Portugal tem uma das mais brilhantes escolas daquilo que se pode qualificar como "jornalismo adversativo". Trata-se de um apurado estilo, que exige uma grande experiência para garantir a sua hábil utilização, que consiste em relativizar e atenuar, pela negativa, qualquer notícia através da qual possa transparecer uma ideia positiva ou otimista.
Há anos que constato que esta é, verdadeiramente, uma especialização de um certo jornalismo português, muito patente nos títulos dos jornais ou dos seus "sites" informáticos, mas igualmente presente, quase por um peculiar imperativo deontológico doméstico, nos noticiários televisivos. Os exemplos são aos milhares, pelo que aconselho o leitor a estar atento, nos próximos dias, à eventual divulgação de qualquer estatística ou linha tendencial positiva. Logo verá que, no segundo seguinte, aparece uma frase começada por: "Porém ..." ou "Mas, contudo,..." ou "No entanto,...".
Querem exemplos? "As praias portuguesas foram consideradas das mais limpas da Europa, em 2009. Porém, neste domínio, a Itália evoluiu mais do que Portugal, nos últimos dez anos". Ou ainda: "Há menos incêndios em Portugal em Julho de 2010 do que em idêntico período de 2009, mas isso pode ter ficado a dever-se às temperaturas mais baixas".
As estatísticas económicas e sociais são "bombo da festa" deste "jornalismo". Qualquer índice positivo em Portugal aparecerá, inevitavelmente, diminuído por um outro que permita negativizá-lo ou por uma oportuna comparação ("Contudo, dentro da UE, a economia de Malta cresceu mais no mesmo período" ou "No entanto, Portugal não conseguiu chegar ao nível de recuperação de postos de trabalho obtido por Chipre").
De notar que há uma "regra de ouro" nesta escola de jornalismo: nunca se "poluem" as notícias negativas com notas positivas, como por exemplo: "Desemprego cresceu no último mês, mas a taxa do seu crescimento tem vindo a diminuir de forma sensível, o que aponta para uma recuperação".
As estatísticas económicas e sociais são "bombo da festa" deste "jornalismo". Qualquer índice positivo em Portugal aparecerá, inevitavelmente, diminuído por um outro que permita negativizá-lo ou por uma oportuna comparação ("Contudo, dentro da UE, a economia de Malta cresceu mais no mesmo período" ou "No entanto, Portugal não conseguiu chegar ao nível de recuperação de postos de trabalho obtido por Chipre").
De notar que há uma "regra de ouro" nesta escola de jornalismo: nunca se "poluem" as notícias negativas com notas positivas, como por exemplo: "Desemprego cresceu no último mês, mas a taxa do seu crescimento tem vindo a diminuir de forma sensível, o que aponta para uma recuperação".
Era só o que faltava!, estarão a dizer os cultores do "jornalismo adversativo".
15 comentários:
Interessante reflexao...
Será porque em teoria uma má notícia vende mais do que uma boa?
Errado.
Mesmo quando em directo, perante acontecimentos a decorrer, há sempre hipótese de os piorar, de relativizar algo de positivo.
Andava a pensar fazer um post assim.
Fico agradecido pela antecipação e, só não aplaudo, porque penso que podia ainda ser pior...
Cumps
Gostava mais da primeira imagem. Era mais expressiva, mais harmoniosa com o texto e com os personagens. Acho que eu talvez conseguisse fazer ainda pior, mas eu não tenho que ser tão correto.
Um abraço
Caríssimo amigo Embaixador Francisco Seixas da Costa,
Este tema do "jornalismo adversativo" é para mim particularmente importante, porque tem a ver com a essência do regime democrático.
Concordo, em parte, com a tese do Senhor Embaixador Francisco Seixas da Costa de que existe um complexo de inferioridade larvar que nos diminui como povo, o que sempre procurei combater por partir do pressuposto errado de que no estrangeiro tudo corre melhor ( "mito do paraíso mora ao lado").
Sem dúvida, que no século XXI há no jornalismo nacional e internacional um critério sensacionalista que menospreza a verdade e prefere o efeito mediático das notícias ou "meias notícias" junto da opinião pública.
O Professor José Manuel Tengarrinha, ilustre jornalista e historiador, escreveu em tempos uma "História do Jornalismo em Portugal" e revela-nos que durante o século XIX e início do século XX a imprensa portuguesa estava fortemente influenciada pelos artigos de opinião. Basta ver um dos meus últimos "posts" do meu blogue em que escrevi sobre Manuel de Brito Camacho para compreender o papel doutrinário que ele teve em vários jornais Republicanos para descredibilizar o regime monárquico.
