Um dos grandes testes ao envelhecimento parece ser a capacidade de resistir à nostalgia. Ontem falhei no teste, ao ler que o Rádio Clube Português vai fechar.
O Rádio Clube teve um papel importante na vida de quantos são dos "dias da rádio". No meu caso, das noites. Na juventude, em Vila Real, o Rádio Clube, a par de algumas rádios estrangeiras (Radio Caroline, Radio London, Radio Andorra) e da "23ª hora" da Renascença, era uma companhia noturna regular, com os programas da madrugada, em especial o "Meia Noite" e, mais tarde, o efémero "Europa", de Vitor Espadinha, a trazerem alguma da música que fez a nossa geração. (Na província, sem FM, apenas com Onda Média, não chegávamos ao lisboeta "Em Órbita")
Em meados dos anos 60, com a ousadia dos meus 18 anos, fui-me apresentar nos seus estúdios do Porto, na rua de Ceuta, onde pedi "emprego", ao tempo em que fingia estudar Engenharia. O Alfredo Alvela abriu-me então as portas do seu "Clube da Juventude," onde realizei, durante alguns meses, o meu "Tempo de Teatro", com textos do João Guedes e um "gingle" com efeito de eco, feito no vão do elevador do prédio, numa ideia louca, creio que do Jaime Valverde. Às vezes, pela noite dentro, o Rui de Melo entregava-me a emissão do "Onda Nocturna" e eu ficava por lá a "pôr discos" e a dizer banalidades serenas, no tom que o programa exigia. Numa manhã, saído tarde do Rádio Clube com o Humberto Branco, lembro-me de um belo nascer-do-sol a atravessar as janelas do "Transmontano", que o Alvela teimava em qualificar como o único restaurante "ível" (onde se podia ir...) na noite portuense.
Depois, já em Lisboa, o Rádio Clube era, para mim, a audição regular do PBX e, depois, do "Tempo Zip", companhias noturnas indispensáveis, entremeadas pela informação da maior escola de jornalismo radiofónico do país, dirigida por Luis Filipe Costa. Só entrei nos seus estúdios de Lisboa, à Sampaio e Pina, já depois do Rádio Clube ter estado no centro do 25 de abril. Após essa data, por lá andei em várias noites de conversa, levado pelos autores do "golpe de mão" que o havia tornado no "posto de comando do Movimento das Forças Armadas", o (agora general) Costa Neves, o Santos Coelho e o João Sobral Costa.
O fim do Rádio Clube será, julgo eu, sentido por muitos portugueses. Até por alguns saudosos salazaristas, que lembrarão os tempos em que a estação, nas mãos dos irmãos Botelho Moniz, serviu de alento aos "viriatos" portugueses que lutaram ao lado dos franquistas na guerra civil espanhola.
O Rádio Clube já não vai estar "sempre no ar, sempre consigo". E tu, João Paulo Guerra, como sentes este dia?
15 comentários:
É a lei da vida!
Em tempos de crise, limpam-se rádios...
É uma das minhas preferidas, sempre que viajo de automóvel.
Hoje, estou triste...
Senhor Embaixador,
Defacto, é com muita apreenção e preocupação que se assiste à situação que se está a viver no Rádio Clube Português (RCP) após o anúncio, feito esta tarde pela administração da Media Capital Rádios, sobre a intenção de encerrar a estação no próximo domingo e de despedir 36 trabalhadores.
Na realidade, a decisão já foi comunicada aos trabalhadores sem outra explicação para além da alegada “inviabilidade económica de um projecto tecnicamente complexo e dispendioso", remetendo para uma reunião a realizar “com os advogados da empresa” todas as questões relativas à “dispensa” de pessoal.
Este estranho procedimento, que a confirmar-se, configura uma tentativa de despedimento colectivo ilegal, é tanto mais incompreensível quanto, de acordo com os seus resultados divulgados na imprensa, o grupo arrecadou nos primeiros três meses do ano receitas de 2,6 milhões de euros (mais 5 por cento que no primeiro trimestre de 2009), tendo os custos diminuído 2 por cento, para 3 milhões.
A empresa afirmava, então, que “o processo de optimização de redes de emissão entre o Rádio Clube e a M80” decorria “de forma bastante positiva”, e dizia esperar que tal se continuasse a repercutir “de forma materialmente favorável nas audiências e proveitos de publicidade”.
De considerar ainda, que a administração do grupo apresenta o encerramento do Rádio Clube como uma “decisão isolada”, garantindo que a MCR “irá continuar a apostar no desenvolvimento dos restantes projectos desta unidade de negócio".
