As revistas cor de rosa (e, desta vez, a cor é importante) vão tratar com curiosidade o casamento que hoje tem lugar entre o primeiro-ministro luxemburguês e o seu namorado, num país onde o vice-primeiro-ministro fez também já o seu "outing" como homossexual.
Os casamentos homossexuais, nos países onde eles são já permitidos, começam hoje a tornar-se vulgares e, em especial na Europa, diversos políticos têm vindo a assumir publicamente essa sua orientação. Estou certo que o chefe do governo luxemburguês tem clara consciência de que este seu caso vai ajudar muito a comunidade "gay" internacional e representará um passo mais na longa batalha de reconhecimento do direito das pessoas do mesmo sexo assumirem livremente as suas relações afetivas e, para elas, obterem um reconhecimento legal idêntico aos dos casais heterossexuais. Essa sua batalha passa, não apenas pelo fim de preconceitos, mas igualmente pela manutenção de uma constante pressão internacional sobre países cujas culturas - e até a legislação - ainda rejeitam a homossexualidade, algumas vezes considerando-a mesmo uma doença ou um grave comportamento desviante, identificado a crime.
Pertenço a uma geração em que a homossexualidade foi vista, durante muito tempo, como um desvio comportamental negativo, a que estava associado um elemento de culpabilidade e de rejeição social. Não aceite por muitos, apenas tolerada por alguns, a condição homossexual era - e ainda continua a ser, em muitos meios - alvo de uma chacota machista, das anedotas ao vocabulário identificativo. Sempre tive muito poucos amigos e amigas que se assumiam abertamente como homossexuais. Com a maioria dos restantes criou-se um "não dito", isto é, eles sabiam que eu podia saber que eles eram homossexuais, mas tinham a certeza que essa sua orientação sexual era, em absoluto, irrelevante para a nossa relação pessoal. Hoje, conto alguns entre os meus melhores amigos. Mas, repito, eles são amigos, não são "homossexuais que são meus amigos".
As carreiras diplomáticas foram vistas, durante muitos anos, como acolhendo mais homossexuais do que outras profissões. Sem preocupações estatísticas, mas a avaliar apenas pelos casos que conheço, tenho hoje a ideia de foi sempre demasiado exagerada essa perceção pública ou, provavelmente, um certo estilo mais cosmopolita de vida terá conduzido os colegas de profissão com essa orientação sexual a serem menos preocupados em ocultarem as suas tendências. Mas já vai muito longe o tempo em que se considerava que a homossexualidade de um diplomata o expunha a chantagens e, de certo modo, podia convertê-lo num risco de segurança. O que não significa que a homossexualidade não possa ainda tornar-se num "caso" diplomático, como se verificou recentemente, com a não aceitação pela Santa Sé de um embaixador francês casado com outro homem. Mas, nesta circunstância, a questão religiosa, onde a evolução no tratamento do tema tem sido mais lenta, é a razão de ser.
Portugal vive hoje dias muito diferentes quanto à aceitação da homossexualidade e outras formas de expressão sexual, que os normativos multilaterais internacionais acolhem e protegem hoje de forma detalhada. As novas gerações portuguesas, ao que me é dado a observar, convivem com muito maior naturalidade com as diferenças na sexualidade e, muito em especial, estão cada vez menos sujeitas a formas de aculturação familiar que favoreciam a transmissão geracional dessa discriminação. Isso não significa que os homossexuais, entre nós, não tenham ainda um imenso caminho a percorrer para ganharem a sua plena liberdade e igualdade de estatuto. Esta é ainda a razão pela qual este post, que quebra pela primeira vez entre nós o tabu de falar abertamente da homossexualidade na carreira diplomática, vai, com toda a certeza, ser glosado pelos claustros das Necessidades.