No século XX, já na III República como gosta de a ela se referir o Dr. Mário Soares, houve uma tentativa de evolução ao procurar separar-se os artigos de fundo, de investigação, que poderiam conter uma perspectiva crítica e opininativa das simples notícias.
Na minha opinião o bom jornalista deve emitir o seu juízo de valor, em artigos de opinião, e clarificar por uma questão de honestidade intelectual as suas opções ideológicas. É isso, aliás, que existe em França em dois grandes jornais de referência ( "Le monde" e "Le Figaro" ) onde as linhas editoriais têm uma clareza ideológica invejável, como o Senhor Embaixador melhor saberá.
Segundo opinião de muitos politólogos vivemos neste mundo Global em "democracia musculadas" e os poderes políticos procuram controlar os meios de comunicação social como é o caso paradigmático de Berlusconi em Itália. Para que haja democracias límpidas é necessário separação de poderes ( da política e da comunicação social ) e é preciso liberdade de expressão para permitir o jornalismo de opinião e demarcá-lo do jornalismo simplesmente noticioso. Como sempre, temos de encontrar um novo ponto de equílibrio social.
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Desse pecado sempre tentei fugir, ainda que não saiba muito bem se o consegui. Prontos, sem s: cá está o ainda que.
É calina a estória do cão a morder no homem e do homem a morder no cão. Qualquer manual de escrita a insere; não nos podemos esquer de que há quem escreva que o homem o a morder no cão, está bem. Mas, muito pior é quando o cão morde no homem. Adversativamente é um mimo.
Gostei muito deste texto, o que é absolutamente normal porque, para além de bem escrito, como habitualmente, me toca em particular.
O «jornalismo adversativo» não me deixa, de maneira alguma, satisfeito... Bem pelo contrário.
Senhor Embaixador,
Mais um interessante tema que inseriu no seu famoso blogue.
Sem eu ser jornalista, mas um aprendiz envolvido na informação por vários anos, poderei aqui referir-me à relativização de atenuar assunto em que o jornalista se envolveu; seguir pelo negativismo, pelo impressionismo ou no sentido da sobrevivência. Com a informação também a pessoa vive embora mal.
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Bem melhor que eu o Senhor Embaixador Seixas da Costa conhece que tudo neste mundo se movimenta sob a informação desde que esta foi inventada e que os “pombos” foram um veículo fantásticos para levar notícias, a centenas de quilómetros, com rapidez.
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Evidentemente que os títulos, em caixa grande nas primeiras páginas dos jornais, (não me refiro aos sites a circular na internet) é nem mais nem menos para vender a mercadoria inserida e, também uma forma a impressionar os leitores.
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A informação é uma forma de sensibilizar as pessoas para o bem e para o mal. Dela se servem governos de países como propaganda de suas actividades que nem sempre ao lado do interesse dos cidadãos mas para o lado dos interesses dos governantes. A maior parte das notícias não correspondem à realidade e falsas como Judas.
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A notícia não tem gosto que valha quando o gato comeu rato e com grande relevo se o rato se deliciou “papando” o gato.
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Haveria muito que descrever sobre o jornalismo... Fico por aqui.
Um bom fim de semana
Saudaçãoes do River Kwai (Tailândia)
José Martins
Senhor Embaixador: a denominada ccminicação social portuguesa, incluindo a de natureza juridica pública parece apostada em nos arranjar uma depressão colectiva.Não sei se estamos perante uma espécie de consertação,com duvidosos objectivos, ou se apenas se trata de incompetencia; mas lá que é fatigante lá isso é.
Só faltou acrescentar uma coisa, é que ao contrário do que parece que pensam os cultores desse tipo de jornalismo, isso não os faz vender mais. Portugal é um dos países em que se lêm menos jornais.
Eu prefiro gastar o meu dinheiro em boas notícias, não em más. E creio não ser o único. Não quero um mundo pintado de cor-de-rosa, mas prescindo das pinturas negras à força.
Por outro lado;
a suposta Mulher de perdição depois de destilar a sensualidade de Eva coloca o arame farpado eletrizado insinuando que afinal havia já outro perpetuamente no podium e que era só para impressionar que é como quem diz prender a atenção, ou o parto do rato da mãe montanha...
Dois passos para a frente um e noventa e nove para trás...
A tese da garrafa meia cheia que também pode estar meia vazia...
ponto da situação
Não está bem nem mal...
Há efetivamente falta de melhor, nem sei se cada jornal tem número clausus de páginas...