Assim sendo, uma tal afirmação constitui motivo acrescido para se repudiar o despedimento colectivo, visto que os “diferentes projectos” funcionam, de facto, em conjunto, ao ponto de terem uma administração comum, constituída pelos mesmos gestores, de estarem instalados no mesmo local e de partilham entre si espaços, estruturas, serviços e trabalhadores. E tanto que assim é, várias das rádios do grupo têm um director-geral comum; têm a mesma directora de multimédia; têm o mesmo director de informação; têm o mesmo secretariado; para além de partilharem trabalhadores nas áreas do design, programação, direcção comercial, trânsito, jornalistas e técnicos.
No caso concreto da informação, a escala de serviço é comum para as diversas estações, havendo jornalistas que trabalham para mais do que uma, para além de ser comum a reutilização de trabalhos pelas diferentes estações.
Numa palavra, os trabalhadores formalmente pertencentes a cada uma das empresas encontram-se numa situação de pluralidade de empregadores que nunca foi reduzida a escrito...
Nu e cru, este á mais um sinal dos tempos, tempos esses que passam também pelo facto de estarem em discussão na Assembleia da República as novas Leis da Rádio e da Televisão...
Mas, quer se queira quer não, o RCP não é merecedor deste tão triste fim...
Esperemos por melhores dias, pois até parece que, a par par da grave crise económica e financeira, também o mundo da Comunicação Social está a começar a desmoronar-se...
Fraterno abraço.
Paulo M. A. Martins
Meu Deus
Que bonita a nostalgia da Nostalgia, em poemas ditos prosa, num registo só de si humano, até pela vivência adequada do desenvolvimento das fases de desenvolvimento do ciclo vital corroboradas por Piaget.
O Sr. é um Homem de sorte, mas a radio clube acabou de se perpetuar...
Também é da radio que me imbrico na socialização... Ela vive e faz viver toda uma população...
Gosto de todas, oiço regularmente;
A Larouco
A RFM
A comercial
A cadena Cien
A renascença
A TSF
A antena 1
(Claro que o meu radio só tem 6 botões mas às vezes algumas emissoras impõem-se no ar, e oiço-as até pela ousadia)
Só uma vivência que traduz a importância da vida transmitida pela radio...
O Sr. Fortuna é um ser humano maravilhoso que tenho o privilégio de conhecer, um senhor dinãmico que eu admiro porque me dá a mensagem constante de não esmorecer.
Trocamos há tempos ofertas mútuas de livros de poesia de autores que de alguma forma nos são Caros.
Reencontramo-nos na quarta feira dia 7 por motivos de trabalho a nossa parceria com a ADFA e agradeceu~me o livro dizendo que ainda não tinha podido ler muito pois o facto de não ter mãos (Tem duas próteses de antebraço)impede-o de ler braille e a cegueira só lhe permite ouvir e escutar usando a audição...
Disse-me que tenho uma voz agradável... Obrigada não só pela lição de Enfermagem (Sempre soube que era difícil)pela luva branca claro que vou gravar a minha leitura do livro ...
Se alguma radio quiser encetar também...
Parabéns Sr. Embaixador
Isabel Seixas
...mais um espaço a fechar !!!
Por falar-mos de radio ,Sr embaixador ,aqui em Cergy (95210) luto todos os dias para que o espaço luso... se mantenha vivo e garanto-lhe que nao é facil !!!Quando estiver disponivel ao domingo das 10h -13h é com prazer que o acolho para uma converça "informal" aqui na RGB!
Cumprimentos
AIDA CERQUEIRA
Olha meu caro
Este já não era o Rádio Clube Português e menos ainda a Emissora da Liberdade. Era um título comprado em saldo. Para quem lá esteve e participou em coisas bonitas a que fazes referência, este RCP era uma contrafacção. Mesmo assim, sofre-se sempre quando uma rádio se cala. E o RCP não fechou por causa da crise, mas da ganância de quem o comprou com mais olhos que barriga.
Grande abraço
joão paulo guuerra
O “Em Órbita” sim, recordo-me muito bem. Havia dois “tipos”, um de música “ligeira”, de excelente qualidade, onde pontificavam por vezes, Bob Dylan, Judy Collins (recordo-me de um dia a voz que orientava esse programa ter “classificado” os autores e autoras das canções utilizando designações de frutos e a Judy Collins ter sido atribuído o pêssego, não me lembro porque razão), Joni Mitchel, Joan Baez, Johnny Cash, etc e outro de música clássica, normalmente entre as 19 e 20 horas, se a memória não me falha, no qual se falava um pouco do compositor cuja música se seguia. Para além de boa música, ou boas composições e canções, havia também uma preocupação cultural (ou formativa, ou informativa, digamos). Um programa de rádio de referência, que deixou aqueles que o ouviam, ou ouviram, sempre a iniciar com aquela música do 2001 Odisseia no Espaço, muita saudade. Nos meus tempos de estudante e mesmo depois, já no 25 de Abril, ouvi com imenso prazer esse inolvidável programa, de apenas cerca de 1 hora. Mas que hora!
