu magnífico retrato de Bottelho.

O barman

É bom termos a sorte de nos lembrarem cenas em que participámos, mas que já havíamos esquecido! Há dias, um estimado colega (cujo nome não refiro, porque não cuidei em lhe perguntar se o podia fazer) recordou-me uma história passada numa reunião da Conferência Intergovernamental para a negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, ao tempo em que eu era o representante do governo português nessa tarefa.

A presidência rotativa semestral da União Europeia pertencia então aos Países Baixos. Discutia-se a eventual alteração do modelo de voto nas decisões comunitárias, que teria de passar por uma "reponderação" da força relativa de cada Estado no processo decisório. O tema era muito atual, mas muito polémico. Mudar a relação de forças entre os países foi sempre uma questão delicada e divisiva no seio da União Europeia.

Um dia, a presidência holandesa decidiu, sob a sua responsabilidade, colocar sobre a mesa uma proposta algo ousada que, em especial, alterava a relação interna de poder entre os três países do Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), que tinha sido mantida intocada desde a criação das Comunidades Europeias. Para os negociadores holandeses, chefiados pelo embaixador Ben Bot, que anos depois haveria de ser chefe da diplomacia do seu país, haveria que retificar essa relação, por forma a dar uma maior consideração ao fator demográfico. Nessa perspetiva, os Países Baixos eram beneficiados, porque tinham uma população substancialmente maior que a dos seus dois outros parceiros do Benelux. Nesta lógica, as coisas tinham uma certa racionalidade, só que a lógica em que as coisas se apoiavam estava muito longe de ser consensual.

Assumir uma presidência implica respeitar uma certa neutralidade naquilo que se propõe. Não se espera que o país que a detem apresente, de uma forma ostensiva e despudorada, ideias que diretamente a possam beneficiar. Foi isso, contudo, que, nesse dia, os holandeses fizeram.

Acabada a intervenção de Ben Bot, o delegado belga, uma grande e experiente figura da diplomacia europeia, o embaixador Philippe de Schoutheete, pediu a palavra e, com a inteligência, franqueza e humor que todos lhe conhecíamos, disse, muito simplesmente: "Senhor presidente. Tomámos boa nota da proposta que acaba de nos apresentar em nome dos Países Baixos. O meu único comentário sobre essa sua proposta é o seguinte: o senhor portou-se como uma barman que se serviu a si próprio antes de servir os clientes".

E a proposta holandesa morreu aí.

terça-feira, outubro 18, 2011

Olá, Raul!

Um jornal lembra-me que você faria hoje 82 anos. Parabéns! Não teremos velas para assoprar porque, vai para uns tempos, deu-lhe na veneta voltar-nos as costas e partir para outra. Não lhe vou contar o que sem passado por cá, desde a sua saída. Nem eu posso, nem você acreditava. A sério! ("Lá está ele a reinar", diria). No nosso comum Procópio, onde vertemos tantas lágrimas escocesas de riso, a noite do pessoal da "Dois" está cada vez mais curta. O Nuno foi à faca (dizem-me que, no hospital, tinha uma fisioterapeuta que era o máximo!), mas já esta aí para as curvas e vai ganhar "a Guerra", porque, como dizia o Lubitsch, "heaven can wait" (no caso, traduz-se por "a Céu pode esperar"). Há mesmo quem diga que os nossos amigos que ainda param lá pelo bar perderam muito da piada que tinham (há dias, a Diana Andringa, cruel, interrogava-se: "seria porque eu bebia que antes lhes achava mais graça ou eles tinham mais graça porque nessa altura bebiam?"). Até a Alice, armada em Merkel das Amoreiras, tem vindo a alargar os "spreads" (termo que agora se usa cá muito) face aos preços do Papagaio, a tasca que fica ao fundo da escadaria. É que anda por aí uma coisa nova chamada "troika" (lembra-se de uma Teresa Ter-Minassian, que em tempos vinha pelo FMI, cujo nariz arrebitado era muito fotografado a sair do Altis? Pois agora é mais ou menos isso, mas são mais e vêm de calças...). Nem lhe digo que o texto de cabeceira que agora está na moda - não quando temos insónias, mas quando temos sonhos - se chama "MoU", porque imagino que você fazia logo um trocadilho... É assim, Raul, é assim que andam as coisas, ou melhor, não é bem assim mas, como diria o Chico Buarque, "o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta". Bem que tentamos seguir o seu conselho - "façam o favor de ser felizes! - mas não está fácil, sabe? Mas nós somos como o seu Belenenses: andamos ora para cima ora para baixo. Agora? Agora... não estamos em cima! Receba um abraço saudoso do Francisco