Subscrevo na integra Rubi...
Isabel Seixas
Peço licença para corrigir umlapso do coment´rio de Nuno Sotto Mayoor Ferrão: segundo o Dr. Mário Soares, não há nem houve uma III República, uma vez que esta é, diz ele e muito bem, a II. O regime nacional-clericalista de Salazar não era republicano.
uanto ao "jornalismo adversativo" (feliz designação), penso que nada tem a ver com pessimismo ou auto-flagelação.
Nuns casos, porventura a maioria, é incompetência; noutros é oposicionismo de pacotilha.
Caríssimo amigo Gil,
Tem toda a razão. Eu próprio já tinha dado pelo lapso. Para o Dr. Mário Soares, que muito admiro, estamos efectivamente na II República. Quanto a mim percebo pefeitamente e aceito as suas justas intenções, mas tudo dependerá da classificação teórica que se faça de regime político Republicano. Agradeço a sua nota.
Na verdade, como diz o caríssimo Gil no "jornalismo adversativo" existe de tudo um pouco: incompetência sensacionalista, oposicionismo de pacotilha e oposicionismo de forte convicção ideológica como foi o caso de Brito Camacho como poderá verificar no meu blogue, caso tenha curiosidade de ler o que digo.
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Esse tipo de jornalismo acaba por ser, quem sabe, o “negativo” daquilo que institucionalmente muitas vezes nos é transmitido. De um lado temos, frequentemente, o “optimismo”, ou o “lado excessivamente positivo” – e isto desde há muito, não é de agora – de quem nos transmite, institucionalmente, as coisas boas; do outro, o tal jornalismo, a procurar diminuir esse efeito, a menosprezar, habilmente, as tais “boas notícias”. A Política e o Jornalismo de hoje são assim mesmo, funcionam desta forma. Aqui e lá por fora. Não nos iludamos. Ninguém “compra” boas notícias, ou, pelo menos, aquilo que vende é o que é “mau”, corre menos bem, é trágico, etc. Naturalmente que há sempre excepções. Por exemplo “cura do cancro está eminente, em virtude de um medicamento que cientistas...etc ,etc”. Talvez seja ingénuo, mas julgo que muitas das pessoas que ouvem esse tipo de notícias, veículadas por esse género de jornalismo, sabem retirar o que lhes interessa, sobretudo se, de algum modo, as tais notícias lhes disserem directa, ou mesmo indirectamente, respeito.
Confesso que não me impressiono com esse tipo de jornalismo, mas também não o condeno. É-me indiferente. Preocupa-me mais a mentira insidiosa, venha ela donde vier. O que, infelizmente, sucede, há uns tempos a esta parte, com regularidade. Da parte do tal jornalismo, mas também institucionalmente. Há princípios que, há algum tempo a esta parte, deixaram de ser respeitados. Como, por exemplo, dizer a verdade. Ou ser-se honesto. Tão só! Enfim, tempos que já lá vão - quer-me parecer. Mas, se calhar, deu-me para o péssimismo, hoje.
P.Rufino
PS: verifico, “com curiosidade”...que de quando em quando aparecem por aqui uns Anónimos que o são...de facto, não se identificando. Como sombras que passam, “picam”, mas não deixam assinatura. É pena. Isto de não se dar a cara...
Eu, que sou literalmente um zero à esquerda em termos de cultura/política, inquieto-me, porém, com uma dúvida: se as sondagens actuais vierem a ser confirmadas, o que é acontecerá aos mentores do "Jornalismo Adversativo"? Emigram? Ou viram o bico ao ... jornalismo?
Só esta dúvida (que horror(!) como sou má) me faz desejar ver a "festa-vir´ó-bico" que logo surja.
Vamos estar atentos?
Desta vez não concordo consigo, caro Sr. Embaixador. O nosso jornalismo tanto é adversativo como demasiado afirmativo. Depende dos interesses dos donos.
Agora que o afirmativo PM está manifestamente de partida, é adversativo mas, aqui há uns tempos, quando ele dizia-a "esfola-se" a TV e os seus opinian makers diziam "mata-se".
O jornalismo, diz-se, é feito por jornalistas, mas cá para mim estes
são capazes de ter patrão.
V
Achei o seu artigo muito interessante.
Tenho pensado que por este andar, em breve iremos acreditar que só nos resta o suicídio colectivo!
Talvez por isso iniciei um Blog, mas com conteúdo positivo, coisas agradáveis que existem! Estou a tentar, ainda comecei há pouco tempo.
http://portugalredecouvertes.blogspot.com/search/label/Accueil
Atentamente
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