Na minha infância, os aparelhos telefónicos eram negros, sem quaisquer algarismos. Quando se levantava o auscultador, surgia do lado de lá da linha uma voz feminina (eram "as meninas dos telefones") que inquiria "Número?"
A mudança para os telefones em que, ouvido um simples apito, passava a discar-se o número foi, à época, um avanço espetacular! Só lentamente as casas foram dotadas dos novos aparelhos, que passaram a ser um "luxo" invejado.
Na minha família de Viana do Castelo havia uma história divertida, desses tempos dos anos 50, do século passado.
Um amigo da família, muito dado à brincadeira, fez num desses dias uma chamada telefónica para casa de uma determinada senhora. Alegando falar em nome dos "Correios" perguntou à senhora se já tinham instalado na sua casa um novo telefone e, sendo esse o caso, se estava satisfeita com o serviço.
A senhora revelou-se encantada, tudo funcionava na perfeição.
Foi então que o "técnico" solicitou à senhora que fizesse um simples teste para apurar, em definitivo, que tudo estava a 100%. Era simples: bastava colocar o dedo nos orifícios de cada algarismo, sem rodar o disco e, caso a caso, informar se ouvia algum ruído especial. A senhora, crédula, lá levou a cabo o "teste", desde o "zero" ao "um", sempre dizendo que não ouvia nenhum som que fosse necessário reportar.
Concluída a operação com o "um", foi dito à senhora que, se não se importasse, e apenas para completar o "teste" e comparar a eventual sonoridade, ele metesse então o dedo no "c...".
Do lado de lá da linha, a senhora, ultrajada, reagiu com impropérios e, naturalmente, desligou.
Ao final do dia, disfarçando bastante a voz, a mesma pessoa, voltou a ligar à senhora. Desta vez, identificou-se como falando em nome da Polícia. As autoridades tinham sabido que alguém estava a fazer-se passar por técnico dos Correios e que, nessa falsa condição, tinha tido propósitos muito inconvenientes para com vários assinantes. Pretendiam saber se, por acaso, aquele número teria sido vítima de uma ação similar.
A senhora informou que, de facto, também ela fora objeto dessa desagradável experiência.
O "polícia" porém, tinha uma questão: o modo como a cena se passara com os diversos assinantes atingidos pelo inconveniente interlocutor não fora exatamente o mesmo. Por isso, não obstante perceber que poderia até ser algo constrangedor para a senhora, seria importante, "para os autos", que ela relatasse exatamente como as coisas se tinham passado.
A senhora lá se prestou a evocar toda a história, com o "polícia" a pretender precisões, qual a ordem dos algarismos que tinha sido seguida e outros pormenores "técnicos". Ela esforçava-se por ser exaustiva mas, na fase terminal da descrição, a sua hesitação começou a ser evidente. A "autoridade", porém, não desarmava e queria "factos", detalhes das expressões utilizadas, porque isso era da maior importância para o inquérito.
Com esforço, baixando a voz, lá disse: "Bom, no fim, o que ele me pediu - eu até tenho vergonha de dizer isto, senhor guarda! - é que metesse o dedo no c..".
- Ah! Mas isso é incrível, indecente, de uma má-criação sem limites. A senhora tem toda a razão para estar indignada. É muito triste haver gente tão mal educada, com tanta falta de respeito pelos outros!...
E, subitamente, mudando um pouco de tom, inquiriu: "E diga-me uma última coisa, minha senhora: isso passou-se a que horas?"
A senhora explicou que fora cerca das 11 da manhã.
O "polícia" fez as contas: "Ora então foi às 11 da manhã! Sendo agora 7 da tarde, quer isto dizer que passaram oito horas, não é verdade, minha senhora?"
Sem perceber bem a que vinha tal contabilidade, a senhora anuiu.
Ao que o "polícia" concluiu: "Ora muito bem, tendo já passado oito horas, acho que já pode tirar o dedo de onde o meteu..."