O meu mais longo discurso

Ontem à noite, na inauguração do novo Centro cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, encontrei a professora Cleonice Berardinelli, uma distinta académica brasileira a que já me referi aqui e aqui. E recordei, com ela, uma das mais complicadas cenas protocolares que tive de enfrentar, ocorrida no Brasil, em 2006.

Um ano antes, por feliz sugestão do diretor internacional da Gulbenkian, João Pedro Garcia, eu havia proposto que fosse concedida à professora Berardinelli a grã-cruz da ordem de Santiago de Espada, como forma de manifestarmos o nosso reconhecimento por uma vida académica dedicada ao estudo e promoção da literatura e da cultura portuguesas no Brasil. A minha sugestão foi aceite por Lisboa e, aproveitando uma passagem pelo Rio de Janeiro do então primeiro-ministro, engº José Sócrates, foi decidido organizar a cerimónia da entrega da distinção na grande sala do Real Gabinete Português de Leitura. Creio que mais de duas centenas de pessoas enchiam aquele magnífico espaço, testemunhando o elevado apreço que a professora Cleonice Berardinelli - que entretanto foi eleita para a Academia Brasileira de Letras - a tantos merece.

O programa de trabalho do chefe do governo português no Rio de Janeiro, nesse dia 11 de agosto de 2006, estava já bastante atrasado. O trânsito no Rio é muito complicado, a fixação dos tempos para os vários pontos da agenda fora feita de forma um tanto otimista, pelo que a chegada da comitiva ao Real Gabinete se processou quase uma hora depois do previsto, com outros eventos já à espera. Essa é a sina de muitas deslocações oficiais, especialmente quando se pretende atender a diversas solicitações: as conversas prolongam-se, surgem factos inesperados, as visitas demoram mais do que o previsto. Nada que seja muito grave, mas que sempre induz algumas tensões.

À chegada do primeiro-ministro, conduzi-o, de imediato, para uma sala onde estavam a professora Berardinelli e outros convidados importantes. Nesse preciso momento fui alertado para uma questão "trágica": por uma qualquer confusão, as insígnias da condecoração tinham ficado no hotel, bem longe, na Avenida Atlântica. Um estafeta fora entretanto buscá-las mas, uma vez mais atentas as dificuldades do trânsito, era difícil prever os minutos que demoraria a sua chegada.

Esgotados, com alguma rapidez, as amabilidades e os cumprimentos protocolares entre os presentes na sala, ciente do calendário apertado em que se movimentava, que se cumulava ao atraso anterior, o primeiro-ministro deu, a certo passo, instruções para que a cerimónia se iniciasse, sem demora. Eu era a única pessoa que sabia que, se bem que as formalidades e os discursos pudessem arrancar, elas não se poderiam concluir sem a chegada das insígnias. Mas, confesso, em face dos constrangimentos de horários que se viviam, decidi correr o grande risco de deixar iniciar o ato solene. 

Sobre o momento, surgiu-me então, uma única solução: embora só estivessem previstos três discursos - o do presidente do Real Gabinete, Dr. Gomes da Costa, o do primeiro-ministro português e o de agradecimento, da professora Cleonice Berardinelli - eu iria improvisar uma intervenção, imediatamente após a do Dr. Gomes da Costa... que duraria todo o tempo que fosse necessário, até à chegada física das insígnias.

Instalados na tribuna, segredei ao Dr. Gomes da Costa que deveria procurar ser tão longo quanto possível. Ele, porém, disse-me que o seu texto estava escrito e que só dava para cerca de dez minutos. Notei que o primeiro-ministro ficou surpreendido quando lhe passei uma mensagem dizendo que eu também falaria na cerimónia: protocolarmente, estando prevista uma intervenção do chefe do governo, não tinha qualquer sentido o embaixador falar. Ainda perguntei ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Luis Amado, e ao presidente da Fundação Gulbenkian, Emílio Rui Vilar, que tinha a meu lado na mesa, se não queriam dizer "umas palavras". Com naturalidade, nenhum deles se mostrou disponível.