P.Rufino
Eu sei o que é, João Paulo.
Senti uma coisa semelhante quando foi daquela coisa da Gazeta de Oleiros.
Caro Francisco,
O Radio Clube foi muito importante na nossa juventude...
Fiz link para "A Carta a Garcia",
Abraco.
OC
Caríssimo Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa,
É realmente pena que o Rádio Clube Português deixe de estar no ar, porque além do lado simbólico ligado ao novo regime político português recebeu na sua nova versão um lote de boas músicas que nos faziam matar saudades. Só nos resta, mesmo, a nostalgia da perda desta emissora que marcou também os últimos da Rádio em Portugal!
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Há anos que falhei o teste! Não consigo, nem quero, resistir à nostalgia das boas coisas que vivi à espera dos amanhãs que viessem a cantar! A Radio Caroline, a "23 hora", o "Meia Noite", o "Em Orbita", o programa de Jazz (esqueci o nome)e outras animadas por vozes quentes como a do Rui Morrison que acompanharam as minhas noites de luar...
Tenho muita pena que o RCP se cale pelas razões evocadas por João Paulo Guerra.
O João Paulo Guerra tem toda a razão. Falta apenas dizer que a dirigir o RCP esteve alguém que o permitiu...
O programa "O Clube da Juventude" era da autoria e apresentado por Amadeu Meireles e não pelo Alfredo Alvela.
Caro Anónimo das 22.04. Agradeço muito a sua nota. A minha memória, porém, é muito concreta: em inícios de 1967, fui ao Rádio Clube Português, na rua de Ceuta, no Porto, propor a realização de um programa sobre teatro. Falei com Humberto Branco que me apresentou a Alfredo Alvela que - recordo muito bem! - dirigia no estúdio o "Clube da Juventude". Estive presente no estúdio em diversas edições do CdJ, sempre dirigidos exclusivamente por AA. Foi com ele e só com ele que articulei a criação do meu espaço, dentro do CdJ, a que ambos decidimos chamar "Momento de Teatro". Foi com ele que gizei o suporte sonoro para esse espaço e os realizei, com a contribuição de Jaime Valverde, que me foi apresentado com AA. Nunca conheci Amadeu Meireles, mas longe de mim colocar em dúvida o seu papel no CdJ. Porém, a minha experiência - repito, apenas nesse período de 1967/68 - não contempla a sua presença. Seria possível dar-nos mais alguma informação?
Fins de 1965, inicio de 1966 fui muitas vezes com o meu marido ao RCP , num prédio do lado esquerdo quem sobe a Rua de Ceuta (não me recordo do andar), e lá ficava a charlar com o Alvela , com a sua mulher a Odete, ou com o Jorge Tavares (pintor) e até mesmo com a Isolda, embora a essa hora fosse menos assídua. Ah! havia la também a Joana Miranda. O Rui Melo acho que chegava depois, era habitual cruzarmo-nos no Café Ceuta. E o que estava la o meu marido a fazer ? o Clube da Juventude...! Eu própria fazia a pesquisa para a rubrica "Reconhece a tua Terra" , que me deu mesmo muito trabalho em consultas. Esse programa tinha vindo da Radio Renascença (com a colaboração da Alice Teles) e era um verdadeiro TOP de êxito. Mas as divergências com o Dr. Arala Pinto, naquela época de excesso de censura levaram o meu marido Amadeu Meireles a levá-lo para o RCP. Algum tempo depois também saiu de lá e passou a trabalhar para a Radio Placard (do Teles de Meneses) com textos, tecnico e voz. Não me admira que o programa tivesse continuado com o Alvela ... A vida nocturna não é saudável embora possa ser "rica" culturalmente. E realmente o Transmontano era o ponto de encontro de gente do teatro e outros notivagos , e la se metiam em excessos ...// Percebi , portanto, que está aqui um diferendo motivado por datas: 1964/1965/1966/1967 (parte). A autoria da Clube da Juventude , voz e o seu conteudo era Amadeu Meireles , não duvide.
Cara Amiga das 15.36: como já tinha escrito, longe de mim colocar em causa o que referiu. É muito provável que eu tenha apanhado a fase final do "Clube da Juventude", já com o Alfredo Alvela. Eu cheguei ao Porto em setembro de 1966, devo ter iniciado a minha parca colaboração com o CJ na primeira metade de 1967 (recordo que o "Momento de Teatro" era às quartas-feiras, por 15 minutos), que não chegou a durar um ano, pelo que deve ter terminado em fins de 67 ou inícios de 1968. É a explicação para este nosso "desencontro". Bem haja pela sua contribuição para esta memória afetiva.
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