Somos um país ingénuo. Recordo-me de que, durante anos, nos fomos auto-sossegando pelo facto de não existirem vozes parlamentares que ecoassem os ódios da extrema-direita. Uns, mais líricos, diziam que éramos diferentes, que o racismo e a xenofobia não existiam por cá. Outros achavam que o trauma, relativamente recente, de uma ditadura imunizara o país contra apelos autoritários ou populistas.
E, agora, ele aí está: um deputado, um eleito do povo, com um discurso onde muitos leem o apelo à discriminação, um tom racista, xenófobo e autoritário, que cavalga, de forma demagógica e populista, medos e sentimentos mesquinhos, os mesmos que atravessam a lixeira moral das caixas de comentários dos jornais e dos “sites”, onde se alimenta a linguagem acre sobre “eles” – sobre os “pretos”, a “ciganada”, os “mouros”, os “monhés”, os estrangeiros, os imigrantes, os refugiados, enfim, sobre o diferente. Agora, já não são apenas “skinheads” e patrioteiros caricatos, abusando a bandeira verde-rubra. Será alguém engravatado, do alto da sua imunidade parlamentar, com direito regular a tribunas mediáticas, a espaços para fomentar proselitismo, junto desse Portugal de frustrados e de raivosos, do “isto é tudo um bando de gatunos e corruptos”.
Esse deputado demorou a chegar, mas chegou. A extrema-direita aí está, pronta a concitar politicamente receios, a explorar a criminalidade num dos países mais seguros do mundo, a rejeitar a abertura humanista aos refugiados, a pôr em causa a imensa riqueza que é vivermos hoje num país da diversidade, nesta bela praça de diferenças, feita de gentes vindas de um mundo por onde um dia outro Portugal andou.
Não me apetecia lembrar isto, mas não me posso furtar a fazê-lo: lamento que tenha sido Pedro Passos Coelho, alguém de quem discordo profundamente mas por quem tenho consideração pessoal, que tenha cometido o gravíssimo erro político de proporcionar, através do PSD, um palco a uma figura deste jaez.
Estarei a exagerar? Não será isto um mero epifenómeno, controlável e contível nas suas proporções? A história recente da Europa mostra-nos que esta é uma nódoa que alastra com grande facilidade, porque se apoia em sentimentos primários, em caricaturas fáceis, em reações epidérmicas. Quando vozes que ganham um estatuto institucional surgem a dizer alto aquilo que muitos, envergonhadamente, pensam ou murmuram, o mal está feito. É a democracia, dirão alguns. Prouvera que a democracia tivesse boas armas para combater a mentira. O facto é que, muitas vezes, não tem.