António Pedro de Vasconcelos pertence a uma raça muito rara de cineastas portugueses que conseguem cumular três características: terem indiscutível qualidade, não serem chatos e, seguramente por isso, terem, entre nós, um público que paga para ver as suas obras - essa coisa pouco comum, algo "suspeita" e até menos dignificante, no peculiar mundo da produção cinematográfica lusa. José Fonseca e Costa é outro desses autores.
O cineasta tem, por essa razão, toda a autoridade - profissional e cultural - para se pronunciar como o fez, numa carta que dirigiu à ministra da Cultura, que pode ser lida aqui. A sua tese é simples: o Estado democrático não deve ter uma política do gosto.
Não tenho a menor dúvida que esta declaração, frontal e corajosa, de António Pedro de Vasconcelos vai ao arrepio da opinião de quantos, lá no fundo, não se importam de ver as salas de cinemas do nosso país "cheias" como a imagem documenta. São os adeptos de um cinema português para uns "happy few", onde se contam os amigos, os amigalhaços da crítica e, presumo, os membros dos júris que lhe atribuem os subsídios.
7 comentários:
nesse caso, Truffaud nunca teria sido cineasta.. e o sr. Embaixador que diz gostar tanto dos filmes dele...
Senhor Embaixador,
Sou muito amiga de ambos. E com António Pedro de Vasconcelos até trabalhei dando aulas de guionismo e escrita criativa. O que, aliás, continuo a fazer a par da "doce economia"...
Sempre gostei desta minha dupla vertente das letras e da economia matemática, a área em que acabei por ser mais sabedora.
Têm ambos os realizadores essas qualidades que tão bem referiu. E APV tem toda a razão no que diz.
Ai! as "carinhas larocas" são sempre um perigo quando se institucionalizam.
Deus nos ajude com uma qualquer sinfonia para piano!
Caro Anónimo a nouvelle vague nasceu numa altura específica. Felizmente, porque ainda hoje me emociona. Mas para ela poder existir foi e é necessário fazer "filmes comerciais de qualidade". Sem complexos. É deles que vem o dinheiro para o chamado "cinema de autor"!
que "filmes comerciais de qualidade" franceses é que tornaram possível (financiando) a nouvelle vague francesa, naquela "altura específica"?
e que percentagem dos supostos lucros de "A bela e o paparazzo" (esse portento cinematográfico, qual Truffaud-t ou Resnais ou Rohmer) é que serão canalizados, de facto, para "cinema de autor" português?
estamos a falar de cinema ou de "amigos"?
APV tem, evidentemente, razão: o Estado não deve ter uma política de gosto.
O problema é que os recursos de que o Estado dispõe para subsidiar o cinema são parcos, muito parcos.
Assim, algum critério terá que haver para a sua distribuição.
E quais deverão ser esses critérios? "First came, first served"? "Já tiveste há 2 (3, 4, 5...) anos, agora não levas nada"? Quem compõe o júri? Alguns nefelibatas exteriores ao"meio", que não conhecem nem são amigos de ninguém, para evitar favoritismos?
Fazem-se em Portugal, anualmente, 15 ou 16 longas metragens por ano.
Deixa de se subsidiar curtas e médias?
Os dez filmes mais vistas dos últimos anos tiveram uma receita da ordem dos 750 mil euros.
O verdadeiro problema está em que só menos de 3% dos espectadores portugueses que vão ao cinema veem filmes portugueses.
Dir-me-ão que é porque recusam um "cinema português para uns 'happy few', onde se contam os amigos, os amigalhaços da crítica" .
Permitam-me que diga que não é por aí que o gato vai às filhozes.
Não contesto, antes tendo a concordar, com a apreciação feita a APV e a Fonseca e Costa (dos quais também sou amigo) pelo autor do blog. Há outros com as mesmas qualidades (dos quais também sou amigo); e há, ainda, alguns com outras qualidades (também sou amigo de alguns destes).
E, embora o post não vá nesse sentido, quando esta matéria é discutida é frequente resvalar-se para uma pretensa dicotomia entre "cinema comercial" e "cinema de autor", velha falácia que envenena e distorce a análise do problema.
É uma conversa que não leva a nada e é pretexto, quase sempre, para algumas enormidades e obscurantismos.
Tendo feito expressa declaração de interesses - neste caso de amizade - julgo que o Anónimo terá percebido a que me refiro.
Manuel de Oliveira, por exemplo, faz cinema de autor. Financiado por quem?
E quando se financia Oliveira outros ficam por financiar. Ou não?
Julgo que fui muito claro na questão colocada: que percentagem dos supostos lucros de "A Bela e o Paparazzo" é que serão canalizados, de facto, para o "cinema de autor" português? Com quanto é que "A Bela e o Paparazzo" vai contribuir para o próximo filme de Manoel de Oliveira, ou de João Salaviza, ou de Gabriel Abrantes? É que comentar, opinar, sob desconhecimento de causa, e toldado pelos "amiguismos", não faz muito sentido... E muito menos dizer que se gosta muito de Truffaud-t só porque soa bem, dá estilo, e logo a seguir elogiar o cinema rasteirinho de APV? Mera diplomacia de plástico, à Pepsodent, com pouco conteúdo e nula verticalidade moral...
O seu comentário rasteirinho, à Pepsodent, é apenas isso.
Enviar um comentário