Estava traçado o meu destino para os próximos minutos. Senti-me como aqueles deputados a quem, segundo a história, são pedidas longas intervenções para dar tempo à chegada de "reforços" para constituir uma qualquer maioria de voto. Com rapidez, alinhei num papel meia-dúzia de "tirets" que iriam servir de esqueleto ao meu discurso: desde notas pessoais sobre a professora Berardinelli, algumas referências aos estudos de literatura portuguesa no Brasil, umas palavras sobre a cooperação entre as universidades e sei lá mais o quê, tudo o que na altura me veio à cabeça como "buchas" possíveis. Naquele espaço sem ar condicionado, o meu crescente suor dava-me a impressão que a temperatura estava a subir em flecha. 

Com esperança de ganhar tempo, ouvia em fundo o Dr. Gomes da Costa que, no microfone, prosseguia, de forma que me parecia incomodamente rápida, no seu discurso. Até que, a certo ponto, o ouço dizer: "... e, para terminar, permitam-me que...". Pronto! Era a minha "deixa". E comecei a ajeitar a cadeira para sair da tribuna, para iniciar a arenga que o destino me obrigava a fazer. Logo se veria como saía...

E foi então, nesse instante, que vi surgir ao fundo, caminhando em passo apressado desde a porta de entrada do Real Gabinete em direção a nós, a figura diligente do Luís Ferreira dos Santos, o imprescindível colaborador do nosso serviço do protocolo, trazendo nas mãos a caixa vermelho "bordeaux" com a grã-cruz de Santiago de Espada. Estava consumado o milagre, logo a mim, que nunca tinha ansiado por uma benfazeja aparição de um santo... E estava salva a honra do convento!

Aqui fica a historieta do mais longo discurso que nunca pronunciei.

domingo, outubro 16, 2011

Os adoradores do sol

Há muitos anos, quando vivi na Noruega, li um livro de Fernando Namora com o nome de "Os adoradores do sol". Falava desse fascínio que os nórdicos sentem pelos dias luminosos, que aproveitam à saciedade, quando os deuses decidem, não tão raramente quanto se possa pensar, retirar-lhes de cima o "céu cinzento sob o astro mudo", como reza uma canção que deveria, particularmente nos dias que correm, ser de aprendizagem obrigatória nas nossas escolas.

Nesta sedução pelo sol, os parisienses são uma espécie de nórdicos: espojam-se pela esplanadas, à frente de uma bica ou de uma água. Ontem, dia em que Paris foi bafejado pelo verão de S. Martinho, foi um fartote. E (vá lá!) uma chatice: não havia lugar para pôr a cara ao sol (sem conotações franquistas...). 

Deixo-os com esta magnífica e clássica fotografia das cabeleireiras parisienses de Doisneau.

Negar a mentira

Há muitos anos que leio, publicadas em jornais, "cartas ao diretor", destinadas a retificar escritos. Tanto quanto me lembro, só por duas vezes me senti motivado a utilizar essa figura: uma primeira vez em 2002 e outra hoje. O que não deixa de ser curioso. Em ambos os casos, para denunciar coisas flagrantemente falsas, sem o menor apoio em factos. Nada de particularmente grave ou preocupante, atenta a notória falta de credibilidade daquilo que foi publicado. Mas apenas porque achei importante "to set the record straight". Para desmentir. Etimologicamente: para negar a mentira.

Dar música

Nestes tempos de crise, a Embaixada persiste em "dar música", no quadro da série de concertos "Entre Pautas / Entre Partitions". Desta vez, será um concerto de piano e flauta.

Utilizando os belos salões da rue de Noisiel, em Paris, podem ouvir-se, no próximo dia 28 de outubro, pelas 18.30 horas, obras de Fernando Lopes Graça e de Luis Costa, em "diálogo" com alguns autores românticos europeus. Ao piano estará Bruno Belthoise e, na flauta, Yves Charpentier.

Como assistir? Veja aqui

No Panteão Nacional

No dia 8 de janeiro de 2025, José Maria Eça de Queirós entrará no Panteão Nacional.  Finalmente!